segunda-feira, 29 de junho de 2009

Temos a escola que a maioria quer?!

“As provas de avaliação sempre suscitaram a repulsa dos pedagogos “modernos”. O argumento era o de que semelhantes testes não reflectem o que os alunos realmente sabem. Os exames nacionais aplicados pelo corrente Ministério da Educação demonstram que os pedagogos “modernos” tinham razão: as notas aproximam-se da excelência e os alunos não sabem nada. Isto sucede porque cada ano os exames se vão adequando ao QI de Forrest Gump. Por enquanto a subida nas respectivas médias só eleva as crianças indígenas a lugares honrosos nas tabelas comparativas internacionais. Mas quando o exame de Matemática do 12.º ano se resumir a pintar com guache o algarismo 8, não duvido que o topo das tabelas será nosso. Parece bom? Se calhar é bom. É certo que, aqui ou ali, duas dúzias de líricos protestam as quebras nos padrões de exigência e avisam que o Estado está a fabricar idiotas. E depois? Não compete ao Estado democrático formar génios: compete-lhe, como prometia a Declaração de Independência americana, criar condições para a felicidade das pessoas. E as pessoas, pelo menos no que toca ao ensino, estão felizes. O ministério congratula-se com o brilharete estatístico. As crianças também andam contentes e, embora exibam dificuldades em se exprimir numa língua existente, surgem nos “telejornais” a considerar “bué da fácil” os testes de Português. E a CONFAP, uma coisa que diz confederar as associações de pais, aplaude, ressalvando que os exames ainda são um nadinha exigentes e que, em vez de se ocupar com trivialidades, a escola tem de investir na “componente de apoio à família”, leia-se armazenar por tempo indefinido os meninos que os progenitores não aturam. A experiência própria junto dos pais (não confederados) que conheço, confirma a tendência. Com excepções, a maioria aceita com jovialidade que no final da “primária” (ignoro a designação actual), a descendência não consiga identificar o País num mapa ou demore meia hora a ler um rótulo de Nestum. Suponho que, no final do “secundário”, a descontracção face a estes ligeiros óbices permaneça igual. A única função que a generalidade dos pais exige à escola é a de ama-seca, capaz de lhe devolver os petizes ao fim do dia em perfeita saúde e, o que não custa, com um boletim escolar limpo de reprovações, castigos e demais maçadas. O pormenor de os cérebros dos petizes continuarem limpos de instrução não perturba milhões de envolvidos. E porque deverá perturbar um punhado de observadores distantes? Numa perspectiva racional, de facto não há motivo para que a escola preste serviços não requisitados pela sociedade em que se insere. Se quase ninguém o deseja, o ensino tradicional perdeu a razão de ser, e por isso até estranhei ver o eng. Sócrates, na entrevista à SIC, todo orgulhoso por oferecer às crianças “competências informáticas” e fluência em Inglês. Logo a seguir, porém, lembrei-me que a informática corresponde aos joguinhos do Magalhães e que o Inglês é provavelmente técnico. A notável carreira do eng. Sócrates mostra que não é preciso muito mais.”
Alberto Gonçalves, na “Sábado” da passada quinta-feira (25/06/2009)

2 comentários:

Diogo disse...

Eu também sou visceralmente contra testes. Defendo que os alunos devem fazer trabalhos individuais e apresentá-los. Qualquer professor saberá se foi o aluno que fez o trabalho.

Na vida profissional não há testes nem exames. Quando me pedem para fazer um determinado programa ou uma determinada rotina (sou programador), para qualquer dúvida que tenha, vou a help, aos livros, à Internet ou pergunto a um colega meu. O importante é que o trabalho seja bem feito.

Quanto à política do governo, a intenção é absolutamente perversa: desvalorizar todo e qualquer grau académico e demolir a formação.

Apache disse...

“Eu também sou visceralmente contra testes.”
Neste aspecto estamos em lados opostos da barricada. Acho que os testes são o melhor indicador dos conhecimentos adquiridos. E entendo os exames fundamentais para uma aferição a nível nacional.

“Qualquer professor saberá se foi o aluno que fez o trabalho.” Na generalidade sim. O problema é que quase nunca são os alunos a fazer os trabalhos, mas sim o explicador.

“Na vida profissional não há testes nem exames.”
É suposto que os conhecimentos já foram adquiridos e chegou a hora de desenvolver competências, por aplicação concreta de parte desses conhecimentos e pela experiência que aos poucos se vai adquirindo. Num curso profissional (infelizmente os que existem só têm o nome) não me choca nada que não haja exames nem testes teóricos mas nos restantes cursos parece-me fundamental.

“Quanto à política do governo, a intenção é absolutamente perversa: desvalorizar todo e qualquer grau académico e demolir a formação.”
Totalmente de acordo.