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sábado, 21 de agosto de 2021

 O Princípio da Precaução

 

«A lengalenga do “É preciso ganhar o Natal / a Páscoa / o Verão / a Ovibeja de 2034” e o refrão “As próximas duas ou três semanas serão decisivas” deveriam bastar para que um adulto sem perturbações mentais percebesse o prodigioso ridículo disto. Infelizmente, não bastam. O medo, a obediência e a exibição de virtude mantêm-se, à revelia das evidências e em prol da precaução. Ai, a precaução. A precaução teria evitado centenas de milhares de mortos em acidentes rodoviários: bastava nunca ter permitido a circulação de carros nas estradas nacionais. E evitado largos milhões de mortos em fatalidades diversas: bastava ter abolido a procriação. Hoje, inúmeros portugueses que não podem abdicar de ter nascido resolveram abdicar de viver.»

Alberto Gonçalves, no Observador

sábado, 28 de março de 2015

A “Hora do Planeta”, o ritual irrelevante

Cumpriu-se hoje, entre as 20:30 e as 21:30 locais, a nona “Hora do Planeta”.
A “Hora do Planeta” é uma iniciativa simbólica da World Wide Found of Nature (WWF) principiada em 2007, na cidade australiana de Sidney, que ocorre no último sábado de Março, e visa consciencializar para as alegadas alterações climáticas antropogénicas.
Ano após ano, mais cidades e vilas, mais monumentos nacionais, mais pessoas anónimas aderem à iniciativa que consiste em desligar, durante 60 minutos, as luzes dos edifícios mais emblemáticos dos locais ou das casas de cada um.
Porque é que cada vez há mais aderentes à simbólica diligência? Mark Twain respondeu há mais de cem anos, porque “o Homem é um animal religioso”. É da tendência natural do homem para a crença que desde a antiguidade foi aproveitada por oportunistas para criar (sobretudo em actividades imprevisíveis, que vão dos jogos de azar às grandes manifestações da natureza) superstições e rituais a elas ligados. O ritual confunde-se com a própria crença porque surge da ideia de que fazer algo é sempre melhor que não fazer nada. Ora, toda a gente sabe que jogar no Euromilhões é, para a generalidade das pessoas, pior (para as suas finanças) que não jogar. A esmagadora maioria dos jogadores acabarão, após cada jogo, com um pouco menos dinheiro que se nada tivessem feito. Apenas uma ínfima minoria terá um retorno monetário superior ao investimento feito, mas vamos tentando a sorte dado o generoso retorno para aqueles a quem ela sorri.
A “Hora do Planeta”, que aos poucos vai ganhando o estatuto de ritual, é baseada nessa ideia de que fazer algo é sempre melhor que estar quieto. A fé implícita é a de que o Homem (que com todas as cidades, vilas, aldeias, estradas, plantações…) ocupa menos de 4% da superfície do planeta consegue controlar o clima global (ou melhor, os climas, porque são vários e bem diferenciados). E como o controla, pode fazê-lo para o “mal”, provocando o aquecimento da Terra ou para o “bem” mantendo as temperaturas actuais. A ideia da WWF permite, nas cidades que aderem à iniciativa, "poupar", em média, cerca de 2% da electricidade que se consumiria nessa hora. Como a iniciativa ocorre uma vez por ano, tal permite "poupar" (naqueles locais) cerca de 0,0002% de electricidade anual. Nas nossas casas, uma iniciativa destas, em teoria, pode poupar 5, 10, ou mesmo 15 cêntimos em electricidade, conforme o número de lâmpadas que habitualmente estão acesas aquando da iniciativa. Na prática, as poupanças são insignificantes, porque o que não fizemos naqueles minutos, por falta de luz, fica para fazer mais tarde com idêntico consumo de electricidade ou será feitas com outras formas de iluminação mais caras. Mas pode-se alegar que a ideia da WWF não é poupar custos mas sim emissões de dióxido de carbono, gás que diabolizam por acreditarem que causa “efeito de estufa”. Mas nesse caso, a poupança também é insignificante ou mesmo nula. Só parte da electricidade produzida (através do carvão, biomassa e gás natural) é que liberta dióxido de carbono, a restante é obtida (fundamentalmente) da água e do urânio. Quando apagamos as luzes (ou adiamos as tarefas para mais tarde, como escrevia acima, ou) acendemos velas, candeeiros (ou lamparinas) a petróleo ou azeite ou até a lareira, libertamos tanto ou mais dióxido de carbono que o que se libertaria na produção da electricidade.
Há dias um aluno perguntava-me: mas se fosse possível convencer todos os habitantes de um país a aderir a uma iniciativa destas, ainda assim, ela não teria impacto? A resposta: Teria, mas não em economia de custos ou emissões. A sobrecarga (pela redução de consumo, impossível de corrigir na produção) produzida na rede levaria a várias avarias de grande significado e poderíamos passar vários dias sem luz (até substituir parte da rede) com as consequências graves que daí adviriam.
Apache, Março de 2015

sábado, 31 de janeiro de 2015

2014 foi o mais quente da história da meteorologia?

A resposta depende (fundamentalmente) da crença que cada um deposita nas instituições que calculam a média das temperaturas da Terra.
Na semana passada, a NOAA (National Oceanic and Atmospheric Administration) equivalente, nos Estados Unidos, ao nosso Instituto de Meteorologia (agora, Instituto Português do Mar e da Atmosfera) escrevia na sua página na Internet: “É oficial: 2014 foi o ano mais quente registado na Terra”.
Significa, portanto, que não há dúvidas que 2014 foi o ano o ano mais quente desde 1880 ano (no final da “Pequena Idade do Gelo) a partir do qual a NOAA considera válido o cálculo da média das temperaturas?
Oficialmente, sim. Na realidade, não! Nem perto disso.
Já tinha escrito aqui que, na impossibilidade de calcular a temperatura média da Terra, se calcula a média das temperaturas. Para calcular esta média de temperaturas, o GISS (Instituto Goddard de Estudos Espaciais) da NASA usa dados provenientes, maioritariamente, de uma única fonte, o GHCN (Global Historical Climate Network) da responsabilidade da NCDC (National Climate Data Center) que é controlado pela citada NOAA, que por sua vez é tutelada pelo Departamento do Comércio dos Estados Unidos. Também já tinha escrito por aqui que as estações meteorológicas que fornecem dados ao GHCN chegaram a ser quase 6 mil (nas décadas de 60 e 70 do século passado, de mais de 12 mil possíveis) mas hoje são considerados dados de cerca de  1200 estações (de um total disponível, que não chega a 6 mil). Muitas estações meteorológicas foram fechadas (umas por falta de verbas, outras por se encontrarem em zonas remotas, de difícil acesso, algumas por outras razões). Os termómetros terrestres não estão igualmente distribuídos pela superfície do planeta, pelo contrário, desconhecemos a temperatura de vastas áreas da superfície da Terra. Note-se que dos 29% de terra emersa (não coberta pelos oceanos) cerca de 5,5% são montanhas, 5,8% são desertos, outros 5,8% são florestas boreais, outros 5,8% são pradarias e savanas e 1,8% são florestas húmidas, tudo zonas mal (ou quase nada) cobertas por estações meteorológicas. Resta cerca de 4,4% da superfície do planeta (parte dela habitada pelo Homem) com razoável cobertura de termómetros, a esmagadora maioria dos quais colocados em zonas urbanas. Na falta de dados, o GISS parte do pressuposto que toda uma vasta área apresenta a mesma temperatura que a lida num único termómetro, algumas vezes, a mais de mil quilómetros de distância. Em casos extremos, o GISS permite que um só termómetro represente a temperatura de mais de 4 milhões de quilómetros quadrados.
Na versão da NOAA, 2014 terá sido o ano mais quente, acrescentando 0,04 ºC ao antigo recorde, datado de 2010, com uma margem de erro de 0,09 ºC. Ora, sendo a margem de erro superior (neste caso, mais do dobro) ao recorde, nada garante que este tenha, de facto, sido alcançado. Mais, a margem de erro associada à leitura dos aparelhos é, em muitos casos, de 0,5 ºC, doze vezes superior ao recorde e da mesma ordem de grandeza de todo o aquecimento que a NOAA afirma ter existido desde o início do século XX.
Mas mais importante que tudo isto é a exagerada manipulação que o GISS faz dos dados, ajustando para baixo as temperaturas antigas e para cima as temperaturas recentes. A título de exemplo, o Paraguai contribui para o GHCN com os dados de três estações (Mariscal, Puerto Casado e San Juan Bautista) e em todas elas o GISS corrigiu os dados reais, que mostravam tendência para o arrefecimento, para passarem a mostrar uma tendência para o aquecimento (alterações que variam a relação entre o passado e o presente em cerca de 3 ºC) tal como se mostra nos seis gráficos seguintes. [Cliquem nas imagens para ampliar]








