domingo, 27 de janeiro de 2013

Os mercados, a euforia e a memória

A semana ficou marcada pelo regresso de Portugal aos mercados, operação que, na versão do Governo, decorreu com sucesso. Confesso que tenho muitas dificuldades em encontrar uma razão para a euforia vivida. Por um lado porque há apenas dois meses que não íamos aos mercados; se fosse para comprar peixe fresco, concordaria que dois meses corresponderiam a uma ausência significativa, mas, caramba, foi para pedir dinheiro, ou melhor, vender a dívida que entretanto venceu (agora, em “economês”, diz-se “atingiu a maturidade”) e que teríamos de pagar se tivéssemos dinheiro para isso, mas acontece que não temos, portanto, a solução passou (tal como em quase todas as dezenas de visitas anteriores) por pedir dinheiro para pagar a dívida vencida, transferindo-a para o futuro.
Perguntará o leitor curioso (se não está curioso faça o favor de fingir para evitar perda de credibilidade do autor, que esta coisa dos mercados funciona na base da credibilidade): Mas, então, porquê todo este foguetório?
Bom, por um lado porque Portugal (tal como os restantes países híper-endividados e sem tostão para pagar os calotes) é um mercado-dependente e costuma pedir dinheiro com uma periodicidade (aproximadamente) mensal, tendo desta vez sobrevivido dois meses sem ir ao mercado (não necessitou porque passou a financiar-se junto da troika, dirá o leitor… eu sei, mas queira fazer o favor de não estragar a única frase optimista deste texto) e por outro porque a dívida agora contraída só vence daqui a 5 anos e desde Fevereiro de 2011 que Portugal não vendia dívida com um prazo tão longo com medo que os investidores achassem que jamais veriam o seu dinheiro de volta.
Questionará, de novo, o leitor: Então, esta operação mostra que a credibilidade do país subiu e os credores confiam agora que Portugal está no bom caminho e vai conseguir cumprir as suas obrigações e pagar a sua dívida?
Mau, mas eu não avisei já que este texto só tem uma frase optimista? Os 2,5 mil milhões conseguidos por Portugal (numa operação sindicada por quatro bancos: Barclays, Deutsche, Morgan Stanley e BES; quer isto dizer que estes bancos procuraram previamente investidores interessados para afastar a possibilidade de insucesso na operação) vão ser remunerados com uma taxa de juro muito próxima dos 5%, tendo o Banco Central Europeu como fiador. Ora, uma taxa de rentabilidade de 5% num negócio de risco (praticamente) nulo é bastante apetecível, daí a procura ter sido cerca de quatro vezes superior à oferta.
Entretanto, prevenindo mais questões por parte do leitor, convencido que é o único questionador disponível no mercado, termino deixando também algumas dúvidas para as quais aguardo pacientemente resposta:
A ida frequente (por parte do Governo) aos mercados é boa porque demonstra a nossa independência face à troika ou má porque estes juros são mais altos que os cobrados pela dita troika, para mais, acrescidos das comissões bancárias necessariamente elevadas em operações sindicadas (como esta)?
A ida frequente (por parte do Governo) aos mercados é boa porque nos podemos financiar (ainda que esse dinheiro possa jamais chegar à economia) ou má porque aumenta a nossa, nada pequena, dívida pública (que rondará já os 120% do PIB)?
Foi uma operação a título excepcional ou repetir-se-á a um ritmo idêntico ao do ano passado, onde só nos primeiros dois meses do ano Portugal emitiu mais de 9,2 mil milhões em bilhetes do tesouro?
Porque é que o Governo prefere cortar ordenados e pensões à Função Pública em vez de os pagar nestes títulos? Tem medo que o povão enriqueça e por isso evita poupanças, deixando a quem conseguir tal milagre uma remuneração (regra geral) não superior a 3%, concedida pela “benevolente” banca?
Apache, Janeiro de 2013

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