segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

"Glória in excélsis Deo...

et in terra pax homínibus bonae voluntátis."
      [São Lucas 2:14]

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

“Branca de Neve procura emprego”

“É provável que uma hipotética saída da União Europeia agravasse ainda mais a nossa situação económica. Mas talvez melhorasse a nossa saúde mental. No meio de uma crise que coloca a sua própria existência em risco, o Parlamento Europeu (PE) dedica-se a demonstrar que não se perderia muito: não satisfeito por possuir uma absurda Comissão dos Direitos da Mulher e Igualdade dos Géneros, o PE permite que a dita comissão se alivie de palpites acerca de matérias que sempre os dispensaram.
Até agora, essa destravada fraternidade tentava interferir no mundo real e entretinha-se a propor quotas em empresas e delírios assim. Agora, soube por Helena Matos (blasfemias.net), a referida Comissão avança para o mundo da ficção e quer abolir das escolas ou no mínimo temperar a influência das obras literárias infanto-juvenis que atribuem papéis "tradicionais" aos elementos masculinos e femininos da família. Livrinho em que o pai saia para o trabalho e a mãe fique a cuidar da prole irá, se a coisa vingar, directamente rumo ao índex dos eurodeputados.
O índex será vasto. Não estou a ver nenhum clássico da literatura do género em que a personagem do marido passe os dias a mudar fraldas e a da esposa assuma um lugar de relevo na sociedade. Mesmo na "Branca de Neve", que está longe de representar um agregado familiar retrógrado (conheço pouquíssimas senhoras que coabitem em simultâneo com sete cavalheiros, para cúmulo de estatura alternativa), a verdade é que a heroína trata das arrumações caseiras enquanto os seus sete parceiros labutam nas minas. E quanto a Huckleberry Finn, criado na ausência da mãe e na presença de um pai alcoólico, erradica-se ou não? E os órfãos de Dickens? E, uns degraus abaixo, os pobres sobrinhos sem tia da Disney? Além disso, a Comissão dos Direitos da Mulher e Etc. é omissa no que toca às fábulas. Se, por exemplo, é indesmentível que, ao invés da cigarra, a formiga trabalha como uma desgraçada, nem Esopo nem La Fontaine sugerem que a dita seja fêmea e unida pelo matrimónio a um formigo que colabora nas tarefas do lar e respeita o "espaço" da companheira. Que obras, em suma, corresponderão aos requisitos de igualdade? Há uma imensidão de dúvidas.
Por sorte, há um PE recheado de certezas, que reivindica à Comissão Europeia legislação capaz de regulamentar (um verbo predilecto) o equilíbrio conjugal nas histórias para petizes - no papel e também no cinema, na televisão, na publicidade e onde calhar. O argumento (digamos) é o de que os "estereótipos negativos de género" minam a "confiança" e a "auto-estima" das jovens, limitando as suas "aspirações, escolhas e possibilidades para futuras possibilidades [a repetição não é gralha] de carreira". Quem fala assim não é gago: é semianalfabeto na medida em que escreve com os pés, arrogante na medida em que submete a liberdade criativa à engenharia social e um bocadinho maluco na medida em que confunde a fantasia com o quotidiano. (...) “
Alberto Gonçalves no “Diário de Notícias”

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

“Meus caros Portugiesisch”

"Carta de Angela Merkel aos portugueses"


“Permitam-me que comece por esclarecer que, quando digo "meus caros", meço bem as palavras. De facto, vocês são cada vez mais meus, e continuam a ser bastante caros. Está em curso um processo destinado a tornar-vos mais baratuchos, mas permanecem demasiado dispendiosos para o meu gosto. Creio não estar a ser sexista quando digo que todas as senhoras apreciam um bom saldo, e por isso defendo que as reduções de salário que a austeridade vos está a impor podem e devem ir um pouco mais longe. A Europa precisa de portugueses com 70% de desconto. Duas palavras: liquidação total. Quero dizer-vos que recebi com muito agrado as vossas várias cartas abertas. Confesso que achei a maior parte delas pouco macias e absorventes. Sem desprimor para as que tiveram a gentileza de me enviar, prefiro cartas impressas em folha dupla aromatizada. Fica a sugestão, para a nossa correspondência futura. Também assisti, com muito interesse, ao vídeo que prepararam para nós. Estava muito bem feito e constitui mais um motivo de orgulho para os portugueses porque, na Alemanha, são raros os alunos do 8.º ano que conseguem fazer trabalhos de grupo tão bons. Fiquei surpreendida com as informações contidas no filme. Não sabia que os portugueses trabalhavam mais horas, tinham menos férias e se reformavam mais tarde do que os alemães. Qual é a vossa desculpa, então, para viverem muito pior do que nós? Tenho a certeza de que o problema não está nos vossos dirigentes. Todos os que conheço levam muito a sério a missão de servir. (…)”
Ricardo Araújo Pereira, na “Visão”

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

“Um curso com saída”

“Em vez de frequentar licenciaturas inúteis ou de fingir que frequentam licenciaturas inúteis, os jovens pragmáticos vão directamente ao assunto e inscrevem-se na Universidade de Verão do PSD. À superfície, a brincadeira não diverge muito dos acampamentos do Bloco de Esquerda, tirando as tendas, a iconografia "revolucionária", o haxixe consumido pelos participantes e o estado geral de alucinação da maioria dos oradores. No fundo, porém, ambas as iniciativas visam o mesmo: produzir políticos de carreira. É verdade que o grau de implantação do PSD e a rotatividade das respectivas direcções auguram uma carreira mais promissora do que a rígida pequenez do Bloco, mas o ponto não é esse.
O ponto é a existência de centenas (ou milhares?) de meninos e de meninas capazes de trocar os prazeres da idade e da estação por uma semana de clausura, a ouvir oradores de gabarito diverso, a estabelecer os contactos "certos" e, sobretudo, a preparar o seu futuro. Não importa muito se o fazem por fanatismo ideológico ou cinismo: o facto é que o fazem, e isso só nos deve angustiar.
Não sou de mitificar as lideranças políticas já reformadas, que à distância parecem sempre melhores do que na realidade foram. Em contrapartida, não me custa nada lamentar a monumental pelintrice das lideranças actualmente em funções. Mal por mal, antigamente ainda passava pelas cúpulas partidárias o ocasional portador de um percurso profissional realmente exterior aos partidos e à influência dos partidos. Hoje, não. Se retirarmos a política aos políticos de agora, ficamos com uma multidão de rematadas e disciplinadas nulidades sem serventia no mundo real excepto, talvez, no sector da arrumação de automóveis.
Dizer que o problema do país são os maus políticos é tão redundante quanto sugerir que Haydn tinha jeito para a música: os políticos são maus porque nunca souberam ser outra coisa, sobretudo uma coisa sujeita a responsabilidades e que tomasse decisões sem envolver o dinheiro alheio. É por isso que, na sua franqueza, as universidades (e os acampamentos) de Verão chocam um bocadinho, embora um bocadinho menos do que a disseminada ilusão de que compete a essa gente aperfeiçoar as nossas vidas. Contas feitas, a única aptidão de tais espécimes é a criação de emprego: o deles.”
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias”

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Dos exames...

“Duas palavrinhas:

Duas palavrinhas para iniciar a conversa: ouvi parte de um recente Fórum TSF sobre exames, em que era convidado o professor Carlos Fiolhais — a introduzir o tema, entrevistado por telefone. Tinha de sair (justamente para os exames…) e apanhei aqui o resto do Fórum, no De Rerum Natura. Fórum, comentários, desabafos — a coisa toda.

Sou professor em exercício e já ando há 40 anos nestas andanças; também fui aluno — 27 anos de escolaridade variada até aos meus 37 anos de idade — ainda sou quando calha, e já tive tempo para amadurecer ideias, porque ruminei sobre o assunto.

