sexta-feira, 8 de setembro de 2006

Pedro e Inês

Enquanto esperava, Pedro afastou a imponente colcha vermelha, que cobria uma generosa cama de madeira de cerejeira. Ao sentar-se na berma da cama, observou uma velha telefonia que repousava tranquila sobre a mesa-de-cabeceira, instintivamente esticou o braço para a ligar mas… Olhou então em volta, quase inspeccionando o quarto que o rodeava, e que se revelava relativamente pequeno, quando comparado com a cama que ocupava uma posição central, encostada a uma das paredes, deixando apenas em redor, uma estreita faixa de chão. Ao fundo, a porta dava acesso a um pequeno corredor com mais duas portas, a de entrada e a da casa de banho, de onde Pedro esperava ansiosamente ver sair Inês. Vestindo modestamente as paredes, encontravam-se dois quadros, um, colocado na parede lateral representava o exuberante «Carnaval de Veneza», o outro, colocado (talvez ironicamente) por cima da cama, exibia uma enigmática escada em caracol, coberta por uma passadeira vermelha, com um imponente corrimão em madeira luxuosamente talhada, intitulado «Ascensão e Queda». Numa discreta prateleira contígua, um único livro desperta de imediato a curiosidade dos amantes da literatura «Crime e Castigo» de Dostoievski. Pedro levantou-se e começou a folhear o livro como se o não conhecesse, mas acabou por levantar os olhos em direcção à pequena janela da restante parede do quarto. Pousou o livro e dirigiu-se para ela, pensando que talvez fosse possível avistar dali a praia, mas a desilusão foi imediata… Claro, a praia ficava do outro lado e o aluguer desses quartos devia ser bem mais caro. Observou por instantes o cinzento do céu e a fraca luminosidade daquela quente e abafada tarde de início de Julho. Cortando este misto de frustração e nostalgia, baixou sofregamente a persiana, deixando o quarto completamente escuro. Descalçou os sapatos, despiu a t-shirt e deitou-se sobre a cama, com as mãos entrelaçadas atrás da cabeça, que pousou numa almofada rosada. Acedeu os dois pequenos candeeiros de parede, deixando o quarto com uma luminosidade romanticamente discreta. Voltou a olhar de relance o velho rádio que permanecia mudo, enquanto ao longe o mar cantarolava uma suave melodia de enternecer… Inês saía finalmente do banho. Trazia o corpo envolto numa toalha branca, que realçava o tom dourado da sua pele e os longos cabelos ainda molhados. Enquanto caminhava para ele, sorria, Pedro hesitava entre desejar a eternização daquele momento ou arrancar avidamente a toalha que escondia o corpo perfeito de Inês. Ela leu-lhe o pensamento. Ao chegar junto da cama, deixou cair a toalha e atirou-se sobre ele. Os dois abraçaram-se e beijaram-se sofregamente, o corpo dela cheirava a morangos, para Pedro, o tempo tinha de facto parado naquela tarde, enquanto os Anjos tocavam “Strawberry Fields Forever”. Breves instantes depois, o suor escorria do corpo de ambos, como se o fogo do desejo jorrasse líquido por cada um dos seus poros. O suor e a saliva de Inês não eram salgados, sabiam a leite e a mel e Pedro bebia-os como se fossem o elixir da vida… Era já noite alta, o tempo, fora daquele quarto prosseguia a sua marcha cruel, ambos tinham de se separar e retornar às suas vidinhas vulgares. Inês levanta-se e veste-se lentamente, enquanto Pedro a observa… Pedro salta da cama e abraça Inês uma última vez, como se esse abraço perpetuasse a indomável paixão que irónica ou tragicamente se associa sempre aos amores impossíveis, de agora, como de antes, destes, como de outro Pedro e de outra Inês, uma paixão imortal, escrita com lágrimas de sangue exalando o sublime perfume da morte!...
Escrito para o "Simply Red" da Morgana - Apache, Julho de 2006

29 comentários:

Cleopatra disse...

Já tinha lido esta estória .
muito bonita.
Gosto da espera,...do desejo, do olhar,...do romance,...
Gosto do gosto amargo doce.
Todas as paixões têm este quê de inacabado, de dor, de querer mais e não poder,... de tortura, de ausência e de presença que sabe a pouco...

Bem descrito a separação,... até doi!

Porquê?
Porque é que tem de ser assim?

É bonita.

DarkMorgana disse...

Também já tinha lido (claro!!!)...e já me tinha manifestado, mas é uma História para se ler mais do que uma vez...
Muito bonita...

