sexta-feira, 8 de outubro de 2010

A importância de ser...

«À saída do número cosmopolita que foi a conferência do nosso Primeiro na Universidade de Columbia, NY, sobre renováveis e variáveis, o ex-ministro Manuel Pinho, à saída da primeira fila, deu uma mini-entrevista à Lusa; foi reproduzida no "Público" e no "DN". Prefiro atribuir a pieguice e puerilidade da notícia a um subtexto irónico de jornalista de agência, caso contrário tratar-se-ia de jornalismo grotesco. Dá-nos conta de como "foi importante ser ministro cinco anos mas agora estou a adorar a minha vida em Nova Iorque". E continua por aí: o gabinete na Universidade de Columbia, onde é professor visitante, ou visiting professor em inglês técnico, tem uma óptima vista do oitavo andar sobre a zona norte de Manhattan. Os americanos são muito frugais nos hábitos e existe igualdade de tratamento social, ao contrário dos países da Europa do sul ("are you talking to me?"). Uma garrafa de vinho decente custa menos de 20 dólares. Levanta-se às 5 da matina para preparar as aulas. E teve a surpresa de ser convidado para ser docente do mestrado de renováveis pelo reitor da Universidade de Columbia, que lhe telefonou sem mais nem ontem no dia dos anos. Quer vir para NY? E foi. Uma vida adorável. Único problema: "Alguém tinha posto o seu telemóvel pessoal no silêncio e não encontrava uma forma de sair desta opção para pôr um toque bem audível no aparelho, numa altura em que já contabilizava seis chamadas não atendidas" (fim de citação). Como este país do sul da Europa não é constituído por parolos e como uma boa parte desses espertalhões também adorasse viver em NY, o ex-ministro Pinho recebeu uma carrada de comentários online: jocosos, odiosos e sérios com algumas verdades à mistura, devidamente noticiadas e que eu, como tantos parolos sulistas, não li. Juro que acreditei que o ex-ministro tinha mesmo sido convidado dada a sua proverbial esperteza em renováveis. E de renováveis também não percebo nada, pago-as, com o resto dos parolos, na factura da EDP. De resto, toda a gente acha que são muito boas para a saúde e o ambiente. O pior é que, curiosa de uns tantos comentários, fui pesquisar na Net, e pesquisando fui parar a uns blogues onde a discussão sobre renováveis e o seu custo me pareceu cientificamente descrita por gente que percebia do assunto; e onde fiquei a saber como é que o ex-ministro foi parar a NY. A EDP pagou. No "Jornal de Negócios online", uma notícia assinada por Helena Garrido deu-nos conta disso, a 13 de Agosto de 2010. A EDP fez uma doação de montante desconhecido à SIPA (School of International and Public Affairs) de Columbia, e criou um mestrado, um semestre em NY, uma cidade adorável, e um semestre no ISCTE em Lisboa, menos adorável, mas encantadora para estrangeiros e com vinho a menos de 20 dólares já que falamos nisso. Longe de mim comparar o meu desconhecimento do tema das renováveis com o know-how de Pinho nesta súbita especialidade sua, mas fiquei a saber, ao cabo de horas de pesquisa, que a factura desta nova forma de energia nos custa agora 700 milhões de euros. A ERSE, Entidade Reguladora Serviços Energéticos, descobriu uma coisa chamado défice tarifário, mais de 2000 milhões de euros, que tem de ser abatido em 2010 em 129 milhões de euros (notícia da TSF online). Neste défice tarifário, que ninguém sabe o que é exactamente, incluem-se os "custos das renováveis". E como vamos pagar o défice? Mais um euro nas nossas facturas em 2010; multiplicado por milhões é adorável. O preço do petróleo diminuiu e continuamos a pagar a electricidade cara. O consumo também diminuiu, adivinhem porquê: não há dinheiro dos parolos para pagar a fatura. A discussão fica interessante quando percebemos o logro das renováveis. Não como conceito mas modo de aplicação em Portugal. Descobri que a EDP Renováveis vende à EDP com lucro fabuloso e a EDP vende ao consumidor com mais lucro. Descobri que essa energia custa três a seis cêntimos a ser produzida e nós pagamos 17 cêntimos. Descobri que a EDP ultrapassou o máximo razoável de potência eólica instalada e que a exportação rendeu menos do que o custo; e descobri que o Sr. Primeiro-ministro, outro especialista de renováveis, instalou em S. Bento uma T. Urban, turbina eólica do INETI, que desde Novembro de 2007 teria produzido 8 Watt por hora, o que daria para alimentar uma lâmpada de poupança. Verdade ou mentira? A discussão é científica e mereceria ser investigada. Para sabermos quem são e o que são a chamada "máfia do vento" (promotores das eólicas, governantes, autarcas que recebem uma comissão) como lhes chama um ‘bloguer’ com formação na área e que é a favor das eólicas. Vou argumentar à Durão Barroso (não haverá aeroporto enquanto houver uma criança com fome): enquanto houver um velho que morra de frio no inverno, não deveria haver mestrados em NY nem Sócrates em inglês técnico. Temos de ter hábitos frugais. E cortar no vinho.»
Clara Ferreira Alves, na revista “Única” do “Expresso” do passado sábado

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