Em conclusão, a manipulação de dados é de tal ordem que, não só, não há garantia de que 2014 tenha sido o ano mais quente dos últimos 135 anos, como nem sequer é possível afirmar, com rigor científico, que a Terra, na sua globalidade, tenha aquecido nas últimas décadas.
Apache, Janeiro de 2015

domingo, 27 de janeiro de 2013

Os mercados, a euforia e a memória

A semana ficou marcada pelo regresso de Portugal aos mercados, operação que, na versão do Governo, decorreu com sucesso. Confesso que tenho muitas dificuldades em encontrar uma razão para a euforia vivida. Por um lado porque há apenas dois meses que não íamos aos mercados; se fosse para comprar peixe fresco, concordaria que dois meses corresponderiam a uma ausência significativa, mas, caramba, foi para pedir dinheiro, ou melhor, vender a dívida que entretanto venceu (agora, em “economês”, diz-se “atingiu a maturidade”) e que teríamos de pagar se tivéssemos dinheiro para isso, mas acontece que não temos, portanto, a solução passou (tal como em quase todas as dezenas de visitas anteriores) por pedir dinheiro para pagar a dívida vencida, transferindo-a para o futuro.
Perguntará o leitor curioso (se não está curioso faça o favor de fingir para evitar perda de credibilidade do autor, que esta coisa dos mercados funciona na base da credibilidade): Mas, então, porquê todo este foguetório?
Bom, por um lado porque Portugal (tal como os restantes países híper-endividados e sem tostão para pagar os calotes) é um mercado-dependente e costuma pedir dinheiro com uma periodicidade (aproximadamente) mensal, tendo desta vez sobrevivido dois meses sem ir ao mercado (não necessitou porque passou a financiar-se junto da troika, dirá o leitor… eu sei, mas queira fazer o favor de não estragar a única frase optimista deste texto) e por outro porque a dívida agora contraída só vence daqui a 5 anos e desde Fevereiro de 2011 que Portugal não vendia dívida com um prazo tão longo com medo que os investidores achassem que jamais veriam o seu dinheiro de volta.
Questionará, de novo, o leitor: Então, esta operação mostra que a credibilidade do país subiu e os credores confiam agora que Portugal está no bom caminho e vai conseguir cumprir as suas obrigações e pagar a sua dívida?
Mau, mas eu não avisei já que este texto só tem uma frase optimista? Os 2,5 mil milhões conseguidos por Portugal (numa operação sindicada por quatro bancos: Barclays, Deutsche, Morgan Stanley e BES; quer isto dizer que estes bancos procuraram previamente investidores interessados para afastar a possibilidade de insucesso na operação) vão ser remunerados com uma taxa de juro muito próxima dos 5%, tendo o Banco Central Europeu como fiador. Ora, uma taxa de rentabilidade de 5% num negócio de risco (praticamente) nulo é bastante apetecível, daí a procura ter sido cerca de quatro vezes superior à oferta.
Entretanto, prevenindo mais questões por parte do leitor, convencido que é o único questionador disponível no mercado, termino deixando também algumas dúvidas para as quais aguardo pacientemente resposta:
A ida frequente (por parte do Governo) aos mercados é boa porque demonstra a nossa independência face à troika ou má porque estes juros são mais altos que os cobrados pela dita troika, para mais, acrescidos das comissões bancárias necessariamente elevadas em operações sindicadas (como esta)?
A ida frequente (por parte do Governo) aos mercados é boa porque nos podemos financiar (ainda que esse dinheiro possa jamais chegar à economia) ou má porque aumenta a nossa, nada pequena, dívida pública (que rondará já os 120% do PIB)?
Foi uma operação a título excepcional ou repetir-se-á a um ritmo idêntico ao do ano passado, onde só nos primeiros dois meses do ano Portugal emitiu mais de 9,2 mil milhões em bilhetes do tesouro?
Porque é que o Governo prefere cortar ordenados e pensões à Função Pública em vez de os pagar nestes títulos? Tem medo que o povão enriqueça e por isso evita poupanças, deixando a quem conseguir tal milagre uma remuneração (regra geral) não superior a 3%, concedida pela “benevolente” banca?
Apache, Janeiro de 2013

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

A piada da semana

O FMI (Fundo Monetário Internacional) apresentou ao Governo um relatório que inclui sugestões de como e onde cortar os 4 mil milhões de euros que o Governo supõe ser o corte necessário para equilibrar as contas públicas.
Carlos Moedas, Secretário de Estado Adjunto do Primeiro Ministro, apressou-se a elogiar o relatórios que apelidou (segundo o Expresso) de “muito bem feito”. Ora, das duas uma, ou Carlos Moedas não leu o relatório e devia estar calado ou lendo-o não percebeu que se tratava de um relatório tipo-IPCC, com erros, imprecisões, dados desactualizados ou falsos e mentiras. Na primeira hipótese não passa de um incontinente verbal que fala sem saber de quê, na segunda apresentou-se ao serviço sob forte influência de substâncias psicotrópicas. Em qualquer dos casos, num país decente, ou se demitia ou era demitido. Continuamos a ser governados por bobos.
Apache, Janeiro de 2013

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Guimarães, capital europeia de uma certa cultura

«Descansem os que viam em risco a posição de Portugal na Europa. O risco sumiu, e não foi graças a empréstimos, troikas, austeridade, impostos, rigor ou fenómenos afins: bastou organizar em Guimarães a Capital Europeia da Cultura para que provássemos ser europeus de pleno direito.
Pelo menos é essa a opinião de Jorge Sampaio, ex-presidente da República e actual presidente do Conselho Geral da Fundação Guimarães 2012, funções que lhe garantiam 14 300 euros mensais e que a demagogia da crise terá posteriormente reduzido para uns dez mil, insuficientes para as despesas correntes de um chefe de Estado na reforma, mas suficientes para o dr. Sampaio afirmar que a cultura não é um desperdício: é um investimento. Já João Serra, presidente da Fundação citada, detentor de salário idêntico e por miraculosa coincidência antigo chefe da Casa Civil do dr. Sampaio, vai mais longe e acrescenta que o evento é um "símbolo contra a negação, o cepticismo e a desistência". O dinheiro leva-nos a dizer frases tão ocas quanto extraordinárias.
Fascinante é quando as frases se dizem de borla. Na abertura do evento, Cavaco Silva desejou que Portugal possa projectar-se de novo a partir de Guimarães, como na fundação da nacionalidade. Pedro Passos Coelho declarou que o valor da cultura não deve ser medido pelo Orçamento do Estado. E Durão Barroso explicou que a cultura e actividades associadas criam emprego, o que, a julgar pelos exemplos acima referidos, dificilmente pode ser negado.
A verdade é que, além de fogo-de-artifício e de uns catalães a empurrar um boneco gigante, a inauguração da Guimarães 2012 apresentou dois espectáculos curiosos. O primeiro consistiu no desfile de clichés destinados a justificar, quase desesperadamente, que os gastos na cultura são por definição sábios, e que a pequena fortuna "investida" por um país falido em irrelevâncias a realizar num concelho particularmente pobre não é um absurdo nem um insulto.
O segundo espectáculo consistiu na enésima exibição do conceito de "cultura" entendida na acepção agrícola, enquanto coisa que se "incentiva", "estimula" e "impulsiona". Por pudor, ninguém reparou que na extremidade correcta do incentivo, do estímulo e do impulso está somente um punhado de beneficiários, e que na extremidade errada estão milhões de cidadãos, os quais não puderam dizer nada sobre Guimarães 2012 e ainda por cima a pagaram.»
Alberto Gonçalves, no Diário de Notícias

sábado, 29 de outubro de 2011

Trocámos um mentiroso compulsivo por outro

«Ricardo Santos Pinto, do blogue “Aventar”, prestou-nos um serviço cívico: recolheu em vídeo [acima] afirmações e promessas de Pedro Passos Coelho, enquanto candidato a primeiro-ministro. O cotejo desse impressivo documento com as medidas tomadas pelo visado, nos curtos quatro meses de poder, evidencia o colossal logro em que os portugueses caíram. Se em quatro meses a sua acção é pautada por tanto despudor e falta de ética, que sobra à nação para lhe confiar quatro anos de governo?