(Acho que também vou republicar a minha que só deve ter sido lida por 2 ou 3 pessoas...)

Fallen_Angel disse...

owa :o)
ai que winda, apaixonante :o)
parabens á autora :o)

BEijinho e bom fim de semana

redonda disse...

Gostei muito (além da poesia, também a prosa).
Agora vou ter de descobrir o que é esse simply red da Morgana, para o qual foi escrito ...

Cleopatra disse...

OH Redonda, desculpa lá, mas este texto é uma prosa poética. Decide-te.

redonda disse...

Olá Cleopatra
Eu ainda estou a descobrir a poesia, deve ser por isso que ainda não distingo bem... Tendo de me decidir é complicado, mas lá vai: eu gostei dos poemas que li para trás e agora gostei do texto de prosa poética. Pronto! Entretanto descobri o que era o simply red e gostei dos textos que lá estavam...mas é capaz de ser melhor não os qualificar (serão todos prosa poética?)

Cleopatra disse...

Acho que quase todos o são redonda!!

Bem vinda ao mundo da poesia!
É um Mundo delicioso... e faz bem ao espirito para além de libertar a alma!! ;)

Apache disse...

"Porquê?
Porque é que tem de ser assim?"
Não tem de ser sempre, Cléo!
Quando é assim, alguns chamam-lhe destino, eu chamo-lhe outra coisa que não vou dizer aqui...

Apache disse...

Olha, a menina Morgana regressou... mais vale tarde...

"(Acho que também vou republicar a minha que só deve ter sido lida por 2 ou 3 pessoas...)"
Poucos mas bons!

Apache disse...

"(...)parabens á autora"
Ó Anjinha, eu ofereço-te uns óculos...

"Acho que quase todos o são redonda!!"
Está optimista hoje, Cléo?!

Redonda, há duas formas de escrever, em prosa ou em verso! Se uma prosa ou uns versos, são ou não poesia, isso é discutível, será a mesma coisa que dizer que um determinado desenho ou uma pintura são ou não obras de arte. Certo?!

Só as meninas é que se manifestam neste blog?...

Apache disse...

Ó Redonda, não conhecias a "Cinderela" do Carlos Paião?
Não acredito?!

Apache disse...

"Bem, pelo menos a médica na fotografia é bonita..."
Também acho, Redonda. Não me digas que temos gostos idênticos? Isso é grave...

Apache disse...

"(...)gostei muito deste poema sobre a saudade... parece-me muito verdadeiro e sentido." Não se escreve poesia se não se sente o que se escreve!

"Não conhecia a frase assim. É muito mais bonita do que a que conhecia, ao contrário."
O Evangelho segundo São João, se não estou enganado...

"Adoro esta música"
Também gosto muito... Mas agora é menos grave...

;)
Beijinhos! Amanhã continuo!

Eva disse...

Com um foto tão bela no perfil, temos que travar conhecimento - pessoalmente - muiiiiiiiiiiiitttttooooo em breve.
ai jazus qu'a m'apetece deixar aqui o telemóvel.
Ai nhã vida! qu'o moce é tan belo!

redonda disse...

Ó Lusitana Paixão eu não rebolo...eu deslizo com delicadeza e suavidade... E achas que eu sou médica? :)

Apache demoraste tanto a responder-me que vou ter de voltar atrás outra vez para me localizar ...mas não faz mal, assim posso fazer mais alguns comentários e comentar as tuas respostas... :)

Um beijinho

Cleopatra disse...

"eu chamo-lhe outra coisa que não vou dizer aqui... "

Diga Apache diga.
Eu gosto de saber o que pensa.


"Acho que quase todos o são redonda!!"
Está optimista hoje, Cléo?!

Não Apache.
Gosto do que escreve.

Só não gostei daquela postagem da menina da ribeira que por sinal não era de sua autoria.

Lembra-se??


Ai LP. Já te foste meter com a redonda. pronto!

Apache disse...

Olá Eva, não sabia que era fã do Daniel Day-Lewis. Porque não se junta ao clube de fãs: http://fan.daniel-day-lewis.net/
Tem muitas fotografias do "dito cujo" em: http://www.dd-l.net/ tanto dos filmes como de várias fases da vida dele. Sabe que nestas coisas, o original é sempre melhor que as imitações...

