sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Happy New Year

Este blogue tem estado (meio) parado, é que às vezes sabe bem recostar a cabeça.
As irmãs Emily e Zooey Deschanel
Entretanto e porque um novo ano se vai iniciar é o momento de desejar a todos, um Bom Ano de 2011.
Scarlett Johansson
Volto Já...
Apache, Dezembro de 2010

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

“PISA: mentiras, perplexidades e factos”

Ainda a propósito do desempenho dos alunos portugueses nos últimos testes PISA, em jeito de resumo do que pela “blogosfera”, e não só, se escreveu, deixo o texto do professor Santana Castilho, no jornal Público, de hoje. “Assentou a poeira e desfez-se a espuma dos dias. É tempo de analisar as mentiras, recordar os factos e partilhar perplexidades. Andreas Schleicher, director do PISA, é claro quando diz ao que o programa veio: medir quanto “value for money” (conceito económico que exprime a utilidade do dinheiro despendido) resulta dos sistemas de ensino em análise. O PISA não se ocupa de determinar e comparar todo o conhecimento que deriva dos vários domínios curriculares. O PISA centra-se na capacidade para resolver problemas básicos, detida por jovens com idades compreendidas entre os 15 anos e quatro meses e os 16 anos e quatro meses. Sendo de inegável utilidade, este quadro é redutor porque deixa de fora valências humanistas e culturais dos sistemas de ensino. Merece alguma reflexão ver democracias líderes do desenvolvimento tecnológico e científico mundial (Alemanha, França, Reino Unido e USA) remetidas para posições modestas no PISA, enquanto um sistema ditatorial se guinda ao primeiro lugar do ranking (Xangai). Com a ressalva supra, é incontestável a importância de todo o manancial de informação que o PISA proporciona. Mas a contrapartida para esse benefício está a tornar-se perniciosa: as orientações que dele emanam têm vindo a ser aceites com uma preocupante atitude reverencial. Os resultados obtidos pelos estudantes portugueses em 2009 melhoraram muito e isso é bom. Mas onde estamos? No último terço da tabela dos 33 países da OCDE. Abaixo da média em todos os domínios considerados (489 pontos em leitura, 487 em Matemática e 493 em ciências, para médias da OCDE de 493, 496 e 501, respectivamente). E tudo isto por referência a 698 pontos possíveis. Cerca de 19 por cento dos nossos estudantes não souberam justificar por que devem lavar a língua quando lavam os dentes, sendo certo que a resposta estava contida no texto do teste; 23,7 por cento não souberam fazer uma simples conversão cambial; e nas ciências, 16,5 por cento não responderam a uma pergunta de nível 1, o mais baixo dos 6 cotados. Justifica isto a histeria de Sócrates e dos cronistas do regime e a recuperação de defuntos políticos? A propaganda lida mal com os factos. Mas eles existem. Continuemos a recordá-los. Sócrates disse que os resultados de 2009 são fruto: - Das políticas começadas em 2005 e do trabalho de Maria de Lurdes Rodrigues. Falso. Os jovens que responderam aos testes pertencem à primeira geração positivamente condicionada pela generalização do pré-escolar, promovida por Marçal Grilo, e conheceram 4 ministros da educação, que Sócrates olimpicamente ignora (Santos Silva, Júlio Pedrosa, David Justino e Carmo Seabra). - Da introdução da banda larga e dos computadores portáteis. Falso. Os jovens testados não fruíram do programa “Magalhães”. Na análise dos resultados de 2009, o PISA estabelece uma correlação entre os resultados e dois indicadores: o acesso à internet e a posse de uma biblioteca em casa. E que verificamos? Que os possuidores de biblioteca superam em cerca de 20 pontos, em todos os domínios medidos, os que só têm acesso à internet. - Do modelo de avaliação do desempenho dos professores de Lurdes Rodrigues. Falso. Todos sabem que tal coisa não foi aplicada até 2009. - Do novo regime de gestão das escolas. Falso. Todas as escolas frequentadas pelos alunos testados foram ainda geridas sob o antigo sistema, isto é, por conselhos executivos eleitos pelos professores. Mas a cereja em cima da pisa deste contexto de manipulações primárias radica nas legítimas suspeições que a amostra portuguesa suscita. Deveria ser aleatória e estratificada. Mas tudo indicia que não foi. Só o conhecimento da listagem das escolas e dos alunos seleccionados apagaria a suspeita que detenho e assim fundamento: - Terão sido inicialmente indigitados 8480 alunos. Podem subsistir exclusões (falta de autorização parental, insuficiente domínio linguístico ou deficiências profundas). O relatório técnico da OCDE diz que a sua taxa média de exclusão foi 3,32 por cento e que a portuguesa foi 1,5 por cento. Mas terão respondido apenas 6298 alunos. A taxa de exclusão salta assim para uns anormais 25,73 por cento. Que aconteceu a 2182 alunos? - Fica gravemente comprometida a representatividade de uma amostra quando se treinam alunos e professores para responder aos testes do PISA. O próprio organismo responsável pela administração do PISA em Portugal, o GAVE, confessa-o a páginas 36 e 37 do seu relatório de actividades de 2009. - O 10º ano é o adequado à faixa etária dos alunos testados. A proporção dos alunos do 7ºano (tri-repetentes) e do 8º ano (bi-repetentes) presentes na amostra de 2009 é bem menor relativamente à amostra de 2006. E os que frequentam o 10º e o 11º ano sobem consideravelmente na amostra de 2009. O peso das escolas privadas quase triplicou. Sendo inquestionável que estas circunstâncias têm enorme peso nos resultados, mandaria a transparência do processo que a OCDE não se escondesse atrás do Governo e este não invocasse estranhos contratos de confidencialidade com a OCDE, num sinuoso ciclo que só fomenta desconfiança. - Ao mesmo tempo que o Eurostat revela que Portugal é o país da Europa com mais crianças pobres, que cantinas escolares matam fome em férias e aos fins-de-semana, a amostra portuguesa é composta por alunos que dizem ter 2 ou mais computadores em casa (mais de 70 por cento) e 2 automóveis (60 por cento), indicadores que superam as médias da OCDE e nos permitem questionar a validade da amostra. Pisados, mas não estúpidos!”
Apache, Dezembro de 2010

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

O dinheiro fácil… de alguns

“O sistema monetário que permite a meia dúzia de privilegiados imprimir dinheiro a partir do nada é o mesmo que permite gastos e extravios colossais. Quanto menor é o controlo sobre o crescimento do dinheiro, menor é a informação sobre os gastos e menos capacidade temos para os travar, tornando-se estes, praticamente ilimitados. Se o sistema nada em dinheiro fácil, as pessoas podem pagar para construir coisas descontroladamente extravagantes e improdutivas - como parques eólicos ou tapetes de painéis solares.”
JoNova, escritora e divulgadora de Ciência [Tradução minha]

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

“Da inconstitucionalidade dos cortes salariais previstos no OE”