Matéria remoída:

A última frase que ouvi ao jornalista da TSF antes de abrir o debate, e de eu sair de casa, foi a seguinte: «Faz sentido ser mais exigente? Ou corremos o risco de, às tantas, estarmos apenas a preparar os alunos para os exames sem lhes dar uma formação mais global? Retomando aquela metáfora do futebol: ensinamos a marcar penáltis, não os ensinamos a jogar em equipa.»

Depois, começou a dança.

Primeira reacção que tive: os exames não são uma marcação de penáltis. O professor Carlos Fiolhais foi aceitando a comparação com o futebol com alguma reserva, dando-lhe o valor que merece a tentação, provocada pela simultaneidade do campeonato europeu. Mas percebeu a fragilidade de alguns paralelos, frisando que não se tratava bem da mesma coisa.

De facto, o erro de partida assenta numa crença bastante popular na seguinte ideia: o conhecimento é algo complexo, profundo, construído. O exame é um acaso, uma superficialidade, uma simplificação. E os alunos são treináveis para o momento, sem passar pela permanência.

Nada mais falso! Devo explicar o seguinte: tenho dado, durante a minha vida profissional, essencialmente, três disciplinas: Desenho, História da Arte e Geometria Descritiva. Diria que a primeira, a artística, é muito vocacional — embora seja passível de aprendizagem por qualquer pessoa normal; a segunda, é da área das humanidades; a última, é uma linguagem de representação gráfica de base matemática. Três áreas muito diferentes, por conseguinte.

Tive alunos em situação de exame nas três disciplinas. E garanto-lhe, caro Leitor, que, após 40 anos de ensino, não faço a menor ideia do que é «treinar um aluno só para o exame».

Porquê? Porque isso não é possível: de facto, o conhecimento é complexo, profundo e construído, de modo que o ensino tem de transmitir todas essas qualidades. O exame limita-se a verificar se o ensino foi eficaz, e se a aprendizagem correspondeu.

3 pontos:

1. Nós (os portugueses) pensamos que há grandes sortes e grandes azares na vida, e que nos exames os deuses jogam aos dados. Isto é patente nos comentários no Fórum que ouvi e li, e é corrente nos debates sobre educação. Porquê? Porque é voz corrente que para tudo o que vale a pena na vida há truques, atalhos, golpes.

Realidade crua — e dura: para exames, não há. A única forma de preparar gente para exame, é dar a matéria toda, insistir no que é fundamental (leia-se: estruturante), e insistir na seriedade do estudo e do trabalho dos discentes. E rever, e tornar atrás, e voltar a dar a mesmíssima matéria, para de novo provocar os cérebros a meditar nas mesmas questões, mas numa nova perspectiva: de revisita, de revisão, de redescoberta — tal qual como se conhecem os meandros de uma cidade: a pouco e pouco, mas com muito passeio, muita insistência, até a ter (quase) conquistada, perspectiva a perspectiva, aroma a aroma, restaurante a restaurante. Acho esta comparação melhor que a do futebol.

2. Nós (os portugueses) pensamos que há nervos, e que há stress, e brancas, e que é possível que alguém saiba imenso e faça um exame miserável. Porquê? Porque temos um ensino extraordinariamente maternal, protector, que infantiliza e, portanto, diminui e fragiliza os alunos. Ora um aluno que sabe a matéria — toda a matéria — pode ter uma ou outra surpresa em exame. Como num teste. Ou como na vida. Mas funciona, porque sabe a matéria — toda a matéria. Uns pontos melhor, outros pior, sabe. Não porque tenha estado a ser soprado por um preparador de exames, ou por três directas nas vésperas: apenas porque anda a estudar aquilo há dois, há três anos.

Se um estudante disser que sabia tudo e depois, com os nervos, teve uma branca e foi-se abaixo, uma de duas coisas se passa: o estudante não se preparou (e engana-se ou mente com os dentes todos que tem), ou o estudante tem, de facto, um problema grave de ansiedade paralisante que tem de ser visto por um médico (situação preocupante, que não deve ocorrer apenas em situação de prestação de contas escolares).

3. Nós (os portugueses) pensamos que há a matéria para exame (aahrgh!) e os outros saberes (hmmm!…). Porquê? Porque jornais, cientistas da educação, redes sociais, TV, taxistas, políticos, comentadores, mães e pais sortidos, colegas da bicha da caixa de supermercado, sociólogos, oradores de café, tudo quanto é fazedor e desfazedor de opinião — incluindo um número de profissionais do ensino — foram martelados, nos últimos 20 ou 30 anos, com um refrão: «há más e boas matérias, há aquilo que se marra e há coisas mais sérias» (pode cantar com a musiquinha «Quem tem medo do Lobo Mau?»).

De facto, o saber acumulado por séculos de ensino diz-nos o seguinte: lidar com conteúdos propicia competências; trabalhar sozinho fornece concentração; o trabalho de grupo é interessante nalgumas actividades, perfeitamente dispensável noutras — pelo que deve ser, singelamente, adequado —; tudo aquilo que não é praticado é esquecido (até andar a pé); e tudo isto é perfeitamente natural, de modo que saber a matéria para exame é estruturante, e é essa estrutura que parece apoiar os outros saberes. (Porque é que a expressão me irrita? Porque é saloia: é de gente que pouco sabe, armada aos cágados. Confesso: também isto são outros saberes…)

Ponto final:

Solução fácil: tomem-se todos aqueles (professores, sobretudo) que dizem que é possível treinar alunos ignorantes para fazer só o exame, e dêem-se-lhes turmas. Para eles aplicarem as suas teorias, e os meninos terem notas capitais. Vão ver o brilharete que fazemos nas estatísticas da OCDE!

Solução custosa: tratemos de fazer exames decentes (muitos, são-no!), e de verificar se tudo está a correr bem — os docentes a ensinar, os discentes a aprender. É, de momento, a única forma conhecida de verificar se o ensino de Vila Real de Santo António equivale ao de Abrantes ou ao de Viana do Castelo, e se todos são consistentes.

Os meninos preparados e minimamente cumpridores vão —surpreendentemente — passar; e com orgulho, tanto quanto me lembro das minhas próprias provas — já que nunca fui grande espingarda como aluno: nem sempre oleado, encravava, às vezes…”
António Mouzinho, no blogue “De Rerum Natura

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Frase do dia

"O parlamento português converteu-se no maior antro de tráfico de influências do país. São muitos os deputados que utilizam o cargo público para fins privados, ao serviço das empresas com que colaboram."
Paulo Morais, no Correio da Manhã de ontem

sexta-feira, 18 de maio de 2012

O preço da fraude

O Ministro da Educação e Ciência, Nuno Crato, anunciou hoje que o programa Novas Oportunidades custou cerca de mil e oitocentos milhões de euros.
O facto admite dois comentários antagónicos:
Dado o elevado número de adultos que aderiram à iniciativa, se se optasse pela qualificação dos mesmos, melhorando e acrescentando conhecimentos, provavelmente, ter-se-ia gasto mais dinheiro;
Constatando-se que a iniciativa (além da propaganda política que lhe está associada) mais não pretendia que a mera distribuição de certificados a eito, era perfeitamente possível, com apenas três ou quatro centenas de milhar de euros imprimir e distribuir os certificados, inclusive em papel de melhor qualidade. Mas até pelo papel e aspecto gráfico do certificado se percebeu que a iniciativa interditara palavra qualidade.
Um estudo estatístico sobre o impacto da iniciativa [fundamentalmente sobre o processo de RVCC (Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências)] encomendado ao Instituto Superior Técnico, que incide nas dimensões: empregabilidade; probabilidade de encontrar um emprego; e remunerações foi (também) hoje tornado público e está disponível aqui.
O estudo, que compara dois grupos de adultos, um de participantes em processo de RVCC e outro, de controlo, constituído por não participantes conclui que:
“Os participantes em processos RVCC são, em média, mais novos e entraram mais cedo no mercado de trabalho, quando comparados com os não participantes. Têm também uma maior probabilidade de estar desempregados e de experimentarem durações de desemprego mais longas (…)”;
“Os participantes recebem, em média, remunerações inferiores às que auferem os não participantes. A evolução das remunerações ao longo dos anos mostra que o grupo de participantes detém características que levaram à perda de rendimento real (…)”;
“(…) os processos RVCC Profissionais melhoram a empregabilidade, em particular para os homens. Os RVCC Escolares têm algum impacto positivo na probabilidade de encontrar um emprego, apenas no caso de participantes que frequentaram, em complemento, Formações Modulares Certificadas (…)”;
“A generalidade dos resultados obtidos indica que os RVCC não têm impacto na evolução das remunerações do trabalho.”
Apache, Maio de 2012