O orçamento do Estado para 2012 é bem mais bruto que o tratamento “à bruta” que Passos Coelho recriminou a Sócrates, no vídeo em análise. Aí se consagra, com uma violência desumana, o que Passos Coelho disse que nunca faria: confisco de quatro meses de salários aos servidores públicos e reformados; fim de deduções fiscais; aumento de impostos, designadamente do IRS e IVA. Ao embuste ardilosamente tecido em ano e meio de caça ao voto acrescenta-se a falácia com que se justifica o assalto aos que trabalham. Com efeito, muito mais que a invocada má gestão das contas públicas no primeiro semestre, da responsabilidade de Sócrates, pesa a irresponsabilidade da Madeira e o caso de polícia do BPN. Na primeira circunstância, ocultando manhosamente o plano de ajustamento, antes das eleições, Passos Coelho protegeu Jardim e escamoteou quem saldaria o escândalo. Sabemos agora que são os funcionários públicos e os pensionistas. Na segunda, enquanto os responsáveis pelo tenebroso roubo permanecem impunes, os contabilistas que governam venderam o BPN ao desbarato, limpinho das dívidas colossais. O povo vai pagar e pedem-lhe agora que não bufe, por causa dos mercados.

Passos Coelho manipula grosseiramente os factos quando afirma que a média salarial da função pública é 15 por cento superior à dos trabalhadores privados. Ele sabe que a qualificação média dos activos privados é bem mais baixa que a homóloga pública, onde trabalham, entre outros técnicos de formação superior, milhares de médicos, professores, juízes, arquitectos, engenheiros e cientistas. Para que a comparação tenha validade, há que fazê-la entre funções com idênticos requisitos académicos. A demagogia não colhe. Como não colhe o primarismo de dizer que não estendeu o corte dos subsídios aos privados porque o Estado não beneficiaria, mas sim os patrões, que pagam os salários. Esqueceu-se de como fez com o corte deste ano? Ou toma-nos por estúpidos?

O orçamento esconde-se cobardemente atrás da troika para invocar a inevitabilidade das suas malfeitorias. Mas vai muito para além do que ela impõe e expõe a desvergonha da ideologia que o informa: quando revê a Constituição da República por via contabilística; quando poupa, sem escrúpulos, os rendimentos do capital e esquece os titulares das reformas por exercício de cargos públicos, numa ostensiva iniquidade social; quando permite que permaneçam incólumes os milhões que fogem ao fisco; quando compromete, sem réstia de tacto político, a solidariedade entre os cidadãos, pondo os que trabalham no sector privado contra os que trabalham no sector público; quando, atirando o investimento na Educação para o último lugar da União Europeia, ao nível dos indicadores do terceiro mundo, não só não desce o financiamento do ensino privado como o aumenta em nove milhões e 465 mil euros; quando, depois de apertar como nunca o garrote à administração pública, aumenta quase quatro milhões de euros à rubrica por onde pagará pareceres e estudos aos grandes gabinetes de advogados e outros protegidos do regime (Sócrates contentava-se com 97 milhões, Passos subiu para 100,7 milhões); quando, impondo contenção impiedosa nas áreas sociais, inscreve 13 milhões e meio para despesas de representação dos titulares políticos; quando, numa palavra e apesar do slogan do “Estado gordo”, apenas emagreceu salários e prestações sociais, borrifando-se nas pessoas e no país e substituindo o critério do bem comum pelo critério do bem de alguns.

Incapaz de ajudar o país a crescer, Passos tomou a China por modelo e acreditou que sairemos da fossa com uma economia repressiva e de salários miseráveis. Refém que está e servidor que é de grupos económicos e interesses particulares, Passos Coelho perdeu com este orçamento a oportunidade de resgatar o Estado. Ministério a ministério, não se divisa qualquer programa político redentor. Não existem políticas sectoriais. Se Passos regressasse à protecção de Ângelo Correia, Álvaro a Vancouver e Crato ao Tagus Park, Gaspar, só, geria a trapalhada que tem sido tecida de fininho. Recordemo-la. Em Maio passado, o memorando de entendimento que o PS, PSD e CDS assinaram com a ‘troika’ consignava para 2012 cerca 4.500 milhões de euros de redução da despesa e cerca 1.500 de aumento da receita (leia-se impostos). Apenas três meses volvidos, o documento de estratégia orçamental do Governo para o período de 2011 a 2015 já aumentava os números de 2012: a redução da despesa pública crescia quase 600 milhões e as receitas a cobrar aumentavam quase 1.200, pouco faltando para a duplicação do número antes considerado. Foi obra, em três meses. A meio de Outubro, novo documento oficial reiterava os números anteriores. Mas eis senão quando, escassos dias volvidos, surge o orçamento, que passa a redução da despesa, em 2012, para quase 7.500 milhões e fixa o aumento de impostos em cerca de 2.900 milhões. Diferenças colossais em documentos oficiais, com quatro dias de premeio, merecem a confiança dos contribuintes? Com a classe média a caminho da pobreza e os pobres a ficarem miseráveis, a esperança morreu. Definitivamente. Bastaram quatro meses. Esperemos que o país acorde e se mobilize.»

Santana Castilho, no “Público” da passada quarta-feira

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Teatro de cordel

Depois de alguém ter mandado os jornalistas dizerem, nos últimos dias, que das negociações com o FMI/FEEF resultariam cortes no 13.º ou no 14.º mês, eventuais cortes nos vencimentos, despedimentos na função pública, etc. Depois de hoje ter assistido à cena trágico-cómica de ver José Sousa, quase eufórico, a desmentir as “notícias” que certo “boy” teria habilmente plantado na comunicação social, enquanto a seu lado se equilibrava com dificuldade uma velha múmia empedernida, tão bem caracterizada, que parecia mesmo o ministro Teixeira dos Santos. Depois de ter assistido, até ao fim, a mais este episódio burlesco da política nacional e percebido que José Sousa fez uma intervenção, não para dizer aos portugueses que medidas iriam ser aplicadas (pelo menos até que um novo Governo tome posse) para resolver a alegada crise económico-financeira do país, mas para listar algumas das medidas que não iriam ser tomadas, precisamente as profetizadas pelos jornalistas para que o Sousa pudesse agora encarnar o “anjo salvador”. Depois de tudo isto, só me ocorrem as palavras do Físico Carlos Fiolhais: “este é um dos piores governos que Portugal tem tido e não é só por nos ter conduzido à ruína financeira e económica. É ainda por nos ter conduzido à ruína ética e moral, com base numa prodigiosa deficiência na educação.”
Apache, Maio de 2011

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Podem ir perfurando o cinto, vem aí o FEEF