“1. A actividade governativa seria consideravelmente mais simples se dar um nome a uma coisa lhe ligasse irreversivelmente um estatuto. Os nossos governantes parecem especialmente atreitos a acreditar nesse nominalismo: plantam-se aero-geradores a esmo - e isso é uma "revolução energética"; resolve-se aspergir as escolas com computadores de brincar - e isso é um "choque tecnológico"; distribuem-se diplomas a eito a quem os queira - e isso é "requalificação profissional". O problema é que os juristas - esses escolastas impenitentes - tendem a persistir em separar o nome da coisa. Quando algum dos membros da confraria lhe chamava a atenção para a diferença entre o que ele queria e o que ele podia, J. P. Morgan, o arqui-magnata americano dos princípios do Século XX, dizia que não precisava de advogados para lhe dizerem o que não podia fazer. Só precisava deles para lhe dizerem como fazer o que queria fazer. Apesar dos milhões de euros pagos em consultadoria jurídica pelo actual Governo, parece que os seus advogados não lhe servem nem para uma coisa nem outra. A anunciada redução salarial no sector público é mais uma das medidas voluntaristas e mal concebidas que - das férias judiciais à avaliação dos professores, da localização do aeroporto à cobrança de portagens nas SCUT - se tornaram a imagem de marca dos Governos do Eng. Sócrates e que hão-de ser corrigidas no meio da maior das confusões. 2. Assim de repente ocorrem-me pelo menos três problemas jurídicos com a redução de vencimentos da função pública (rectius: dos trabalhadores com relação jurídica de emprego público; não, rectius, dos que a tenham ou não, mas estejam ligados a uma espécie de sector público). 2.1. O primeiro problema é logo o dessas suas fronteiras: uma redução remuneratória dos titulares de cargos políticos ou de livre nomeação, dos trabalhadores dependentes ou independentes da Administração central, regional e local, e do sector empresarial estadual, regional ou local, bem como do pessoal em situação de reserva, pré-aposentação e disponibilidade, tal como identificadas nas 21 alíneas do n.º 9 do artigo 17º da proposta de Lei do OE não existe como tipo jurídico. Não é uma categoria homogénea, é um exercício de arbitrariedade. Até porque vem ao arrepio de uma anterior opção desses mesmos governantes: ao distinguir o estatuto jurídico dos trabalhadores com vínculo à função pública (os nomeados) dos que estão sujeitos a contratos de trabalho em funções públicas, pretenderam eles sujeitar uma parte dos trabalhadores do Estado ao mesmo regime laboral que vale para o sector privado. Ora, se em relação aos trabalhadores deste se reconheceu que o poder ablativo do Estado estava impedido de interferir na sua folha remuneratória, então viola os princípios da confiança e da boa fé estendê-lo aos trabalhadores a quem foi imposto esse mesmo regime para o serviço do Estado - ao menos sem destruir o sentido dessa diferenciação de regimes na actividade pública. Ora, a Constituição - que, para o mal e para o bem, ainda temos - consagra um princípio de protecção de confiança, um princípio de igualdade e, consequentemente, uma proibição de exercícios arbitrários do poder, sobretudo do poder ablativo. A anunciada redução de remunerações há-de ser julgada violadora desses princípios e, certamente, também do princípio da proporcionalidade. 2.2. O segundo problema é o da fundamentação dessa redução discricionária de remunerações. O traço comum entre as diferentes categorias de trabalhadores expropriados pelo Orçamento do Estado é, mais ou menos, o da entidade patronal: os contornos da redução seguiriam, então, grosso modo, os contornos do que se entendeu consolidar como o Estado central, regional e local - mas que difere, por exemplo, do perímetro de jurisdição e controlo financeiro do Tribunal de Contas, que é relevante justamente para esse propósito. Não teríamos resolvido o problema antes apontado, porque a natureza da entidade pagadora é o que menos releva para a situação de quem sofre a intervenção ablativa, mas teríamos um princípio ordenador do saque ao rendimento dos trabalhadores. Um princípio arbitrário, ainda, porque não incide sobre outros pagamentos feitos pelo Estado - as rendas que paga, por exemplo. O principal problema aqui é que a primeira propriedade de cada pessoa é o seu trabalho, e a Constituição veda que alguém seja expropriado da sua propriedade sem justa indemnização. Um corte de 3, 5 ou 10% do montante remuneratório auferido é uma expropriação de 3, 5 ou 10% de trabalho - passa a ser 3, 5, ou 10% de trabalho não pago. O que o Estado confessa, então, como entidade pagadora, é que pretende obrigar o universo dos que para si trabalham (rectius: o que convencionou ser tal universo, diferentemente do que considera ser tal universo para efeitos de visto prévio do Tribunal de Contas) a trabalhar o mesmo e a receber menos, em seu benefício. Invoca, claro, situações excepcionais e dificuldades financeiras (que, inexplicavelmente, não servem, porém, para cortar na mesma medida outros pagamentos contratuais). Como tais situações excepcionais ou dificuldades financeiras não podem ser invocadas por entidades privadas, viola-se um outro princípio de igualdade - desta feita não entre os sujeitos passivos, mas entre os sujeitos activos da relação laboral (pública ou privada). A distorção assim introduzida no funcionamento do mercado equivale a um subsídio às sociedades detidas pelo Estado (na medida em que diminui os seus custos de funcionamento em concorrência com outras do sector privado) - ou seja, equivale a uma ajuda de Estado, e é passível de apreciação pela União Europeia. 2.3. O terceiro problema - e o mais grave - é o da verdadeira natureza da actividade ablativa do Estado - uma actividade que é da natureza da própria essência da Constituição sujeitar aos seus limites. Ora, substancialmente, o que está em causa na redução remuneratória é um verdadeiro imposto. A doutrina define imposto como uma "prestação pecuniária, coactiva e unilateral, sem o carácter de sanção, exigida pelo Estado ou por outros entes públicos, com vista à realização de fins públicos" - e não há um só dos elementos definidores dos impostos que falhe na eufemísticamente designada "redução remuneratória do sector público". Como se sabe - ou, pelo menos, sabem os juristas que não aconselham o Governo - não chega chamar "taxa", ou "tarifa", ou "emolumento", ou "direito nivelador", ou "corte nos vencimentos", ou outra coisa qualquer, a um tributo, para o isentar da aferição com os princípios constitucionais que regem o lançamento dos impostos. O próprio serviço militar obrigatório só não era abrangido no quadro destes por não ser aí exigida aos cidadãos uma prestação pecuniária. Ora, vistos os cortes remuneratórios a esta luz - e é a ela que juridicamente deve ser vista - são violados, pelo menos: - o princípio constitucional da igualdade (não há razão para que as despesas do Estado sejam preferencialmente sustentadas pelos que para ele trabalham e, demais, o facto tributário eleito - a natureza da entidade pagadora - para a determinação do rendimento que vai servir como matéria colectável é duplamente arbitrário [por incidir apenas nas remunerações laborais, e por, nestas, incidir apenas sobre as que são, ou foram, prestadas a entidades, em última instância, públicas] - tanto mais que, se a conversão dessa ablação discriminatória [cerca de 800 milhões de euros] fosse repartida pelos titulares de rendimentos comparáveis, o montante a pagar por cada um seria consideravelmente diminuído); - o princípio constitucional do tratamento fiscal mais favorável dos rendimentos do trabalho (a haver necessidade de mais receitas fiscais elas deviam incidir preferencialmente sobre outras categorias de rendimentos); - o princípio constitucional da protecção da confiança (um dos princípios básicos de um Estado de Direito é o do não retrocesso social, há expectativas objectivas de que a carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho não seja disfarçada de medidas de natureza diversa, e, se é certo que não pode haver expectativas quanto ao nível da carga fiscal - excepto na sua distribuição equitativa - há decerto expectativas subjectivas fundadas quanto ao nível remuneratório já obtido, como o Tribunal Constitucional declarou num caso em que o que estava em causa era muito menos grave - o decidido por unanimidade no Acórdão n.º 141/2002); - o princípio constitucional da unicidade do imposto sobre o rendimento pessoal e da teleologia desse imposto (ao fazer sobrepor um imposto especial sobre o rendimento ao IRS, e ao desconsiderar as necessidades do agregado familiar dos contribuintes, a projectada redução viola flagrantemente o disposto no artigo 104º da Constituição). 3. Se os portugueses se convencerem finalmente de que não são meros súbditos da prepotência do Estado e se ainda acreditarem que Portugal é um Estado de Direito, os tribunais serão soterrados com processos para impugnar esses mal disfarçados e mal concebidos impostos. Mas para que se não diga que é minha intenção dificultar a actividade governativa, dou já a sugestão que um advogado daria ao Sr. Morgan para resolver o problema: proíbam o acesso aos tribunais para discutir esta questão - ou, se quiserem fazer de conta que não é isso que está em causa, aumentem exponencialmente as custas destes processos e cobrem-nas à cabeça. Ou, melhor ainda (já que também isso seria inconstitucional) encham-nos rapidamente de boys (M/F) que digam que Direito é o que a Assembleia da República decide.”
Victor Calvete, Assistente da Faculdade de Direito de Coimbra, no “Expresso” de 24 de Novembro

domingo, 12 de dezembro de 2010

Dos testes PISA… (2)

A tabela acima (surripiada do blogue “A Educação do Meu Umbigo”) põe a nu a brutal diferença entre a qualidade dos alunos participantes nos testes “PISA 2006” e nos testes “PISA 2009” (não a qualidade da generalidade dos alunos portugueses, sobre a qual, nada se conclui). Já, na passada quinta-feira, aqui tinha referido que a aleatoriedade (para quem nela acredita) da escolha da amostra pode fazer com que, de um teste para outro, varie consideravelmente o número de alunos com reprovações ao longo do seu percurso académico, que compõem a dita amostra. Pois bem, comparando os anos curriculares frequentados pelos alunos sujeitos a teste, em 2006, com os testados em 2009, verificamos que, da primeira data (2006) para a segunda (2009): O n.º de alunos a frequentar o 7.º ano, (alunos com duas ou três retenções - recordo que aquando da realização dos testes, todos os alunos têm idades compreendidas entre 15 anos e 3 meses e 16 anos e 2 meses) presentes na amostra, diminuiu 65,2%; O n.º de alunos a frequentar o 8.º ano, (alunos com uma ou duas retenções) testados, diminuiu 31,3%; O n.º de alunos a frequentar o 9.º ano (alguns destes alunos registam uma reprovação no seu percurso escolar) diminuiu 5,4%; O n.º de alunos a frequentar o 10.º ano (alunos sem retenções) aumentou 20%; O n.º de alunos a frequentar o 11.º ano, uma raridade em Portugal, dada a idade em que se inicia a escolaridade, (alunos sem retenções e com mais competências por estarem a pouco mais de um ano lectivo da conclusão do secundário - recordo que os testes PISA se realizam em Abril e Maio) aumentou 100%. A aleatoriedade alegada pelo GAVE, na escolha da amostragem do PISA 2009, revelou-se uma manipuladora estatística, politicamente, muito conveniente.
Apache, Dezembro de 2010

sábado, 11 de dezembro de 2010

“As consequências nefastas de certas práticas pedagógicas”

«Ao ler o livro “O valor de educar, o valor de instruir” da Fundação Francisco Manuel dos Santos fiquei ainda mais convicto de que temos de contestar essas vozes perturbadoras da educação em Portugal (e noutros países!) pelo desaire patenteado, nestes últimos tempos, num sector que deve ocupar um lugar predominante na nossa sociedade e que se arruína cada vez mais. Nestas últimas décadas tem havido variadas transformações, como é óbvio, pois é uma área em permanente evolução e onde se concentram teorias e práticas inspiradas em doutrinas e pensamentos diversificados, mas não exageremos, pois deve existir equilíbrio nas mudanças que se pretendem entre as práticas existentes e aquelas que se desejam introduzir, nunca se rompendo totalmente com o passado só pelo facto de se ir ao encontro de modas culturais que, por vezes, prejudicam as boas praxes rejeitando-as apenas numa perspectiva ideológica sem obedecer a critérios definidos. Mudar sim, destruir não, pois há certos iluminados, abstraídos da realidade, embrenhados em teorias facciosas que não se coadunam com a realidade dos nossos estudantes e das nossas escolas. Ricardo Moreno Castillo, professor e especialista na área de educação, diz que a lei implementada em Espanha, na década de 90, consistia em igualar, por decreto, todos os alunos, menosprezando o esforço e a disciplina como algo pertencente ao passado fascista e reaccionário. São os tais erros que se pagam muito caros, pois em Portugal passou-se precisamente o mesmo: acabaram com o ensino profissional que estava a dar incomensuráveis resultados; baniram certas práticas pedagógicas, sobretudo no ensino da Língua Portuguesa, Matemática e outras; apregoou-se o facilitismo e o nivelamento dos estatutos entre professores e alunos; acentuou-se bastante o ensino por competências em detrimento dos conhecimentos… a este propósito o autor, acima citado, refere: «como é que vamos ensinar a competência de fazer uma conta de dividir sem ter conhecimento prévio da tabuada? Como pode ter competência de traduzir um texto latino quem não aprendeu previamente as declinações e as conjugações? Como se pode analisar gramaticalmente um texto quando se carece do conhecimento que permite distinguir um substantivo de um verbo, ou uma preposição de uma conjunção? Ensinar competências não é nenhuma novidade, é algo que sempre fizeram os bons mestres do mundo (…) e para que os alunos tenham os conhecimentos necessários prévios a qualquer competência, não há outro remédio senão exigir-lhes que estudem. E para que essa exigência seja efectiva, pois terão de aprender a tabuada, as declinações latinas e a lista das preposições. Sim, ensinar a lição, como sempre se fez, sem complexos e sem medo de parecerem professores obsoletos, caducos ou nostálgicos e dar má nota a quem não sabe. E se um aluno ficar traumatizado por ter má nota que se aguente (…) O importante não é saber conteúdos, mas formar pessoas. Mas formar pessoas sem dar conhecimentos é tão impossível como arrumar os móveis de um quarto vazio. Uma pessoa formada é a que tem os seus conhecimentos bem arrumados e estruturados na sua cabeça, não a que tem a cabeça vazia.» Esta longa citação veio dar razão àquilo que sempre fiz como professor, remando, em certo tempo, contra a maré, pois algumas práticas eram consideradas antipedagógicas, por exemplo, quando mandava conjugar os verbos com aquela lengalenga que todos conhecem (eu estudo, tu estudas, ele estuda…), mas que os alunos gostavam e aprendiam, quando se faziam exercícios ortográficos (ditados e cópias, aprende-se a escrever, escrevendo), quando se era exigente e mantinha-se a autoridade na sala de aula (o professor é quem manda na sala de aula para que haja a verdadeira qualidade no ensino!), quando se aproveitava a interpretação de textos para transmitir certos valores aos alunos…é evidente, e ainda bem, que hoje, algumas dessas práticas, aceitam-se melhor, mas ainda há muito a fazer para se acabar totalmente com certos preconceitos, sobretudo na exigência e na autoridade dos professores, factores fundamentais, em decadência constante, onde é urgente intervir. Ricardo Moreno Castilho aponta, no seu texto do livro já citado (onde escrevem também outros estudiosos: Fernando Savater, Nuno Crato e Helena Damião) as várias causas para o fracasso escolar em Espanha, passando-se precisamente o mesmo no nosso país, na medida em que não se protege o direito de estudar. O aluno que perturba está a prejudicar o seu colega, não tendo havido a coragem suficiente do poder político para castigar os prevaricadores e defender os que livremente querem estudar, assim como os professores na sua tarefa de ensinar. Diz ele: «Não existe propriamente um ensino obrigatório. Não é obrigatório estudar (pode passar-se de um ciclo para outro reprovado a oito disciplinas), nem respeitar os colegas e professores, nem acatar normas obrigatórias em qualquer lugar público. Quando um aluno é grosseiro com um professor, não é obrigatório pedir perdão. E a expulsão não é um castigo para quem não quer estudar, antes pelo contrário (…) O nosso sistema educativo confunde aprender com estar encerrado. Um estudante que chega aos dezasseis anos sem saber a tabuada, ou dando erros ortográficos, não aprendeu, mesmo que tenha cumprido o ensino obrigatório…» O autor fala de Espanha, mas em Portugal, infelizmente, passa-se a mesma coisa, os problemas são similares. Neste artigo citei o autor em questão com o objectivo de transmitir, através dele, o que penso sobre o sistema de ensino em Portugal e noutros países, pois podemos dar o nosso contributo para que possamos ter escolas a funcionarem sem atropelos, retribuindo a cada agente educativo o seu verdadeiro estatuto.»
Salvador de Sousa ex-professor da Escola Monsenhor Elísio de Araújo, no "Diário do Minho" da passada terça-feira