domingo, 6 de maio de 2012

Esbulho à portuguesa

“Primeiro, Vítor Gaspar tirou dinheiro aos trabalhadores. Depois, tirou aos reformados. A seguir, tirou aos consumidores em geral. Agora, tirou ao ministro da Economia. Ora até que enfim, uma medida justa. Creio que o Ministro das Finanças encontrou finalmente um rumo: confiscar verbas aos colegas de Governo. Se Vítor Gaspar também tivesse tomado conta do orçamento de Miguel Relvas, talvez tivéssemos poupado aqueles 12 mil euros que o ministro-adjunto gastou a imprimir 100 exemplares do programa do Governo.
O modo como Gaspar se apoderou dos dinheiros do QREN, que eram até aí responsabilidade do Álvaro, envergonha o povo português. Todos nos lembramos do escabeche que os trabalhadores fizeram por terem ficado sem os subsídios de férias e de Natal, no valor de meia dúzia de tostões. Já o Álvaro fica sem 2,5 mil milhões de euros e limita-se a amuar um bocadinho. Não organizou manifestações, não pintou cartazes, não gritou palavras de ordem. Por razões patrióticas, não se permitiu mais do que um ligeiro melindre. É verdade que o Álvaro tem algum traquejo nisto de ser espoliado, uma vez que Paulo Portas já lhe tinha tirado a diplomacia económica, Miguel Relvas tinha-lhe ficado com o emprego jovem e António Borges tinha-lhe abarbatado as privatizações e as PPP. Mas, ainda assim, continua a ser notável a dignidade com que ele se deixa esbulhar. Sobretudo porque se percebe muito bem o destino que aguarda o Álvaro: os outros ministros têm um orçamento, o da Economia terá uma mesada. Todos os meses, Vítor Gaspar entregará ao Álvaro uma pequena soma, com a indicação de não gastar tudo em guloseimas. É mais uma medida de contenção de despesas e racionalização de custos: não tendo Portugal uma economia, acaba por não se justificar que tenha um Ministério da Economia. É interessante constatar que a única economia que funciona bem em Portugal é a economia paralela - curiosamente, aquela que os economistas não definem nem programam. (…)”
Ricardo Araújo Pereira, na “Visão” de 15 de Março de 2012

sábado, 14 de abril de 2012

“Revolta” na NASA

A NASA [nomeadamente através do Instituto Goddard de Estudos Espaciais (GISS) dirigido por James Hansen, o principal suporte científico das fantasias convenientes de Al Gore] tem vindo, de há uns anos a esta parte, a destacar-se entre os propagandistas daquele que para muitos é o maior escândalo científico de sempre, a teoria do “Aquecimento Global Antropogénico”, manhosamente transformado em “Alterações Climáticas” quando a média das temperaturas terrestres deixou de aumentar.
Mesmo em páginas destinadas (essencialmente) a professores e alunos a NASA não se tem coibido de fazer propaganda ao alegado efeito de estufa do dióxido de carbono, chegando mesmo ao ridículo de justificar o facto de Vénus ser o planeta mais quente do Sistema Solar (quando num raciocínio simplório levaria a pensar em Mercúrio, o mais próximo do Sol) com o facto de a sua atmosfera ser maioritariamente constituída por dióxido de carbono e não (como é correcto) com o facto de a sua atmosfera ser extremamente densa (a pressão atmosférica à superfície é noventa vezes maior que a daqui da Terra). O facto de Marte também ter uma atmosfera muito rica em dióxido de carbono e ser mais frio que o nosso planeta [em cuja atmosfera este gás tem presença vestigial (inferior a 0,4%] não parece incomodar os propagandistas da NASA.
Fartos da conversa da treta, quarenta e nove destacados funcionários da agência (entre os quais se contam astronautas engenheiros e cientistas) decidiram escrever (no passado dia 28 de Março) ao administrador da agência, nos seguintes termos:
“Março 28, 2012
Ao honroso Charles Bolden Jr., Administrador da NASA
Quartel-General da NASA, Washington, D.C. 20546-0001
Com conhecimento de: Sr. John Grunsfeld, Administrador Associado para a Ciência e Sr. Chris Scolese, Director do Centro Goddard de Voos Espaciais
Caro Charlie
Nós, os abaixo assinados, pedimos respeitosamente que a NASA e o Instituto Goddard de Estudos Espaciais (GISS) se abstenham de incluir afirmações não comprovadas nos comunicados públicos e nas páginas de Internet da agência. Acreditamos que as afirmações da NASA e do GISS que as emissões de dióxido de carbono da responsabilidade dos humanos têm um impacto catastrófico nas alterações climáticas globais não têm fundamento, especialmente quando se têm em conta milhares de anos de dados experimentais. Centenas de conhecidos climatologistas e dezenas de milhares de outros cientistas declararam publicamente a sua descrença nas previsões catastróficas, oriundas especialmente da liderança do GISS, deixando claro que o assunto não é consensual.
A sistemática insistência em que o dióxido de carbono é a principal causa das alterações climáticas é incompatível com o historial da NASA de fazer uma avaliação objectiva dos dados científicos disponíveis antes de tomar decisões ou fazer declarações públicas.
Como funcionários da NASA sentimos que o assumir, por parte da agência, de uma posição extrema, antes de um estudo aprofundado dos mecanismos naturais que regem o clima, é inapropriado. Assim, pedimos que a NASA se abstenha de incluir afirmações, sobre este assunto, não provadas nem suportadas pelos dados, nos seus relatórios e nas suas páginas de Internet. Em risco de sérios danos está a reputação exemplar da NASA, dos seus actuais e antigos funcionários e até da própria ciência.
Caso deseje obter informações científicas que suportam as nossas preocupações recomendamos que contacte Harrison Schmitt ou Walter Cunningham ou outros que eles lhe recomendem.
Obrigado por considerar este pedido.
Sinceramente…”
Apache, Abril de 2012

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Do Acordo “horto-gráfico” (4)…