Ontem (quarta-feira), por volta das 11 horas da manhã, o Primeiro-Ministro demissionário desmentiu, através de um comunicado do seu gabinete, que Portugal fosse pedir ajuda externa, como anunciava o Financial Times. Por volta das 20:30, o mesmo personagem (ou alguém muito parecido com ele) anunciava em directo, nas televisões, que Portugal, cedendo à pressão que os banqueiros impuseram nos últimos dias, iria pedir ajuda ao Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF), tal como há muito os especuladores desejavam. Sócrates, que já tinha avisado que o mundo muda numa semana, parece querer dizer-nos agora que, afinal, muda em pouco mais de nove horas, o que só poderá ser para acompanhar as mudanças, de antes para depois do almoço, do nosso caricato Ministro das Finanças e agora do senhor Sousa. Ficámos assim a saber que o Zé nunca governaria com ajuda externa, a menos que liderasse um governo de gestão; governo esse que não tem poderes para pedir ajuda externa, no entanto, vai pedir; ajuda essa que não é precisa, mas que se espera não demore a chegar. Ao ouvir o Zé, lembrei-me dum texto publicado no jornal irlandês, Sunday Independent, no passado dia 27 de Março, intitulado “Bit of friendly advice, Portugal” que transcrevo. “Caro Portugal, daqui quem te escreve é a Irlanda. Sei que não nos conhecemos muito bem, mas ouvi dizer que alguns dos meus investidores estão interessados em ajudar-te a sair da recessão. É provável que estejam, durante algum tempo. De qualquer forma, sem querer intrometer-me, tenho lido o que se diz sobre ti, nos jornais, e acho que sou capaz de te dar um conselho sobre aquilo por que estás a passar e sobre o que ainda vais ter pela frente. Em jeito de anedota, costuma perguntar-se: “sabes qual é a diferença entre Portugal e a Irlanda? Cinco letras e seis meses”. Noto que tens estado sob pressão para aceitares um resgate (bailout), mas os teus políticos declaram que estão determinados em não o aceitar. Dizem que só por cima dos seus cadáveres. De acordo com a minha experiência isso significa que irás ser resgatado brevemente, provavelmente num domingo. Mas primeiro deixa-me dar-te uma dica sobre as nuances da língua inglesa. Considerando que o inglês é a tua segunda língua, poderás ser levado a pensar que as palavras: resgate (bailout) e ajuda (aid) implicam que vais receber auxílio dos irmãos europeus, para te livrares das actuais dificuldades. O inglês é a minha primeira língua e era isso mesmo que eu pensava que resgate (bailout) e ajuda (aid), significavam. No entanto, deixa-me avisar-te que, quando fores forçado a aceitar a inevitabilidade deste resgate, não só não te livrarás dos problemas actuais, como ainda irás estendê-los às futuras gerações. Ainda assim, esperam que te sintas agradecido. Se quiseres encontrar o significado em português para esse resgate (bailout) de que se fala, sugiro que pegues num dicionário de inglês-português e procures palavras como: “moneylending (agiotagem), “usury” (usura), “subprime mortgage” (hipotecas de alto risco) ou “rip-off” (exploração). Isto dar-te-á uma tradução mais adequada do que te irá acontecer. Vejo também que vais mudar de governo nos próximos meses. Perdoar-me-ás o meu pequeno sorriso perante isso. Faz tudo o que estiver ao teu alcance para colocares uma camada de tinta fresca sobre as fendas da tua economia. E disfruta, por todos os meios ao teu alcance, por breves momentos, do cheiro dessa tinta fresca. Por aqui, também tivemos um novo governo e isso foi uma boa diversão durante algumas semanas. O que irás descobrir é que esse governo resultará numa ligeira euforia popular. Tal governo, seja ele qual for, fará todo o tipo de promessas, durante a campanha eleitoral, sobre a forma como controlará os credores, e outros enfeites, e a União Europeia sorrirá benevolentemente enquanto essa conversa fiada durar. Assim que esse novo governo tomar posse irá, nas negociações com a Europa, tentar lançar-se num jogo de sombras. É possível, até, que consiga ganhar alguns encontros contra o velho inimigo, seja ele quem for, e até talvez consigas atrair aí algumas visitas de dignitários estrangeiros como o Papa ou outros. Vão sentir-se boas vibrações no ar, pelos breves momentos que a ilusão durar. Aproveita o mais que puderes, esses momentos, Portugal. Porque a realidade vai estar à espera para se te apresentar de novo, mal a diversão saia de cena. O lado positivo de tudo isto é que o preço do golfe se tornou bem mais competitivo por estas bandas. Felizmente, o mesmo está a acontecer por aí, por isso estou ansiosa por te ver em breve. Com amor, Irlanda.” [Tradução minha] Comentários para quê? Porreiro, pá!
Apache, Abril de 2011

segunda-feira, 28 de março de 2011

"O golfe como desígnio nacional"

“A intenção do Governo de reduzir para 6% a taxa do IVA sobre a prática do golfe é um orgulho para os golfistas e uma vergonha para os sindicalistas. Um grupo de pessoas com fraca organização colectiva, sem recurso a manifestações nem presença na mesa da concertação social, consegue ser mais eficaz na satisfação das suas justas aspirações do que a CGTP e a UGT juntas. O fenómeno volta também a indicar uma relação preocupante entre a contestação social bem sucedida e o uso de calças ridículas: depois de manifestantes dos anos 70, com as suas calças à boca-de-sino, terem obtido conquistas sociais importantes, os golfistas conseguem agora o seu lugar na história da luta reivindicativa. Parece evidente que os trabalhadores de hoje só não gozam de melhores condições de vida porque Carvalho da Silva não tem a argúcia de comparecer nas manifestações de pijama. Além dos golfistas, o Governo também está de parabéns. É verdade que cedeu a um grupo social, mas soube fazê-lo enviando um sinal à sociedade: em Portugal, o golfe é um desporto cada vez mais barato, e ser pobre é um desporto cada vez mais caro. A mensagem do Governo é clara: "Portugueses, não sejam pobres." É tão caro ser pobre em Portugal, com todas as medidas que o Governo tem tomado para taxar a pobreza, que só por teimosia um grupo cada vez mais alargado de pessoas se mantém pobre. Por preguiça ou burrice não levam a sério o esforço que o Governo tem feito, através de cargas fiscais e outras penalizações, para desencorajar quem insiste em ter má qualidade de vida e premiar quem tem boa qualidade de vida. Quem vive melhor paga menos impostos e tem mais benefícios, mas nem assim os portugueses percebem que devem passar a viver melhor. É incrível. A argumentação do Governo é, além do mais, impossível de rebater: o golfe constitui uma importante alavanca do turismo. Há inúmeros cidadãos estrangeiros que procuram o nosso país para praticar o desporto. Mas, depois de terem gasto vários milhares de euros em tacos, viagens e hotéis, se os obrigam a pagar uma taxa de 23%, igual à dos refrigerantes e das latas de conserva, pegam no seu equipamento e vão jogar para países em que o IVA não lhes dê cabo do parco orçamento que têm para alimentação, saúde e jacto privado. Quem persiste em viver com dificuldades, envergonhando-se a si mesmo e ao País, e continua a queixar-se dos impostos sobre bens importantes, deve pensar no modo como pode contribuir para o turismo em Portugal. Aglomerem-se nas imediações dos campos de golfe e convençam os jogadores a beber leite achocolatado e iogurtes. Em princípio, o IVA dos produtos que eles consomem baixa imediatamente de 23 para 6 por cento. Não falha.”
Ricardo Araújo Pereira, na “Visão” da passada quinta-feira

quarta-feira, 9 de março de 2011

O sobressalto da Bela Adormecida

A propósito do discurso do contorcionista Cavaco Silva, na tomada de posse (do segundo mandato) como Presidente da República…
“Quem era presidente em 2008 quando os professores andaram pelas ruas a tentar fazer ouvir a sua voz, sem letargia nenhuma? É nesta parte que me apetece recorrer aos palavrões, mas sempre com respeito pela dignidade presidencial. «A nossa sociedade não pode continuar adormecida perante os desafios que o futuro lhe coloca. É necessário que um sobressalto cívico faça despertar os Portugueses para a necessidade de uma sociedade civil forte, dinâmica e, sobretudo, mais autónoma perante os poderes públicos. O País terá muito a ganhar se os Portugueses, associados das mais diversas formas, participarem mais activamente na vida colectiva, afirmando os seus direitos e deveres de cidadania e fazendo chegar a sua voz aos decisores políticos. Este novo civismo da exigência deve construir-se, acima de tudo, como um civismo de independência face ao Estado. (…) É altura dos Portugueses despertarem da letargia em que têm vivido e perceberem claramente que só uma grande mobilização da sociedade civil permitirá garantir um rumo de futuro para a legítima ambição de nos aproximarmos do nível de desenvolvimento dos países mais avançados da União Europeia.» O problema com Cavaco Silva é que para ele – e para outros, não é caso único, pois à esquerda há parecido - há bons e maus sobressaltos, más e boas letargias. Se forem colégios privados geridos pela Igreja a queixarem-se, ele acha o sobressalto muito bom, mas se forem os professores das escolas públicas a queixarem-se, já é mais pela letargia. À maior mobilização de sempre de uma classe profissional, o presidente Cavaco Silva respondeu inaugurando obras do governo, qual secretário de Estado, com a ministra Maria de Lurdes Rodrigues pelo braço. A um sobressalto cívico ímpar na nossa história recente, respondeu com uma colagem total ao status quo. Fez umas declarações esotéricas, fez-se de falso orelhão e esteve do lado da domesticação do protesto. Será que foi a assustada lembrança do buzinão? E é aqui que a porcaria se retorce sempre toda e não apenas o rabo. Ou há moralidade ou se sobressaltam todos…”
Paulo Guinote, do blogue “A Educação do meu Umbigo”