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Este homem é do Norte, carago!…

Michael O'Leary, o patrão da maior companhia aérea de ‘low-cost’, a Ryanair, em entrevista ao ‘Independent’, concedida a 10 de Setembro passado, mostra a sua indignação com a caquéctica teoria do aquecimento global antropogénico, mimando os crentes com o mais vernáculo ‘linguajar'.
“Do I believe there is global warming? No, I believe it's all a load of bullshit. But it's amazing the way the whole fucking eco-warriors and the media have changed. It used to be global warming, but now, when global temperatures haven't risen in the past 12 years, they say 'climate change'. (...) There’s absolutely no link between man-made carbon, which contributes less than 2% of total carbon emissions. (...) It is absolutely bizarre that the people who can't tell us what the fucking weather is next Tuesday can predict with absolute precision what the fucking global temperatures will be in 100 years' time. It's horseshit." Alguém precisa de tradução?
Apache, Dezembro de 2010

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Dos testes PISA...

Foram anteontem conhecidos os resultados dos testes PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) de 2009, nos quais participaram cerca de 470 mil alunos de 65 países ou regiões (Os 34 membros da OCDE e mais 31 países e regiões administrativas convidados). Os testes, que se realizam de três em três anos, testam competências em Leitura, Matemática e Ciências, focando mais profundamente uma destas áreas, no caso de 2009, a Leitura. Portugal registou os seguintes lugares no ranking: Leitura, 27.º (22.º entre os membros da OCDE); Matemática, 30.º (25.º entre os países da OCDE); e Ciências, 32.º (25.º se considerarmos apenas a OCDE). O Governo, quer através do Primeiro-Ministro, quer dos representantes do Ministério da Educação, mostrou-se muito satisfeito com os progressos alcançados, que ao que consta foram os maiores no seio da OCDE. Progressos estes que, segundo o jornal “Público”, nos permitiram subir (entre os membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) 5 lugares na Leitura, 4 nas Ciências e 2 em Matemática, estando agora situados ligeiramente abaixo da média da OCDE. Subir num ranking é quase sempre positivo mas, sinceramente, não compreendo minimamente a euforia. Subir (em média) 3 ou 4 lugares entre os 34 países que compõem a OCDE, nuns testes internacionais que estão longe de ser realizados em situação de efectiva igualdade, entre os adolescentes dos vários países e que além disso testam competências e não conhecimentos, vale pouco mais que nada. Note-se que os alunos que participam nos testes não estão no mesmo nível de ensino, nem têm igual número de anos escolares frequentados. O que os participantes no PISA 2009 têm em comum é terem nascido entre 1 de Fevereiro de 1993 e 31 de Janeiro de 1994 e estarem a frequentar a escola em Abril e Maio de 2009. Por exemplo, em Portugal, o GAVE, organismo que controla a aplicação dos testes, pede a algumas escolas (212, segundo consta, em 2009) por si escolhidas, que apresente uma lista com os nomes, os anos e os cursos de todos os alunos nascidos no referido intervalo de tempo, que frequentem o 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º e 12.º anos de escolaridade, dos quais, o GAVE, selecciona aleatoriamente 40 por escola. Ora, em Portugal não há alunos com esta idade a frequentar o 12.º ano; muito poucos estão a frequentar o 11.º; já no 10.º ano grande parte dos alunos pertence a esta faixa etária (15 anos). A maioria dos que frequentam o 9.º com esta idade, são repetentes; os do 8.º são maioritariamente bi-repetentes e os que aos 15 anos frequentam o 7.º ou são bi-repetentes ou tri-repetentes. Ora, escolhendo aleatoriamente os alunos, podemos ter estudantes regulares (que frequentam o 10.º ano) num teste PISA e três anos depois (ou antes), alunos com dificuldades de aprendizagem e múltiplas reprovações. Na comparação internacional, se os alunos de determinada nacionalidade iniciarem a escolaridade mais cedo, chegam aos testes PISA em vantagem face aos colegas de outros países que a iniciem mais tarde. Por necessidade de adequação às culturas e práticas de cada país, os testes não sofrem apenas tradução mas também várias adaptações, tornando o seu grau de dificuldade diferente de país para país. Como referi acima, o PISA testa essencialmente competências (quase todas ao nível da interpretação de textos) e aptidões genéricas, em detrimento dos conhecimentos concretos sobre os conteúdos curriculares leccionados. Em conclusão, os testes PISA estão longe de serem realizados por alunos em situação de efectiva igualdade e não servem para testar a qualidade do sistema educativo dos países que nele participam, antes avaliam, o grau de implementação do lixo que a filosofia “eduquesa” das modernas "Ciências da Educação" está a espalhar mundo fora. Só isso justifica que países com sistemas de ensino com qualidade reconhecida, como por exemplo o Luxemburgo apareçam (entre os membros da OCDE) no último terço da tabela.
Apache, Dezembro de 2010

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

“Relato de uma fraude”

O texto que se segue, expressivo de uma realidade vivida (infelizmente) em cada vez mais escolas deste país, passou-me à data, despercebido. Hoje, um colega falou-me dele e achei por bem publicá-lo, até porque, contrariamente a outros textos do mesmo autor, não se vê muito pelos blogues. "Há cerca de um mês, a ministra da Educação chamou ao acto de estudar "assim uma espécie de desporto do cérebro". E a História registou. Agora, confrontada com os resultados dos exames nacionais do básico e do secundário, crescentemente dominados por escolas privadas, a Dra. Isabel Alçada lançou, toda orgulhosa e contentinha, outra frase para a eternidade: "A escola pública está aberta a todas as crianças." Convencida de que o defende, a Dra. Isabel Alçada acaba por denunciar o principal equívoco do ensino contemporâneo: a crença de que a função da escola é dar provas de democracia e não provas de competência. No tipo de mundo que levou a autora de Uma Aventura ao poder, a inclusão, ou, em português de gente, o simulacro de caridade, é preferível à instrução. Claro que a ideia de uma escola que não exclui ninguém independentemente de raça, classe, religião, maneiras ou volume de massa encefálica é lindíssima. Ainda por cima, é falsa. Por incrível que pareça, há crianças cujas peculiaridades, digamos, as afasta do ensino "normal". Ou seja, contra as próprias leis da lógica, à medida que desce o grau de exigência aumenta a quantidade de alunos incapazes de o alcançar. É também para essas criaturas que se criaram as Novas Oportunidades e, dentro das Novas Oportunidades, as vias profissionalizantes. Segundo a retórica oficial, o "desígnio nacional" das vias profissionalizantes consiste em "combater o abandono e o insucesso escolares de forma a elevar o nível de qualificação dos jovens portugueses", suponho que na impossibilidade de elevar o nível de quem escreve "profissionalizante" sem se rir. Na realidade, porém, as coisas passam-se de modo um bocadinho diferente do pretendido. Há dias, durante o jantar, uma prima apresentou-me aos CEF. Se bem percebi, os CEF são os Cursos de Educação e Formação e, desde que concluídos, correspondem ao 6.°, 9° ou ao 12° anos de escolaridade. Destinam-se a indivíduos com idade mínima de 15 anos que, na sua maioria, foram capazes de reprovar consecutivamente num sistema que só reprova alguém por engano. Finalmente, decorrem em escolas públicas ou em misteriosas empresas privadas. A minha prima lecciona numa destas. "Leccionar" é eufemismo para o que ali acontece. Na prática, os "formadores" gastam as aulas a tentar evitar agressões e a não conseguir evitar insultos e ameaças de uma plateia enfurecida. A plateia, de que uma razoável percentagem possui cadastro e um percurso de vida susceptível de comover assistentes sociais, comparece nas aulas a troco de subsídios de alimentação e de transporte. Aliás, o eventual atraso dos subsídios é o único motivo que leva os familiares dos alunos a revelarem a sua existência, através de telefonemas impacientes para a secretaria da escola em causa. Os formadores mostram superior flexibilidade: em geral, passam meses sem receber um cêntimo. Uns desistem, do emprego e do dinheiro que o Estado paga e que os donos da escola retêm indefinidamente. De qualquer modo, os salários que raramente auferem não cobrem os estragos com que os alunos, na doce irreverência da juventude, brindam os seus automóveis. Por isso, os formadores optam por estacionar os carros a quilómetros do emprego, o que fomenta as caminhadas e modera a hipertensão. Infelizmente, a pressão arterial dos docentes regressa a valores perigosos durante o expediente, um tumulto ininterrupto que os responsáveis da escola procuram conter em limites decentes, leia-se idênticos aos da antiga penitenciária do Carandiru. A semelhança do que sucedia no Carandiru, nos CEF decorrem negociações regulares entre as autoridades e os revoltosos. A semelhança do que sucedia no Carandiru, nos CEF as negociações falham e os revoltosos, habitualmente sob o efeito de álcool e drogas de pesos diversos, desatam a partir o que lhes surge pela frente, incluindo formadores. Nos últimos tempos, alguns formadores decidiram retribuir. Cansados de serem enxovalhados, juntam-se em pequenos grupos, atraem um aluno particularmente entusiasmado para um local esconso e enchem-no de pancada. Nesta fase do relato, interrompi a minha prima, que fui ouvindo com a mistura de deslumbre e de pavor que se dedica a um antropólogo recém-chegado de uma temporada no meio dos selvagens do Bornéu, sem ofensa para os selvagens do Bornéu. A diferença é que, no caso, o Bornéu fica no centro do Porto, num dos inúmeros altares à sabedoria erguidos pelo Eng.º Sócrates para, relembro, elevar o nível de qualificação dos jovens portugueses. É verdade que a selvajaria que constitui o quotidiano dos CEF não se restringe aos centros urbanos, e já na semana em curso um vídeo divulgado na Internet demonstra que a rapaziada de um determinado CEF de Castelo Branco pede meças aos seus colegas do Litoral em matéria de fúria destruidora. Será igualmente verdade que nem todos os CEF se resumem a campos de delinquência, e nem todas as turmas se resumem a criminosos. Mas é evidente que as excepções não redimem a regra: a regra é que prejudica, e toma escusadas, as excepções. O Governo, naturalmente, discorda e continua a exibir os CEF, as Novas Oportunidades e tralha afim como maravilhosos exemplos da "aposta" na "educação". É quase fascinante imaginar a cara de pau ou o sangue-frio necessários para se vender tamanha fraude a título de proeza. E fascina mesmo pensar que, longe de se esgotar na educação, a fraude percorre tudo, contamina tudo, arrasa tudo. Hoje, a fraude é o País."
Alberto Gonçalves, na revista "Sábado" do passado dia 21 de Outubro

domingo, 5 de dezembro de 2010

Mais uma verdade muito inconveniente

No passado Domingo, véspera do dia em que começou em Cancún mais uma cimeira da ONU sobre “alterações climáticas” (no caso, a décima sexta) o professor Luís Carlos Molion deu uma entrevista ao programa "Canal Livre", da TV “Band”, na qual, de forma clara (e pela sua simplicidade, julgo que compreensível, mesmo para quem não tem formação científica) expõe dois dos maiores mitos da actualidade “vendidos” sob a capa reluzente da “ciência”: o “aquecimento global” e o “buraco do ozono”.
Seguem as três partes da entrevista...
P.S. Não consegui impedir os vídeos de iniciarem automática e simultaneamente. Queiram, por isso, fazer o favor de carregar no botão de pausa e ver um de cada vez.
Apache, Dezembro de 2010