«É fascinante que um pequenino bando de ociosos tenha decidido corromper a língua de milhões. O fascínio esvai-se quando se percebe que os ociosos atingiram os intentos. O Acordo Ortográfico, criação de arrogantes com uma missão, é oficial e está aí, perante a complacência dos poderes públicos em princípio eleitos para defender o país e não para o enxovalhar deliberadamente.
Até hoje não se percebe a serventia do dito Acordo. A partir de hoje, também não se irá perceber. Ao que consta, a ideia seria “unificar” a escrita de todos os países de expressão portuguesa. Naturalmente, ficou muito longe disso. Ainda que não ficasse, onde estaria o ganho? Por mim, os brasileiros e os moçambicanos são livres de adoptar o húngaro sem que eu os censure ou sequer note a diferença. Não sou brasileiro nem moçambicano. Sou português e, não fosse pedir demasiado, dava-me jeito redigir na língua em que cresci. À revelia da proclamação gratuita de Fernando Pessoa, a minha pátria não é a língua portuguesa. Mas a minha língua é.
Em abono dos Malacas Casteleiros e restantes conspiradores do Acordo, é verdade que semelhante aberração não caiu do céu. A repugnância que esses senhores dedicam às palavras, e que os leva a esventrá-las sem escrúpulos, encontra um ambiente hospitaleiro na sociedade em geral, a começar pelos políticos que avalizaram a vergonha lexical em curso. Dificilmente os sujeitos cuja retórica é um amontoado de “alavancagens” e “empoderamentos” travariam a degradação do vocabulário.
E o resto não melhora. Da televisão às SMS, do Facebook à escola, pouco, quase nada, nos lembra que comunicamos no mesmo idioma do referido Pessoa. Assistir a um “telejornal”, ler um texto produzido pelo universitário médio ou espreitar os padrões do romance contemporâneo indígena é descer a jargões e graus de analfabetismo abjectos, com ou sem "c". Porém, se os maus-tratos à língua já eram habituais, não eram obrigatórios. E essa é a diferença entre temer pela vida de um moribundo e assinar, oficial e urgentemente, o respectivo óbito.»
Alberto Gonçalves, no Diário de Notícias

sexta-feira, 30 de março de 2012

O problema do país não é ter um Sócrates é ter uma matilha deles

Sobre o ex-Primeiro Ministro, José Sócrates, questiona-se, no jornal Público, edição de hoje, Vasco Pulido Valente:
"A questão é a de explicar como ele conseguiu submeter à sua vontade um PS aprovador e dócil e, quase sem protesto, levar atrás de si (ou persuadir ao silêncio) uma considerável quantidade de pessoas com idade para ter juízo."
A resposta parece óbvia, a política serve, dizem os teóricos da Ciência Política, para servir a causa pública (é o princípio da prevalência do interesse de todos sobre os interesses de alguns) mas Sócrates inverteu a lógica, a política serviu-lhe para encher os bolsos (ou onde acham que arranjou dinheiro para viver em Paris “de papo para o ar”) e os dos amigos e camaradas de partido. O silêncio compra-se facilmente, assim haja dinheiro. E o estado caótico das contas públicas demonstra bem que houve dinheiro, muito dinheiro.
A má notícia (lamento, estão longe do fim) é que continua a haver muito dinheiro, que muitos farejam à distância, como Sérgio Monteiro, actual Secretário de Estado dos Transportes, o lobo que agora se vestiu de cordeiro na recente entrevista ao inconveniente (quando dá jeito) José Gomes Ferreira.
Apache, Março de 2012

quinta-feira, 29 de março de 2012

"A Calúnia"

[Clique para ampliar]
Henrique Monteiro, no blogue HenriCartoon

quarta-feira, 21 de março de 2012

Não vejo o porquê das dificuldades de entendimento

Ouvido pelo jornal Público, Carlos Barbosa, presidente do Automóvel Clube de Portugal diz que nem ele “nem nenhum português entende como é que o barril de Brent está a 124,98” [dólares], quando em 2008 “estava a 160 dólares e nós tínhamos combustível mais barato”.
Eu acho que, contrariamente ao que diz, Carlos Barbosa, tal qual a generalidade dos portugueses, entende, chama-se roubo e resulta de quatro factores: descaramento e monopólio, por parte do prospector/refinador; congelamento (talvez devido ao inabitual frio registado no mês passado, de acordo com o Instituto de Meteorologia, o segundo Fevereiro mais frio da história da meteorologia portuguesa) dos testículos do Ministro da Economia (como o demostra a reacção ao esvaziamento de poderes a que foi submetido ultimamente) e apetência acentuada pelo saque por parte do Ministro das Finanças (como o comprovam os roubos de subsídios de férias e de Natal aos funcionários públicos) a quem interessam as receitas percentuais do IVA.
Apache, Março de 2012

sexta-feira, 16 de março de 2012

O Brasil real

«A crise nos EUA e na Europa tem levado analistas de todo o mundo a voltar os seus olhos para o Brasil com doçura. Um país gigantesco, uma democracia, paraíso de diversidade e convivência entre diferenças, motivado por prosperidade económica e estabilidade política. Mas será que essas pessoas sabem realmente como é viver aqui? Não vamos usar o nosso tempo a discutir ou listar as apregoadas “conquistas” brasileiras da última década: essa tarefa vem sendo bem executada pela imprensa, daqui e de fora. Vamos parar um instante para pensar como são realmente as coisas para quem vive, trabalha e investe no Brasil – sem deixar que qualquer agenda partidária ou ideológica atrapalhe a nossa percepção.
O habitante brasileiro de uma grande cidade desperta provavelmente algumas horas antes de iniciar a sua jornada de trabalho: se usa um carro para se locomover, precisa estar preparado para toda a sorte de obstáculos provocados pela completa ausência de planeamento urbano, enfrentando vias mal cuidadas e tráfego intenso. Estacionar o veículo (pelo qual pagou o dobro do que teria pago noutro país e que precisa manter legalizado recolhendo pesadas taxas anuais) é outro desafio caro e desgastante. Convém precaver-se nos intervalos com assaltantes armados nos semáforos. Se se movimenta em transporte coletivo, por outro lado, pagará caro por um serviço precário, demorado e muitas vezes perigoso.
No seu trabalho, o brasileiro enfrentará burocracia sempre que for obrigado a lidar com regras e normativas técnicas impostas por governos nas três esferas. Deverá movimentar-se num labirinto entre tributos escorchantes, fiscalização contraditória e muitas vezes corrupta, uma verdadeira teia de armadilhas para que de alguma forma possa ser taxado e multado (o que aumenta o pecúlio dos governos, a verdadeira razão de existir do Estado, no Brasil). Se for um empreendedor, essa tortura será multiplicada, no mínimo, pelo número de funcionários que tiver contratado. Inventar e manter um negócio no Brasil é sujeitar-se ao risco permanente de infringir alguma regra governamental (especialmente trabalhista) confusa, obscura e injusta, que poderá ocasionar a qualquer momento uma demanda judicial com consequências imprevisíveis (embora seja razoável afirmar que muitos pequenos negócios estão condenados todos os anos por causa das pesadas multas e sanções trabalhistas e previdenciárias).
Se se quiser comunicar com parceiros comerciais, o brasileiro dependerá de serviços de péssima qualidade, que crescem em número de clientes mas não em infraestrutura ou avanço tecnológico correspondente: os telemóveis falham simplesmente o tempo todo; as linhas fixas são caríssimas e fornecidas em geral por monopólios; a internet de alta velocidade é instável e o seu preço uma piada de mau gosto. As greves nos correios podem atrapalhar a qualquer momento um lucro que parecia garantido. Os aeroportos sucateados desestimulam a circulação dinâmica dentro do território. No “Espaço aéreo”? Ninguém parece ter a certeza do que acontece por lá.
Ao circular pela própria cidade, o brasileiro não poderá ignorar outra ameaça: a violência. As cidades brasileiras são mal policiadas e há possibilidades quase infinitas de, a qualquer momento, ser atingido por alguma agressão. As ruas estão cheias de criminosos foragidos que a polícia não consegue (ou não se interessa o suficiente para) capturar. Isto, sem contar com os menores de idade (que, por causa da legislação distorcida e leniente, têm praticamente livretrânsito para cometer crimes e sair incólumes até os 18 anos) e consumidores de drogas pesadas, espalhados pelas esquinas e entregues ao vício ao ar livre. Tente desviar-se do crack e da maconha que rola solta na porta de casa e das escolas.
Viver no Brasil inclui, também, conviver e de alguma forma conseguir conformar-se com injustiças institucionais e sociais de toda a espécie: bairros pobres que não contam com as mínimas condições de vida humana digna. Governantes que entram e saem sem cuidar do básico necessário às populações: a rede de esgotos está longe de atender grande parte dos brasileiros. As escolas públicas são depósitos de crianças que saem após anos de “estudos” sem saber ler ou escrever. Os hospitais públicos matam, por omissão ou incapacidade, milhares de doentes brasileiros todos os anos. Não há prisões suficientes para todos os criminosos que precisam de ser retirados do convívio social: as que existem, por sua vez, são indignas e desumanas (embora se saiba que mesmo assim é caríssimo mantê-las, porque são pessimamente administradas).
E os políticos brasileiros? Não queiram estar sob o seu jugo. A corrupção é prática disseminada e muitas vezes aceite como natural na esfera pública. Parlamentares envolvidos em escândalos saem e voltam ao poder, como se nada tivesse acontecido. Milhares de milhões desviados somem-se para sempre, apesar do caráter público das negociatas. As autoridades da justiça advogam-se privilégios inenarráveis, em vez de pôr fim ao inaceitável estado de coisas. A população assiste de mãos atadas a uma elite política e burocrática que vive de privilégios. Eleição após eleição, não há perspectiva de melhoria. Os velhos nomes das oligarquias partidárias revezam-se em legendas esvaziadas de propostas ou ideologias. Os brasileiros descontentes com o panorama são ainda assim obrigados a votar e a legitimar o teatro, sob pena de perda de direitos.
Quer fugir do caos urbano em direção ao aprazível interior? Cuidado: as estradas estão mal cuidadas, perigosas e infestadas de criminosos escondidos nas brechas dos viadutos. Leve todo o dinheiro que tiver em casa: os pedágios são caros e repetem-se sem critério aparente. Pense muitas vezes antes de trocar o seu trabalho na cidade pelo campo: se for cortar uma árvore, assegure-se de que não infringe alguma lei ambiental draconiana – caso contrário, pode ter problemas duradouros com a justiça. Se adquirir terras, cuidado com o movimento de extrema esquerda conhecido genericamente por MST (Movimento dos Sem Terra): eles farão tudo para invadir e depredar a sua propriedade, depois disso partirão para fazer a mesma coisa na propriedade vizinha. Não conte com a sensibilidade dos governos nestas batalhas: a maioria esmagadora dos partidos tem, de uma forma ou de outra, alguma ligação com esse movimento, e será difícil expulsar os invasores depois de eles se instalarem (lembre-se que, contrariamente a eles, você não pode usar violência para fazer valer os seus direitos).
Está de volta para a cidade a procura de um novo emprego? Prepare-se: quando se diz que os brasileiros valorizam muito as relações pessoais, não considere isso uma banalidade. No Brasil, networking é tudo. Isto significa que será praticamente impossível, em muitos sectores, conseguir um emprego ou realizar algum negócio sem lançar mão de relações pessoais ou de algum tipo de apadrinhamento…»
Pela redacção do Midia @ Mais

