sexta-feira, 26 de agosto de 2011

De erro em erro

«O dr. Passos Coelho jurou há um mês que o Governo não gozaria de férias para que, cito, "o essencial das decisões a aplicar possam ser aplicadas". Descontado o erro de concordância, resta o erro da previsão: o Governo entrou de férias. O dr. Passos Coelho anunciou as suas no Facebook, presumindo, talvez acertadamente, que os cidadãos não têm mais o que fazer do que brincar nas ditas redes sociais. O dr. Passos Coelho não se limitou ao anúncio, mas publicou no Facebook toda uma mensagem "oficial", intitulada "Uma pequena reflexão de Verão" e destinada às "Caras amigas e amigos".
Descontado o erro de concordância, resta o uso aparentemente aleatório de iniciais maiúsculas. O dr. Passos Coelho refere o "nosso Grande Desafio como nação e como povo" como se o "Grande Desafio" fosse uma entidade autónoma e reconhecida no notário, refere a "Sociedade Portuguesa" como se o conceito beneficiasse de estatuto formal e refere "que a instabilidade no sistema Financeiro Europeu e Americano são travões para um percurso já de si cheio de sacrifícios", como se de facto não soubesse escrever.
Descontado o erro de concordância, resta o tom simultaneamente épico e vazio da pequena reflexão. A pensar no Algarve, o Dr. Passos Coelho espraia-se por clichés grandiloquentes, desde "Este é o momento!" até "olhar o futuro com confiança e optimismo", passando por "somos um povo de vencedores que nos agigantamos perante as maiores adversidades".
Descontado o erro de concordância, resta a sensação de que tudo isto já havia sido dito e de que o oposto de tudo isto já havia sido feito. Inevitavelmente, o fervor nacionalista irrompe sempre que a nação rasteja: se olharmos o futuro, aquilo que vemos a agigantar-se é o desastre, destino que dificilmente será evitado por um primeiro-ministro débil na palavra e nas palavras. Para cúmulo, meia dúzia de semanas bastaram para que, à semelhança do velho, o novo poder tomasse cada dissidência à conta de manifestação anti-patriótica, pressuposto que, a ser respeitado, faria que ainda fôssemos castelhanos.»
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias” de 11 de Agosto

terça-feira, 23 de agosto de 2011

“Um neoliberal é isto, Álvaro!” (2)

«HanusheK, economista da Educação por quem Nuno Crato tem grande apreço e trouxe recentemente a Portugal, foi dos primeiros a apontar a “falta de incentivos mercantis” (Journal of Human Resources, Junho de 1979) quando analisava a eficiência em Educação. Atente-se bem à semântica da expressão, não descuidada num académico com a responsabilidade dele. Mercantil é um adjectivo que se refere ao comércio, à mercancia, coisa bem afastada do objecto da Educação, suponho eu. Se tomarmos o vocábulo em sentido figurado, diz-se daqueles que perseguem só ganhos materiais, que são interesseiros e meros especuladores. A génese da avaliação do desempenho pode ser facilmente compreendida por quem a estude a partir da segunda metade do século passado, quando tomou relevância a preocupação política e económica de analisar em detalhe os custos de produção do serviço público de Educação. Por o ter feito, por a ter abordado na prática, em experiências e projectos de natureza educacional e empresarial, compreendo-a bem, rejeito-a como panaceia para a melhoria da qualidade da Educação e lamento que os professores e a sociedade em geral a aceitem como os crentes aceitam os dogmas, isto é, com reverência sacra. A avaliação do desempenho tornou-se um instrumento de uma concepção tecnocrática de gestão. A prática de modelos estereotipados para a realizar está estudada e reprovada pelo balanço dos resultados. Assim, a grande alteração que ficou por fazer foi desistir dela. O processo deveria ser indissociável da avaliação do desempenho de cada escola, depois de alterar radicalmente o modelo de gestão vigente. É estúpido avaliar com as mesmas referências e medidas o que é radicalmente diferente. É estúpido impor a todos o mesmo processo. É estúpido confundir a Educação com a actividade mercantil. Sei que incorro na fúria de muitos. Mas é o que penso e o que considero essencial. Tudo o mais é acessório, embora relevante, por ser tomado por essencial. Posto isto, vejamos, então, o acessório. Isenta-se da avaliação cerca de um terço dos docentes em exercício. Esperta malha. Calam-se muitos. Reduz-se o número de aulas a observar e, com isso, custos enormes e logística disforme. Pouco importa que se recupere, implicitamente, o conceito de professores titulares e que vá às urtigas o rigor do ministro e o que resta da coerência do seu discurso. Quotas viram percentis. Boa jogada! É mais erudito, ou não fora o ministro um mestre em Estatística e o secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar um anterior defensor da avaliação de Maria de Lurdes Rodrigues. E neste ambiente em que todos começam a fazer de conta que não foram o que foram e não disseram o que disseram, faz de conta que as quotas desapareceram. Como reclamavam os sindicatos. Se assinarem rápido o papel, substituam “acordo”, de má memória, por um sinónimo. “Ajuste directo” ou “conúbio” seria perfeito e adequado aos tempos!» Se afastarem a espuma, encontram o mesmo disfarce ideológico, que visa condicionar a independência intelectual e profissional do exercício da docência: pela precarização da profissão (fala Crato de assistir os “novos” isentando os “velhos”, ignorando que muitos dos “novos” têm 10, 15 e até mais anos de exercício); pela proletarização da profissão; pela persistência da desconfiança militante na classe; pelo refinamento dos padrões de desempenho, como se professor fosse sapateiro (sem desprimor para com tal ofício). Também isto, Álvaro de Vancouver, o ajudará a saber o que é um neoliberal.
Santana Castilho, no “Público” de 17 de Agosto

domingo, 21 de agosto de 2011

“Um neoliberal é isto, Álvaro!” (1)

