sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

A confissão

«Passos Coelho perguntou, com legitimidade, referindo-se a José Sócrates: “Como é possível manter um Governo em que o primeiro-ministro mente?” Teimo na redundância de retomar factos sobejamente conhecidos, que justificam devolver a pergunta a quem a formulou e é, agora, primeiro-ministro. Porque a memória dos homens é curta e a síntese é necessária para compreender o que virá depois.
Passos Coelho enganou os portugueses quando disse que não subiria os impostos, que não reduziria as deduções fiscais em sede de IRS, que achava criminosa a política de privatizações só para arranjar dinheiro, que não contariam com ele para atacar a classe média em nome de problemas externos, que era uma “grande lata”, por parte do PS, acusá-lo de querer liberalizar os despedimentos, que não reduziria a comparticipação do Estado nos medicamentos, que não subiria o IVA e que falar de cortar o subsídio de Natal era um disparate. Passos Coelho enganou os portugueses quando, imagine-se, acusou o PS de atacar os alicerces do Estado social, censurou a transferência do fundo de pensões da PT para o Estado, acusou o Governo anterior de iniquidade porque penalizava os funcionários públicos e os tratava “à bruta”, responsabilizou as políticas socialistas pelo aumento do desemprego e das falências, recusou pôr os reformados a pagar o défice público ou garantiu que o país não necessitava de mais austeridade. Tudo retirado de declarações públicas de Passos Coelho, sustentadas documentalmente. Tudo exactamente ao contrário do que executou, logo que conquistou o poder.
Quem defende Passos Coelho argumenta, de modo estafado, que os pressupostos mudaram e que ele foi surpreendido pelo que encontrou quando tomou posse. A justificação é inaceitável. Porque só é sério prometer-se quando se está seguro de poder cumprir e porque existem declarações públicas de Passos Coelho afirmando que conhecia bem a situação do país. Todavia, esta questão foi definitivamente ultrapassada pelos acontecimentos recentes. Com efeito, o percurso começa agora a ser esclarecido. O qualificativo “piegas”, com que Passos Coelho injuriou o povo que lidera, não é fruto de um discurso infeliz. É, antes, uma peça de um puzzle de conduta política, cuja chave está numa frase inteira. Passos Coelho pronunciou-a quando, referindo-se ao programa da troika, afirmou: “… não fazemos a concretização daquele programa obrigados, como quem carrega uma cruz às costas. Nós cumprimos aquele programa porque acreditamos que, no essencial, o que ele prescreve é necessário fazer em Portugal …” Com esta frase, Passos Coelho tornou claro um radicalismo ideológico que amedronta. Com esta frase, Passos Coelho inviabilizou o argumento da mudança de pressupostos e confessou, implicitamente, a sua manha pré-eleitoral. O seu “custe o que custar” é, tão-só, uma variável discursiva da máxima segundo a qual os fins justificam os meios. O fim de Passos, confessado agora, sempre foi o que acha ser “… necessário fazer em Portugal …” Não como inevitabilidade imposta pelos credores, a contragosto de um primeiro-ministro que sofresse com o sofrimento do seu povo. Mas como convicção radical de uma ideologia que, para se impor no seu fim, aceitou o meio de mentir com despudor. Ficámos agora a saber que Passos Coelho mentiu conscientemente. Ele o disse.
O discurso de Odivelas é o melhor paradigma do espírito e da forma deste primeiro-ministro. O espírito fica-se pelos lugares comuns do maniqueísmo da moda: a preguiça de uns, versus o “empreendedorismo” de outros; os “descomplexados” contra os “autocentrados”; as cigarras piegas em oposição às formigas do pastel de nata. A forma alicerça-se numa retórica indigente, de semântica pobre e metáforas que, ao invés de mobilizarem os portugueses, ofendem e geram raiva.
Por fim, que não de menor importância, o discurso foi relevante no que à Educação toca. Passos Coelho foi pesporrente nas alusões ignorantes e atrevidas que fez. Ele olha para o sector como um mestre-escola de régua na mão. E os disparates que proferiu, ajudaram a clarificar por que razão tudo se limita a reduzir despesa e operar pequenos “liftings” às políticas de Sócrates. Afinal, ele tem Crato como Merkel o tem a ele: para capacho. Basta ver algumas das últimas iniciativas, para ficarmos conversados:
1- Para responder às agressões bárbaras de que os professores são vítimas, os seres pensantes do PSD e CDS propuseram conferir autoridade policial aos professores, outorgando-lhes o direito de reter fisicamente os delinquentes. Se soubessem o que é uma escola e tivessem noção da diferença de força física entre as professoras (que constituem a esmagadora maioria do corpo docente) e os alunos, cada vez mais homens feitos (ensino obrigatório prolongado até os 18 anos), estavam calados.
2- Num alarde de estúpida burocracia, o mesmo ministério que apregoa a autonomia das escolas obriga-as a usar, em todas as comunicações, um único tipo de letra: o “Trebuchet MS”, tamanho 10. Venha lá Crato explicar a razão científica.
3- O regime de autonomia e gestão das escolas vai ser revisto. É uma revolução para o sistema. Mantém tudo quanto Maria de Lurdes Rodrigues congeminou e acrescenta-lhe o que faltava para a perfeição: um bombeiro, um canalizador ou um polícia (sem desprimor para com estes profissionais) podem agora avaliar os directores das escolas portuguesas; num invejável avanço democrático, os professores passam a eleger os coordenadores de departamento de entre três colegas escolhidos pelos directores.
Trinquem a língua e aceitem, ou são piegas.»
Santana Castilho, no jornal “Público” da passada quarta-feira