terça-feira, 6 de março de 2012

Dois anos depois da confidência…

Neste texto (datado de 3 de Dezembro de 2009) tinha replicado a notícia da suspensão (dois dias antes) do Director do Centro de Pesquisa Climática da Universidade de East Anglia, Phil Jones, na sequência do escândalo que ficou conhecido como “climategate”, no qual piratas informáticos atacaram um servidor daquela instituição e acederam a uma série de mensagens de correio electrónico que comprovaram comportamentos eticamente reprováveis por parte de cientistas daquele Centro (tais como a falsificação e destruição de dados de temperatura, o ataque a jornais e revistas que publicam opiniões de cépticos da teoria, etc.) com a colaboração de muitos outros [directa ou indirectamente ligados à ridícula teoria do Aquecimento Global provocado pelas emissões humanas de certos gases (ditos “com efeito de estufa”)] nomeadamente do Instituto Goddard de Estudos Espacias (da NASA).
Entretanto, na sequência do processo de inquérito que ditou a sua suspensão, Phil Jones acabou por ser destituído da direcção do dito Centro de Pesquisa Climática (CRU). Pouco mais de dois meses após (concretamente, a 14 de Fevereiro de 2010) Phil Jones (talvez à procura de mais algum “tacho”) desce um pouco (da sua utopia) ao mundo real e, em entrevista ao Daily Mail, volta a lembrar que se perderam os dados a partir dos quais Michael Mann fabricou o famoso gráfico publicado na revista “Nature”, conhecido por “hockey stick”, habitualmente usado pelos propagandistas do Aquecimento Global Antropogénico. Phil reconhece também que desde 1995 não se verifica um aumento (estatisticamente relevante) na média das temperaturas da Terra (faltou-lhe constatar que não fora a falsificação dos dados, o que se observaria seria um arrefecimento). O “climatologista” reconheceu que, provavelmente o período quente medieval (que Michael Mann tentou apagar da História) foi mais quente que a última década do século passado e admitiu que o alegado “Aquecimento Global” possa não ser causado pelo Homem.
Passaram, entretanto, mais de dois anos desde o “climategate” e as confissões de Phil Jones, e a comunicação social continua a dar voz a quem coloca os seus ganhos pessoais à frente de qualquer noção de ética científica e insiste em propagar as “agora” rebaptizadas “Alterações Climáticas” de origem antropogénica. Até quando?
Apache, Março de 2012

quinta-feira, 1 de março de 2012

“Quebrar o silêncio… em desacordo!”

«É lei histórica que a opressão económica atrai a opressão cultural e que nunca faltarão Miguéis de Vasconcelos para concretizar ambas. Refiro-me, claro está, ao “acordo” Ortográfico, esse pináculo da arrogância legislativa, de cuja necessidade só lembraria aos nossos “espetaculares” deputados e também, arrogância minha em dizê-lo, a quem de imprimir livros faz vida e mercadoria, mais dinheiro com dinheiro naquele acto.
Coloca tal gentalha, povo, mestres e linguistas de cócoras, como de igual modo faz quem nos tem governado, a quem de vender a força de trabalho não consegue alternativo acto.
Protegidos uns, pelo falacioso pregão que da dívida todos somos responsáveis e que todos devemos pagar o que muito, alguns, poucos desfrutaram. Os outros fazem da etimologia, da história que faz uma língua, coisa sem valor, talvez na mesma proporção que ignoram na História o valor de factos e actos.
Eu fico contente por ainda haver rebeldes. Honra a Vasco Graça Moura!
Honra também às inúmeras faculdades e universidades que ainda não aderiram à infâmia do acto legislado e “acordado”!
Honra aos mestres como Vitorino Magalhães Godinho e aos noventa por cento de linguistas que demonstraram o seu desacordo em acto.
Selo a minha posição agindo em total acordo com a intenção do poema emprestado e em acto partilhado:
Dois mil e dezasseis, o mais tardar,
programa-se a extinção da letra “H”.
Vão os interessados demonstrar
aos iletrados que, entre as consoantes,
mais muda, absurda, irrelevante, ...não “á”.
Sonhem-se os livros “re-editados”,
os “corretores” patenteados,
“corrêtamente” “desagasados”,
e os “omens” de “oje” já reciclados
(pelo “corropio” dos lestos formadores)
na grafia-da-moda que já está
– e não mais se conceba a "ora agá"! –
nos softwares dos computadores
– únicos doutos escrevedores... –
faseadamente, ainda antes
da queda iminente da cedilha
(anacrónica, cómica excrescência),
mas é preciso tempo e paciência,
para fazer render – e muito! – a pastilha...
A vogal vã, o "U" após o "Q",
é outra para sair se não se lê...
Não se diz, vai cair. Ponto final.
Mas, por enquanto, é confidencial...
Viste murchar os pontos cardeais?
Não leste e estás a “leste”? Queres comer
onde não resta espaço, estás a mais...
Uns anitos que fiques, irás ver
vender Portugal com letra pequena...
Ainda estás aí?... Não tenhas pena.
Pedras e letras valem uns tostões
a uns poucos “expertos” comilões...
O País-nação estará fora de cena.
E enquanto não falir, deficitário,
grafe-se “portugal” no Novo Dicionário.
[poema de Madalena Homem Cardoso]»
Texto de Aníbal Oliveira, professor da Escola Secundária de Cacilhas-Tejo