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

“Devem-me dinheiro”

“José Sócrates em 2001 prometeu que não ia aumentar os impostos. E aumentou. Deve-me dinheiro. António Mexia da EDP comprou uma sinecura para Manuel Pinho em Nova Iorque. Deve-me o dinheiro da sinecura de Pinho. E dos três milhões de bónus que recebeu. E da taxa da RTP na conta da luz. Deve-me a mim e a Francisco C. que perdeu este mês um dos quatro empregos de uma loja de ferragens na Ajuda onde eu ia e que fechou. E perderam-se quatro empregos. Por causa dos bónus de Mexia. E da sinecura de Pinho. E das taxas da RTP. Aníbal Cavaco Silva e a família devem-me dinheiro. Pelas acções da SLN que tiveram um lucro pago pelo BPN de 147,5 %. Num ano. Manuel Dias Loureiro deve-me dinheiro. Porque comprou por milhões coisas que desapareceram na SLN e o BPN pagou depois. E eu pago pelo BPN agora. Logo, eu pago as compras de Dias Loureiro. E pago pelos 147,5% das acções dos Silva. Cavaco Silva deve-me muito dinheiro. Por ter acabado com a minha frota pesqueira em Peniche e Sesimbra e Lagos e Tavira e Viana do Castelo. Antes, à noite, viam-se milhares de luzes de traineiras. Agora, no escuro, eu como a Pescanova que chega de Vigo. Por isso Cavaco deve-me mais robalos do que Godinho alguma vez deu a Vara. Deve-me por ter vendido a ponte que Salazar me deixou e que eu agora pago à Mota Engil. António Guterres deve-me dinheiro porque vendeu a EDP. E agora a EDP compra cursos em Nova Iorque para Manuel Pinho. E cobra a electricidade mais cara da Europa. Porque inclui a taxa da RTP para os ordenados e bónus da RTP. E para o bónus de Mexia. A PT deve-me dinheiro. Porque não paga impostos sobre tudo o que ganha. E eu pago. Eu e a D. Isabel que vive na Cova da Moura e limpa três escritórios pelo mínimo dos ordenados. E paga Impostos sobre tudo o que ganha. E ficou sem abonos de família. E a PT não paga os impostos que deve e tenta comprar a estação de TV que diz mal do Primeiro-ministro. Rui Pedro Soares da PT deve-me o dinheiro que usou para pagar a Figo o ménage com Sócrates nas eleições. E o que gastou a comprar a TVI. Mário Lino deve-me pelos lixos e robalos de Godinho. E pelo que pagou pelos estudos de aeroportos onde não se vai voar. E de comboios em que não se vai andar. E pelas pontes que projectou e que nunca ligarão nada. Teixeira dos Santos deve-me dinheiro porque em 2008 me disse que as contas do Estado estavam sãs. E estavam doentes. Muito. E não há cura para as contas deste Estado. Os jornalistas que têm casas da Câmara devem-me o dinheiro das rendas. E os arquitectos também. E os médicos e todos aqueles que deviam pagar rendas e prestações e vivem em casas da Câmara, devem-me dinheiro. Os que construíram dez estádios de futebol devem-me o custo de dez estádios de futebol. Os que não trabalham porque não querem e recebem subsídios porque querem, devem-me dinheiro. Devem-me tanto como os que não pagam renda de casa e deviam pagar. Jornalistas, médicos, economistas, advogados e arquitectos deviam ter vergonha na cara e pagar rendas de casa. Porque o resto do país paga. E eles não pagam. E não têm vergonha de me dever dinheiro. Nem eles nem Pedro Silva Pereira que deve dinheiro à natureza pela alteração da Zona de Protecção Especial de Alcochete. Porque o Freeport foi feito à custa de robalos e matou flamingos. E agora para pagar o que devem aos flamingos e ao país vão vendendo Portugal aos chineses. Mas eles não nos dão robalos suficientes apesar de nos termos esquecido de Tien Amen e da Birmânia e do Prémio Nobel e do Google censurado. Apesar de censurarmos, também, a manifestação da Amnistia, não nos dão robalos. Ensinam-nos a pescar dando-nos dinheiro a conta gotas para ir a uma loja chinesa comprar canas de pesca e isco de plástico e tentar a sorte com tainhas. À borda do Tejo. Mas pesca-se pouca tainha porque o Tejo vem sujo. De Alcochete. Por isso devem-me dinheiro. A mim e aos 600 mil que ficaram desempregados e aos 600 mil que ainda vão ficar sem trabalho. E à D. Isabel que vai a esta hora da noite ou do dia na limpeza de mais um escritório. Normalmente limpa três. E duas vezes por semana vai ao Banco Alimentar. E se está perto vai a um refeitório das Misericórdias. À Sexta come muito. Porque Sábado e Domingo estão fechados. E quando está doente vai para o centro de saúde às 4 da manhã. E limpa menos um escritório. E nessa altura ganha menos que o ordenado mínimo. Por isso devem-nos muito dinheiro. E não adianta contratar o Cobrador do Fraque. Eles não têm vergonha nenhuma. Vai ser preciso mais para pagarem. Muito mais. Já.”
Mário Crespo, na “Penthouse” de Dezembro

domingo, 28 de novembro de 2010

A excitação com a borracha

“É fascinante o zelo com que criaturas tão distantes do catolicismo quanto eu dissecam as afirmações do Papa. Fascina igualmente o modo como não as percebem. Há dias, Ratzinger repetiu, talvez com ligeiríssimas variações, a posição (sem trocadilhos) católica acerca do preservativo: não deve ser usado excepto em casos de risco de vida. Por mim, que não sou fanático do pechisbeque nem recebo comissão da Durex, está bem: as normas eclesiásticas não me dizem respeito. Estranhamente, dizem respeito a inúmeros ateus exaltados, que de repente desataram a opinar sobre o que tomaram por uma revolução no pensamento da Igreja. Ainda mais estranho é que a "revolução", mesmo ilusória, não os satisfez. Para uns, Ratzinger falou tarde e devia ser condenado (a quê?) por cada católico contaminado pelo VIH para aí desde 1982. Para outros, a "revolução" não basta. O que bastaria aos exaltados? É complicado discernir. Aparentemente, só ficarão consolados, se ficarem, quando o Papa defender o preservativo nas viagens de autocarro e metro (com mais de duas paragens), a sodomia (com segurança), a rotatividade de parceiros (idem), a adopção de crianças por casais homossexuais e a adopção de casais homossexuais por crianças, o suicídio assistido, o suicídio sem público e quando o Vaticano, em suma, não se distinguir daquelas dúzias de alminhas que, graças a um quotidiano ocioso, foram à Assembleia da República aplaudir o casamento gay. Convinha então apurar se essa associação folclórica ainda seria a Igreja e para que serviria uma Igreja assim. Provavelmente, para nada que a simpática e totalitária esquerda das "causas" já não faça, inchada com uma auto-importância que a concorrência católica apenas viria perturbar.”
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias” da passada segunda-feira

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Um brinquedo inconveniente

“Tinha, desde há anos, o capricho de comprar um medidor de dióxido de carbono (CO2) e por fim consegui-o. Pedi-o há um mês pela Internet, aos Estados Unidos, pagando previamente 230 dólares e mais uns 60 euros de direitos aduaneiros para conseguir que ele entrasse em Espanha, mas finalmente chegou-me às mãos. Olho-o, cuido-o e mostro-o aos amigos. Acima coloquei uma foto da engenhoca. Fico ingenuamente assombrado ao ver como dispara por aí acima quando, ao entrar no quarto, dele me aproximo. Detecta a minha presença num instante. Se ventilo o quarto, abrindo as janelas de par em par, assinala umas 450 partes por milhão (ppm), que é o mesmo que dizer 0,045% da mistura de gases que é o ar (constituído essencialmente por azoto e oxigénio). Mas quando entro na habitação, fecho a janela e sento-me a escrever estes disparates, começa a subir, várias partes por milhão por minuto e, rapidamente, assinala mais de 800 ppm. Eu já sabia que os humanos emitem muito CO2 (cada um, mais de 1 kg por dia) mas é agora que o vejo, ainda que ele seja um gás invisível. Lá fora, na atmosfera livre, a concentração média de CO2 no ar é de umas 390 ppm (oficialmente medidas no observatório de Mauna Loa, no Havai) e está a aumentar anualmente umas 2 ppm.”
Antonio Luís Silvestre de Uriarte, Geógrafo e Climatologista espanhol, autor do blogue “CO2” [Tradução minha]