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

O Aquecimento Global vem já aí

Às oito horas da manhã do dia onze de Fevereiro de 2012, na Praia da Rainha, em Almada, o termómetro da Rede EMA do Instituto de Meteorologia, colocado naquele local, assinalava uma temperatura ambiente de dois graus Célsius abaixo do ponto de congelação da água.
Vinte e quatro horas antes, no mesmo local, o termómetro descia a valores inferiores a -3 ºC. O Aquecimento Global segue dentro de momentos…

Apache, Fevereiro de 2012

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Uma chibatada nos vendilhões

Vasco Graça Moura recentemente empossado como Presidente do Centro Cultural de Belém (CCB) propôs, e a Administração aceitou por unanimidade, a não aplicação do Acordo Ortográfico (AO) de 1990, que o anterior Governo introduziu à força nos organismos sob sua tutela directa ou indirecta e que o actual Governo insiste em aplicar à revelia de qualquer bom senso. O documento datado de 2 de Fevereiro, aprovado pela Administração do CCB, determina a desinstalação imediata do programa informático que procede à conversão automática da grafia dos textos para o novo AO e a aplicação, a toda a documentação, da ortografia vigente em Portugal antes da negociação do chamado Acordo Ortográfico de 1990.
Recorde-se que o AO havia sido imposto no CCB por uma directiva interna, datada de Setembro de 2011, assinada pelo antigo Presidente, António Mega Ferreira, que Francisco José Viegas, actual Secretário de Estado da Cultura (e simpatizante do aborto linguístico) pretendia reconduzir no cargo.
Vasco Graça Moura (VGM) justificando uma decisão que “meia” blogosfera apelida de corajosa, mas que se me afigura, essencialmente, coerente (VGM é um dos mais destacados críticos da aberração e já atingiu um patamar em que para sobreviver com dignidade não precisa fazer favores às meretrizes do regime) afirma que sempre disse ao Secretário de Estado da Cultura que era esta a sua posição, a qual é conhecida por todos os membros do Governo. Para VGM esta é uma decisão, apesar de tudo, aparentemente fácil, pois o CCB é uma fundação de direito privado não estando, portanto, sob tutela directa ou indirecta do Estado, não sendo obrigado à aplicação do AO. Note-se que a generalização da aplicação do dito ocorrerá(?) apenas em 2014 e mesmo depois dessa data não deverá ser possível encontrar forma de penalizar os privados pela sua não aplicação (além do ridículo da penalização por “erro ortográfico” acrescem, do ponto de vista jurídico, sérias dúvidas de constitucionalidade do AO).
Neste ano lectivo, em cumprimento do disposto na resolução do Conselho de Ministros, datada de 25 de Janeiro de 2011, liderado pelo agora refugiado em Paris, vários professores, nomeadamente de Língua Portuguesa, começaram a adoptar nas suas aulas (principalmente nos primeiros anos de escolaridade) a grafia do AO. Pergunto: entre tantos Directores de escolas, à beira da reforma, não haverá uma meia-dúzia com tintins suficientes para tomarem decisão idêntica à de VGM e suspenderem a aplicação da aberração? Ou estão com medo de levar tautau das mais delico-doces guardiãs da pateguice?
Apache, Fevereiro de 2012