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

A confissão

«Passos Coelho perguntou, com legitimidade, referindo-se a José Sócrates: “Como é possível manter um Governo em que o primeiro-ministro mente?” Teimo na redundância de retomar factos sobejamente conhecidos, que justificam devolver a pergunta a quem a formulou e é, agora, primeiro-ministro. Porque a memória dos homens é curta e a síntese é necessária para compreender o que virá depois.
Passos Coelho enganou os portugueses quando disse que não subiria os impostos, que não reduziria as deduções fiscais em sede de IRS, que achava criminosa a política de privatizações só para arranjar dinheiro, que não contariam com ele para atacar a classe média em nome de problemas externos, que era uma “grande lata”, por parte do PS, acusá-lo de querer liberalizar os despedimentos, que não reduziria a comparticipação do Estado nos medicamentos, que não subiria o IVA e que falar de cortar o subsídio de Natal era um disparate. Passos Coelho enganou os portugueses quando, imagine-se, acusou o PS de atacar os alicerces do Estado social, censurou a transferência do fundo de pensões da PT para o Estado, acusou o Governo anterior de iniquidade porque penalizava os funcionários públicos e os tratava “à bruta”, responsabilizou as políticas socialistas pelo aumento do desemprego e das falências, recusou pôr os reformados a pagar o défice público ou garantiu que o país não necessitava de mais austeridade. Tudo retirado de declarações públicas de Passos Coelho, sustentadas documentalmente. Tudo exactamente ao contrário do que executou, logo que conquistou o poder.
Quem defende Passos Coelho argumenta, de modo estafado, que os pressupostos mudaram e que ele foi surpreendido pelo que encontrou quando tomou posse. A justificação é inaceitável. Porque só é sério prometer-se quando se está seguro de poder cumprir e porque existem declarações públicas de Passos Coelho afirmando que conhecia bem a situação do país. Todavia, esta questão foi definitivamente ultrapassada pelos acontecimentos recentes. Com efeito, o percurso começa agora a ser esclarecido. O qualificativo “piegas”, com que Passos Coelho injuriou o povo que lidera, não é fruto de um discurso infeliz. É, antes, uma peça de um puzzle de conduta política, cuja chave está numa frase inteira. Passos Coelho pronunciou-a quando, referindo-se ao programa da troika, afirmou: “… não fazemos a concretização daquele programa obrigados, como quem carrega uma cruz às costas. Nós cumprimos aquele programa porque acreditamos que, no essencial, o que ele prescreve é necessário fazer em Portugal …” Com esta frase, Passos Coelho tornou claro um radicalismo ideológico que amedronta. Com esta frase, Passos Coelho inviabilizou o argumento da mudança de pressupostos e confessou, implicitamente, a sua manha pré-eleitoral. O seu “custe o que custar” é, tão-só, uma variável discursiva da máxima segundo a qual os fins justificam os meios. O fim de Passos, confessado agora, sempre foi o que acha ser “… necessário fazer em Portugal …” Não como inevitabilidade imposta pelos credores, a contragosto de um primeiro-ministro que sofresse com o sofrimento do seu povo. Mas como convicção radical de uma ideologia que, para se impor no seu fim, aceitou o meio de mentir com despudor. Ficámos agora a saber que Passos Coelho mentiu conscientemente. Ele o disse.
O discurso de Odivelas é o melhor paradigma do espírito e da forma deste primeiro-ministro. O espírito fica-se pelos lugares comuns do maniqueísmo da moda: a preguiça de uns, versus o “empreendedorismo” de outros; os “descomplexados” contra os “autocentrados”; as cigarras piegas em oposição às formigas do pastel de nata. A forma alicerça-se numa retórica indigente, de semântica pobre e metáforas que, ao invés de mobilizarem os portugueses, ofendem e geram raiva.
Por fim, que não de menor importância, o discurso foi relevante no que à Educação toca. Passos Coelho foi pesporrente nas alusões ignorantes e atrevidas que fez. Ele olha para o sector como um mestre-escola de régua na mão. E os disparates que proferiu, ajudaram a clarificar por que razão tudo se limita a reduzir despesa e operar pequenos “liftings” às políticas de Sócrates. Afinal, ele tem Crato como Merkel o tem a ele: para capacho. Basta ver algumas das últimas iniciativas, para ficarmos conversados:
1- Para responder às agressões bárbaras de que os professores são vítimas, os seres pensantes do PSD e CDS propuseram conferir autoridade policial aos professores, outorgando-lhes o direito de reter fisicamente os delinquentes. Se soubessem o que é uma escola e tivessem noção da diferença de força física entre as professoras (que constituem a esmagadora maioria do corpo docente) e os alunos, cada vez mais homens feitos (ensino obrigatório prolongado até os 18 anos), estavam calados.
2- Num alarde de estúpida burocracia, o mesmo ministério que apregoa a autonomia das escolas obriga-as a usar, em todas as comunicações, um único tipo de letra: o “Trebuchet MS”, tamanho 10. Venha lá Crato explicar a razão científica.
3- O regime de autonomia e gestão das escolas vai ser revisto. É uma revolução para o sistema. Mantém tudo quanto Maria de Lurdes Rodrigues congeminou e acrescenta-lhe o que faltava para a perfeição: um bombeiro, um canalizador ou um polícia (sem desprimor para com estes profissionais) podem agora avaliar os directores das escolas portuguesas; num invejável avanço democrático, os professores passam a eleger os coordenadores de departamento de entre três colegas escolhidos pelos directores.
Trinquem a língua e aceitem, ou são piegas.»
Santana Castilho, no jornal “Público” da passada quarta-feira

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

O Aquecimento Global vem já aí

Às oito horas da manhã do dia onze de Fevereiro de 2012, na Praia da Rainha, em Almada, o termómetro da Rede EMA do Instituto de Meteorologia, colocado naquele local, assinalava uma temperatura ambiente de dois graus Célsius abaixo do ponto de congelação da água.
Vinte e quatro horas antes, no mesmo local, o termómetro descia a valores inferiores a -3 ºC. O Aquecimento Global segue dentro de momentos…

Apache, Fevereiro de 2012

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Uma chibatada nos vendilhões

Vasco Graça Moura recentemente empossado como Presidente do Centro Cultural de Belém (CCB) propôs, e a Administração aceitou por unanimidade, a não aplicação do Acordo Ortográfico (AO) de 1990, que o anterior Governo introduziu à força nos organismos sob sua tutela directa ou indirecta e que o actual Governo insiste em aplicar à revelia de qualquer bom senso. O documento datado de 2 de Fevereiro, aprovado pela Administração do CCB, determina a desinstalação imediata do programa informático que procede à conversão automática da grafia dos textos para o novo AO e a aplicação, a toda a documentação, da ortografia vigente em Portugal antes da negociação do chamado Acordo Ortográfico de 1990.
Recorde-se que o AO havia sido imposto no CCB por uma directiva interna, datada de Setembro de 2011, assinada pelo antigo Presidente, António Mega Ferreira, que Francisco José Viegas, actual Secretário de Estado da Cultura (e simpatizante do aborto linguístico) pretendia reconduzir no cargo.
Vasco Graça Moura (VGM) justificando uma decisão que “meia” blogosfera apelida de corajosa, mas que se me afigura, essencialmente, coerente (VGM é um dos mais destacados críticos da aberração e já atingiu um patamar em que para sobreviver com dignidade não precisa fazer favores às meretrizes do regime) afirma que sempre disse ao Secretário de Estado da Cultura que era esta a sua posição, a qual é conhecida por todos os membros do Governo. Para VGM esta é uma decisão, apesar de tudo, aparentemente fácil, pois o CCB é uma fundação de direito privado não estando, portanto, sob tutela directa ou indirecta do Estado, não sendo obrigado à aplicação do AO. Note-se que a generalização da aplicação do dito ocorrerá(?) apenas em 2014 e mesmo depois dessa data não deverá ser possível encontrar forma de penalizar os privados pela sua não aplicação (além do ridículo da penalização por “erro ortográfico” acrescem, do ponto de vista jurídico, sérias dúvidas de constitucionalidade do AO).
Neste ano lectivo, em cumprimento do disposto na resolução do Conselho de Ministros, datada de 25 de Janeiro de 2011, liderado pelo agora refugiado em Paris, vários professores, nomeadamente de Língua Portuguesa, começaram a adoptar nas suas aulas (principalmente nos primeiros anos de escolaridade) a grafia do AO. Pergunto: entre tantos Directores de escolas, à beira da reforma, não haverá uma meia-dúzia com tintins suficientes para tomarem decisão idêntica à de VGM e suspenderem a aplicação da aberração? Ou estão com medo de levar tautau das mais delico-doces guardiãs da pateguice?
Apache, Fevereiro de 2012