terça-feira, 23 de novembro de 2010

‘Boys’ da estupidificação maciça

“A verdadeira revolução na educação"
“Se bem se lembram, em tempos de Maria de Lurdes Rodrigues [MLR], foi em especial Vital Moreira, mas não só, que falou muito numa verdadeira revolução que estaria a assolar a Educação em Portugal. Se por revolução entendermos um processo de demolição, sem que se perceba se o edifício a construir não é bem mais atroz do que o anterior, talvez ele tivesse razão. Só que MLR foi-se embora e houve quem dissesse que as suas reformas (ou revolução) estavam comprometidas e que tudo ia regredir para o que havia antes, que o Governo tinha cedido aos tenebrosos interesses dos conservadores e atávicos professores (visão partilhada por muita gente, com destaque para o MST [Miguel Sousa Tavares] mas não só…). O que não repararam é que permaneceram em posições estratégicas alguns dos vultos que, ainda mais do que MLR que durante muito tempo foi testa-de-ferro e só a meio do trajecto se começou a sentir imbuída de aura, de forma mais consistente corporizavam uma investida inédita contra um modelo de Escola que consideram conservadora, elitista e selectiva, para além de partilharem imensos preconceitos contra os professores, fruto de personalidades com especificidades que me vou coibir de caracterizar para não entrar em terreno traumático. Fiquemos assim: são pessoas que da classe docente têm uma visão muito marcada e distorcida pelos seus percursos pessoais, ao longo dos quais se instalou um desdém imenso pelo trabalho dos professores, a quem desejam cortar toda a autonomia e torná-los meros executores das suas brilhantes teorias de gabinete, recolhidas em leituras muito na moda nos anos 50, 60 e 70, com estertores nos anos 80 lá fora, mas que cá foram chegando com o atraso habitual de uma ou duas décadas. A dupla mais óbvia desta tendência no aparelho de Estado é aquela que eu designaria por Capucha-Lemos connection [Refere-se a Luís Capucha, o actual responsável máximo pela Agência Nacional para a Qualificação e a Valter Lemos, Secretário de Estado da Educação, no anterior governo de Sócrates e actual Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional] e que, fugindo à esfera mais restrita da tutela da Educação, conseguiu, com um pé dentro e outro fora do ME, criar um feudo com um poder imenso que se prepara para continuar, verdadeiramente, a revolucionar os percursos escolares dos portugueses, construindo sucesso a todo o custo, mesmo que seja cilindrando tudo o que se lhes oponha. Apesar de não cumpridas as metas certificadoras das Novas Oportunidades [NO], Capucha & Lemos decidiram que os desempregados, se querem continuar a receber o cada vez mais curto e escasso subsídio, devem inscrever-se obrigatoriamente nas NO e serem formandos, fazer um portefólio e contar a sua história de vida, para ganharem uma certificação, para engordar estatísticas e ao mesmo tempo auxiliarem ao estender do poder da ANQ em matéria de Educação/Formação. O que se está a passar é a contaminação completa do Ensino Secundário pelo espírito NO, depois do Básico ter sido modelado à imagem das teorias do direito ao sucesso que Lemos debitou desde o início dos anos 90, na altura a partir do IIE [Instituto de Inovação Educacional] e que Capucha abraçou como sendo o mecanismo ideal para um teórico nivelamento social, que nega ser pela bitola baixa, que nenhum estudo comprova ter funcionado como fomentador de qualquer mobilidade socioprofissional. Mas tudo está a pleno vapor. Aos milhões de pretendidos certificados, juntam-se agora mais umas centenas de milhar de novos formandos, recrutados de forma compulsiva nos centros do IEFP [Instituto do Emprego e Formação Profissional]. A isto vão chamando um processo inédito de qualificação da população portuguesa. Perante isto, o ME [Ministério da Educação] parece uma simples Secretaria de Estado sem qualquer capacidade comparável aos domínios de Luís Capucha, o homem que anuncia que os professores têm demasiadas horas de redução e que isso não pode continuar, como se fosse ele o califa em vez da califa. Embora o negue, a aliança com Lemos é objectiva e evidente. Ambos querem transformar o sistema educativo público numa imensa rede de certificação, com 110% de sucesso garantido à nascença. Movendo-se numa pouco discreta sombra, num claro-escuro que não oculta a vaidade e presunção, a Capucha-Lemos connection constitui-se como o verdadeiro soviete revolucionário da Educação Nacional. Temei… porque esta é uma forma de terror educacional… em tons rosa…”
Paulo Guinote, professor, editor do blogue “A educação do meu umbigo”

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

"Wind of Change" - Scorpions

Ao vivo, com a Orquestra Filarmónica de Berlim.

Apache, Novembro de 2010

sábado, 20 de novembro de 2010

Olívia costureira versus Olívia patroa (2)

«O ministro das Finanças sempre foi homem de vibrantes debates consigo mesmo. Até agora, porém, permitia-nos, e permitia-se, respirar. Se num ano o Dr. Teixeira dos Santos assegurava a portentosa saúde das contas públicas, só no ano seguinte se resignava à respectiva derrocada. Se num mês garantia que o défice nem chegaria aos 6%, só no mês seguinte aparecia a reconhecer que afinal a coisa rondava os 9%. Se numa semana jurava a impossibilidade de reduzir a despesa, só na semana seguinte admitia cortar aqui e ali. Agora, o homem deu em contradizer-se ao fim de poucas horas. De manhã surge no ‘Financial Times’ a confessar que o "risco" de Portugal recorrer à ajuda internacional é "elevado". De tarde, aparece na agência Reuters a proclamar que o recurso à ajuda internacional "não está iminente" e que não passa de "rumores e especulação". O tique mantém-se suportável porque, por enquanto, o Dr. Teixeira dos Santos reserva um período, mínimo que seja, entre uma afirmação e o seu reverso. Mas nada o impede de, a breve prazo, desatar pura e simplesmente a discutir sozinho em tempo real. Por este andar, não faltará muito para que o vejamos, em conferência de imprensa, a contestar as frases que proferiu dois segundos antes: "É forçoso reconhecer que o pior da crise ainda não chegou." "Não chegou? Claro que chegou. A recuperação económica já é um facto." "Não é, não senhor!" "Ai, isso é que é." "V. Exa. chamou-me mentiroso?" Etc. Talvez tudo não passe de uma estratégia deliberada para confundir os investidores estrangeiros, embora não se perceba exactamente a quem serve a confusão: de cada vez que o Dr. Teixeira dos Santos abre a boca, os juros da dívida sobem uns pontinhos e a famosa "credibilidade" pátria arranja maneira de se afundar mais um bocado. Outra possibilidade é ser o próprio Dr. Teixeira dos Santos a andar confuso, hipótese que ele decerto negará com veemência. E confirmará logo depois.»
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias” da passada quinta-feira

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

"Desqualificar Portugal"

“(…) Aos que nelas militam, as Novas Oportunidades servirão imensos fins: arejar, conviver, assegurar subsídios e, por literal inércia, arranjar um papel que lhes atribui um determinado grau de instrução. Só passaria pela cabeça de um demagogo ou de um maluco sugerir que aquilo qualifica alguém, excepto a insultar e agredir os pobres formadores que, graças aos azares da vida, lá foram parar. (…)”
Alberto Gonçalves, no "Diário de Notícias" do passado Sábado

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Ingénuos ou brincalhões?

Lia-se no “Jornal de Notícias” de ontem que Timor-Leste, pela voz do seu Presidente (Ramos Horta), se manifestou disponível para comprar títulos da dívida pública portuguesa. Convinha avisar o senhor Ramos Horta que não compra dívida pública portuguesa quem quer, apenas quem pode. Com juros a mais de 7%, a nossa dívida torna-se muito apetecível para os investidores, o que leva a que a procura seja sempre muito superior à oferta. Mais abaixo (na notícia) lia-se que tal acção visa a diversificação da carteira de investimentos do “Fundo do Petróleo” que, segundo o jornal tem mais de 6 mil milhões de dólares. Percebemos então o ridículo da notícia. Timor-Leste apresenta um Produto Interno Bruto (PIB) de 2,74 mil milhões de dólares, pelo que, não pode ter um Fundo de 6 mil milhões (a que corresponderia o PIB de mais de dois anos). Por outro lado, convém lembrar que a dívida pública nacional ascende (dados de 2009) a mais de 185 mil milhões de dólares (68 vezes o PIB timorense), pelo que, mesmo que Timor-Leste tivesse um Fundo do Petróleo tão “gordinho” como o anunciado, ainda assim, não iria longe na aquisição de títulos da dívida pública portuguesa.
Apache, Novembro de 2010

domingo, 14 de novembro de 2010

“O novo mantra ecologista”

“Foi apenas há um ano, mas as imagens das tribos ecologistas ansiando pelo acordo de Copenhaga que (ele e só ele) salvaria o mundo (deles e só deles) parecem agora polaróides de um mundo extinto. Algumas estatísticas ilustram a atenuação do fascínio exercido pelo milenarismo ecologista sobre a opinião pública ocidental, uma consequência do escândalo Climategate, que expôs o enviesamento ideológico imposto aos estudos climáticos: nos EUA, um estudo do German Marshall Fund sugere que apenas 6% consideram as alterações climáticas uma prioridade política; no Reino Unido um inquérito da BBC efectuado em Fevereiro revelou que apenas 26% acreditam na tese antropogénica, contra 41% três meses antes. Se o ‘slogan' climático perde eficácia, mude-se de ‘slogan': eis que rebenta a berraria das ameaças à "biodiversidade", mesmo a tempo da conferência de Nagoya, um interlúdio entre Copenhaga e a próxima cimeira de Cancún. Quem pretender levar a sério a sugestão de um "apocalipse da biodiversidade" necessitará de duas informações elementares: qual o número total das espécies existentes e qual o ritmo de extinção? A Wikipédia propõe as seguintes respostas: desconhece-se o total de espécies existentes, mas sabe-se que estão a desaparecer a um ritmo "sem precedentes". Ora a validade da segunda asserção, cuja fonte indicada é um artigo do The Guardian, depende crucialmente do total das espécies existentes, mas a incerteza sobre este valor é tão grande que é impossível aferir a validade das estimativas dos estudos amostrais. Considerando as estimativas mais baixas para o total de espécies -as mais favoráveis ao cenário apocalíptico- o prof. Philip Stott calculou uma taxa de extinção de 0,006% a cada 50 anos desde 1600, o que está muito longe dos valores alarmistas publicados por jornais panfletários como o The Guardian. Este é apenas um exemplo da perversão da Wikipédia por activistas, utilizando a edição "aberta" para convertê-la num poderoso instrumento de propaganda global. Recentemente os mediadores da enciclopédia impediram William Connolley de aceder aos conteúdos: Connolley, um missionário do milenarismo ecologista, usava os privilégios de administrador para eliminar os contributos contrários à ortodoxia ideológica que pretendia passar por ciência. Este autoritarismo ecologista é, no essencial, semelhante ao autoritarismo fascista: se no fascismo a autoridade prescritiva da conduta política advém do carisma do líder, no ecologismo ela resulta da fé messiânica na revelação da salvação ambiental. Em ambos os casos, a autoridade funciona como uma injunção ético-política à qual todos se devem submeter. Tal como no fascismo, os ecologistas não admitem contestação racional às suas posições. A discussão, assente nos pressupostos da racionalidade científica ou no carácter prático do confronto ideológico, não é só desnecessária - é contraproducente, porque retarda a acção política "urgente". Daí a irrelevância política das "alterações climáticas" ou da "biodiversidade": são apenas pretextos para a concentração de poder em organizações inimputáveis e para a legitimação de um vasto programa extorsionário posto em marcha por uma coligação de ideólogos, académicos e burocratas. Aliás, sem menosprezar o batráquio multicolor que ilustrou diversas "notícias" recentes sobre as ameaças à biodiversidade, a espécie que esta coligação ameaça de extinção é o homem livre ocidental, para quem a governação era a arte da contingência e não a imposição de um plano político que nega a autonomia moral e reduz todos à condição de bichos.”
Fernando Gabriel, investigador universitário, no “Diário Económico” do passado dia 3

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

“A propaganda”

“(…) Não foi por acaso que o Sistema, através de Governos de cariz diverso, instalou a mediocratização e a massificação oca no sistema educativo, bem como instalou limites rígidos de opinião na comunicação social, aqui estabelecendo quase como que um «pensamento único» em termos de Valores e anulando qualquer contraditório forte quanto à estrutura constitucional do País. Tiro o chapéu à maneira aglutinante como a Situação soube urdir as coisas e, assim, acautelar firmemente os «interesses» que titula. Desde logo percebeu que um Povo, mal preparado e mal informado, é muito mais fácil de manipular através dos potentíssimos meios de propaganda de que dispõe. Pode é não ter percebido uma coisa. É que não há sistemas políticos eternos, muito mais quando, apesar de tudo, um Povo ainda tem apetência pela Democracia e, a partir de certo ponto, não aceita mais que Lhe piorem a vida e Lhe roubem Direitos legítimos. Por muito armadilhado que esteja um sistema político, a partir de certo momento de degradação as rupturas são inevitáveis. E são tanto mais inevitáveis, quanto mais o sistema estiver rígida, estática e esclerosadamente armadilhado, e o Povo perceber que é enganado.(…)”
Alberto João Jardim, em artigo de opinião, no jornal “o Diabo”

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Do “Magalhães” ao automóvel

“Em entrevista ao Jornal de Negócios, o antigo deputado socialista Henrique Neto afirmou que a direcção do PS "é uma máfia com experiência na maçonaria", que o Governo favorece a corrupção, que o primeiro-ministro está "no topo da pirâmide dos que dão cabo disto" e que é "um aldrabão" e "um vendedor de automóveis". Como é possível que tais declarações tenham beneficiado da mais completa impunidade? Confesso-me sobretudo chocado face à ausência de um protesto formal dos vendedores de automóveis.”
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias”

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

“Ao Salvamento! Mercados e crianças, primeiro.”

