quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Do Acordo “horto-gráfico”… (2)

Ainda a propósito do (des)acordo ortográfico, Vasco Graça Moura, uma das personalidades mediáticas que mais se tem manifestado publicamente contra este escabroso cozinhado, esteve no programa da RTP1, “Bom dia, Portugal” e, como é seu hábito, não poupou críticas ao dito. Reproduzo aqui as palavras do escritor… “Devo dizer que considero o acordo ortográfico um chorrilho de asneiras, absolutamente incompatível com a dignidade da língua portuguesa e da identidade do nosso país, não por qualquer espécie de nacionalismo exacerbado, mas porque o acordo é completamente desajustado à maneira como nós falamos a nossa própria língua, e quando digo nós não digo apenas os portugueses de Portugal, digo os que falam português em Angola, em Moçambique, na Guiné-Bissau, em Cabo Verde, em São Tomé e até em Timor. O acordo vem desfigurar a maneira de pronunciar, e instaurar a mais perigosa confusão para a ortografia. É mesmo o contrário da ortografia. Este combate nem é inglório nem é em vão. Porque o acordo não pode entrar em vigor. Basta dizer o seguinte. O acordo é internacional. Para um acordo internacional entrar em vigor é necessário que seja ratificado por todos os países que o subscrevem. Não aconteceu ainda. É completamente inválido o protocolo modificativo, que prevê que apenas três países subscrevam e ratifiquem, para depois se aplicar aos restantes. Não estando o acordo em vigor no plano internacional, também não pode estar no plano nacional. Primeira questão. Segunda questão, mesmo que estivesse, um pressuposto da aplicação do acordo é a existência de um vocabulário ortográfico comum, o que quer dizer dos sete países que subscreveram o acordo. Não existe. Sem esse vocabulário ortográfico, não pode ser aplicado.” “(…) Se amanhã a facultatividade for a regra, quer dizer que você pode escrever uma palavra com ‘p’ mudo ou ‘c’ mudo e eu posso escrevê-la sem eles, e valem as duas formas. Desapareceu a ortografia, a maneira correcta de escrever, para ficar tudo «à vontade do freguês». Considero perigoso, porque o acordo tem critérios divergentes e imprecisos, e portanto impede que haja formulações padrão, que permitam escrever tudo da mesma maneira. O Professor António Emiliano demonstrou que há palavras que, com o acordo, se podem escrever de quatro a trinta e duas maneiras diferentes. Então onde está a unidade ortográfica? Quer-se evitar um divórcio entre a grafia brasileira e a grafia portuguesa, e vai-se instaurar, muito pior que um divórcio, o caos total na maneira de escrever a nossa língua? E acha natural que se suponha que eu tenha que saber como se pronuncia a minha língua no Brasil, por exemplo, para saber como a hei-de escrever? Porque tem de se saber onde é que se pronuncia o ‘p’ e o ‘c’, nas várias formas ditas cultas de português (também ninguém sabe o que é uma forma culta, no sentido em que o acordo a refere), tenho de saber como se fala a minha língua num país estrangeiro para poder escrever a minha própria língua?” “(…) As vogais, no Brasil, são abertas, e em Portugal tendem para o emudecimento. Por isso, quando estão lá um ‘p’ ou um ‘c’ ditos mudos (impropriamente chamadas consoantes mudas) estão lá porque têm uma função, que é a de abrir a vogal que as antecede. Isto é absolutamente fundamental. Se há irresponsáveis políticos (de que eu exceptuo, neste momento, a Ministra da Educação, que, apesar de tudo, tem tido o cuidado de protelar [a aplicação]) que não prestam atenção a isto, nem sequer deviam ter cargos políticos. Isto é um crime contra a língua portuguesa, e sendo um crime contra a língua portuguesa é um crime contra a identidade nacional."
Apache, Fevereiro de 2011

2 comentários:

Diogo disse...

Apache: «o acordo é completamente desajustado à maneira como nós falamos a nossa própria língua, e quando digo nós não digo apenas os portugueses de Portugal, digo os que falam português em Angola, em Moçambique, na Guiné-Bissau, em Cabo Verde, em São Tomé e até em Timor»


Exacto Apache, você fala dos que falam português e a língua que se fala no Brasil ainda é considerada portuguesa. Por tudo isso, penso que vale a pena o esforço de ter uma ortografia comum. Isto para que o português não fique uma língua de apenas 10 milhões de pessoas.

Apache disse...

Acho que não chegaríamos a consenso nem com 20 textos sobre o assunto :)
O texto a azul não é meu, é do Vasco Graça Moura, mas concordo, na generalidade.
A Língua que o Brasil fala actualmente é o Português do Brasil. Existem duas formas de falar e escrever: o Português (euro-afro-asiático), falado por pouco mais de 50 milhões de pessoas e o Português do Brasil falado por pouco mais de 200 milhões. Concordo que uma Língua falada por 250 milhões de pessoas é mais popular, no Mundo, que uma língua falada por 50 milhões mas, para um estrangeiro, as duas línguas são idênticas, com ou sem Acordo; é para nós, falantes, (principalmente os falantes de Português, que o Brasil sai claramente favorecido deste Acordo) que o Acordo é um espinho cravado na nossa herança cultural.
O Brasil foi o primeiro país de Língua Portuguesa a conseguir a independência, tendo-a obtido numa época em que o ensino ainda era exclusivo de uma pequena “elite”, por isso, o povo falava com erros (e o mesmo acontecia com os poucos que iam tentando escrever). Aos poucos, com a massificação do ensino, os erros foram ensinados nas escolas e deixaram, oficialmente, de ser considerados erros, criando-se assim uma Língua própria, motivo de orgulho independentista da ex-colónia. Os países africanos, que conseguiram a independência bastante mais tarde, foram “obrigados”, pela massificação do ensino, a corrigir os erros de pronúncia e escrita e, oficialmente falam a mesma língua que nós, europeus. O mesmo aconteceu com alguns dos asiáticos.
A cedência (por via do Acordo, ainda que fosse mínima e não o é) dos falantes originais, adoptando para a sua grafia alguns dos “erros” dos aculturados, é profundamente ofensiva do orgulho nacional, constituindo uma forma de colonização forçada. Claro que se pode argumentar que o Brasil também cede e que se o faz em menor número de casos, isso deriva do facto de ter 4 vezes mais população. Dir-te-ei que se fosse brasileiro, provavelmente também interpretava qualquer cedência no âmbito do Acordo como uma nova tentativa de aculturação, no entanto, para nós falantes do Português “dói” bem mais, por se tratar de uma cedência a uma forma, para nós incorrecta, de escrita.
De qualquer forma, ainda que se conseguisse impor o Acordo (e muitos são os que resistirão por muitas décadas a esta forma de escrita) isso não aproximaria significativamente as duas Línguas. A questão não se resume (bem longe disso) à forma específica como se escrevem algumas palavras, os brasileiros usam uma forma de construção frásica tão diferente da nossa que inúmeras frases são gramaticalmente inaceitáveis em Português.
Portanto, mantenho que, o Acordo apenas introduz uma excessiva e confusa multiplicidade de grafias, não aproximando, de facto, as duas Línguas, que se foram distanciando “irremediavelmente” durante todo o século XX, à medida que os brasileiros se foram recusando a aplicar os múltiplos e sucessivos acordos celebrados nos últimos cem anos.