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Guimarães, capital europeia de uma certa cultura

«Descansem os que viam em risco a posição de Portugal na Europa. O risco sumiu, e não foi graças a empréstimos, troikas, austeridade, impostos, rigor ou fenómenos afins: bastou organizar em Guimarães a Capital Europeia da Cultura para que provássemos ser europeus de pleno direito.
Pelo menos é essa a opinião de Jorge Sampaio, ex-presidente da República e actual presidente do Conselho Geral da Fundação Guimarães 2012, funções que lhe garantiam 14 300 euros mensais e que a demagogia da crise terá posteriormente reduzido para uns dez mil, insuficientes para as despesas correntes de um chefe de Estado na reforma, mas suficientes para o dr. Sampaio afirmar que a cultura não é um desperdício: é um investimento. Já João Serra, presidente da Fundação citada, detentor de salário idêntico e por miraculosa coincidência antigo chefe da Casa Civil do dr. Sampaio, vai mais longe e acrescenta que o evento é um "símbolo contra a negação, o cepticismo e a desistência". O dinheiro leva-nos a dizer frases tão ocas quanto extraordinárias.
Fascinante é quando as frases se dizem de borla. Na abertura do evento, Cavaco Silva desejou que Portugal possa projectar-se de novo a partir de Guimarães, como na fundação da nacionalidade. Pedro Passos Coelho declarou que o valor da cultura não deve ser medido pelo Orçamento do Estado. E Durão Barroso explicou que a cultura e actividades associadas criam emprego, o que, a julgar pelos exemplos acima referidos, dificilmente pode ser negado.
A verdade é que, além de fogo-de-artifício e de uns catalães a empurrar um boneco gigante, a inauguração da Guimarães 2012 apresentou dois espectáculos curiosos. O primeiro consistiu no desfile de clichés destinados a justificar, quase desesperadamente, que os gastos na cultura são por definição sábios, e que a pequena fortuna "investida" por um país falido em irrelevâncias a realizar num concelho particularmente pobre não é um absurdo nem um insulto.
O segundo espectáculo consistiu na enésima exibição do conceito de "cultura" entendida na acepção agrícola, enquanto coisa que se "incentiva", "estimula" e "impulsiona". Por pudor, ninguém reparou que na extremidade correcta do incentivo, do estímulo e do impulso está somente um punhado de beneficiários, e que na extremidade errada estão milhões de cidadãos, os quais não puderam dizer nada sobre Guimarães 2012 e ainda por cima a pagaram.»
Alberto Gonçalves, no Diário de Notícias

domingo, 29 de janeiro de 2012

Filhos e enteados (2)

Despacho n.º 1210/2012 – Publicado no Diário da República, 2.ª Série, de 27 de Janeiro
"1 — Nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 262/88, de 23 de Julho, nomeio o licenciado Ricardo José Galo Negrão dos Santos, para realizar estudos, trabalhos e prestar conselho técnico ao meu Gabinete no âmbito da área da informática e das novas tecnologias, pelo período de um ano, renovável automática e tacitamente por iguais períodos, podendo a presente nomeação ser revogada a todo o tempo.
2 — Ao nomeado é atribuída a remuneração mensal correspondente a € 3 892,82, acrescida dos subsídios de férias e de Natal de igual montante, subsídio de refeição, bem como das despesas de representação fixadas para os adjuntos dos gabinetes dos membros do Governo.
O presente despacho produz efeitos a 1 de Janeiro de 2012.
19 de Janeiro de 2012. — A Ministra da Justiça, Paula Maria von Hafe Teixeira da Cruz."
Apache, Janeiro de 2012

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

A JSD e o delírio “eduquês”

Um texto do jornal Público (alegadamente citando a Lusa), do passado Domingo, dá conta da oposição da JSD ao fim da Formação Cívica, proposta por Nuno Crato na reformulação curricular actualmente em discussão pública.
Lê-se no texto que o Governo «pretende terminar com esta disciplina.» Talvez seja uma incorrecção acidental mas chamar disciplina a algo que nos dez anos da sua existência nunca passou (felizmente) de uma Área Curricular Não Disciplinar (ACND) soa a algo idêntico a xingar continuadamente um bêbado na praça pública e, depois de morto, vir aclamar as suas virtudes.
No segundo parágrafo do texto cita-se Duarte Marques (o actual líder da JSD) referindo que «a forma como a formação cívica tem sido ensinada e integrada nos currículos, nos últimos tempos, “é completamente díspar”, existindo casos em que as horas da disciplina “não são usadas para isso”». Pergunto: para isso, o quê? Os professores têm a velha mania de tentar minimizar os estragos causados pelos devaneios didáctico-curriculares do Ministério da Educação e, regra geral, tentando dar alguma utilidade à “coisa” (normalmente atribuída aos Directores de Turma) usam-na para tentar resolver problemas disciplinares e de assiduidade, e incutir nos alunos algumas regras de comportamento, tarefa (da qual alguns pais se demitem) que se tem revelado infrutífera, na maioria dos casos. Não era isto que se pretendia com a Formação Cívica? É verdade que o Ministério nunca soube (ou nunca quis) dizer abertamente o que pretendia com a “invenção” e nalgumas escolas avançou-se para uma tentativa de doutrinação politico-ideológica pouco tolerável em Democracia, mas acredito tratar-se de casos pontuais pouco relevantes no contexto nacional.
Sobre o tema vale a pena ler o professor Ramiro Marques no seu ProfBlog e que transcrevo parcialmente.
«Lembro, no entanto, que a área curricular de Formação Cívica, criada em 2001 pelo Governo de António Guterres (Decreto-Lei 6/2001), era Santos Silva o ministro da educação, existe há uma década no currículo sem que se tenham vislumbrado melhorias no civismo, quer nas escolas quer na sociedade em geral. Ao invés, uma das maiores preocupações dos professores é precisamente a falta de civismo de muitos alunos e até de alguns pais. A realidade deixa cair por terra a tese dos benefícios e utilidade da área de Formação Cívica na promoção do civismo nas escolas.
Não só o civismo, entendido como reconhecimento e prática das virtudes éticas, das relações de cortesia e da boa convivência social, não melhorou como é justo afirmar que o conhecimento dos alunos sobre factos e teorias básicas da ciência política e sobre os autores que criaram os fundamentos da liberdade e da democracia é agora menor do que era antes da introdução da área da Formação Cívica no currículo. Tão pouco existe relação entre a área da Formação Cívica e a qualidade das aprendizagens ou a prevenção do abandono escolar. Um estudo realizado, em 2006, pela Escola Superior de Educação de Setúbal, com o título Qualidade de Ensino e Prevenção do Abandono Escolar: O Papel das ACND, conclui pela não existência de qualquer correlação entre essas variáveis. Um estudo conduzido pelo IESE, também em 2006, com o título Monitorização e Acompanhamento do Currículo Nacional do Ensino Básico para as ACND, chega a resultados semelhantes.
Há uma clara divisão entre a esquerda e a direita acerca do modo como o civismo deve ser promovido nas escolas.
A esquerda faz da Formação Cívica um espaço curricular centrado na participação cívica, no activismo político, no comprometimento com causas sociais e no alargamento dos chamados direitos sociais e culturais. Metodologicamente, a esquerda acentua a preferência pela discussão de dilemas éticos, pela participação colectiva na tomada de decisões e pela democracia participativa em detrimento do estudo e debate dos grandes autores, da história das ideias políticas e dos textos fundadores do pensamento democrático.
A esquerda parte do pressuposto de que é possível ensinar a formação cívica através do envolvimento dos alunos em debates sobre temas fracturantes, regra geral em ruptura com a tradição e os costumes vigentes, e através da tomada colectiva de decisões, dando aos alunos a oportunidade de criarem e aprovarem as regras e as normas através de um processo de transferência do poder e da autoridade dos professores para os alunos. A ênfase é colocada no desenvolvimento do raciocínio sobre questões sociais, éticas e políticas, colocando os alunos na posição de criadores de valores em ruptura com a ordem cultural e cívica estabelecida. O objectivo é criar activistas do social e do político. Todos os temas fracturantes são oportunidades para treinar os alunos no processo de construção do activismo político e cultural, incluindo aqui a dimensão sexual e afectiva da vida. A dimensão dos comportamentos, das acções, é desvalorizada pela esquerda em benefício da construção de uma retórica anti-sistema e anti-tradição.
No meu ponto de vista, uma Formação Cívica deste tipo, que é a que temos tido, não tem bondade nem utilidade nenhuma. Não faz falta ao currículo. É um meio de promoção do ressentimento, da soberba e da arrogância na juventude.
A direita parte do pressuposto de que não é possível ensinar o civismo. Se o civismo não se ensina como é que ele se aprende? Por contágio, por imitação, pela adesão a narrativas e a uma tradição cultural e pela imersão em ambientes onde o civismo se vive e cuida.
Assim sendo, não é útil a existência de um gueto curricular para se ensinar civismo tanto mais que a aprendizagem do civismo se faz por impregnação, contágio e imitação. Ou a escola tem um ambiente onde se vive o civismo ou não tem. Se tem, a aprendizagem do civismo faz-se naturalmente em todas as disciplinas, salas de aula e espaços escolares. Se não tem, é impossível aprender o civismo.»
Apache, Janeiro de 2012