“A entrevista que Cavaco Silva deu esta semana ao Expresso é a todos os títulos, surpreendente. Em primeiro lugar, é surpreendente que tenha sido Cavaco a dá-la, em vez de Marcelo Rebelo de Sousa. Pessoalmente, prefiro saber pela boca do professor Marcelo aquilo que o Presidente da República pensa e faz. Como se viu no caso do anúncio da candidatura à presidência, o professor Marcelo é mais rápido, mais claro e mais sucinto do que Cavaco a fornecer informações sobre Cavaco. Percebe-se mal, por isso, a opção do Expresso: entrevistar Cavaco Silva quando se quer saber a opinião de Cavaco Silva é, simplesmente, mau jornalismo. No entanto, há que admitir que o Presidente se esforçou por falar de si mesmo como Marcelo Rebelo de Sousa falaria: com aquele tipo de elogios que amesquinham. Disse Cavaco: "Sou o único Presidente que não dissolveu a assembleia, pois prezo a estabilidade." Ou seja, Cavaco dirigiu a si mesmo um louvor que parece mesmo uma injúria. Qual dos leitores está grato ao Presidente pela soberba estabilidade em que vive? Imagino o elevadíssimo número de portugueses que estão em casa a pensar: "Bom, acabo de ficar desempregado e, tendo em conta o brutal aumento do custo de vida, o subsídio não me chega para sustentar a família. Mas sempre fico com mais tempo para apreciar esta magnífica estabilidade que o Sr. Presidente da República me tem proporcionado." No fundo, gabar-se de ser o único que não dissolveu a assembleia equivale a dizer: "Reparem que eu não fiz nada. Escusam de agradecer." Marcelo não teria sido mais perverso. De resto, Cavaco Silva partilha as preocupações de toda a gente que não vai sentir na pele os efeitos da nova política de austeridade: é importante que o PSD viabilize rapidamente o orçamento, para que o orçamento possa começar a inviabilizar a nossa vida. Ainda sou do tempo em que os orçamentos tinham por objectivo facilitar a vida dos cidadãos. Agora, trata-se de facilitar a vida a essa entidade misteriosa que se chama "os mercados". Antigamente, os eleitores votavam nos seus representantes e estes, em retribuição, definiam um orçamento que servisse as aspirações dos eleitores. Agora, há que agradar aos mercados, o que torna o trabalho dos deputados mais complexo, até porque os mercados são mais exigentes que os eleitores. E mais poderosos. Os mercados são uma espécie de bicho feroz cujo aspecto ninguém conhece ao certo. A única coisa que sabemos acerca dos mercados é que levam a mal se os portugueses não passarem a pagar mais pelo leite. E sabemos também que são uma entidade colectiva, o que assusta mais. Não temos de agradar apenas a um mercado, mas sim a uma pluralidade de mercados. Os mercados atacam em grupo, como os gangues. Mas são menos meigos e levam-nos mais dinheiro.”
Ricardo Araújo Pereira, na “Visão” da passada quinta-feira

domingo, 7 de novembro de 2010

From Russia with love

«Medidas draconianas foram tomadas, esta semana, em Portugal pelo Governo “Socialista” (apenas no nome) de José Sócrates, É mais um caso de um Governo de direita/centro-direita, a pedir aos portugueses para fazer sacrifícios, um apelo repetido vezes sem conta a uma nação trabalhadora e há muito sofredora, que aos poucos se vai afundando no pântano da miséria. E não se pense que é por eles serem portugueses. Vá ao Luxemburgo, que lidera todos os indicadores socioeconómicos, e verificará que doze por cento da população é portuguesa, gente que construiu um Império que se estendeu por quatro continentes e que controlou a linha de costa desde Ceuta, no Atlântico, por aí abaixo, contornando o Cabo da Boa Esperança, a costa Este de África, no Oceano Índico, o Mar Arábico, o Golfo Pérsico, a costa Ocidental da Índia e o Sri Lanka. Esta semana, o Primeiro-Ministro Sócrates lançou mais uma onda de pacotes de austeridade, cortando salários e aumentando o IVA, mais medidas cosméticas tomadas em ambiente de laboratório político, por académicos arrogantes desprovidos de qualquer contacto com o mundo real, que encontram suporte na elite política portuguesa do PSD/PS, arre-burrinhos da política que têm atormentado o país desde a Revolução de Abril de 1974. O objectivo? Reduzir o défice. Porquê? Porque a União Europeia assim o diz. Mas é só a União Europeia? Não, não é. O maravilhoso sistema para dentro do qual a União Europeia se deixou sugar é aquele em que as ’Agências de Rating’: Fitch, Moody’s e Standard and Poor´s, sedeadas nos Estados Unidos (onde haveria de ser?) controlam virtual e fisicamente as políticas fiscais e económicas dos estados membros da União, através da atribuição de notações de crédito. Com amigos como Bruxelas e estas agências, quem é que precisa de inimigos? Sejamos honestos, a União Europeia é o resultado de um pacto forjado por uma França amedrontada por uma terrífica Alemanha, depois das tropas desta terem marchado pelo seu território três vezes em setenta anos, tomando Paris com relativa facilidade, não uma mas duas vezes e, por uma Alemanha astuta e ansiosa por se reinventar após os anos de pesadelo com Hitler. A França tem a agricultura, a Alemanha tem os mercados para a sua indústria. E Portugal? Olhem para as marcas dos carros novos (que parecem ser imunes a cortes) conduzidos por motoristas particulares, transportando exércitos de assessores, e observem de que país eles vêm. Não, não são Peugeot, Citroen ou Renault. São Mercedes e BMW. Topo de gama, claro. Os sucessivos Governos, formados pelos dois principais partidos, PSD (Sociais Democratas de direita) e PS (Socialistas de centro-direita) têm sistematicamente mandado os interesses de Portugal pelo esgoto abaixo, destruindo a sua agricultura (há agricultores portugueses que são pagos para não produzirem), indústria (que desapareceu) e pescas (com arrastões espanhóis a pescar em águas portuguesas), em troca de quê? O que é que as contrapartidas negociadas renderam, para além da total aniquilação de qualquer possibilidade de criação de emprego e riqueza numa base sustentável? Aníbal Cavaco Silva, agora Presidente, anteriormente Primeiro-Ministro durante uma década, entre 1985 e 1995, anos em que milhares de milhões em fundos estruturais e de desenvolvimento, da União Europeia, foram postos nas suas mãos, é um excelente exemplo de um dos melhores políticos portugueses. Eleito fundamentalmente por ser considerado “sério” e “honesto” (em terra de cegos quem tem um olho é Rei), como se isso fossem razões suficientes para eleger um líder (em Portugal são) e, como se a maioria dos restantes políticos fossem um monte de sanguessugas inúteis e parasitas (que na realidade são), ele é o pai do défice português e o campeão dos gastos públicos. A sua “política do betão” foi bem concebida, mas como habitualmente mal planeada, resultado de um inapto, descoordenado e por vezes inexistente, departamento de planeamento do território, vergado, como é habitual, a interesses que sugam o país e o seu povo. Grande parte dos fundos europeus foi canalizada para a construção de pontes e auto-estradas para abrir o país, facilitando o transporte interno e permitindo a construção de parque industriais em cidades do interior, para atrair populações costeiras (onde uma larga maioria actualmente reside) de volta às origens. O que se verificou, porém, foi que as pessoas passaram a ter meios para continuar a fugir do interior e chegar ainda mais depressa à costa. Os parques industriais nunca se preencheram totalmente e as indústrias que se ergueram, em muitos casos já fecharam. Uma larga percentagem do dinheiro dos contribuintes europeus vaporizou-se em esquemas e empresas fantasma. Foram comprados Ferraris. Foram organizadas caçadas ao javali, em Espanha. Foram remodeladas casas particulares. E o Governo de Cavaco Silva, no seu primeiro mandato, ficou sentado na retaguarda, a observar, enquanto o dinheiro era desperdiçado. No segundo mandato, Aníbal Cavaco Silva ficou na sombra a presenciar o descontrolo do seu próprio Governo. Mais tarde tentou desesperadamente distanciar-se do seu próprio partido. E ele é um dos melhores. Depois de Cavaco Silva veio o bem-intencionado e humanitário António Guterres (PS), um excelente Alto-Comissário para os Refugiados e candidato perfeito a Secretário-Geral das Nações Unidas, mas um autêntico buraco negro em termos de gestão financeira. Foi seguido pelo excelente diplomata mas abominável Primeiro-Ministro, José Barroso (PSD), (agora Presidente da Comissão Europeia) que com os seus discursos criou mais problemas que aqueles que resolveu, passando a batata quente a Pedro Santana Lopes que, basicamente, nunca teve oportunidade de governar, daí resultando dois mandatos sinistros, oh horror dos horrores, de José Sócrates, um competente Ministro do Ambiente, mas… As medidas de austeridade apresentadas por este… cavalheiro… são o resultado da sua inaptidão como Primeiro-Ministro na fulgurante última crise mundial do capitalismo (aquela em que os líderes mundiais apareceram, de um dia para o outro, com três biliões de dólares para salvar banqueiros irresponsáveis, enquanto nada era feito para pagar pensões, cuidados de saúde ou educação, decentes). E tal como os seus antecessores, José Sócrates demonstra uma ausência de inteligência emocional, ao permitir que os seus ministros implementem e apliquem políticas de laboratório que já se revelaram ser contra-producentes. Este jornal entrevistou 100 funcionários públicos cujos salários vão ser reduzidos. Aqui vão os resultados: 94 pessoas escolheram a opção: “eles vão cortar o meu salário em 5%, por isso, vou trabalhar menos”; 5 funcionários optaram por: “eles vão cortar o meu salário em 5%, por isso, vou tentar aposentar-me mais cedo, mudar de emprego ou sair do país”; 1 entrevistado escolheu a opção: “concordo com este sacrifício”. Um por cento. Quanto ao aumento de impostos, a primeira reacção será a da economia se encolher ainda mais à medida que as pessoas fazem pequenas reduções no consumo, que multiplicadas por dez milhões de portugueses afectarão o emprego e empurrarão a economia de volta à recessão. O idiota, avançado mental, que sonhou com estes esquemas prevê resultados num pedaço de papel, de onde eles nunca irão sair. É verdade que estas medidas são um sinal claro, dado às agências de rating, de que o Governo está disposto a tomar medidas fortes, mas à custa, como sempre, do povo português. (…)»
Timothy Bancroft-Hinchey, na versão em língua inglesa, do "Pravda" [Tradução minha]

sábado, 6 de novembro de 2010

Como disse?