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

De novo a Avaliação do Desempenho Docente

Num momento em que proliferam, de novo, as tomadas de posição de várias escolas e departamentos contra a aberração que constitui (à semelhança do anterior) o modelo de avaliação docente resultante do acordo entre o Ministério da Educação e os principais sindicatos representativos da classe, não podia, pela clareza e pertinência do texto, deixar de publicar este conjunto de questões irrespondíveis, que o Departamento de Ciências Sociais e Humanas da Escola Secundária de Amora colocou ao Director, em forma de requerimento. “Exmo. Sr. Director da Escola Secundária com 3.º Ciclo do Ensino Básico de Amora Após cinco meses de trabalho de análise do conteúdo dos documentos legais relativos à avaliação do desempenho docente, os professores do Departamento de Ciências Sociais e Humanas da Escola Secundária com 3.º Ciclo do Ensino Básico de Amora vêem-se confrontados com obstáculos que ainda não conseguiram ultrapassar e que se lhes afiguram impeditivos da salvaguarda do direito de todos os professores a uma avaliação justa, séria e credível.
1. O primeiro grave obstáculo diz respeito à falta de formação para o exercício da função de professor relator. Há três anos que os professores reivindicam essa formação como condição necessária para o cumprimento credível dessa função. O Conselho Científico para a Avaliação dos Professores recomendou formalmente que essa formação teria de ser de média e de longa duração, ministrada por instituições do ensino superior. Esta formação é necessária não apenas para os professores relatores poderem exercer com credibilidade a sua função, como é fundamental para que os professores avaliados possam reconhecer neles essa mesma credibilidade. Este é um obstáculo que ainda não conseguimos ultrapassar. 2. O segundo obstáculo, provavelmente derivado do primeiro, prende-se com a objectiva impossibilidade de resolução dos problemas técnicos que a execução prática do modelo de avaliação suscita. Desses problemas técnicos damos, de seguida, alguns exemplos e requeremos os respectivos esclarecimentos.
1.º Problema. Indicador: «Reconhecimento do dever de promoção do desenvolvimento integral de cada aluno». O descritor, dos níveis «Excelente» e «Muito Bom», correspondente a este indicador é o seguinte: «Revela profundo comprometimento na promoção do desenvolvimento integral do aluno». Requeremos os seguintes esclarecimentos: — De que modo é fiável avaliar se um professor está «comprometido na promoção do desenvolvimento integral de um aluno»? — Com duas ou três aulas observadas, de que modo pode ser avaliado, com um mínimo de fiabilidade, o comprometimento do professor no desenvolvimento integral de «cada» aluno (conforme enuncia o indicador)? — Relativamente aos professores que não têm aulas observadas como deve ser realizada, de modo fiável, essa avaliação? — De que modo fiável se determina a fronteira entre estar profundamente comprometido e estar apenas comprometido? Segundo que critérios se avalia o grau de profundidade de um comprometimento? — Quais são os critérios que permitem estabelecer a fronteira que separa o desenvolvimento integral do desenvolvimento não integral de um aluno, e que critérios permitem aferir a respectiva promoção desse desenvolvimento?
2.º Problema. Indicador: «Responsabilidade na valorização dos diferentes saberes e culturas dos alunos.» Este indicador, inexplicavelmente, não tem ligação com nenhum dos treze descritores existentes. Requeremos os seguintes esclarecimentos: — Que critérios fiáveis permitem aferir se um professor valoriza os diferentes saberes e culturas dos alunos? — Quando se pretende a valorização dos diferentes saberes e culturas dos alunos isso significa que todos os saberes e culturas devem ser igualmente valorizados, independentemente dos valores que essas culturas defendam? Se não forem igualmente valorizados, que critérios devem presidir à sua diferenciação? — Como se deve avaliar, sem aulas observadas, se um professor valoriza ou não valoriza os saberes e as culturas dos seus alunos?
3.º Problema Descritor: «O docente demonstra claramente que reflecte e se envolve consistentemente na construção do conhecimento profissional e no seu uso na melhoria das práticas.» (Nível «Excelente») Requeremos os seguintes esclarecimentos: — Como se deve proceder à distinção entre uma demonstração clara e uma demonstração não clara? Existem demonstrações não claras? De que características se revestem? — Como se define, em termos comportamentais, uma «envolvência consistente»? — Como se determina, de modo fiável e observável, a fronteira entre uma envolvência consistente e uma envolvência não consistente?
4.º Problema Descritor: «Revela um profundo comprometimento na promoção do desenvolvimento integral do aluno e investe na qualidade das suas aprendizagens.» (Níveis «Excelente» e «Muito Bom»). Descritor: «Revela comprometimento na promoção do desenvolvimento integral do aluno e na qualidade das suas aprendizagens.» (Nível «Bom»). A diferença entre os níveis «Excelente» e «Muito Bom» e o nível «Bom» reside exclusivamente na ausência, neste último, dos termos «profundo» e «investe», Requeremos o seguinte esclarecimento: — Entre um profundo comprometimento e um comprometimento que não seja profundo como deve ser medida a diferença? Isto é, que comportamentos configuram um profundo comprometimento, e que comportamentos configuram um comprometimento não profundo?
5.º Problema Descritor: «Participa no trabalho colaborativo e nos projectos da escola com alguma regularidade.» (Nível «Bom») Requeremos os seguintes esclarecimentos: — No contexto específico da «participação no trabalho colaborativo e nos projectos da escola», como se mede a regularidade no trabalho colaborativo? Aquele que participa no trabalho colaborativo com «regularidade» é aquele que colabora todos os meses, todas as semanas, algumas vezes por semana, todos os dias? Como se mensura, enquanto comportamento, a participação com «regularidade», no trabalho colaborativo? — O quantificador existencial «alguma» (regularidade), presente neste descritor, remete para uma indeterminação. Como deve ser medida essa indeterminação?
6.º Problema Descritor: «O docente demonstra alguma preocupação com a qualidade das suas práticas [...]» (Nível «Regular»). Descritor: «Revela alguma preocupação com as aprendizagens dos alunos [...]» (Nível «Regular»). Constata-se que ambos os descritores enunciam um estado de espírito: «preocupação». Requeremos os seguintes esclarecimentos: — Como se mensura um estado de espírito? Que critérios operativos devem ser utilizados para medir um estado de espírito? — Também neste descritor se encontra o quantificador existencial «alguma», que nos remete para uma indeterminação. Como é possível avaliar através de um quantificador indeterminado? Como é possível avaliar através de um quantificador indeterminado um estado de espírito?
7.º Problema Esta dimensão é composta por quatro domínios, sendo que dois desses domínios são avaliados apenas nos casos em que os professores têm aulas observadas. Todavia, existem descritores que sobrepõem domínios avaliáveis em situação de aula observada com domínios que são avaliados sem aulas observadas. Isto é, sobrepõem o domínio «preparar/organizar actividades lectivas» com o domínio «realizar actividades lectivas» (por exemplo, 4.º e 6.º descritores do nível «Excelente»). Requeremos o seguinte esclarecimento: — Nestes casos, como deve ser operacionalizada a avaliação?
8.º Problema Indicador: «Comunicação com rigor e sentido do interlocutor». Requeremos os seguintes esclarecimentos: — Que significado deve ser atribuído à expressão: «Comunicação [...] com sentido do interlocutor»? — Em termos avaliativos, qual a operacionalização que deve ser dada a este enunciado?