«1- O Álvaro, que veio do Canadá para pôr a economia do país na ordem, disse na Assembleia da República que não sabia o que era um neoliberal. Agostinho Lopes ensinou-o assim: “…É alguém que tem três axiomas com que justifica tudo: globalização, revolução científica e técnica e competitividade. É alguém que tem três mandamentos sagrados: privatizações, liberalização dos mercados e desregulamentação dos mecanismos de orientação económica. E tem um único instrumento como variável de ajustamento dos desequilíbrios: o preço do trabalho …”. A lição dada ao Álvaro, se complementada com a compulsão para aumentar impostos e taxas, faz uma bela síntese da actividade do Governo até agora. 2- O ministro das Finanças também precisa de uma lição que o esclareça sobre o que é uma conferência de imprensa. Convocada uma, que se supunha para anunciar os cortes na despesa, proibiu as perguntas e prendou-nos com mais aumentos, agora na electricidade e no gás. A subserviência à troika deixou à dita a missão soberana de, finalmente, esclarecer os indígenas sobre o desvio colossal, a solver com mais confiscos colossais. Aproveitando a inércia, Passos Coelho foi lesto no “Pontal”: preparem-se que vem aí muito mais e, por favor, não estrebuchem, porque o inferno espreita. Quanto ao corte na despesa, é esperar até Outubro. Antes, Passos tem que ultimar a oferta do BPN a Isabel dos Santos e companhia, resolver o bónus da TSU e escolher quem vai abocanhar a TAP, a RTP, os CTT, as Águas de Portugal e um naco da CGD, tudo a preço de saldo e em nome do inferno que espreita. 3- Para os que ainda tinham dúvidas, chegou a definitiva dissipação: a regulamentação da avaliação do desempenho dos professores, agora apresentada, é tão-só o “Simplex 3” do modelo de Maria de Lurdes Rodrigues, que sucede ao Simplex 2 de Isabel Alçada. Definitivamente, há uma nota que sobressai, por maior que seja a esperteza para a dissimular: continuar a política que privilegia a diminuição do preço do trabalho.»
Santana Castilho, no “Público” de 17 de Agosto

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Foi-se mais um moscardo mas o excremento, senhores…

Na passada segunda-feira, o Secretário de Estado do Emprego, Pedro Silva Martins, e a Secretária de Estado do Ensino Básico e Secundário, Isabel Leite, reuniram com o Presidente da Agência Nacional para a Qualificação (ANQ), Luís Capucha, tendo-lhe comunicado que não seria renovada a sua comissão de serviço, não sendo, portanto, reconduzido no cargo. Recorde-se que a ANQ é a entidade responsável pelo Programa Novas Oportunidades (NO) e que no passado dia 16 de Maio (em plena campanha eleitoral) Pedro Passos Coelho se havia referido ao programa como sendo “uma mega produção que mais não fez do que estar a atribuir um crédito e uma credenciação à ignorância e isso não serve a ninguém”. Convém, a bem da qualidade do ensino, que todo o trabalho desenvolvido pela ANQ seja avaliado por uma entidade independente e que seja feita uma reforma profunda nas (NO). Como o Professor Paulo Guinote bem retratou, num texto que aqui repliquei [e do qual destaco este excerto: “a dupla (…) que eu designaria por Capucha-Lemos connection e que, fugindo à esfera mais restrita da tutela da Educação, conseguiu, com um pé dentro e outro fora do ME, criar um feudo com um poder imenso que se prepara para continuar, verdadeiramente, a revolucionar os percursos escolares dos portugueses, construindo sucesso a todo o custo, mesmo que seja cilindrando tudo o que se lhes oponha. (…) O que se está a passar é a contaminação completa do Ensino Secundário pelo espírito NO, depois do Básico ter sido modelado à imagem das teorias do direito ao sucesso que Lemos debitou desde o início dos anos 90, na altura a partir do Instituto de Inovação Educacional e que Capucha abraçou como sendo o mecanismo ideal para um teórico nivelamento social, que nega ser pela bitola baixa, que nenhum estudo comprova ter funcionado como fomentador de qualquer mobilidade socioprofissional. (…) Ambos querem transformar o sistema educativo público numa imensa rede de certificação, com 110% de sucesso garantido à nascença. Movendo-se numa pouco discreta sombra, num claro-escuro que não oculta a vaidade e presunção, a Capucha-Lemos connection constitui-se como o verdadeiro soviete revolucionário da Educação Nacional. Temei… porque esta é uma forma de terror educacional… ”] Luís Capucha (Presidente da ANQ) e Valter Lemos (primeiro, como Secretário de Estado da Educação, depois, com Secretário de Estado do Emprego, nos dois anteriores governos) construíram um tal monte de esterco que, uma vez posto a rolar, tudo tem conspurcado à sua passagem, pelo que, não basta (como parece ir acontecer com a Avaliação do Desempenho Docente) terem-se afastado os moscardos (em actos de mera substituição de boys em cargos nomeação política) impõem-se que se comecem (urgentemente) a remover os excrementos.
Apache, Agosto de 2011