Guilherme da Fonseca, ex-conselheiro do Tribunal Constitucional e antigo dirigente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, citado pelo jornal Público, de hoje, terá afirmado que não há inconstitucionalidade na redução salarial dos funcionários públicos, isso só aconteceria se a medida pusesse em causa a sobrevivência das pessoas. Quero acreditar que o senhor juiz-conselheiro está de boa saúde mental e foi mal citado pelo jornal Público, pois caso o não tivesse sido, teria de sugerir ao Senhor Teixeira que o senhor Guilherme passasse a receber do Estado apenas o valor equivalente à pensão mínima de sobrevivência, afinal é de sobrevivência que estamos a falar. Ou não?
Apache, Novembro de 2010

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Notícias do hospício (2)

Foi aprovado na generalidade, na passada quarta-feira, com os votos favoráveis do PS e a abstenção da sua filial PS(D), o Orçamento de Estado para 2011. O país imaginário já pode respirar fundo e dormir descansado, o Estado (ou melhor, o Governo em seu nome) vai deixar de cumprir, de forma unilateral, os contratos de trabalho estabelecidos com os seus empregados (comummente designados por funcionários públicos), nomeadamente reduzindo-lhes o vencimento (assim o permitam os potenciais míopes do Palácio Ratton) mas impondo que estes (os trabalhadores) cumpram as suas obrigações contratuais. Os ministérios da Educação e da Saúde sofrerão cortes avultados. Simultaneamente, o Estado continuará a esbanjar fortunas em publicidade, viaturas de luxo, ‘gadgets’ informáticos e despesas de representação astronómicas; quer de governantes, quer de gestores de empresas públicas que continuarão a ser pagos principescamente. O Estado manterá também em funcionamento milhares de institutos públicos e parcerias público-privadas que garantam o sumiço de incontáveis milhões e mantenham o emprego a inúmeros burocratas e homens de mão do partido e da filial. As obras públicas, megalómanas e desnecessárias, continuarão planeadas. Se a incompetência dos gestores levar algum banco privado à falência, pode também descansar o dito país, o Estado continuará empenhado em esbanjar milhares de milhões para o “salvar”. Podem sossegar os economistas e demais papagaios do regime, que proliferam nos órgãos de comunicação social, o Orçamento de Estado está aprovado, o Governo pode continuar a contrair dívidas colossais junto da banca internacional e a hipotecar, ainda mais, o futuro do país. As pequenas e médias empresas nacionais continuarão a acelerar rumo ao abismo, assim o garante a recessão que: os cortes salariais, o aumento de impostos e das contribuições para a Segurança Social e, a perda de apoios sociais, determinados por este orçamento, impõe. Com o beneplácito dos dois maiores partidos nacionais, o país prosseguirá em 2011 o caminho do retrocesso civilizacional que os últimos governos lhe impuseram. Exultemos sofregamente. Como diria um licenciado domingueiro por uma qualquer universidade independente: “tudo está bem quando acaba mal”. Nada de novo, aqui, “debaixo” do Sol.
Apache, Novembro de 2010

domingo, 31 de outubro de 2010

Light side

Há sorrisos, olhares, cumplicidades que, mesmo sendo breves, dão mais sentido à noção de eternidade.
Apache, Outubro de 2010

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

E não podemos extingui-los?

«Em época de proclamado aperto nas contas públicas, a reacção de quem de direito é a esperada: espatifar as contas públicas tanto quanto possível. Pela parte que lhe toca, a administração local subiu o endividamento em 23% (dados de 2009), façanha que o Dr. Fernando Ruas garante não só não ser "preocupante" como totalmente legal e "um acto de gestão igual a outro qualquer". Por acaso, salvo raríssimas excepções, não há memória de "actos de gestão" autárquicos, legais ou ilegais, que conduzam à diminuição do défice. Mas esse peculiar estilo de restrição orçamental não é exclusivo dos chefes paroquiais. No Estado em geral, a despesa subiu 2% nos primeiros nove meses do ano, se comparada a idêntico período do ano passado. O ministro das Finanças explicou que isso é bom, já que o crescimento homólogo entre Janeiro e Setembro foi menor do que o crescimento homólogo registado entre Janeiro e Julho. Em português: o descontrolo continua, mas é um pedacinho menor do que chegou a ser. Como se consegue? Como consegue manter-se, com relativo crédito, um discurso de austeridade e uma prática exactamente oposta? Não é fácil. Ou se calhar até é. Primeiro, precisa-se de talento, o peculiar tipo de talento que ergue os governantes indígenas aos lugares que merecidamente ocupam. Depois basta uma parcela significativa do eleitorado pronta a acreditar nas mais extravagantes patranhas. Veja-se, a propósito do Orçamento, o exemplo dos organismos estatais. A proposta do PS prevê a extinção de 50 entidades do género e os devotos aplaudem o empenho do Governo na causa da poupança. Não importa que os 50 referidos abrigos das clientelas constituam uma fracção microscópica das incontáveis fundações, institutos, serviços, agências, empresas municipais e tortumelos similares. Nem importa que a supressão de umas siglas se limite a transferir as clientelas de um gabinete para o gabinete ao lado. Sobretudo não importa que alguns dos organismos a encerrar em 2011 nem sequer existam ou, de acordo com decretos anteriores, não devessem existir. A história saiu aqui no DN, que detectou, por alto, nove divertidos casos assim. Um deles é o dos Serviços Sociais do Ministério da Justiça, teoricamente abolidos em 2008. Outro é o do Hospital Condes de Castro Guimarães, fechado desde Fevereiro. Outro ainda é o do Observatório das Políticas Locais da Educação, que supostamente deixou de observar durante o corrente ano. O meu preferido é a Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental (?), infelizmente falecida em Maio passado. Isto apenas dá razão aos que criticam o Governo por ter sido pouco ambicioso nos cortes. Se o objectivo era acabar com instituições imaginárias ou extintas, não custava nada anunciar o fim de cinco mil em vez de 50, incluindo a Mocidade Portuguesa, a Liga de Amigos da URSS e o Centro de Contemplação Aplicada das Lontras do Baixo Vouga (CCALBV). O País ficaria rendido a tamanho exercício de contenção, e o PS saltaria nas sondagens dos 35% para os 45%. No mínimo.»
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias”

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Notícias do hospício

Num país onde o Governo enterrou, há (apenas) alguns meses, largos milhares de milhões de euros em dois bancos falidos (BPN e BPP); num país onde uma agência governamental (ANQ) gasta dezenas de milhões de euros a certificar com o 12.º ano, analfabetos funcionais; num país onde as escolas secundárias estão a ser dadas (sob o pretexto de precisarem de obras de recuperação) a uma empresa maioritariamente privada (a Parque Escolar), onde o Governo investiu alguns milhares de milhões de euros em obras, em vários casos desnecessárias; num país onde nos últimos anos largas dezenas de milhões de euros foram gastas a distribuir computadores portáteis, a crianças de seis anos que não sabem ler nem escrever; num país em que o Primeiro-Ministro gasta, anualmente, 63 mil euros em flores e mais de 220 mil euros em telemóvel; os dois principais partidos políticos concordam que o Governo roube (via Orçamento de Estado) entre 3,5 a 10% no vencimento dos funcionários públicos (que estão entre os mais mal pagos da União Europeia) e corte brutalmente as despesas (também elas das mais baixas da Europa) com o “estado social” (nomeadamente abonos de família) apesar de sermos um dos países europeus com maior percentagem de pobres. Este é o mesmo Governo que (com o beneplácito do maior partido da oposição) permite que os seus paus-mandados beneficiem de mordomias obscenas, em empresas de capitais públicos ou mistos (públicos/privados) como por exemplo (e muitos mais haveria): Ascenso Simões (administrador da ERSE) que aufere mais de 188 mil euros (anuais), além de carro de serviço; Filipe Baptista (administrador da ANACOM) que recebe mais de 198 mil euros (por ano) além de viatura de serviço; ou, o caso mais flagrante, Fernando Gomes (administrador da GALP) que leva (anualmente) para casa, 529 mil euros de vencimento, acrescidos de prémios, Planos de Poupança Reforma e subsídios de renda de casa e de deslocação. O problema deste país já não se limita à nudez do rei. O problema é que a corte é maioritariamente constituída por alucinados, liderados por verdadeiros inimputáveis.
Apache, Outubro de 2010

domingo, 24 de outubro de 2010

“I love you música portuguesa”

«Temo não saber inglês suficiente para compreender a música portuguesa. Não quero parecer velho, mas ainda sou do tempo em que a música portuguesa era cantada em português. Lembro-me bem dessa altura em que um aspirante a cantor conseguia pegar numa guitarra sem começar a verter as suas canções para uma língua que os turistas entendessem. Era estranho, claro. Gente portuguesa a exprimir-se em português sempre me fez confusão. Trata-se de um idioma bastante limitado, que restringe as possibilidades de expressão dos seus falantes, e portanto não admira que haja quem se veja forçado a recorrer à língua inglesa quando se trata de transmitir pensamentos realmente sofisticados, tais como "I love you, baby", "Please forgive me, baby", "Don't break my heart, baby" ou "Yeah, baby, you are my baby". Não posso, no entanto, deixar de notar que ainda há um longo caminho para percorrer. Neste momento, os artistas portugueses que cantam em inglês ainda estão condenados a dar entrevistas em português. Como é evidente, fazem falta jornais portugueses escritos em língua inglesa - ou, pelo menos, jornais portugueses que, embora fazendo perguntas em português (se querem mesmo insistir nesse capricho), permitam que as respostas possam ser dadas em inglês. Caso contrário, prosseguirá esta violência desumana que consiste em forçar cidadãos a exprimirem-se na sua própria língua. Creio que há um ou dois artigos na Declaração Universal dos Direitos Humanos que censuram essa prática. Felizmente, nem tudo joga contra os músicos portugueses que cantam em inglês. Por coincidência, a língua na qual eles se sentem mais à vontade é falada internacionalmente. Isso pode evitar-lhes embaraços parecidos com os que sempre afligiram os músicos portugueses com mais projecção lá fora. Todos nos lembramos dos concertos da Amália, sistematicamente interrompidos por espectadores que diziam: "Amália, what are you doing? Please sing in english! We don't understand you!" Para não falar do caso dos Madredeus, obrigados a tornar as suas letras mais acessíveis ao público estrangeiro ("À porta, I love you baby, daquela igreja, I miss you baby, vai um grande corrupio"). O meu único receio é que este desamor à língua portuguesa, e a ideia de que ela pode prejudicar o nosso ofício, tenham deflagrado no mundo da música e se propaguem a outras profissões. Que, por exemplo, um número considerável de canalizadores decida passar a consertar torneiras em inglês, para facilitar uma eventual carreira internacional, ou apenas porque tem mais estilo. "Let me unclog your toilet baby!" Enfim, não é o tipo de conversa que gostaria de ter com um canalizador. Embora reconheça que a frase talvez desse uma excelente música portuguesa.»
Ricardo Araújo Pereira, na “Visão” da passada quinta-feira

