quinta-feira, 23 de julho de 2009

“Afinal, para que serve a escola?”

“É minha convicção profunda que o próximo responsável pelas políticas educativas tem, obrigatoriamente, de assumir as intervenções que enumerei no último artigo se quiser recuperar a confiança dos professores e travar a degradação do sistema de ensino. Aquele elenco de medidas é politicamente incontornável e instrumento primeiro de uma reconstrução imperiosa. Mas deve ser complementado com uma acção segura de envolvimento da sociedade, num debate social sobre a missão da escola de massas e sobre o significado e pertinência de alguns conceitos que a condicionam definitivamente. Quando reflicto sobre o tema e avalio os estragos dos últimos anos, perece-me evidente que a falta de densidade cultural de quem governou a Educação nacional reduziu a zero o valor intrínseco do conhecimento. Como se a vida se limitasse a utilidades imediatas e a competências instrumentais. Como se nos bancos das escolas se sentassem robôs em vez de pessoas. Afinal, para que serve a escola? Definitivamente, para colocar um determinado acervo de conhecimento ao alcance dos alunos e assim cooperar num processo educacional mais vasto, que a extravasa. O valor instrumental que esse conhecimento possa vir a representar em contexto de vida social deve ser consequência, que não objectivo determinante a que tudo se subjugue. E toda a acção educativa deve ser norteada por esta filosofia, se quisermos seres autónomos, capazes de perceberem o mundo que os rodeia. À ideologia pedagógica que se apoderou do Ministério da Educação juntou-se, nos últimos 4 anos, uma teologia de resultados e uma manipulação estatística que dilaceraram o valor intrínseco do conhecimento, empobrecendo drasticamente a qualidade da escola de massas. A sobrevalorização dos processos por referência ao conhecimento, ditada por uma falsa doutrina de sucesso a qualquer preço, criou mesmo mecanismos perversos de discriminação social. Refiro-me à ideia peregrina de diminuir a exigência do conhecimento a adquirir por determinados grupos, social e economicamente desfavorecidos, assumindo como corolário dessa debilidade uma capacidade intelectual menor desses grupos. Querem mais maquiavélica forma de eternizar as diferenças? Esta desvalorização do valor do conhecimento, porque prejudica os resultados que os responsáveis querem exibir, explica também o aviltamento de certas disciplinas científicas, estruturantes de uma sólida formação humana. Falo da Filosofia, da Matemática, da Literatura, da História e da Geografia, por exemplo. Boa parte da seriedade de conteúdos doutros tempos foi preterida por listas de competências pós-modernas ou por actividades educativas sem substrato cognitivo. Mais uma vez, o resultado é evidente: os pais mais cultos e mais ricos ensinam ou pagam a quem ensine o que a escola não trata; os outros permanecem escravos da rua e da televisão. Este estado de coisas evidencia um erro clamoroso das políticas educativas dos últimos tempos: quando decidiram baixar o nível de exigência cognitiva, acreditando que lograriam assim motivar os culturalmente mais débeis, tão-só generalizaram a mediocridade. Parece óbvio que o caminho passa pela coragem de retomar conteúdos cognitivos nucleares, cujo valor intrínseco seja aceite por via de um debate social que o demonstre. Mas, aqui chegados, dizer que devemos voltar à prevalência dos conteúdos cognitivos centrais e à consagração do valor intrínseco do conhecimento não nos levará além de um simples enunciado de intenções, que só ganhará credibilidade quando concretizado em medidas. Sem as esgotar, que o espaço mais não permite, destaco três, que reputo como prioritárias: 1- Consagrar a autoformação dos professores, assistida por estruturas competentes de supervisão e superação de dificuldades científicas. Não há outro caminho. Tutelar e centralizar a formação contínua seria mais da mesma ineficácia. 2- Retomar a cooperação entre professores, que a competição artificial de uma avaliação do desempenho sem sentido nem ética destruiu. Neste quadro se filia outro erro monumental perpetrado pelo poder, qual seja o de ter conduzido à reforma antecipada, nos últimos anos, qualquer coisa como oito mil docentes dos mais qualificados e experientes, dilapidando gratuitamente, sem visão de futuro e de modo irresponsável, a cooperação intelectual e pedagógica intergeracional, por meio da qual os detentores de maior formação e competência didáctica iam enquadrando e formando em serviço os mais jovens e inexperientes. 3- Expurgar os programas escolares de orientações didácticas e metodológicas sem sentido, que desorientam e castram a autonomia científica e pedagógica dos docentes e reduzem ao ridículo a solidez cognitiva das disciplinas. Este será um trabalho de anos que, pacientemente, irá reconstruindo a consistência e a maturidade de um corpo docente responsável.”
Santana Castilho, Professor do Ensino Superior, no Público de ontem (21 de Julho de 2009)

2 comentários:

Diogo disse...

Mais uma vez não encontrei links nenhuns (estou a gozar).

Não há dúvida que o governo está rebaixar o ensino. Mas esta política não está apenas a ser aplicada a Portugal. Toda a Europa e Estados Unidos sofrem do mesmo. Esta politica concertada a nível mundial pode ter um significado mais sinistro.

Apache disse...

«Mais uma vez não encontrei links nenhuns»
Porque hoje estou um “mãos largas”, dois ‘links’, no novo ‘post’ ;)

«Esta politica concertada a nível mundial pode ter um significado mais sinistro»
Parece (pelo menos) concertada no ocidente. Esperamos para ver os “próximos episódios”.