9.º Problema Descritor: «Constitui uma referência para o desempenho dos colegas com quem trabalha». Inexplicavelmente, este descritor não tem relação com qualquer um dos catorze indicadores. Requeremos os seguintes esclarecimentos: — Como deve ser contextualizado, em termos avaliativos, um descritor sem indicador? — Quais são os critérios que permitem avaliar, de modo fiável, se um professor é uma «referência»? — Neste caso concreto, o descritor enuncia que o professor deve ser uma referência, mas não indica «em quê»? Da ausência de especificação da referência deve inferir-se que o professor deve ser uma referência na totalidade dos catorze indicadores? Sendo assim, como se operacionaliza essa avaliação? Se não se refere a todos os indicadores, refere-se a quantos e a quais?
10.º Problema Descritor: «O docente evidencia elevado conhecimento científico, pedagógico e didáctico inerente à disciplina/área curricular.» Requeremos o seguinte esclarecimento: — O que se entende por «elevado conhecimento científico»? Qual a fronteira entre um conhecimento científico elevado e um conhecimento científico não elevado? — De que forma é que os professores podem revelar possuir «elevado conhecimento científico»? — Existem dois modos de se evidenciar ser detentor de conhecimento científico: através de texto escrito e através de texto oral. A nível oral: não sendo a aula (do ensino básico ou do ensino secundário) um local adequado para a apresentação de profundas exposições nem para demonstrações científicas que permitam aquilatar da elevação de um conhecimento, como pode/deve ser avaliado o elevado conhecimento científico de um professor? A nível escrito: que textos escritos deve o professor elaborar para demonstrar o seu «elevado conhecimento científico»? Escrever livros? Redigir ensaios? Publicar artigos em revistas da especialidade? Fazer um trabalho sobre uma determinada matéria? — Quem é detentor de autoridade e de credibilidade científica para avaliar o elevado conhecimento científico de alguém? — Do ponto de vista formal, para que o processo não seja a priori descredibilizado, o avaliador terá de possuir uma habilitação académica superior ao avaliado — tanto mais que será chamado a avaliar do elevado nível de conhecimento científico do seu avaliado. Todavia não é isto que se passa. Como se ultrapassa este problema?
11.º Problema Descritor: «Planifica com rigor, integrando de forma coerente e inovadora propostas de actividades, meios, recursos e tipos de avaliação das aprendizagens.» Em contexto pedagógico, a inovação, além de não ser um fim em si mesmo, muitas vezes, não é sequer um meio. Em contexto pedagógico, os problemas não só não têm de ser resolvidos de modo inovador como, em muitos casos, não devem ser resolvidos de modo inovador. Devem ser resolvidos de modo adequado a cada aluno, e esse modo adequado pode não ter nada de inovador. Assim, requeremos o seguinte esclarecimento: — Em termos de avaliação do desempenho do professor, como deve ser resolvido este problema (o descritor determinar uma prática e a pedagogia e o interesse do aluno determinarem outra)?
12.º Problema Descritor: «Planifica de forma adequada» A adequação de uma planificação só é susceptível de ser avaliada a posteriori. Só depois de aplicada é que o professor saberá se a planificação foi adequada, e, muitas vezes, não o consegue saber imediatamente após aplicação, e, outras vezes, nunca o virá a saber, com a certeza que gostaria de saber. Sendo assim, aquilo que poderá ser objecto de uma avaliação a priori (que é disto que se trata no presente descritor, porque são outros os descritores que abordam a prática) será apenas o carácter presumivelmente adequado da mesma, tendo em atenção as características da turma. Ou seja, o que será susceptível de ser avaliado é a fundamentação que o professor apresenta para optar por determinada planificação, e não por outra, em função do conhecimento dos seus alunos. Todavia, o professor relator não conhece a turma (não conhece rigorosamente nada, nos casos em que não observa aulas; e pouco mais que nada conhece, nos casos em que observa duas ou três aulas, conforme está previsto). Isto é, o professor relator não tem condições para avaliar se é adequada ou presumivelmente adequada a planificação elaborada pelo professor avaliado, por desconhecimento dos alunos aos quais ela se destina. Requeremos o seguinte esclarecimento: — Tendo presente esta impossibilidade, como deve ser feita a avaliação?
13.º Problema Descritor: «Promove consistentemente a articulação com outras disciplinas e áreas curriculares e a planificação conjunta com pares.» (Nível Excelente) É sabido que alguns advérbios avaliativos são de objectivação particularmente difícil ou mesmo impossível. É o caso do advérbio «consistentemente», presente neste descritor. Deste modo requeremos os seguintes esclarecimentos: — De que modo é possível determinar a fronteira entre uma promoção consistente e uma promoção não consistente? — Que critérios deve o avaliador utilizar para definir essa fronteira? — Se não definir essa fronteira, como poderá o professor relator avaliar o nível em que se situa o desempenho do professor avaliado?
14.º Problema O descritor do nível «Excelente» enuncia: «Concebe e aplica estratégias de ensino adequadas às necessidades dos alunos e comunica com rigor e elevada eficácia.» Por sua vez, o descritor do nível «Muito Bom» diz: «Concebe e aplica estratégias de ensino adequadas às necessidades dos alunos e comunica com rigor e eficácia.» Constata-se, nestes dois descritores, que a diferença entre um professor «Excelente» e um professor «Muito Bom» reside no facto de um comunicar com «elevada eficácia» e o outro comunicar apenas com «eficácia». Isto pressupõe afirmar que é possível determinar, com clareza, a diferença entre uma eficácia «elevada» e um eficácia «não elevada». Deste modo, requeremos os seguintes esclarecimentos: — Como se determina a fronteira entre uma comunicação realizada com «elevada eficácia» e uma comunicação realizada com uma eficácia não elevada? — Quais são os instrumentos avaliativos que possibilitam a medição da eficácia?
15.º Problema A primeira parte do quarto descritor do nível «Bom» enuncia: «Procura adequar as estratégias de ensino às necessidades dos alunos [...]» A primeira parte do descritor do nível «Regular» diz: «Implementa estratégias de ensino nem sempre adequadas às necessidades dos alunos [...]» «Procurar adequar as estratégias» significa que o professor tenta implementar estratégias adequadas, o que comporta a possibilidade de não conseguir implementar estratégias adequadas. Apesar disso, segundo o descritor, este desempenho situa-se no nível «Bom». Todavia, um professor que efectivamente implemente estratégias de ensino adequadas, ainda que nem sempre o faça, é penalizado e classificado como «Regular». Requeremos o seguinte esclarecimento: — Um professor que implemente estratégias de ensino adequadas, ainda que nem sempre o consiga deve ser penalizado relativamente a um outro que apenas procura adequar as estratégias, mas que pode não conseguir implementá-las?
Acabámos de referir exemplos de problemas relativos às duas primeiras dimensões dos Padrões de Desempenho. Todavia, problemas desta natureza repetem-se nas restantes dimensões. Estamos, deste modo, confrontados com a dificuldade de ultrapassar estes obstáculos e estes problemas. Problemas que, enquanto não esclarecidos, objectivamente nos impedem de prosseguir os trabalhos relativos ao processo avaliativo. A seriedade profissional a que estamos obrigados exige que requeiramos junto de V. Exa., ou de quem V. Exa. considerar dever endereçar, estes imprescindíveis esclarecimentos. Amora, 15 de Fevereiro de 2011” Surripiado do blogue "O estado da educação e do resto", depois de confirmação telefónica da sua autenticidade.
Apache, Fevereiro de 2011