domingo, 22 de janeiro de 2012

Dom Cavacus – O pobre

“O homem que inúmeras vezes apareceu perante os portugueses exigindo que se falasse verdade não falou verdade. O homem que afirmou solenemente que quem o acusava de condutas menos próprias na condução de alguns negócios particulares teria de nascer dez vezes para ser mais sério do que ele não foi sério. Deliberadamente, escondeu uma parte do que ganha. E não foi sério quando disse que não sabia quanto seria o valor total das suas pensões.
O homem frontal, que faz gala de que a sua vida seja um livro aberto, omitiu. Omitiu ou disse uma meia-verdade, que como toda a gente sabe é sempre uma redonda mentira, quando, sem um pingo de vergonha, fingiu ter de livre e espontânea vontade prescindido do seu salário como Presidente da República. Todos nós sabemos que lhe estava vedado por lei acumular as suas pensões com esse salário. Decidiu omitir que a escolha que fez foi entre receber cerca de dez mil euros mensais das reformas ou aproximadamente sete mil de salário.
Mas estou disposto a, pelo menos, negar parte do que acabo de escrever e admitir que, de facto, além de tudo isso, Cavaco Silva não consegue pagar as suas despesas, que dez mil euros não chegam para cobrir os seus gastos. Nesse caso tinha-nos enganado quando nos fez crer que era um homem austero e prudente nos seus investimentos, avesso a gastos desnecessários, que utilizava mantinhas em sua casa para não desperdiçar dinheiro em aquecimento central e que tinha um padrão de vida pautado pela contenção e sobriedade. É que, convenhamos, ganhar os tais dez mil euros somados aos oitocentos da sua mulher (será?), não pagar refeições, gasolina, telefones e demais despesas correntes, como é direito de um presidente da República, e, mesmo assim, não lhe sobrar dinheiro, é próprio de um verdadeiro estroina que anda para aí a deitar dinheiro à rua. Temo pelos seus seiscentos e cinquenta e um mil euros, que até agora poupou e ainda conserva em vários bancos. Bom, não é que já não tivéssemos indícios de alguma negligência na condição das suas finanças. Como todos nos recordamos, Cavaco Silva comprou e vendeu acções da SLN, mas não sabia como o negócio tinha sido feito nem do que teria auferido em mais-valias.
O homem que se reclama do povo, que veio do povo, que sente que o povo está a escutar a sua mensagem, não tem pejo em dizer que só à custa das suas poupanças consegue sobreviver. Pois, não sei a que povo se está a referir. O povo que eu conheço não se indignará com os rendimentos dele, são fruto do seu trabalho e com certeza fez por os merecer. Não gostará é, estou certo, de que brinquem com ele. Não apreciará que um homem rico, e Cavaco Silva pelos padrões portugueses é um homem rico, insinue que está a fazer os mesmos sacrifícios que o povo a que diz pertencer.
É que esse povo é constituído por mais de seiscentos mil desempregados, por um milhão e meio de pessoas que trazem para casa quinhentos euros por mês, por trabalhadores por conta de outrem que ganham em média oitocentos euros mensais. Ninguém pediria ao Presidente da República que vivesse com oitocentos euros. Pedir-se-ia sim que compreendesse os sacrifícios, as terríveis condições de vida, a angústia dos que vivem desesperados por não verem perspectivas para os seus filhos e que se pusesse ao lado deles, que os guiasse para uma vida mais digna. Mas não, Cavaco Silva preferiu muito simplesmente gozar com o seu povo.
Pode ser, no entanto, pior. Às tantas, o político profissional com mais anos de carreira não conhece a real situação dos portugueses. O homem que foi eleito primeiro--ministro três vezes e Presidente da República duas, ignora como os cidadãos vivem. Nesse caso, o problema, infelizmente, não é dele, é nosso, pois temos votado num indivíduo que se está borrifando para nós e para a nossa vida. Anteontem tive vergonha de ter votado algumas vezes neste senhor."
Pedro Marques Lopes, no “Diário De Notícias”
Eu já tinha alertado (aqui) para o elevado preço do Bolo-rei.
Apache, Janeiro de 2012

sábado, 14 de janeiro de 2012

Corta, corta!

É interessante ver alguns contorcionistas invocarem a equidade para pedir ao Banco de Portugal e a outras instituições com autonomia financeira, para cortarem os subsídios de férias e de Natal, mas não se sentirem enojados com a monstruosa falta de equidade quando comparamos os “sacrifícios” pedidos aos funcionários com os do sector privado.
Apache, Janeiro de 2012

sábado, 7 de janeiro de 2012

Outro(?) Janeiro

"Surge Janeiro frio e pardacento,
Descem da serra os lobos ao povoado;
Assentam-se os fantoches em São Bento
E o Decreto da fome é publicado.

Edita-se a novela do Orçamento;
Cresce a miséria ao povo amordaçado;
Mas os biltres do novo parlamento
Usufruem seis contos de ordenado.

E enquanto à fome o povo se estiola,
Certo santo pupilo de Loyola,
Mistura de judeu e de vilão,

Também faz o pequeno “sacrifício”
De trinta contos – só! – por seu ofício
Receber, a bem dele… e da nação."
José Régio, 1969