Pronto, bastou-me dizer que neste "post" só as meninas é que se manifestavam e vem logo o Lusitana Paixão com uma manifestação não autorizada.
Já percebi que é ciumento, mas essa sua fixação pela Redonda...
O que está a fazer a rapariguinha da foto? Eu acho que está a dançar. E o que acha a sua mente imaginativa, LP?

Sabe Cléo, nem tudo o que se pensa se diz. No entanto o LP deu-lhe (acidentalmente) a resposta... "As mulheres endoidaram por aqui?
(...)
Bem, a Cleo não endoidou... desculpe Meritíssima!"
Garantidamente nem tudo o que escrevo é poesia, de todo! Mas a Redonda referia-se aos textos publicados no "Simply Red" e aí acho que a maioria dos textos, ainda que bem escritos, não é prosa poética.
Também gosto muito do que escreve.
Quanto à letra da música dos Madredeus, escrita, não tem o mesmo encanto que cantada.

Desculpa Redonda, nem sempre o tempo dá para tudo.

Apache disse...

"A fotografia fez-me pensar que tenho de cortar mesmo com os m&m e inscrever-me num ginásio...para ver se é desta que perco 1 kg."
Eu acho que a mocinha da foto tem mais de 49 Kg! Também tenho de ver se arranjo (mais) tempo para perder uns quilitos.

Apache disse...

"Comecei logo a imaginar num julgamento a inquirir-se o arguido: "mas chamou ou não a Fulano, Funcionário Público?", perante um assistente e uma audiência chocados com tal despautério..."
E o arguído arrependido confessa - Chamar chamei, mas nem queria ofender muito, senão chamava-lhe mesmo professor...

Apache disse...

"Eu gostei muito do poema, mas fiquei siderada com os comentários. Não tou à altura disto..." Ora essa, isto era para altas, baixas e assim-assim...
Estes comentários envolveram uma série de conversas cruzadas de outros blogs, daí a confusão.

Apache disse...

"Não sabia nada disto,do desaparecimento das vagas... será que andei pela lua ou não foi noticiado? É que muitas vezes parece-me que há notícias que circulam pela net, que deveriam vir nos jornais e não percebo porque é que tal não acontece."
Andaste distraida... Veio nos jornais e foi falado na TV. O concurso de professores deste ano foi um embuste, aliás, este foi apenas um dos episódios, houve mais!

Apache disse...

"Estava muito curiosa sobre qual seria a tua profissão. Agora estou curiosa sobre o que ensinas...
Isto de andar para trás está a ser muito revelador: já fiquei a saber que és sportinguista e que ensinas (uma das minhas irmãs é tua colega). Que mais é que irei descobrir..."
Como alguém disse no blog da Cléo, sportinguista e sulista. Por falar nisso, quebrou-se o enguiço, finalmente ganhámos ao Inter.
E a tua irmã? Lecciona o quê, onde?

Apache disse...

"Quero mais posts novos!" Vou ver se amanhã publico a resposta do "Para pensar" para quem não acertou e depois logo se vê.

Apache disse...

"O dar tautau nas meninas é que não me parece bem... e eram só meninas,não havia nenhum menino?"
Era só para punir o atrevimento...
Vamos ter que perguntar ao Francisco José Viegas, mas parece-me que não. Se houver, eu reencaminho-tos...

Apache disse...

Olá Bulaxa, as respostas têm a ver com os comentários que a redonda tem feito em "postagens" antigas.
Beijo!

redonda disse...

Olá Apache :) estou a achar o máximo a confusão que aqui estamos a arranjar e estou a re-comentar os posts antigos...

Mas acho que agora vou re-comentar e responder-te aqui!

Realmente o chamar-lhe mesmo professor seria bem pior... :)

Parabéns pela vitória ao Inter :)

A minha irmã lecciona inglês numa escola aqui no Norte...

E vou ficar à espera do reencaminhamento...

Um beijinho

Apache disse...

Pois é, Redonda, confusões é a minha especialidade :)
Esqueci-me de te dizer, lecciono Ciências Físico-Químicas.
Beijinho.

Eva disse...

Ai que baralhação divertida.
Moche nos comentários ;-)

Tenho uns "fetiches" (não me lembrei de palavrita melhor) pelo Daniel, sim senhor (dito assim até parece que somos intímos).
Mas, e no no alto da minha miopia, ainda pensei que a foto fosse o próprio apache aqui do blog.
Posso deixar o nº de telemóvel também para o Daniel. Alguém lho entregará?

beijos

Eva

Apache disse...

Não me parece que alguém o consiga encontrar lá pelos campos da Irlanda, Eva.