terça-feira, 19 de outubro de 2010

As patuscadas dos ‘boys’ patuscos

«Uma coisa é a miséria, outra coisa é o miserabilismo. Durante uma semana, o "portal" governamental Base rivalizou em visitantes com as mais populares páginas eróticas. Obviamente, não foi por exibir os membros do Executivo em pelota. O que aparecia despido no Base eram os gastos das entidades públicas em eventos "oficiais", o tipo de informação que excita jornalistas, "bloggers" impertinentes, políticos da oposição e anónimos ressentidos. O sucesso do Base, entretanto rasurado a bem do pudor, é igualmente o reflexo do nosso provincianismo ou de uma "visão simplória", para usar a expressão de um vulto do governo regional dos Açores, que consumiu (o governo, não o vulto) 196 mil euros em festa com bar aberto numa discoteca de Lisboa. O facto de se encontrar na penúria não implica que o Estado desça à indignidade. Uma farra com bebidas a expensas de cada um não seria uma farra, mas uma manifestação de sovinice e uma vergonha. E o mesmo acontece com os restantes "excessos" que despertam os queixumes de certa plebe. A plebe considera excessivo que, por exemplo, a Autoridade Nacional de Comunicações invista 150 mil euros no seu 20.º aniversário, embora não explique como é possível cantar-se decentemente o Parabéns a Você sem convites requintados (12 mil euros), uma organização capaz (60 mil euros), um espaço decente (75 mil euros) e um vídeo encomendado às irreverentes Produções Fictícias (8 mil euros). A plebe também não explica como se realiza o importantíssimo espectáculo que consagrou as Maravilhas Naturais de Portugal por menos de 1,55 milhões de euros. Talvez o principal alvo da referida visão simplória tenha sido a celebração dos 160 anos da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos. Condenar uma instituição assim vetusta por, entre diversos e essenciais festejos (220 mil euros), se aliviar de meros 73 mil euros num repasto (fora deslocações e estadias dos comensais) é demagogia barata. Tão barata quanto o repasto, o qual, segundo li, juntou 900 pessoas. A aritmética básica prova que o jantar saiu pela ninharia de 81 euros e uns trocos por cabeça. E que, dividida pelos milhões de contribuintes que a DGCI delicadamente serve, a conta não pesou a ninguém. É tempo de dizer basta. Aos resmungos e às invejas, claro. Se começarmos a vasculhar o sector público e a questionar a legitimidade de simples patuscadas, acabaremos a questionar os aumentos de salários a gestores exímios, as nomeações repentinas de excelentes assessores e compinchas para cargos de chefia, o endividamento das esforçadas autarquias, as honradas empresas municipais, as frotas automóveis e até os 63 mil euros de arranjos florais de que o primeiro-ministro, compreensivelmente, não abdica. Por outras palavras, acabaremos a questionar a essência do Estado. É o velho problema da mudança de mentalidades. Não chega que os portugueses comuns aceitem um Orçamento de rigor unilateral e se sacrifiquem pelos seus representantes: é fundamental que, um belo dia, o façam com gosto ou, no jargão corrente, com sentido de responsabilidade. Quando esse dia vier, haverá motivo para comemorações e, suspeito, farta jantarada, com serviço de "catering", lista restrita e despesa não. O Estado somos todos, ainda que apenas alguns se divirtam.»
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias”

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Carteiristas hiperactivos

Apache, Outubro de 2010

Para que quer um palhaço quando pode ter um gatuno?

«O povo brasileiro foi às urnas e elegeu um palhaço para o Parlamento. "Que sorte. Só um?", pergunta o leitor. Pronto. Está visto que o leitor é dado à demagogia. Pois bem, comigo não conta para esse tipo de brincadeira. Não tenho nada contra a demagogia, note-se. Mas nem toda a demagogia tem aquela qualidade que eu exijo às manipulações e aos logros. Há a demagogia bonita e sensata, que compara os deputados com gatunos e outros profissionais da mesma área de actividade, e há a demagogia disparatada, que estabelece um paralelo absurdo entre deputados e palhaços. Sem querer ser corporativista, creio que os palhaços não merecem o desaforo. A generalidade dos analistas políticos brasileiros tem dito que a eleição de Tiririca deve ser vista como o resultado de um voto de protesto. Já que o Parlamento brasileiro é um circo, terá raciocinado o povo, vamos eleger um palhaço. A ser verdade, o povo raciocinou de um modo extremamente preconceituoso. Desde quando, numa democracia, há ofícios que não devem ter lugar num parlamento - a não ser por brincadeira? Que têm um canalizador, um electricista e um gestor de empresas que os recomende mais para desempenharem o cargo de deputado do que um palhaço? No que toca a profissões, creio que a democracia não deve discriminar. Pessoalmente, acredito que até advogados devem poder ser eleitos sem remorso dos eleitores. Não, o prestígio social de determinada profissão não tem qualquer influência na capacidade dos titulares de cargos públicos. É preciso não saber como governam os engenheiros para pensar que a eleição de um palhaço pode provocar sarilhos divertidos que ponham em causa o bom funcionamento do sistema. Não é possível saber ao certo até que ponto o que se diz do deputado Tiririca corresponde à verdade ou não passa de um conjunto de calúnias destinadas a apoucar um desgraçado. Uma das acusações que lhe fizeram foi a de que não saberia ler nem escrever. É velha e conhecida a estratégia de atacar a falta de habilitações literárias dos candidatos, e Tiririca, certamente por inexperiência, não teve a audácia de apresentar um diploma, mesmo que tivesse sido obtido, por exemplo, num domingo - o que daria, aliás, uma boa piada. Mas, de facto, a suspeita de que Tiririca não lê é legítima. Pelo menos, sabemos que não lê a imprensa portuguesa. Se o fizesse, perceberia que o seu slogan não faz sentido: "Vota Tiririca, pior do que está não fica." Bastava-lhe ter lido uma ou duas notícias de um jornal português para perceber que é perfeitamente possível um país ficar pior do que o Brasil está neste momento.»
Ricardo Araújo Pereira, na “Visão” de ontem

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Olhando o PEC III

No passado dia 11 de Outubro, José Calçada, Presidente do Sindicato dos Inspectores da Educação e do Ensino, dirigia-se assim aos colegas: «O militar prussiano do século XIX Carl von Clausewitz, na sua famosa obra “Da guerra”, ensinou-nos que “a guerra é a continuação da política por outros meios” – permitindo-nos assim compreender que, de modo simétrico, a política pode ser a continuação de uma guerra por outros meios. É inevitavelmente esta terrível compreensão que acode à nossa inteligência e à nossa emoção no momento em que somos confrontados com as últimas medidas tomadas pelo Governo, integradas no chamado PEC III, configurando o mais violento ataque até agora desferido contra a Administração Pública. O roubo, a rapina, a espoliação exercida sobre todos nós, funcionários públicos, a prática do quero-posso-e-mando, à revelia do Estado de direito democrático ou da figura do Estado-enquanto-pessoa-de-bem, a violação dos princípios da segurança jurídica e da irredutibilidade/intangibilidade dos vencimentos, constitucionalmente garantidos – tudo isto se assume, objectivamente, como uma política enquadradora de uma guerra contra os funcionários. Em termos da redução salarial que nos é imposta, e que nos faz recuar para posições de há alguns anos atrás, a maioria dos Inspectores é brutalmente atingida com cortes de 8,65% – equivalentes a cerca de menos €300 (trezentos euros) por mês, num vencimento bruto de €3447 –, cortes que nem sequer se destinam a uma duração limitada no tempo, antes se assumem como permanentes, isto é, concretizam novos patamares salariais decididos unilateralmente, sem audição das organizações representativas dos trabalhadores, como obriga, na circunstância, a Constituição da República. Mas os cortes não se ficam por aqui… Numa área que é por inerência relevante na operacionalização do trabalho inspectivo, as ajudas de custo são reduzidas em 20% e os subsídios de transporte em 15% – e, sabendo como umas e outros se encontravam já em níveis insuportáveis para os Inspectores, os serviços acabarão por desaguar na indigência e na paralisia. Esta autêntica blitzkrieg nem o SIADAP poupa – o que constitui uma ironia, num processo pensado para poupar –, ficando suspensos prémios e progressões na carreira. As pensões de aposentação foram congeladas – e, desde já, os colegas que venham a aposentar-se no decurso da vigência destas medidas governamentais verão os valores das suas pensões severamente atingidos. Isto é: ninguém escapa, excepto aqueles para quem escorre o dinheiro que nos é espremido! Em termos de economia, as coisas funcionam como vasos comunicantes: quando o dinheiro é comprimido num lado, ele não desaparece, limita-se a escapar para algum outro lado. Trata-se do b-a-bá da economia, nenhum de nós precisa de fazedores de opinião para entendermos isto. A tese, que o Governo quer fazer passar, de que esta guerra à função pública é “inevitável” por “inexistência de alternativas” – é absolutamente falsa, quer económica, quer política, quer socialmente. Esta guerra é uma opção do governo, a favor de uns e contra outros. Há outras saídas para combater o défice do Estado, sem com isso sacrificar os que sempre são sacrificados, lutando contra o desemprego e promovendo o desenvolvimento do país. Não é preciso destruir os salários e as pensões, sendo que não é neles que se encontra a raiz da actual “crise”, nem foram eles que provocaram o défice orçamental de 15 mil milhões de euros (€15.000.000.000). Na verdade, em 1975, as remunerações, sem incluir as contribuições sociais, representavam 59% do PIB – ao passo que em 2009 representam apenas 34%! Hoje, estamos num país onde quase três milhões de pessoas vivem com menos de 10 euros por dia e cerca de 250.000 com menos de 5 euros; ou, de outro modo, 2.000.000 vivem abaixo do limiar da pobreza e outros 2.000.000 também aí se situariam se lhes fossem retirados os apoios sociais. No entanto, se olharmos para o-outro-lado-do-país, o Estado sabe que poderia arrecadar pelo menos mais €500.000.000 através da aplicação à banca e aos grandes grupos económicos de uma taxa efectiva de IRC de 25%; que poderia arrecadar pelo menos mais €135.000.000 através de um novo imposto sobre as transacções em bolsa; que, finalmente, deveria concretizar um imposto sobre as transferências financeiras para offshores e paraísos fiscais, cerca de €2.200.000.000, base 2009. Estaríamos a falar de um acréscimo da receita fiscal anual, global, no valor de €2.835.000.000. (Para já não falarmos na tributação dos que apostam na economia paralela e clandestina, a qual significará hoje um mínimo de 20% do PIB real). Isto, claro, se o Governo olhasse também para o-outro-lado-do-país – e não apenas para os funcionários públicos… Como claramente se demonstra, estas medidas do Governo, para além de injustas e socialmente desequilibradas, não são nem “inevitáveis”, nem consequência de “ausência de alternativa”. Por tudo isto – naturalmente que em conjunto com outras forças sindicais – vamos lutar contra elas, em todos os planos legal e constitucionalmente admissíveis. Desde já, fazendo aqui um apelo muito forte para a participação de todos nós, Inspectores, na Greve Geral convocada pela CGTP e pela UGT para o próximo dia 24 de Novembro. Não podemos ficar de braços cruzados ou em simples conversa-de-café. É preciso dizer “Não!”, é preciso dizer “Basta!” – é fundamental estarmos todos na Greve Geral! É como temos afirmado nos Fóruns do nosso Sindicato: “Quando se luta, nem sempre se ganha; quando não se luta, perde-se sempre”. Estas são, sem dúvida, lutas prolongadas, e são-no sempre que no presente, e pelo presente, não perdemos a perspectiva do futuro – e falamos de lutas que podem assumir muitas formas. O nosso Sindicato, por exemplo, está em contacto com outras forças sindicais, nomeadamente com o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público e com a FENPROF, com vista ao estudo da hipótese de impugnação judicial da Lei do Orçamento do Estado para 2011, caso ela venha a ser aprovada na Assembleia da República com os previstos cortes salariais para a Administração Pública. Uma coisa há que não podemos fazer, nem ninguém compreenderia que fizéssemos: ficarmos quietos.»