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

O Acordar dos Símios

O Governo acaba de tornar obrigatória a aplicação do Acordo Ortográfico, nas escolas, a partir do próximo ano lectivo. Sócrates, o saloio que tirou uma licenciatura a um domingo, com trabalhos enviados por fax, numa universidade que mandou encerrar, quer agora forçar as futuras gerações a rebaixarem-se ao nível do seu analfabetismo primário. A sua máxima parece ser: Se não és digno entre os homens redu-los à tua bestialidade. Alguém, lá na Aldeia, devia explicar ao Primata que não tem poderes de super-herói.
Apache, Janeiro de 2011

domingo, 2 de janeiro de 2011

"A mensagem atribuída a José Sócrates"

"Toda a gente conhece as mensagens atribuídas a Bin Laden, por norma gravadas em vídeo ou áudio de péssima qualidade em cavernas de qualidade pouco superior. De vez em quando é divulgada uma mensagem dessas, onde o psicopata mais popular da luta islâmica exalta o Profeta do costume e ameaça os infiéis do costume. A lengalenga dos registos é tão semelhante que custa perceber se os desabafos de Bin Laden são recentes ou foram proferidos em 1979. Para alguns, é igualmente difícil apurar se os desabafos são de Bin Laden ou de qualquer actor amador que, provido das rodilhas, da barba e da sujidade adequadas, obtém o aspecto de faquir necessário à função. Assim, cada tentativa de prova de vida da criatura acaba por surtir o efeito perverso de lançar dúvidas sobre o respectivo estado: Bin Laden ainda vive? Bin Laden terá sequer existido? Vem isto a propósito da mensagem de Natal do primeiro-ministro. É verdade que as suas aparições nunca ocorrem em cavernas e que a qualidade dos meios técnicos é inquestionável. O enigma está na retórica. O eng. Sócrates detecta sinais de recuperação económica em Portugal. O eng. Sócrates sabe que a crise é internacional e a maior das últimas oito décadas. Apesar da crise, o eng. Sócrates encontra-se optimista. O eng. Sócrates não recua perante as adversidades. O eng. Sócrates possui energia interior. O eng. Sócrates aposta nas energias renováveis. O eng. Sócrates mudou o país. O eng. Sócrates é fanático da educação. O eng. Sócrates é reformista. O eng. Sócrates é nosso amigo. O eng. Sócrates é solidário. O eng. Sócrates é confiante. O eng. Sócrates é responsável. O eng. Sócrates é exigente. O eng. Sócrates é consciente. Esta torrente de banalidades, anedotas, delírios, alívios, sentimentalismo e descaramento foi emitida no dia 25 de Dezembro, mas podia tê-lo sido na semana, no mês ou no ano anterior. A bem dizer, desde 2008 que, na época natalícia ou na época que calha, o homem não diz coisa diferente. E embora, como os sequestrados que levantam o jornal do dia para confirmar a data da fotografia, o eng. Sócrates tenha mencionado pormenores e proezas recentes, isso, qualquer truque de montagem explica. Truques à parte, eis um mistério: por um lado, o carácter intemporal e absurdo das proclamações do eng. Sócrates sugere que ele já não partilha a realidade connosco; por outro, o estado calamitoso dessa realidade sugere que ele não deve andar longe. As ruínas que ele não parece habitar exibem a sua marca inconfundível. Se o eng. Sócrates não existe, terá de ser imaginado."
Alberto Gonçalves, no "Diário de Notícias" de 26 de Dezembro

domingo, 12 de dezembro de 2010

Dos testes PISA… (2)

A tabela acima (surripiada do blogue “A Educação do Meu Umbigo”) põe a nu a brutal diferença entre a qualidade dos alunos participantes nos testes “PISA 2006” e nos testes “PISA 2009” (não a qualidade da generalidade dos alunos portugueses, sobre a qual, nada se conclui). Já, na passada quinta-feira, aqui tinha referido que a aleatoriedade (para quem nela acredita) da escolha da amostra pode fazer com que, de um teste para outro, varie consideravelmente o número de alunos com reprovações ao longo do seu percurso académico, que compõem a dita amostra. Pois bem, comparando os anos curriculares frequentados pelos alunos sujeitos a teste, em 2006, com os testados em 2009, verificamos que, da primeira data (2006) para a segunda (2009): O n.º de alunos a frequentar o 7.º ano, (alunos com duas ou três retenções - recordo que aquando da realização dos testes, todos os alunos têm idades compreendidas entre 15 anos e 3 meses e 16 anos e 2 meses) presentes na amostra, diminuiu 65,2%; O n.º de alunos a frequentar o 8.º ano, (alunos com uma ou duas retenções) testados, diminuiu 31,3%; O n.º de alunos a frequentar o 9.º ano (alguns destes alunos registam uma reprovação no seu percurso escolar) diminuiu 5,4%; O n.º de alunos a frequentar o 10.º ano (alunos sem retenções) aumentou 20%; O n.º de alunos a frequentar o 11.º ano, uma raridade em Portugal, dada a idade em que se inicia a escolaridade, (alunos sem retenções e com mais competências por estarem a pouco mais de um ano lectivo da conclusão do secundário - recordo que os testes PISA se realizam em Abril e Maio) aumentou 100%. A aleatoriedade alegada pelo GAVE, na escolha da amostragem do PISA 2009, revelou-se uma manipuladora estatística, politicamente, muito conveniente.
Apache, Dezembro de 2010

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Dos testes PISA...

Foram anteontem conhecidos os resultados dos testes PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) de 2009, nos quais participaram cerca de 470 mil alunos de 65 países ou regiões (Os 34 membros da OCDE e mais 31 países e regiões administrativas convidados). Os testes, que se realizam de três em três anos, testam competências em Leitura, Matemática e Ciências, focando mais profundamente uma destas áreas, no caso de 2009, a Leitura. Portugal registou os seguintes lugares no ranking: Leitura, 27.º (22.º entre os membros da OCDE); Matemática, 30.º (25.º entre os países da OCDE); e Ciências, 32.º (25.º se considerarmos apenas a OCDE). O Governo, quer através do Primeiro-Ministro, quer dos representantes do Ministério da Educação, mostrou-se muito satisfeito com os progressos alcançados, que ao que consta foram os maiores no seio da OCDE. Progressos estes que, segundo o jornal “Público”, nos permitiram subir (entre os membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) 5 lugares na Leitura, 4 nas Ciências e 2 em Matemática, estando agora situados ligeiramente abaixo da média da OCDE. Subir num ranking é quase sempre positivo mas, sinceramente, não compreendo minimamente a euforia. Subir (em média) 3 ou 4 lugares entre os 34 países que compõem a OCDE, nuns testes internacionais que estão longe de ser realizados em situação de efectiva igualdade, entre os adolescentes dos vários países e que além disso testam competências e não conhecimentos, vale pouco mais que nada. Note-se que os alunos que participam nos testes não estão no mesmo nível de ensino, nem têm igual número de anos escolares frequentados. O que os participantes no PISA 2009 têm em comum é terem nascido entre 1 de Fevereiro de 1993 e 31 de Janeiro de 1994 e estarem a frequentar a escola em Abril e Maio de 2009. Por exemplo, em Portugal, o GAVE, organismo que controla a aplicação dos testes, pede a algumas escolas (212, segundo consta, em 2009) por si escolhidas, que apresente uma lista com os nomes, os anos e os cursos de todos os alunos nascidos no referido intervalo de tempo, que frequentem o 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º e 12.º anos de escolaridade, dos quais, o GAVE, selecciona aleatoriamente 40 por escola. Ora, em Portugal não há alunos com esta idade a frequentar o 12.º ano; muito poucos estão a frequentar o 11.º; já no 10.º ano grande parte dos alunos pertence a esta faixa etária (15 anos). A maioria dos que frequentam o 9.º com esta idade, são repetentes; os do 8.º são maioritariamente bi-repetentes e os que aos 15 anos frequentam o 7.º ou são bi-repetentes ou tri-repetentes. Ora, escolhendo aleatoriamente os alunos, podemos ter estudantes regulares (que frequentam o 10.º ano) num teste PISA e três anos depois (ou antes), alunos com dificuldades de aprendizagem e múltiplas reprovações. Na comparação internacional, se os alunos de determinada nacionalidade iniciarem a escolaridade mais cedo, chegam aos testes PISA em vantagem face aos colegas de outros países que a iniciem mais tarde. Por necessidade de adequação às culturas e práticas de cada país, os testes não sofrem apenas tradução mas também várias adaptações, tornando o seu grau de dificuldade diferente de país para país. Como referi acima, o PISA testa essencialmente competências (quase todas ao nível da interpretação de textos) e aptidões genéricas, em detrimento dos conhecimentos concretos sobre os conteúdos curriculares leccionados. Em conclusão, os testes PISA estão longe de serem realizados por alunos em situação de efectiva igualdade e não servem para testar a qualidade do sistema educativo dos países que nele participam, antes avaliam, o grau de implementação do lixo que a filosofia “eduquesa” das modernas "Ciências da Educação" está a espalhar mundo fora. Só isso justifica que países com sistemas de ensino com qualidade reconhecida, como por exemplo o Luxemburgo apareçam (entre os membros da OCDE) no último terço da tabela.
Apache, Dezembro de 2010

terça-feira, 23 de novembro de 2010

‘Boys’ da estupidificação maciça

“A verdadeira revolução na educação"
“Se bem se lembram, em tempos de Maria de Lurdes Rodrigues [MLR], foi em especial Vital Moreira, mas não só, que falou muito numa verdadeira revolução que estaria a assolar a Educação em Portugal. Se por revolução entendermos um processo de demolição, sem que se perceba se o edifício a construir não é bem mais atroz do que o anterior, talvez ele tivesse razão. Só que MLR foi-se embora e houve quem dissesse que as suas reformas (ou revolução) estavam comprometidas e que tudo ia regredir para o que havia antes, que o Governo tinha cedido aos tenebrosos interesses dos conservadores e atávicos professores (visão partilhada por muita gente, com destaque para o MST [Miguel Sousa Tavares] mas não só…). O que não repararam é que permaneceram em posições estratégicas alguns dos vultos que, ainda mais do que MLR que durante muito tempo foi testa-de-ferro e só a meio do trajecto se começou a sentir imbuída de aura, de forma mais consistente corporizavam uma investida inédita contra um modelo de Escola que consideram conservadora, elitista e selectiva, para além de partilharem imensos preconceitos contra os professores, fruto de personalidades com especificidades que me vou coibir de caracterizar para não entrar em terreno traumático. Fiquemos assim: são pessoas que da classe docente têm uma visão muito marcada e distorcida pelos seus percursos pessoais, ao longo dos quais se instalou um desdém imenso pelo trabalho dos professores, a quem desejam cortar toda a autonomia e torná-los meros executores das suas brilhantes teorias de gabinete, recolhidas em leituras muito na moda nos anos 50, 60 e 70, com estertores nos anos 80 lá fora, mas que cá foram chegando com o atraso habitual de uma ou duas décadas. A dupla mais óbvia desta tendência no aparelho de Estado é aquela que eu designaria por Capucha-Lemos connection [Refere-se a Luís Capucha, o actual responsável máximo pela Agência Nacional para a Qualificação e a Valter Lemos, Secretário de Estado da Educação, no anterior governo de Sócrates e actual Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional] e que, fugindo à esfera mais restrita da tutela da Educação, conseguiu, com um pé dentro e outro fora do ME, criar um feudo com um poder imenso que se prepara para continuar, verdadeiramente, a revolucionar os percursos escolares dos portugueses, construindo sucesso a todo o custo, mesmo que seja cilindrando tudo o que se lhes oponha. Apesar de não cumpridas as metas certificadoras das Novas Oportunidades [NO], Capucha & Lemos decidiram que os desempregados, se querem continuar a receber o cada vez mais curto e escasso subsídio, devem inscrever-se obrigatoriamente nas NO e serem formandos, fazer um portefólio e contar a sua história de vida, para ganharem uma certificação, para engordar estatísticas e ao mesmo tempo auxiliarem ao estender do poder da ANQ em matéria de Educação/Formação. O que se está a passar é a contaminação completa do Ensino Secundário pelo espírito NO, depois do Básico ter sido modelado à imagem das teorias do direito ao sucesso que Lemos debitou desde o início dos anos 90, na altura a partir do IIE [Instituto de Inovação Educacional] e que Capucha abraçou como sendo o mecanismo ideal para um teórico nivelamento social, que nega ser pela bitola baixa, que nenhum estudo comprova ter funcionado como fomentador de qualquer mobilidade socioprofissional. Mas tudo está a pleno vapor. Aos milhões de pretendidos certificados, juntam-se agora mais umas centenas de milhar de novos formandos, recrutados de forma compulsiva nos centros do IEFP [Instituto do Emprego e Formação Profissional]. A isto vão chamando um processo inédito de qualificação da população portuguesa. Perante isto, o ME [Ministério da Educação] parece uma simples Secretaria de Estado sem qualquer capacidade comparável aos domínios de Luís Capucha, o homem que anuncia que os professores têm demasiadas horas de redução e que isso não pode continuar, como se fosse ele o califa em vez da califa. Embora o negue, a aliança com Lemos é objectiva e evidente. Ambos querem transformar o sistema educativo público numa imensa rede de certificação, com 110% de sucesso garantido à nascença. Movendo-se numa pouco discreta sombra, num claro-escuro que não oculta a vaidade e presunção, a Capucha-Lemos connection constitui-se como o verdadeiro soviete revolucionário da Educação Nacional. Temei… porque esta é uma forma de terror educacional… em tons rosa…”
Paulo Guinote, professor, editor do blogue “A educação do meu umbigo”

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Ingénuos ou brincalhões?

Lia-se no “Jornal de Notícias” de ontem que Timor-Leste, pela voz do seu Presidente (Ramos Horta), se manifestou disponível para comprar títulos da dívida pública portuguesa. Convinha avisar o senhor Ramos Horta que não compra dívida pública portuguesa quem quer, apenas quem pode. Com juros a mais de 7%, a nossa dívida torna-se muito apetecível para os investidores, o que leva a que a procura seja sempre muito superior à oferta. Mais abaixo (na notícia) lia-se que tal acção visa a diversificação da carteira de investimentos do “Fundo do Petróleo” que, segundo o jornal tem mais de 6 mil milhões de dólares. Percebemos então o ridículo da notícia. Timor-Leste apresenta um Produto Interno Bruto (PIB) de 2,74 mil milhões de dólares, pelo que, não pode ter um Fundo de 6 mil milhões (a que corresponderia o PIB de mais de dois anos). Por outro lado, convém lembrar que a dívida pública nacional ascende (dados de 2009) a mais de 185 mil milhões de dólares (68 vezes o PIB timorense), pelo que, mesmo que Timor-Leste tivesse um Fundo do Petróleo tão “gordinho” como o anunciado, ainda assim, não iria longe na aquisição de títulos da dívida pública portuguesa.
Apache, Novembro de 2010

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

E não podemos extingui-los?

«Em época de proclamado aperto nas contas públicas, a reacção de quem de direito é a esperada: espatifar as contas públicas tanto quanto possível. Pela parte que lhe toca, a administração local subiu o endividamento em 23% (dados de 2009), façanha que o Dr. Fernando Ruas garante não só não ser "preocupante" como totalmente legal e "um acto de gestão igual a outro qualquer". Por acaso, salvo raríssimas excepções, não há memória de "actos de gestão" autárquicos, legais ou ilegais, que conduzam à diminuição do défice. Mas esse peculiar estilo de restrição orçamental não é exclusivo dos chefes paroquiais. No Estado em geral, a despesa subiu 2% nos primeiros nove meses do ano, se comparada a idêntico período do ano passado. O ministro das Finanças explicou que isso é bom, já que o crescimento homólogo entre Janeiro e Setembro foi menor do que o crescimento homólogo registado entre Janeiro e Julho. Em português: o descontrolo continua, mas é um pedacinho menor do que chegou a ser. Como se consegue? Como consegue manter-se, com relativo crédito, um discurso de austeridade e uma prática exactamente oposta? Não é fácil. Ou se calhar até é. Primeiro, precisa-se de talento, o peculiar tipo de talento que ergue os governantes indígenas aos lugares que merecidamente ocupam. Depois basta uma parcela significativa do eleitorado pronta a acreditar nas mais extravagantes patranhas. Veja-se, a propósito do Orçamento, o exemplo dos organismos estatais. A proposta do PS prevê a extinção de 50 entidades do género e os devotos aplaudem o empenho do Governo na causa da poupança. Não importa que os 50 referidos abrigos das clientelas constituam uma fracção microscópica das incontáveis fundações, institutos, serviços, agências, empresas municipais e tortumelos similares. Nem importa que a supressão de umas siglas se limite a transferir as clientelas de um gabinete para o gabinete ao lado. Sobretudo não importa que alguns dos organismos a encerrar em 2011 nem sequer existam ou, de acordo com decretos anteriores, não devessem existir. A história saiu aqui no DN, que detectou, por alto, nove divertidos casos assim. Um deles é o dos Serviços Sociais do Ministério da Justiça, teoricamente abolidos em 2008. Outro é o do Hospital Condes de Castro Guimarães, fechado desde Fevereiro. Outro ainda é o do Observatório das Políticas Locais da Educação, que supostamente deixou de observar durante o corrente ano. O meu preferido é a Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental (?), infelizmente falecida em Maio passado. Isto apenas dá razão aos que criticam o Governo por ter sido pouco ambicioso nos cortes. Se o objectivo era acabar com instituições imaginárias ou extintas, não custava nada anunciar o fim de cinco mil em vez de 50, incluindo a Mocidade Portuguesa, a Liga de Amigos da URSS e o Centro de Contemplação Aplicada das Lontras do Baixo Vouga (CCALBV). O País ficaria rendido a tamanho exercício de contenção, e o PS saltaria nas sondagens dos 35% para os 45%. No mínimo.»
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias”