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terça-feira, 23 de agosto de 2011

“Um neoliberal é isto, Álvaro!” (2)

«HanusheK, economista da Educação por quem Nuno Crato tem grande apreço e trouxe recentemente a Portugal, foi dos primeiros a apontar a “falta de incentivos mercantis” (Journal of Human Resources, Junho de 1979) quando analisava a eficiência em Educação. Atente-se bem à semântica da expressão, não descuidada num académico com a responsabilidade dele. Mercantil é um adjectivo que se refere ao comércio, à mercancia, coisa bem afastada do objecto da Educação, suponho eu. Se tomarmos o vocábulo em sentido figurado, diz-se daqueles que perseguem só ganhos materiais, que são interesseiros e meros especuladores. A génese da avaliação do desempenho pode ser facilmente compreendida por quem a estude a partir da segunda metade do século passado, quando tomou relevância a preocupação política e económica de analisar em detalhe os custos de produção do serviço público de Educação. Por o ter feito, por a ter abordado na prática, em experiências e projectos de natureza educacional e empresarial, compreendo-a bem, rejeito-a como panaceia para a melhoria da qualidade da Educação e lamento que os professores e a sociedade em geral a aceitem como os crentes aceitam os dogmas, isto é, com reverência sacra. A avaliação do desempenho tornou-se um instrumento de uma concepção tecnocrática de gestão. A prática de modelos estereotipados para a realizar está estudada e reprovada pelo balanço dos resultados. Assim, a grande alteração que ficou por fazer foi desistir dela. O processo deveria ser indissociável da avaliação do desempenho de cada escola, depois de alterar radicalmente o modelo de gestão vigente. É estúpido avaliar com as mesmas referências e medidas o que é radicalmente diferente. É estúpido impor a todos o mesmo processo. É estúpido confundir a Educação com a actividade mercantil. Sei que incorro na fúria de muitos. Mas é o que penso e o que considero essencial. Tudo o mais é acessório, embora relevante, por ser tomado por essencial. Posto isto, vejamos, então, o acessório. Isenta-se da avaliação cerca de um terço dos docentes em exercício. Esperta malha. Calam-se muitos. Reduz-se o número de aulas a observar e, com isso, custos enormes e logística disforme. Pouco importa que se recupere, implicitamente, o conceito de professores titulares e que vá às urtigas o rigor do ministro e o que resta da coerência do seu discurso. Quotas viram percentis. Boa jogada! É mais erudito, ou não fora o ministro um mestre em Estatística e o secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar um anterior defensor da avaliação de Maria de Lurdes Rodrigues. E neste ambiente em que todos começam a fazer de conta que não foram o que foram e não disseram o que disseram, faz de conta que as quotas desapareceram. Como reclamavam os sindicatos. Se assinarem rápido o papel, substituam “acordo”, de má memória, por um sinónimo. “Ajuste directo” ou “conúbio” seria perfeito e adequado aos tempos!» Se afastarem a espuma, encontram o mesmo disfarce ideológico, que visa condicionar a independência intelectual e profissional do exercício da docência: pela precarização da profissão (fala Crato de assistir os “novos” isentando os “velhos”, ignorando que muitos dos “novos” têm 10, 15 e até mais anos de exercício); pela proletarização da profissão; pela persistência da desconfiança militante na classe; pelo refinamento dos padrões de desempenho, como se professor fosse sapateiro (sem desprimor para com tal ofício). Também isto, Álvaro de Vancouver, o ajudará a saber o que é um neoliberal.
Santana Castilho, no “Público” de 17 de Agosto

domingo, 21 de agosto de 2011

“Um neoliberal é isto, Álvaro!” (1)

«1- O Álvaro, que veio do Canadá para pôr a economia do país na ordem, disse na Assembleia da República que não sabia o que era um neoliberal. Agostinho Lopes ensinou-o assim: “…É alguém que tem três axiomas com que justifica tudo: globalização, revolução científica e técnica e competitividade. É alguém que tem três mandamentos sagrados: privatizações, liberalização dos mercados e desregulamentação dos mecanismos de orientação económica. E tem um único instrumento como variável de ajustamento dos desequilíbrios: o preço do trabalho …”. A lição dada ao Álvaro, se complementada com a compulsão para aumentar impostos e taxas, faz uma bela síntese da actividade do Governo até agora. 2- O ministro das Finanças também precisa de uma lição que o esclareça sobre o que é uma conferência de imprensa. Convocada uma, que se supunha para anunciar os cortes na despesa, proibiu as perguntas e prendou-nos com mais aumentos, agora na electricidade e no gás. A subserviência à troika deixou à dita a missão soberana de, finalmente, esclarecer os indígenas sobre o desvio colossal, a solver com mais confiscos colossais. Aproveitando a inércia, Passos Coelho foi lesto no “Pontal”: preparem-se que vem aí muito mais e, por favor, não estrebuchem, porque o inferno espreita. Quanto ao corte na despesa, é esperar até Outubro. Antes, Passos tem que ultimar a oferta do BPN a Isabel dos Santos e companhia, resolver o bónus da TSU e escolher quem vai abocanhar a TAP, a RTP, os CTT, as Águas de Portugal e um naco da CGD, tudo a preço de saldo e em nome do inferno que espreita. 3- Para os que ainda tinham dúvidas, chegou a definitiva dissipação: a regulamentação da avaliação do desempenho dos professores, agora apresentada, é tão-só o “Simplex 3” do modelo de Maria de Lurdes Rodrigues, que sucede ao Simplex 2 de Isabel Alçada. Definitivamente, há uma nota que sobressai, por maior que seja a esperteza para a dissimular: continuar a política que privilegia a diminuição do preço do trabalho.»
Santana Castilho, no “Público” de 17 de Agosto

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Carta aberta a Nuno Crato

“O senhor ministro, na tomada de posse, pediu "uns dias para aterrar". Inteiramente justo, se for sua intenção fazer a limpeza dos estábulos de Augias, dos detritos de seis anos de caos e incompetência no Ministério da Educação. Era também nossa intenção - nem só de luta vive o homem - aguardar calmamente as primeiras decisões da sua equipa. Porém, parece que alguns gabinetes do (agora seu) ministério acharam que era chegada a altura de redobrar de actividade. Foi o caso da Direcção-Geral dos Recursos Humanos da Educação (DGRHE), que, precisamente na véspera da tomada de posse, decidiu bombardear as escolas com mais uma das suas célebres aplicações informáticas, no caso relativa à Avaliação do Desempenho Docente (ADD). O mais avisado teria sido - face ao compromisso de acabar com a actual ADD, assumido diversas vezes pelos partidos do actual governo, e em particular pelo PSD - que a DGRHE aguardasse as decisões do novo ministro. E (porque não?) aproveitasse a pausa para tentar compreender como foi possível que anteriores aplicações informáticas tivessem calculado para professores diferentes, mas com pontuações idênticas nos parâmetros de avaliação, Bons de 7 e Bons de 9. Sabia disto, professor Nuno Crato? Que terá motivado a impaciência deste organismo, co-autor de tantas das malfeitorias dos últimos anos, a começar pelo concurso de professores titulares? Dirão alguns que foi ditada pela necessidade de mostrar serviço, com medo de serem reenviados para as escolas. Cremos que não... Parece-nos mais uma tentativa de colocar a nova equipa perante factos consumados. Esperemos é que não seja uma forma pouco subtil de vincar que bem podem mudar os governos e os ministros, mas quem realmente define as políticas educativas não se encontra sujeito ao voto popular. Não conhecemos em pormenor as suas ideias para a avaliação dos professores, embora saibamos que defende que esta deve ser externa (precisamente o oposto da actual) e incidir no trabalho com os alunos (a actual mede acima de tudo o relacionamento interpessoal entre os docentes e os órgãos de gestão). No que respeita à avaliação dos alunos, assunto em relação ao qual conhecemos melhor as suas opiniões, tem dito repetidamente que lhe falta seriedade, que os exames actuais não são fiáveis e que, para poderem ser credíveis, deveria ser uma entidade independente a fazê-los, e não o próprio ministério, por estar ele próprio (interesse directo) a ser avaliado pelos exames que elabora. Não nos parece que necessite que lhe avivem a memória - o intenso debate que culminou na revogação parlamentar, se teve um grande mérito, foi revelar a natureza kafkiana (o adjectivo é de Passos Coelho) do modelo - sobre os motivos por que a ADD herdada do governo anterior carece em absoluto de fiabilidade, de credibilidade e de isenção. Que é tão pouco séria que foi sempre preocupação dos legisladores impedir que se divulgassem as classificações, dada a inexistência de qualquer relação entre estas e o mérito do avaliado. Se o processo não for travado, o que se vai ver nas escolas durante o próximo mês é o preenchimento atabalhoado de dezenas ou centenas de folhas (com fotos à mistura, de iniciativas mais ou menos folclóricas) contendo as chamadas evidências que (mesmo sendo genuínas) pouco ou nada terão a ver com o trabalho, os conhecimentos e a dedicação de cada professor à aprendizagem dos seus alunos. Sem exagero, o mais tosco e menos bem conseguido dos exames do ensino básico será cem vezes mais fiável que este modelo de avaliação de professores. Também não nos parece que o senhor ministro (nem ninguém) aceitasse um sistema de ingresso no ensino superior em que a classificação de acesso fosse atribuída... pelo delegado de turma. Pois bem, a distribuição de papéis entre avaliados e avaliadores na actual ADD traduz uma situação que é, em traços largos, precisamente idêntica a esta caricatura. Posto isto, o senhor ministro apenas tem dois caminhos à sua frente. Um deles é permitir que esta ADD seja finalizada e produza consequências irreversíveis na carreira e nos concursos de professores e outras, não menos perversas, no ambiente escolar, na motivação da classe docente e na promoção do mérito. O segundo, sem dúvida menos cómodo e que lhe trará alguns amargos de boca com os burocratas do seu pelouro, é cortar de vez com o passado e dar início a um novo tipo de relacionamento com os professores, pautado pela exigência, mas também pela confiança. Porque, e disso não temos a menor dúvida, a decisão que agora tomar sobre a ADD vai ser a verdadeira pedra-de-toque do seu futuro desempenho à frente do Ministério da Educação.”
Professores da Escola Secundária com 3.º ciclo de Henrique Medina, Esposende [no "i" de hoje]

sábado, 18 de junho de 2011

Novas figuras ou os figurões habituais?

Ficou ontem (parcialmente) conhecido o elenco do novo Governo que, numa análise muito superficial, apresenta dois aspectos positivos: várias caras novas, quer em termos de experiência governativa quer em termos de idade, e uma certa tendência para “fugir um pouco do centro”. Gente nova tem, provavelmente, vontade de fazer e como pior que o que antes foi feito é quase impossível, agrada-me que (neste momento) se tente fazer; a probabilidade de sair algo (ainda que minimamente) melhor deixa uma réstia de esperança ao país. Uma tendência para divergir de um “centrão” incompetente e acima de tudo decadente, também me agrada. Contrariamente à maioria que parece preocupar-se (ainda e sempre) com questiúnculas ideológicas é-me (no estado em que nos encontramos, quase) indiferente que se vire à direita ou à esquerda desde que se procure a saída deste imenso pântano onde de momento estamos atolados, e não apenas por culpa dos dois últimos governos do sr. 'inginheiro', pois os seus antecessores pouco (ou nada) de positivo conseguiram. Ao olhar para as “novas” figuras (e alguns “velhos figurões”) que nos foram ontem apresentadas sou tentado a depositar alguma esperança nos independentes (pessoas que pelos currículos que possuem, me parecem meritórias) e na “menina” do CDS (a quem saiu a fava do Ambiente) que tão bem esteve em alguns debates televisivos. Não tenho ilusões nenhumas relativamente a Paulo Portas ou a Miguel Relvas mas era quase inevitável que Passos Coelho cedesse a alguns “homens do(s) aparelho(s) partidário(s)”. Aguardemos calmamente a lista de Secretários de Estado para manter acesa uma ténue “luz ao fundo do túnel” ou, como dizem os brasileiros, “cair na real”. Especificamente quanto ao Ministro da Educação, só dois nomes se perfilavam, à partida, capazes de atirar uma “pedrada no charco”: Santana Castilho e Nuno Crato. Foi este último o escolhido de Passos Coelho. Neste texto com pouco mais de dois anos expressei a minha opinião sobre Nuno Crato, mantenho integralmente o que aí escrevi. Discordo do Nuno Crato em matéria de avaliação de professores, acho que acredita demasiado nas virtudes de possíveis avaliadores externos, parece esquecer-se que o cancro “eduquês” já tem metástases, tanto na IGE como em inúmeras universidades (além das escolas superiores de educação, já a necessitarem de cuidados paliativos). Estou convencido que, para muitos professores nos quais me incluo, se Nuno Crato conseguir alterar um terço de tudo quanto criticou publicamente no Ministério da Educação da era socrática, será o melhor Ministro da Educação dos últimos 20 anos (no mínimo). Esperamos para saber quais são os nomes dos Secretários de Estado para sabermos se vai haver equipa capaz de, em vez de declarar guerra aos professores (como fez Maria de Lurdes Rodrigues) optar por varrer o lixo que há longos anos infesta (quase até ao tecto) os “longos” corredores do Ministério. Reservo no entanto algum pessimismo: não sei se há aterro sanitário que comporte tanto lixo e coragem política para consistentemente ir varrendo. P.S. Declaração de interesses: não votei PSD nem CDS.
Apache, Junho de 2011

quarta-feira, 8 de junho de 2011

“Educação: um pacto de silêncio?”

“A campanha eleitoral foi praticamente omissa no respeitante à Educação. Não falaram dela (nem dos problemas, muitos, de que actualmente enferma) os líderes dos vários partidos concorrentes, não os questionaram sobre o assunto os vários jornalistas e entrevistadores, remeteram-se ao silêncio os comentadores de serviço. Como se entre todos houvesse um qualquer obscuro pacto de silêncio. Como se, na governação de um país que se afunda, a Educação fosse um campo menor. Não falaram dela porque não lhes interessa. Uma massa acrítica e formatada no molde do eduquês é uma papa mole, que não critica nem pensa nem intervém, não incomoda os poderes instalados. Não falaram dela apesar - ou por causa de - a saberem um barril de pólvora, pronto a explodir. Calaram a Educação, porque ela, tanto ou mais que o pelouro das finanças, exigiria, de quem se demitiu, um 'mea culpa' inequívoco, pelo desnorte político que imperou e pela convulsão social provocada, e, de quem agora vai tomar as rédeas do país, uma consciência clara do muito que há a remediar, inclusive a nível do esbanjamento sem critério dos dinheiros públicos: vide a Parque Escolar e os seus megalómanos 'mega-agrupamentos', mais a panóplia de gadgets tecnológicos imprestáveis que no reinado de José Sócrates inundaram as escolas - enquanto outras se fechavam sem contemplações por esse país fora, desertificando ainda mais um interior que a cada dia se empobrece e inviabiliza; enquanto um sem número de professores ficava no desemprego, as turmas enormes, ingovernáveis, as carreiras há anos congeladas e os salários diminuídos. A Educação tem de ser encarada como um imperioso investimento nesse futuro que prometem, principalmente no sentido de dotar as gerações (presente, futura), dos mecanismos sem os quais este país não sairá nunca do lodo onde se atolou: conhecimentos sólidos, cultura de empenhamento e trabalho sério, responsabilização colectiva, civilidade, respeito, capacidade crítica, humanismo. O futuro primeiro-ministro de Portugal não pode repetir os erros do passado, tanto mais que se reclama como 'mudança'. E tem de ter uma consciência muito clara do que está mal, e remediá-lo, encontrar soluções. Que podem passar por deitar tudo abaixo e começar do zero, com vontade política e a coragem que se impõe. Uma casa reconstruída sobre os alicerces podres de anos e anos de dislates não pode ter outro destino senão ruir. E não podemos dar-nos ao luxo de permitir que isso aconteça. Há que não perder de vista que nunca, como nos dois últimos governos do partido dito socialista, a escola pública foi tão intencionalmente aviltada, os seus agentes educativos tão maltratados. À frente do ministério da Educação tivemos recentemente os espécimes mais tristes de que há memória: uma mulher sádica e descompensada, de um desrespeito, um autoritarismo e uma incompetência assassinos; outra, uma tontinha seguidista, ignorante e ridícula, tão criminosa como a sua antecessora. Durante o primado de Mª de Lurdes Rodrigues, tivemos, é certo, uma oposição parlamentar invulgarmente crítica a praticamente todas as políticas educativas de um governo incapaz, de uma ministra e um primeiro-ministro arrogantes, autistas e incompetentes. Vimos surgirem Movimentos espontâneos de professores, independentes dos sindicatos. Lemos da revolta diária em blogues e em jornais. Vimos as maiores manifestações de professores de que há memória. Tudo, com consequências zero, ou quase. Já com Isabel Alçada vimos ainda, num acto sem precedentes, toda a oposição parlamentar votar contra um modelo de ADD execrável e inexequível. Vimos - acontecimento histórico! - o PSD juntar-se ao PCP na apresentação de um texto revogatório do referido modelo de avaliação de professores. E vimos Cavaco Silva prestar vassalagem a Mª de Lurdes Rodrigues e José Sócrates, inviabilizando o fim do que tem sido o maior factor de desestabilização das escolas, do desgaste dos professores e do respectivo, pernicioso efeito na qualidade do serviço que prestam aos alunos. Mais do que deputados críticos e conscientes, a Educação precisa de políticas lúcidas, sérias, pensadas. E precisa de quem as queira e saiba implementar.”
Transcrição parcial de um texto de Ana Lima

domingo, 1 de maio de 2011

Confirma-se que o monstro ainda (sobre)vive

Na passada sexta-feira o Tribunal Constitucional (TC) considerou, por unanimidade, estar "ferida" de inconstitucionalidade, a lei (aprovada na Assembleia da República (AR) por toda a oposição) que revogava o actual modelo de avaliação de professores. Começo por fazer uma breve cronologia das várias tentativas vãs de pôr cobro (ou de fingir que se quer pôr cobro) ao monstro que só um Governo tecnicamente incompetente e politicamente irresponsável poderia ter criado e insiste em alimentar. Ainda em 2009, Santana Castilho, professor universitário, simpatizante do PSD, discursa na AR, a convite daquele partido, criticando severamente este modelo de avaliação do desempenho docente (ADD) que, à semelhança do anterior é complexo, burocrático, injusto, e em nada permite distinguir um bom professor de outro razoável ou de um medíocre, sendo imperiosa a sua revogação. O PSD, que mostrou pública concordância com Santana Castilho, absteve-se na votação da proposta de revogação do modelo, apresentada pelo CDS, permitindo assim que este continuasse a vigorar. Em 2010, o mesmo PSD voltou a abster-se na votação de mais duas propostas de revogação, desta vez apresentadas pelo PCP e pelo BE. A 24 de Março de 2011, o PSD, o PCP e o BE apresentam, na AR, três novas propostas de revogação desta ADD. A 25 de Março, dia da votação, é apresentada uma única proposta, cozinhada entre todos os partidos da oposição, que viria a ser aprovada com os votos favoráveis de toda a oposição, e os votos contra da bancada do PS e do deputado Pacheco Pereira (do PSD). Acontece que, como tinha dado conta, aqui, a lei aprovada revogava o Decreto Regulamentar n.º 2/2010 (DR) da ADD mas não “tocava” nos artigos do Estatuto da Carreira Docente (ECD), de onde o DR derivava. Mais, para o lugar do DR era repristinado um Despacho do Secretário de Estado da Educação, não previsto no ECD e que havia vigorado noutro contexto, distante do actual. Tal aselhice (ou premeditação), por parte da oposição, abria a porta a um pedido de verificação da constitucionalidade do diploma, cujo chumbo parecia inevitável. Foi o que o PS ameaçou e aquele “artista” de Boliqueime, que raramente tem dúvidas e nunca se engana, concretizou. O pequeno Cavaco, o homem que caquecticamente se esqueceu de pedir ao TC que verificasse a, mais que duvidosa (como o afirmaram vários juristas), constitucionalidade dos cortes salariais na função pública, pediu a verificação preventiva da lei que revogava este modelo de ADD. Curiosamente, a fundamentação do pedido foi de tal modo atabalhoada que obrigou o TC a um aturado contorcionismo para argumentar das razões da sua inconstitucionalidade, como podem verificar se se atreverem a ler o texto integral do acórdão, onde o TC acaba com considerar que a AR, sede do poder legislativo, se imiscuiu na esfera de acção do Governo, tal como alegavam os juristas de Cavaco. Ridículo, este argumento, pois é exactamente o que faz o TC. Ao considerar inconstitucional, a lei agora aprovada intromete-se, violando o princípio da separação de poderes, na esfera de competências da AR. Note-se que me parece justo que uma lei tão mal feita seja “derrubada” pelo TC. O que não me parece nada abonatório para o país é que a AR faça uma lei tão atabalhoada, o Presidente da República seja tão parcial nas acções e os seus juristas tão incompetentes na fundamentação de um pedido e, o TC tão “manhoso” na forma misantropa como justifica a decisão. Entretanto, lá vão os professores ter de aturar, por mais umas semanas, um modelo de avaliação demencial, para gáudio de “meia dúzia” de Primatas muito “fraquinhos no discernimento”.
Apache, Maio de 2011

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Será patológico?

O programa eleitoral do Partido Socialista foi ontem divulgado e, em matéria de educação, pode dizer-se que é mais do mesmo. Segundo o “Expresso”, as prioridades vão para a obrigatoriedade da escolaridade até ao final do Ensino Secundário e para a Avaliação de Professores. O que melhor caracteriza este PS é esta incapacidade para reconhecer os erros e tentar emendar a mão. Insistem: na avaliação de professores com modelos surreais; na escolaridade obrigatória (actualmente de doze anos) até ao 12.º Ano; nas obras nas escolas secundárias independentemente da necessidade, ou não, das ditas, para encher a pança dos “artistas” da Parque Escolar que ficam donos delas e cobram aluguer ao Estado (gestão danosa, pura e simples, por parte do ME); na distribuição de Magalhães a granel, porque estupidificar é preciso; etc. O mais elementar bom senso aconselharia a, uma vez no buraco, tentar construir uma escada, improvisar uma corda, enfim, procurar algo que permitisse subir. Esqueçam o bom senso, o PS propõe que se comece a escavar. Será patológico?
Apache, Abril de 2011

domingo, 27 de março de 2011

O monstro ainda (sobre)vive?

Depois de, na passada quinta-feira, PCP e BE terem anunciado que votariam favoravelmente o Projecto de Lei apresentado pelo PSD que revogava os artigos do ECD referentes à ADD (e consequentemente revogava o correspondente Decreto Regulamentar (n.º 2/2010)), repristinando as normas da Avaliação do Estatuto anterior à era Socrática (concretamente o Decreto-Lei n.º 1/98), eis que uma reviravolta ocorrida na reunião tripartida, da manhã de sexta-feira, levou a uma alteração no Projecto de Lei do PSD aproximando-o da proposta inicial do PCP. Este Projecto, que a Assembleia da República transformou em lei, com os votos favoráveis de todos os partidos da oposição (PSD, CDS, BE, PCP e Verdes) excepto o deputado do PSD, Pacheco Pereira, que votou contra, ao lado do PS, é de aplicabilidade bem mais confusa que a proposta inicial do PSD e de constitucionalidade, no mínimo duvidosa (de que se vão tentar aproveitar as “altas” hipocrisias socialistas). A lei agora aprovada não revoga as referências à ADD plasmadas no actual ECD, deduzindo-se por isso que todos os deputados da oposição concordam com os princípios ali enunciados, nomeadamente: que há obrigatoriedade da observação de aulas para progredir aos 3.º e 5.º escalões (alínea a) do n.º 3 do artigo 37.º); que a regulamentação do sistema de avaliação do desempenho é definida por decreto regulamentar (n.º 4 do artigo 40.º); e que o resultado final da avaliação é expresso nas menções de “excelente”, “muito bom”, “bom”, “regular” e “insuficiente” (n.º 2 do artigo 46.º). Concordando com isto, torna-se pertinente perguntar porque é que o decreto regulamentar supra, agora revogado, foi substituído por um Despacho (o 4913-B/2010) que (sendo de 18 de Março (o ECD é de 23 de Junho)) estabelece que a “avaliação” se concretiza pela apreciação de um documento de auto-avaliação, na sequência da qual será atribuída ao docente uma menção que poderá ser de “insuficiente”, “bom” ou “muito bom”? A conformidade era verde, vieram os deputados e comeram-na.
Apache, Março de 2011

quinta-feira, 24 de março de 2011

A actual ADD deverá cair amanhã na Assembleia da República

A avaliação do desempenho docente (ADD), tal como a conhecemos, da era do Sr. Sousa, deverá cair menos de 48 horas depois da queda do “artista” de Vilar de Maçada. Serão discutidos e votados, amanhã na Assembleia da República (AR), três Projectos de Lei (um do PCP, outro do BE e outro do PSD) que a serem aprovados ditam o fim da actual ADD, sendo que o projecto apresentado pelo PSD conta com os votos favoráveis (já anunciados) do PCP e do Bloco de Esquerda, prevendo-se assim a sua aprovação, a menos que o CDS se juntasse ao PS e votasse contra o diploma. Situação improvável, diga-se. Serão ainda discutidos (amanhã na AR) dois Projectos de Resolução (um do PSD e outro do CDS) sobre a dita ADD.
Apache, Março de 2011

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

“Maldiciência”

Por vezes, colegas que leccionam outras disciplinas, perguntam-me porque é que a Física e Química A (FQ-A), disciplina leccionada no 10.º e no 11.º Ano, específica do curso de Ciências e Tecnologias tem, desde há largos anos, consecutivamente, a pior média dos Exames Nacionais. Uma resposta completa seria demasiado longa para este espaço e, provavelmente maçadora para muitos dos leitores, pelo que, opto por uma análise relativamente superficial. O problema tem origem no 7.º Ano de escolaridade (no Básico, a disciplina chama-se Ciências Físico-Químicas (CFQ)), ano em que se inicia (formalmente) o estudo das duas Ciências mais exactas do currículo: Física e Química. No 7.º ano, a esmagadora maioria dos alunos (com 12 ou 13 anos) não tem maturidade, sobretudo ao nível do raciocínio abstracto, nem pré-requisitos para enfrentar CFQ. Apesar disso, a parte inicial do ano é passada a abordar conteúdos de Astronomia, muitos dos quais já tratados repetidamente noutros anos de escolaridade e noutras disciplinas. Parte significativa da componente de Química limita-se à apresentação de materiais de laboratório, à classificação das substâncias e à realização de actividades experimentais básicas. A maioria dos alunos consegue obter classificação positiva sem dificuldade e fica com uma ideia de facilidade da disciplina que, de facto, não corresponde à realidade. No 8.º ano, com o aumento do grau de dificuldade começam, normalmente, a surgir mais notas negativas, mas como o programa é relativamente curto (por comparação com os outros anos) e o Ministério pressiona para se reduzir o insucesso “de qualquer maneira”, lá se vão repetindo exaustivamente as matérias e cumulativamente vai-se baixando o nível de exigência, e os miúdos avançam para o 9.º Ano. Convém notar que nestes dois anos (7.º e 8.º) a disciplina é leccionada uma vez por semana, numa aula de 90 minutos. [P.S. Façam favor de parar de rir que o assunto é sério.] No 9.º ano, apesar de a disciplina passar (na maioria das escolas) a ser leccionada duas vezes por semana (90 + 45 minutos), o programa é demasiado extenso, o que obriga a leccionar a correr, mesmo os conceitos fundamentais. A divergência face à Matemática, que por esta altura ainda não leccionou conceitos essências a CFQ, aumenta, por comparação com anos anteriores. Muitos alunos evidenciam dificuldades no raciocínio abstracto e no lógico-dedutivo; têm dificuldades em interpretar gráficos e tabelas; e poucos são os que conseguem converter diferentes unidades de medida (ou mesmo múltiplos e submúltiplos da mesma unidade) ou resolver equações (ainda que) do 1.º grau. Só com muita “água benta” se consegue que o insucesso não dispare. Chegados ao Secundário (10.º Ano) encontram programas extensíssimos, mas pior do que isso, uma disciplina que obriga a saber interpretar enunciados e gráficos, a equacionar problemas e a resolver equações. Poucos são os alunos que têm “bagagem” a Português e a Matemática para enfrentar FQ-A. As notas de frequência são fortemente inflacionadas pelas notas dos relatórios (muitas vezes “fingidos”) das actividades práticas, pelas notas dos trabalhos de pesquisa e pelas notas das atitudes em sala de aula, fazendo com que alunos com 7 ou 8 valores na média dos testes acabem com 10 ou 11 valores na média final ponderada. No 11.º ano o grau de dificuldade da disciplina aumenta e a falta de pré-requisitos a Matemática e a Português torna-se, em muitos casos, gritante (note-se que não estou a culpar os professores destas áreas, limito-me a constatar factos); o programa mantém-se extensíssimo e aparecem os Testes Intermédios, da responsabilidade do GAVE, que incluem matéria leccionada nos dois anos (10º.º e 11.º). Os alunos, habituados a testes que abordam conteúdos que cabem (em não mais que) numa centena de páginas do manual, vêem-se agora na necessidade de estudar dois manuais para cada um destes testes. No final do ano, apesar das médias dos testes serem muito baixas, a nota positiva obtida no 10.º Ano, as classificações obtidas nos relatórios e nos trabalhos de pesquisa (tantas vezes copiados da Internet ou feitos com a ajuda do explicador) e as classificações obtidas com as atitudes em aula (apesar de tudo medianas, na generalidade), empurram as médias ponderadas para os 9 (há espera do favorzinho do professor) ou dez valores e o aluno segue para Exame Nacional, que abarca conteúdos de 4 manuais (2 de cada ano). Os exames são, regra geral mal elaborados, com enunciados dúbios e quase sempre com erros científicos grosseiros; perguntas de exame, “abertas”, aparecem depois com critérios extremamente fechados e, nas reuniões de correctores para aferição de critérios, a maioria dos docentes (faz o mesmo que em relação ao vergonhoso modelo de avaliação) “assobia para o ar”. A agravar tudo isto, o uso autorizado da calculadora gráfica, com a memória carregada de cábulas, e o fornecimento de formulário nos Exames, passa a ideia a muitos de que a disciplina "não dá trabalho". Se juntarmos a tudo isto manuais escolares com erros e (alguns) professores oriundos de Escolas Superiores de Educação, de cursos “via ensino”, sem preparação científica suficiente, bem como ausência de acções de formação gratuitas e de qualidade, talvez compreendamos o estado lastimável a que as “ciências exactas” chegaram. Mas não faz mal, que ninguém se mace, os vendedores de “ecobolas”, de substitutos dos clorofluorcarbonetos, de “créditos de carbono” e de “cascas de alho”, agradecem.
Apache, Fevereiro de 2011

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

“Um teatro de sombras”

No «nosso grande teatro de sombras foi à cena no Centro de Congressos da Alfândega, no Porto, sob a epígrafe “Os Colaboracionistas Protestam”. Na tela iluminada o título foi diferente: I Encontro Nacional de Dirigentes de Escolas Públicas. As sombras representaram quatro cenas das trevas das escolas: a recorrente avaliação do desempenho dos docentes, o garrote que aperta a preparação do próximo ano lectivo, a dita ou desdita (consoante a perspectiva dos protagonistas) dos agrupamentos escolares e os novos procedimentos reguladores dos contratos públicos. Dos anúncios feitos ao acto, na imprensa, pelo presidente da novel Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas, retirei frases fortes, que cito: “…a avaliação de docentes está a contribuir para uma grande instabilidade nas escolas…”; “…pretendemos exigir ao Ministério da Educação que se promova uma discussão séria sobre o processo de avaliação de docentes, que não é justo nem exequível…”; “...poupar em tempo de crise é fundamental, mas em nome dessa poupança não se pode destruir a escola pública…”; “…há uma grande angústia sobre a possibilidade de se perderem entre 25 a 30 por cento dos recursos humanos das escolas no próximo ano lectivo…”; “…queremos fazer uma chamada de atenção ao Ministério da Educação e também à opinião pública sobre os riscos que corre a Educação…”. Nesta representação glosaram-se os temas propostos e exploraram-se as deixas do senhor presidente. Mas, quando cansado de tantos protestos sem consequências, um boneco saiu de trás da tela e veio à frente propor que se demitissem do elenco das sombras, só três votaram a favor. Os restantes, cerca de 200, ficaram fiéis ao guião do grande teatro das sombras. Não aguentaram a luz. Fim pífio. O modelo de avaliação do desempenho dos professores é tecnicamente uma nulidade e politicamente um desastre. Introduziu nas escolas tarefas burocráticas e administrativas que representam, estimo, 40% do tempo activo dos docentes. Só o cumprimento da observação de aulas significa o sacrifício de um grande número de horários completos dos professores eventualmente mais qualificados. A sua lógica substituiu o clima cooperativo, que deve nortear o corpo docente de uma escola, por um espírito de competição malsã. A versão actual supõe (despacho nº 16034/2010 da Ministra da Educação, D.R. nº 206, II Série, de 22 de Outubro) 4 dimensões de actuação dos docentes, desdobradas em 11 domínios operacionais. Estes 11 domínios desagregam-se, por sua vez, em 39 indicadores, referidos a 5 níveis, cada um deles com múltiplos descritores, num total, pasme-se, de 72. Nenhuma inteligência sã suporta a permanência de tamanho monstro. Mas vai para três anos que toda uma comunidade docente é manipulada atrás da tela. E o que é duro de assumir é que tamanha tragédia só permanece em cena porque grande número de actores reescreve sadicamente nas escolas os guiões oficiais, numa psicótica fusão entre abusadores e abusados, entre personagens e actores, entre professores e burocratas.»
Parte de um texto de Santana Castilho, Professor do Ensino Superior, no “Público” do passado dia 16

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

De novo a Avaliação do Desempenho Docente

Num momento em que proliferam, de novo, as tomadas de posição de várias escolas e departamentos contra a aberração que constitui (à semelhança do anterior) o modelo de avaliação docente resultante do acordo entre o Ministério da Educação e os principais sindicatos representativos da classe, não podia, pela clareza e pertinência do texto, deixar de publicar este conjunto de questões irrespondíveis, que o Departamento de Ciências Sociais e Humanas da Escola Secundária de Amora colocou ao Director, em forma de requerimento. “Exmo. Sr. Director da Escola Secundária com 3.º Ciclo do Ensino Básico de Amora Após cinco meses de trabalho de análise do conteúdo dos documentos legais relativos à avaliação do desempenho docente, os professores do Departamento de Ciências Sociais e Humanas da Escola Secundária com 3.º Ciclo do Ensino Básico de Amora vêem-se confrontados com obstáculos que ainda não conseguiram ultrapassar e que se lhes afiguram impeditivos da salvaguarda do direito de todos os professores a uma avaliação justa, séria e credível.
1. O primeiro grave obstáculo diz respeito à falta de formação para o exercício da função de professor relator. Há três anos que os professores reivindicam essa formação como condição necessária para o cumprimento credível dessa função. O Conselho Científico para a Avaliação dos Professores recomendou formalmente que essa formação teria de ser de média e de longa duração, ministrada por instituições do ensino superior. Esta formação é necessária não apenas para os professores relatores poderem exercer com credibilidade a sua função, como é fundamental para que os professores avaliados possam reconhecer neles essa mesma credibilidade. Este é um obstáculo que ainda não conseguimos ultrapassar. 2. O segundo obstáculo, provavelmente derivado do primeiro, prende-se com a objectiva impossibilidade de resolução dos problemas técnicos que a execução prática do modelo de avaliação suscita. Desses problemas técnicos damos, de seguida, alguns exemplos e requeremos os respectivos esclarecimentos.
1.º Problema. Indicador: «Reconhecimento do dever de promoção do desenvolvimento integral de cada aluno». O descritor, dos níveis «Excelente» e «Muito Bom», correspondente a este indicador é o seguinte: «Revela profundo comprometimento na promoção do desenvolvimento integral do aluno». Requeremos os seguintes esclarecimentos: — De que modo é fiável avaliar se um professor está «comprometido na promoção do desenvolvimento integral de um aluno»? — Com duas ou três aulas observadas, de que modo pode ser avaliado, com um mínimo de fiabilidade, o comprometimento do professor no desenvolvimento integral de «cada» aluno (conforme enuncia o indicador)? — Relativamente aos professores que não têm aulas observadas como deve ser realizada, de modo fiável, essa avaliação? — De que modo fiável se determina a fronteira entre estar profundamente comprometido e estar apenas comprometido? Segundo que critérios se avalia o grau de profundidade de um comprometimento? — Quais são os critérios que permitem estabelecer a fronteira que separa o desenvolvimento integral do desenvolvimento não integral de um aluno, e que critérios permitem aferir a respectiva promoção desse desenvolvimento?
2.º Problema. Indicador: «Responsabilidade na valorização dos diferentes saberes e culturas dos alunos.» Este indicador, inexplicavelmente, não tem ligação com nenhum dos treze descritores existentes. Requeremos os seguintes esclarecimentos: — Que critérios fiáveis permitem aferir se um professor valoriza os diferentes saberes e culturas dos alunos? — Quando se pretende a valorização dos diferentes saberes e culturas dos alunos isso significa que todos os saberes e culturas devem ser igualmente valorizados, independentemente dos valores que essas culturas defendam? Se não forem igualmente valorizados, que critérios devem presidir à sua diferenciação? — Como se deve avaliar, sem aulas observadas, se um professor valoriza ou não valoriza os saberes e as culturas dos seus alunos?
3.º Problema Descritor: «O docente demonstra claramente que reflecte e se envolve consistentemente na construção do conhecimento profissional e no seu uso na melhoria das práticas.» (Nível «Excelente») Requeremos os seguintes esclarecimentos: — Como se deve proceder à distinção entre uma demonstração clara e uma demonstração não clara? Existem demonstrações não claras? De que características se revestem? — Como se define, em termos comportamentais, uma «envolvência consistente»? — Como se determina, de modo fiável e observável, a fronteira entre uma envolvência consistente e uma envolvência não consistente?
4.º Problema Descritor: «Revela um profundo comprometimento na promoção do desenvolvimento integral do aluno e investe na qualidade das suas aprendizagens.» (Níveis «Excelente» e «Muito Bom»). Descritor: «Revela comprometimento na promoção do desenvolvimento integral do aluno e na qualidade das suas aprendizagens.» (Nível «Bom»). A diferença entre os níveis «Excelente» e «Muito Bom» e o nível «Bom» reside exclusivamente na ausência, neste último, dos termos «profundo» e «investe», Requeremos o seguinte esclarecimento: — Entre um profundo comprometimento e um comprometimento que não seja profundo como deve ser medida a diferença? Isto é, que comportamentos configuram um profundo comprometimento, e que comportamentos configuram um comprometimento não profundo?
5.º Problema Descritor: «Participa no trabalho colaborativo e nos projectos da escola com alguma regularidade.» (Nível «Bom») Requeremos os seguintes esclarecimentos: — No contexto específico da «participação no trabalho colaborativo e nos projectos da escola», como se mede a regularidade no trabalho colaborativo? Aquele que participa no trabalho colaborativo com «regularidade» é aquele que colabora todos os meses, todas as semanas, algumas vezes por semana, todos os dias? Como se mensura, enquanto comportamento, a participação com «regularidade», no trabalho colaborativo? — O quantificador existencial «alguma» (regularidade), presente neste descritor, remete para uma indeterminação. Como deve ser medida essa indeterminação?
6.º Problema Descritor: «O docente demonstra alguma preocupação com a qualidade das suas práticas [...]» (Nível «Regular»). Descritor: «Revela alguma preocupação com as aprendizagens dos alunos [...]» (Nível «Regular»). Constata-se que ambos os descritores enunciam um estado de espírito: «preocupação». Requeremos os seguintes esclarecimentos: — Como se mensura um estado de espírito? Que critérios operativos devem ser utilizados para medir um estado de espírito? — Também neste descritor se encontra o quantificador existencial «alguma», que nos remete para uma indeterminação. Como é possível avaliar através de um quantificador indeterminado? Como é possível avaliar através de um quantificador indeterminado um estado de espírito?
7.º Problema Esta dimensão é composta por quatro domínios, sendo que dois desses domínios são avaliados apenas nos casos em que os professores têm aulas observadas. Todavia, existem descritores que sobrepõem domínios avaliáveis em situação de aula observada com domínios que são avaliados sem aulas observadas. Isto é, sobrepõem o domínio «preparar/organizar actividades lectivas» com o domínio «realizar actividades lectivas» (por exemplo, 4.º e 6.º descritores do nível «Excelente»). Requeremos o seguinte esclarecimento: — Nestes casos, como deve ser operacionalizada a avaliação?
8.º Problema Indicador: «Comunicação com rigor e sentido do interlocutor». Requeremos os seguintes esclarecimentos: — Que significado deve ser atribuído à expressão: «Comunicação [...] com sentido do interlocutor»? — Em termos avaliativos, qual a operacionalização que deve ser dada a este enunciado?
9.º Problema Descritor: «Constitui uma referência para o desempenho dos colegas com quem trabalha». Inexplicavelmente, este descritor não tem relação com qualquer um dos catorze indicadores. Requeremos os seguintes esclarecimentos: — Como deve ser contextualizado, em termos avaliativos, um descritor sem indicador? — Quais são os critérios que permitem avaliar, de modo fiável, se um professor é uma «referência»? — Neste caso concreto, o descritor enuncia que o professor deve ser uma referência, mas não indica «em quê»? Da ausência de especificação da referência deve inferir-se que o professor deve ser uma referência na totalidade dos catorze indicadores? Sendo assim, como se operacionaliza essa avaliação? Se não se refere a todos os indicadores, refere-se a quantos e a quais?
10.º Problema Descritor: «O docente evidencia elevado conhecimento científico, pedagógico e didáctico inerente à disciplina/área curricular.» Requeremos o seguinte esclarecimento: — O que se entende por «elevado conhecimento científico»? Qual a fronteira entre um conhecimento científico elevado e um conhecimento científico não elevado? — De que forma é que os professores podem revelar possuir «elevado conhecimento científico»? — Existem dois modos de se evidenciar ser detentor de conhecimento científico: através de texto escrito e através de texto oral. A nível oral: não sendo a aula (do ensino básico ou do ensino secundário) um local adequado para a apresentação de profundas exposições nem para demonstrações científicas que permitam aquilatar da elevação de um conhecimento, como pode/deve ser avaliado o elevado conhecimento científico de um professor? A nível escrito: que textos escritos deve o professor elaborar para demonstrar o seu «elevado conhecimento científico»? Escrever livros? Redigir ensaios? Publicar artigos em revistas da especialidade? Fazer um trabalho sobre uma determinada matéria? — Quem é detentor de autoridade e de credibilidade científica para avaliar o elevado conhecimento científico de alguém? — Do ponto de vista formal, para que o processo não seja a priori descredibilizado, o avaliador terá de possuir uma habilitação académica superior ao avaliado — tanto mais que será chamado a avaliar do elevado nível de conhecimento científico do seu avaliado. Todavia não é isto que se passa. Como se ultrapassa este problema?
11.º Problema Descritor: «Planifica com rigor, integrando de forma coerente e inovadora propostas de actividades, meios, recursos e tipos de avaliação das aprendizagens.» Em contexto pedagógico, a inovação, além de não ser um fim em si mesmo, muitas vezes, não é sequer um meio. Em contexto pedagógico, os problemas não só não têm de ser resolvidos de modo inovador como, em muitos casos, não devem ser resolvidos de modo inovador. Devem ser resolvidos de modo adequado a cada aluno, e esse modo adequado pode não ter nada de inovador. Assim, requeremos o seguinte esclarecimento: — Em termos de avaliação do desempenho do professor, como deve ser resolvido este problema (o descritor determinar uma prática e a pedagogia e o interesse do aluno determinarem outra)?
12.º Problema Descritor: «Planifica de forma adequada» A adequação de uma planificação só é susceptível de ser avaliada a posteriori. Só depois de aplicada é que o professor saberá se a planificação foi adequada, e, muitas vezes, não o consegue saber imediatamente após aplicação, e, outras vezes, nunca o virá a saber, com a certeza que gostaria de saber. Sendo assim, aquilo que poderá ser objecto de uma avaliação a priori (que é disto que se trata no presente descritor, porque são outros os descritores que abordam a prática) será apenas o carácter presumivelmente adequado da mesma, tendo em atenção as características da turma. Ou seja, o que será susceptível de ser avaliado é a fundamentação que o professor apresenta para optar por determinada planificação, e não por outra, em função do conhecimento dos seus alunos. Todavia, o professor relator não conhece a turma (não conhece rigorosamente nada, nos casos em que não observa aulas; e pouco mais que nada conhece, nos casos em que observa duas ou três aulas, conforme está previsto). Isto é, o professor relator não tem condições para avaliar se é adequada ou presumivelmente adequada a planificação elaborada pelo professor avaliado, por desconhecimento dos alunos aos quais ela se destina. Requeremos o seguinte esclarecimento: — Tendo presente esta impossibilidade, como deve ser feita a avaliação?
13.º Problema Descritor: «Promove consistentemente a articulação com outras disciplinas e áreas curriculares e a planificação conjunta com pares.» (Nível Excelente) É sabido que alguns advérbios avaliativos são de objectivação particularmente difícil ou mesmo impossível. É o caso do advérbio «consistentemente», presente neste descritor. Deste modo requeremos os seguintes esclarecimentos: — De que modo é possível determinar a fronteira entre uma promoção consistente e uma promoção não consistente? — Que critérios deve o avaliador utilizar para definir essa fronteira? — Se não definir essa fronteira, como poderá o professor relator avaliar o nível em que se situa o desempenho do professor avaliado?
14.º Problema O descritor do nível «Excelente» enuncia: «Concebe e aplica estratégias de ensino adequadas às necessidades dos alunos e comunica com rigor e elevada eficácia.» Por sua vez, o descritor do nível «Muito Bom» diz: «Concebe e aplica estratégias de ensino adequadas às necessidades dos alunos e comunica com rigor e eficácia.» Constata-se, nestes dois descritores, que a diferença entre um professor «Excelente» e um professor «Muito Bom» reside no facto de um comunicar com «elevada eficácia» e o outro comunicar apenas com «eficácia». Isto pressupõe afirmar que é possível determinar, com clareza, a diferença entre uma eficácia «elevada» e um eficácia «não elevada». Deste modo, requeremos os seguintes esclarecimentos: — Como se determina a fronteira entre uma comunicação realizada com «elevada eficácia» e uma comunicação realizada com uma eficácia não elevada? — Quais são os instrumentos avaliativos que possibilitam a medição da eficácia?
15.º Problema A primeira parte do quarto descritor do nível «Bom» enuncia: «Procura adequar as estratégias de ensino às necessidades dos alunos [...]» A primeira parte do descritor do nível «Regular» diz: «Implementa estratégias de ensino nem sempre adequadas às necessidades dos alunos [...]» «Procurar adequar as estratégias» significa que o professor tenta implementar estratégias adequadas, o que comporta a possibilidade de não conseguir implementar estratégias adequadas. Apesar disso, segundo o descritor, este desempenho situa-se no nível «Bom». Todavia, um professor que efectivamente implemente estratégias de ensino adequadas, ainda que nem sempre o faça, é penalizado e classificado como «Regular». Requeremos o seguinte esclarecimento: — Um professor que implemente estratégias de ensino adequadas, ainda que nem sempre o consiga deve ser penalizado relativamente a um outro que apenas procura adequar as estratégias, mas que pode não conseguir implementá-las?
Acabámos de referir exemplos de problemas relativos às duas primeiras dimensões dos Padrões de Desempenho. Todavia, problemas desta natureza repetem-se nas restantes dimensões. Estamos, deste modo, confrontados com a dificuldade de ultrapassar estes obstáculos e estes problemas. Problemas que, enquanto não esclarecidos, objectivamente nos impedem de prosseguir os trabalhos relativos ao processo avaliativo. A seriedade profissional a que estamos obrigados exige que requeiramos junto de V. Exa., ou de quem V. Exa. considerar dever endereçar, estes imprescindíveis esclarecimentos. Amora, 15 de Fevereiro de 2011” Surripiado do blogue "O estado da educação e do resto", depois de confirmação telefónica da sua autenticidade.
Apache, Fevereiro de 2011

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Quem cala consente!

«“Que patifes, as pessoas honestas” é uma citação atribuída ao escritor francês Émile Zola, que me revisita sempre que vejo os políticos justificarem com o manto diáfano da legalidade comportamentos que a ética e a moral rejeitam. E é ainda Zola que volta quando a incoerência desperta o meu desejo de falar, para não ser tomado por cúmplice. Foi duplamente incoerente o apelo ao respeito e à valorização dos professores que Cavaco Silva fez há dias em Paredes de Coura. Incoerente quando confrontado com o passado recente e incoerente face ao que tem acontecido no decurso da própria campanha eleitoral. Em 2008 e 2009, os professores foram continuamente vexados sem que o Presidente da República usasse a decantada magistratura de influência para temperar o destempero. E foi directa e repetidas vezes solicitado a fazê-lo. Por omissão e acção suportou e promoveu políticas que desvalorizaram e desrespeitaram como nunca os professores e promulgou sem titubear legislação injusta e perniciosa para a educação dos jovens portugueses. Alguma ridícula e imprópria de um país civilizado, como aqui denunciei em artigo de 11.9.06. Já em plena campanha, Cavaco Silva disse num dia que jamais o viram ou veriam intrometer-se no que só ao Governo competia para, dias volvidos, aí intervir, com uma contundência surpreendente, a propósito dos cortes impostos ao ensino privado. Mas voltou a esconder-se atrás do silêncio conivente, agora que é a escola pública o alvo de acometidas sem critério e os professores voltam a ser tratados, aos milhares, como simples trastes descartáveis. Imaginemos que o modelo surreal para avaliar professores se estendia a outras profissões da esfera pública. Que diria Cavaco Silva? Teríamos, por exemplo, juízes relatores a assistirem a três julgamentos por ano de juízes não relatores, com verificação de todos os passos processuais conducentes à sentença e análise detalhada do acórdão que a suportou. Teríamos médicos relatores a assistirem a três consultas por ano dos médicos de família não relatores; a verificarem todos os diagnósticos, todas as estratégias terapêuticas e todas as prescrições feitas a todos os doentes. Imaginemos que os juízes teriam que estabelecer, ano após ano, objectivos, tipo: número de arguidos a julgar, percentagem a condenar e contingente a inocentar. O mesmo para os médicos: doentes a ver, a declarar não doentes, a tratar directamente ou a enviar para outras especialidades, devidamente seriadas e previstas antes do decurso das observações clínicas. Imaginemos que o retorno ao crime por parte dos criminosos já julgados penalizaria os juízes; que a morte dos pacientes penalizaria os médicos, mesmo que a doença não tivesse cura. Imaginemos, ainda, que o modelo se mantinha o mesmo para os juízes dos tribunais cíveis, criminais, fiscais ou de família e indistinto para os otorrinolaringologistas, neurologistas ou ortopedistas. Imaginemos, agora, que um psiquiatra podia ser o relator e observador para fins classificativos do estomatologista ou do cirurgião cardíaco. Imaginemos, por fim, que os prémios prometidos para os melhores assim encontrados estavam suspensos por falta de meios e as progressões nas respectivas carreiras congeladas. Imaginemos que toda esta loucura kafkiana deixava milhares de doentes por curar (missão dos médicos) e muitos cidadãos por julgar (missão dos juízes). A sociedade revoltava-se e os profissionais não cumpririam. Mas este modelo, aplicado aos professores, está a deixá-los sem tempo para ensinar os alunos (missão dos professores), com a complacência de parte da sociedade e o aplauso de outra parte. E os professores cumprem. E Cavaco Silva sempre calou. Ultrapassámos os limites do tolerável e do suportável. Ontem, o estudo acompanhado e a área-projecto eram indispensáveis e causa de sucesso. Hoje acabaram. Ontem, exigiram-se às escolas, planos de acção. Hoje ordenam que os atirem ao lixo. Ontem Sócrates elogiou os directores. Hoje reduz-lhe o salário e esfrangalha-lhes as equipas e os propósitos com que se candidataram e foram eleitos. Ontem puseram dois professores nas aulas de EVT em nome da segurança e da pedagogia activa. Hoje dizem que tais conceitos são impróprios. Ontem sacralizava-se a escola a tempo inteiro. Hoje assinam o óbito do desporto escolar e exterminam as actividades extracurriculares. Ontem criaram a Parque Escolar para banquetear clientelas e desorçamentar 3 mil milhões de dívidas. Hoje deixaram as escolas sem dinheiro para manter o luxo pacóvio das construções ou sequer pagar as rendas aos novos senhores feudais. Ontem pagaram a formação de milhares de professores. Hoje despedem-nos sem critério, igualmente aos milhares. Os portugueses politicamente mais esclarecidos poderão divergir na especialidade, mas certamente acordarão na generalidade: os 36 anos da escola democrática são marcados pela permanente instabilidade e pelo infeliz desconcerto político sobre o que é verdadeiramente importante num sistema de ensino. Durante estes 36 anos vivemos em constante cortejo de reformas e mudanças, ao sabor dos improvisos de dezenas de ministros, quando deveríamos ter sido capazes de estabelecer um pacto mínimo nacional de entendimento acerca do que é estruturante e incontornável para formar cidadãos livres. Sobre tudo isto, o silêncio de Cavaco Silva é preocupante e obviamente cúmplice.»
Santana Castilho, Professor do ensino superior, no jornal "Público" do passado dia 19 de Janeiro

sábado, 12 de fevereiro de 2011

“Português Técnico” (agora) por Alexandra Marques

No ofício OFC-DGIDC/2011/2 enviado esta semana às escolas, a senhora Directora-Geral (da Direcção-Geral da Inovação e Desenvolvimento Curricular), Educadora Maria Alexandra Castanheira Rufino Marques escreve, no ponto 2, alínea b), o seguinte: “O PIT incide sobre a(s) disciplina(s) em que o aluno no momento em que ultrapassa esse limite pela 1.ª vez nessa(s) disciplina(s) nos restantes ciclos do ensino básico e do ensino secundário.” Ao ler o texto da senhora educadora recordei outra, igualmente ilustre, educadora de infância, também alta dirigente do Ministério da Educação, no caso a (há época) Directora Regional de Educação do Norte, Margarida Moreira, que escreveu num certo ofício: "O pagamento dos Magalhães, nos casos em que a isso os pais sejam obrigados, estão a receber informação por sms devendo, em todas, constar a entidade 11023" e num outro: “Os perigos de intempérie, inusitados em alguns concelhos, estão circunscritos, no momento, à segurança na estrada dos nossos alunos (gelo).” É certo que o uso desta novilíngua tem um lado positivo, pois sempre que um colega está com um ar enfadado podemos recomendar-lhe a leitura de um ofício destes. Mas às vezes, na Sala de Professores, ouço colegas a questionarem-se sobre quantos destes espécimes ocuparão altos cargos neste Governo do “engenheiro domingueiro” e receio que possam não estar cardiovascularmente preparados para saberem a resposta. P.S. Aos mais sensíveis convém dizermos que Alexandra Marques é o alter-ego de Margarida Moreira.
Apache, Fevereiro de 2011

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

“PISA: mentiras, perplexidades e factos”

Ainda a propósito do desempenho dos alunos portugueses nos últimos testes PISA, em jeito de resumo do que pela “blogosfera”, e não só, se escreveu, deixo o texto do professor Santana Castilho, no jornal Público, de hoje. “Assentou a poeira e desfez-se a espuma dos dias. É tempo de analisar as mentiras, recordar os factos e partilhar perplexidades. Andreas Schleicher, director do PISA, é claro quando diz ao que o programa veio: medir quanto “value for money” (conceito económico que exprime a utilidade do dinheiro despendido) resulta dos sistemas de ensino em análise. O PISA não se ocupa de determinar e comparar todo o conhecimento que deriva dos vários domínios curriculares. O PISA centra-se na capacidade para resolver problemas básicos, detida por jovens com idades compreendidas entre os 15 anos e quatro meses e os 16 anos e quatro meses. Sendo de inegável utilidade, este quadro é redutor porque deixa de fora valências humanistas e culturais dos sistemas de ensino. Merece alguma reflexão ver democracias líderes do desenvolvimento tecnológico e científico mundial (Alemanha, França, Reino Unido e USA) remetidas para posições modestas no PISA, enquanto um sistema ditatorial se guinda ao primeiro lugar do ranking (Xangai). Com a ressalva supra, é incontestável a importância de todo o manancial de informação que o PISA proporciona. Mas a contrapartida para esse benefício está a tornar-se perniciosa: as orientações que dele emanam têm vindo a ser aceites com uma preocupante atitude reverencial. Os resultados obtidos pelos estudantes portugueses em 2009 melhoraram muito e isso é bom. Mas onde estamos? No último terço da tabela dos 33 países da OCDE. Abaixo da média em todos os domínios considerados (489 pontos em leitura, 487 em Matemática e 493 em ciências, para médias da OCDE de 493, 496 e 501, respectivamente). E tudo isto por referência a 698 pontos possíveis. Cerca de 19 por cento dos nossos estudantes não souberam justificar por que devem lavar a língua quando lavam os dentes, sendo certo que a resposta estava contida no texto do teste; 23,7 por cento não souberam fazer uma simples conversão cambial; e nas ciências, 16,5 por cento não responderam a uma pergunta de nível 1, o mais baixo dos 6 cotados. Justifica isto a histeria de Sócrates e dos cronistas do regime e a recuperação de defuntos políticos? A propaganda lida mal com os factos. Mas eles existem. Continuemos a recordá-los. Sócrates disse que os resultados de 2009 são fruto: - Das políticas começadas em 2005 e do trabalho de Maria de Lurdes Rodrigues. Falso. Os jovens que responderam aos testes pertencem à primeira geração positivamente condicionada pela generalização do pré-escolar, promovida por Marçal Grilo, e conheceram 4 ministros da educação, que Sócrates olimpicamente ignora (Santos Silva, Júlio Pedrosa, David Justino e Carmo Seabra). - Da introdução da banda larga e dos computadores portáteis. Falso. Os jovens testados não fruíram do programa “Magalhães”. Na análise dos resultados de 2009, o PISA estabelece uma correlação entre os resultados e dois indicadores: o acesso à internet e a posse de uma biblioteca em casa. E que verificamos? Que os possuidores de biblioteca superam em cerca de 20 pontos, em todos os domínios medidos, os que só têm acesso à internet. - Do modelo de avaliação do desempenho dos professores de Lurdes Rodrigues. Falso. Todos sabem que tal coisa não foi aplicada até 2009. - Do novo regime de gestão das escolas. Falso. Todas as escolas frequentadas pelos alunos testados foram ainda geridas sob o antigo sistema, isto é, por conselhos executivos eleitos pelos professores. Mas a cereja em cima da pisa deste contexto de manipulações primárias radica nas legítimas suspeições que a amostra portuguesa suscita. Deveria ser aleatória e estratificada. Mas tudo indicia que não foi. Só o conhecimento da listagem das escolas e dos alunos seleccionados apagaria a suspeita que detenho e assim fundamento: - Terão sido inicialmente indigitados 8480 alunos. Podem subsistir exclusões (falta de autorização parental, insuficiente domínio linguístico ou deficiências profundas). O relatório técnico da OCDE diz que a sua taxa média de exclusão foi 3,32 por cento e que a portuguesa foi 1,5 por cento. Mas terão respondido apenas 6298 alunos. A taxa de exclusão salta assim para uns anormais 25,73 por cento. Que aconteceu a 2182 alunos? - Fica gravemente comprometida a representatividade de uma amostra quando se treinam alunos e professores para responder aos testes do PISA. O próprio organismo responsável pela administração do PISA em Portugal, o GAVE, confessa-o a páginas 36 e 37 do seu relatório de actividades de 2009. - O 10º ano é o adequado à faixa etária dos alunos testados. A proporção dos alunos do 7ºano (tri-repetentes) e do 8º ano (bi-repetentes) presentes na amostra de 2009 é bem menor relativamente à amostra de 2006. E os que frequentam o 10º e o 11º ano sobem consideravelmente na amostra de 2009. O peso das escolas privadas quase triplicou. Sendo inquestionável que estas circunstâncias têm enorme peso nos resultados, mandaria a transparência do processo que a OCDE não se escondesse atrás do Governo e este não invocasse estranhos contratos de confidencialidade com a OCDE, num sinuoso ciclo que só fomenta desconfiança. - Ao mesmo tempo que o Eurostat revela que Portugal é o país da Europa com mais crianças pobres, que cantinas escolares matam fome em férias e aos fins-de-semana, a amostra portuguesa é composta por alunos que dizem ter 2 ou mais computadores em casa (mais de 70 por cento) e 2 automóveis (60 por cento), indicadores que superam as médias da OCDE e nos permitem questionar a validade da amostra. Pisados, mas não estúpidos!”
Apache, Dezembro de 2010

sábado, 11 de dezembro de 2010

“As consequências nefastas de certas práticas pedagógicas”

«Ao ler o livro “O valor de educar, o valor de instruir” da Fundação Francisco Manuel dos Santos fiquei ainda mais convicto de que temos de contestar essas vozes perturbadoras da educação em Portugal (e noutros países!) pelo desaire patenteado, nestes últimos tempos, num sector que deve ocupar um lugar predominante na nossa sociedade e que se arruína cada vez mais. Nestas últimas décadas tem havido variadas transformações, como é óbvio, pois é uma área em permanente evolução e onde se concentram teorias e práticas inspiradas em doutrinas e pensamentos diversificados, mas não exageremos, pois deve existir equilíbrio nas mudanças que se pretendem entre as práticas existentes e aquelas que se desejam introduzir, nunca se rompendo totalmente com o passado só pelo facto de se ir ao encontro de modas culturais que, por vezes, prejudicam as boas praxes rejeitando-as apenas numa perspectiva ideológica sem obedecer a critérios definidos. Mudar sim, destruir não, pois há certos iluminados, abstraídos da realidade, embrenhados em teorias facciosas que não se coadunam com a realidade dos nossos estudantes e das nossas escolas. Ricardo Moreno Castillo, professor e especialista na área de educação, diz que a lei implementada em Espanha, na década de 90, consistia em igualar, por decreto, todos os alunos, menosprezando o esforço e a disciplina como algo pertencente ao passado fascista e reaccionário. São os tais erros que se pagam muito caros, pois em Portugal passou-se precisamente o mesmo: acabaram com o ensino profissional que estava a dar incomensuráveis resultados; baniram certas práticas pedagógicas, sobretudo no ensino da Língua Portuguesa, Matemática e outras; apregoou-se o facilitismo e o nivelamento dos estatutos entre professores e alunos; acentuou-se bastante o ensino por competências em detrimento dos conhecimentos… a este propósito o autor, acima citado, refere: «como é que vamos ensinar a competência de fazer uma conta de dividir sem ter conhecimento prévio da tabuada? Como pode ter competência de traduzir um texto latino quem não aprendeu previamente as declinações e as conjugações? Como se pode analisar gramaticalmente um texto quando se carece do conhecimento que permite distinguir um substantivo de um verbo, ou uma preposição de uma conjunção? Ensinar competências não é nenhuma novidade, é algo que sempre fizeram os bons mestres do mundo (…) e para que os alunos tenham os conhecimentos necessários prévios a qualquer competência, não há outro remédio senão exigir-lhes que estudem. E para que essa exigência seja efectiva, pois terão de aprender a tabuada, as declinações latinas e a lista das preposições. Sim, ensinar a lição, como sempre se fez, sem complexos e sem medo de parecerem professores obsoletos, caducos ou nostálgicos e dar má nota a quem não sabe. E se um aluno ficar traumatizado por ter má nota que se aguente (…) O importante não é saber conteúdos, mas formar pessoas. Mas formar pessoas sem dar conhecimentos é tão impossível como arrumar os móveis de um quarto vazio. Uma pessoa formada é a que tem os seus conhecimentos bem arrumados e estruturados na sua cabeça, não a que tem a cabeça vazia.» Esta longa citação veio dar razão àquilo que sempre fiz como professor, remando, em certo tempo, contra a maré, pois algumas práticas eram consideradas antipedagógicas, por exemplo, quando mandava conjugar os verbos com aquela lengalenga que todos conhecem (eu estudo, tu estudas, ele estuda…), mas que os alunos gostavam e aprendiam, quando se faziam exercícios ortográficos (ditados e cópias, aprende-se a escrever, escrevendo), quando se era exigente e mantinha-se a autoridade na sala de aula (o professor é quem manda na sala de aula para que haja a verdadeira qualidade no ensino!), quando se aproveitava a interpretação de textos para transmitir certos valores aos alunos…é evidente, e ainda bem, que hoje, algumas dessas práticas, aceitam-se melhor, mas ainda há muito a fazer para se acabar totalmente com certos preconceitos, sobretudo na exigência e na autoridade dos professores, factores fundamentais, em decadência constante, onde é urgente intervir. Ricardo Moreno Castilho aponta, no seu texto do livro já citado (onde escrevem também outros estudiosos: Fernando Savater, Nuno Crato e Helena Damião) as várias causas para o fracasso escolar em Espanha, passando-se precisamente o mesmo no nosso país, na medida em que não se protege o direito de estudar. O aluno que perturba está a prejudicar o seu colega, não tendo havido a coragem suficiente do poder político para castigar os prevaricadores e defender os que livremente querem estudar, assim como os professores na sua tarefa de ensinar. Diz ele: «Não existe propriamente um ensino obrigatório. Não é obrigatório estudar (pode passar-se de um ciclo para outro reprovado a oito disciplinas), nem respeitar os colegas e professores, nem acatar normas obrigatórias em qualquer lugar público. Quando um aluno é grosseiro com um professor, não é obrigatório pedir perdão. E a expulsão não é um castigo para quem não quer estudar, antes pelo contrário (…) O nosso sistema educativo confunde aprender com estar encerrado. Um estudante que chega aos dezasseis anos sem saber a tabuada, ou dando erros ortográficos, não aprendeu, mesmo que tenha cumprido o ensino obrigatório…» O autor fala de Espanha, mas em Portugal, infelizmente, passa-se a mesma coisa, os problemas são similares. Neste artigo citei o autor em questão com o objectivo de transmitir, através dele, o que penso sobre o sistema de ensino em Portugal e noutros países, pois podemos dar o nosso contributo para que possamos ter escolas a funcionarem sem atropelos, retribuindo a cada agente educativo o seu verdadeiro estatuto.»
Salvador de Sousa ex-professor da Escola Monsenhor Elísio de Araújo, no "Diário do Minho" da passada terça-feira

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

“Relato de uma fraude”

O texto que se segue, expressivo de uma realidade vivida (infelizmente) em cada vez mais escolas deste país, passou-me à data, despercebido. Hoje, um colega falou-me dele e achei por bem publicá-lo, até porque, contrariamente a outros textos do mesmo autor, não se vê muito pelos blogues. "Há cerca de um mês, a ministra da Educação chamou ao acto de estudar "assim uma espécie de desporto do cérebro". E a História registou. Agora, confrontada com os resultados dos exames nacionais do básico e do secundário, crescentemente dominados por escolas privadas, a Dra. Isabel Alçada lançou, toda orgulhosa e contentinha, outra frase para a eternidade: "A escola pública está aberta a todas as crianças." Convencida de que o defende, a Dra. Isabel Alçada acaba por denunciar o principal equívoco do ensino contemporâneo: a crença de que a função da escola é dar provas de democracia e não provas de competência. No tipo de mundo que levou a autora de Uma Aventura ao poder, a inclusão, ou, em português de gente, o simulacro de caridade, é preferível à instrução. Claro que a ideia de uma escola que não exclui ninguém independentemente de raça, classe, religião, maneiras ou volume de massa encefálica é lindíssima. Ainda por cima, é falsa. Por incrível que pareça, há crianças cujas peculiaridades, digamos, as afasta do ensino "normal". Ou seja, contra as próprias leis da lógica, à medida que desce o grau de exigência aumenta a quantidade de alunos incapazes de o alcançar. É também para essas criaturas que se criaram as Novas Oportunidades e, dentro das Novas Oportunidades, as vias profissionalizantes. Segundo a retórica oficial, o "desígnio nacional" das vias profissionalizantes consiste em "combater o abandono e o insucesso escolares de forma a elevar o nível de qualificação dos jovens portugueses", suponho que na impossibilidade de elevar o nível de quem escreve "profissionalizante" sem se rir. Na realidade, porém, as coisas passam-se de modo um bocadinho diferente do pretendido. Há dias, durante o jantar, uma prima apresentou-me aos CEF. Se bem percebi, os CEF são os Cursos de Educação e Formação e, desde que concluídos, correspondem ao 6.°, 9° ou ao 12° anos de escolaridade. Destinam-se a indivíduos com idade mínima de 15 anos que, na sua maioria, foram capazes de reprovar consecutivamente num sistema que só reprova alguém por engano. Finalmente, decorrem em escolas públicas ou em misteriosas empresas privadas. A minha prima lecciona numa destas. "Leccionar" é eufemismo para o que ali acontece. Na prática, os "formadores" gastam as aulas a tentar evitar agressões e a não conseguir evitar insultos e ameaças de uma plateia enfurecida. A plateia, de que uma razoável percentagem possui cadastro e um percurso de vida susceptível de comover assistentes sociais, comparece nas aulas a troco de subsídios de alimentação e de transporte. Aliás, o eventual atraso dos subsídios é o único motivo que leva os familiares dos alunos a revelarem a sua existência, através de telefonemas impacientes para a secretaria da escola em causa. Os formadores mostram superior flexibilidade: em geral, passam meses sem receber um cêntimo. Uns desistem, do emprego e do dinheiro que o Estado paga e que os donos da escola retêm indefinidamente. De qualquer modo, os salários que raramente auferem não cobrem os estragos com que os alunos, na doce irreverência da juventude, brindam os seus automóveis. Por isso, os formadores optam por estacionar os carros a quilómetros do emprego, o que fomenta as caminhadas e modera a hipertensão. Infelizmente, a pressão arterial dos docentes regressa a valores perigosos durante o expediente, um tumulto ininterrupto que os responsáveis da escola procuram conter em limites decentes, leia-se idênticos aos da antiga penitenciária do Carandiru. A semelhança do que sucedia no Carandiru, nos CEF decorrem negociações regulares entre as autoridades e os revoltosos. A semelhança do que sucedia no Carandiru, nos CEF as negociações falham e os revoltosos, habitualmente sob o efeito de álcool e drogas de pesos diversos, desatam a partir o que lhes surge pela frente, incluindo formadores. Nos últimos tempos, alguns formadores decidiram retribuir. Cansados de serem enxovalhados, juntam-se em pequenos grupos, atraem um aluno particularmente entusiasmado para um local esconso e enchem-no de pancada. Nesta fase do relato, interrompi a minha prima, que fui ouvindo com a mistura de deslumbre e de pavor que se dedica a um antropólogo recém-chegado de uma temporada no meio dos selvagens do Bornéu, sem ofensa para os selvagens do Bornéu. A diferença é que, no caso, o Bornéu fica no centro do Porto, num dos inúmeros altares à sabedoria erguidos pelo Eng.º Sócrates para, relembro, elevar o nível de qualificação dos jovens portugueses. É verdade que a selvajaria que constitui o quotidiano dos CEF não se restringe aos centros urbanos, e já na semana em curso um vídeo divulgado na Internet demonstra que a rapaziada de um determinado CEF de Castelo Branco pede meças aos seus colegas do Litoral em matéria de fúria destruidora. Será igualmente verdade que nem todos os CEF se resumem a campos de delinquência, e nem todas as turmas se resumem a criminosos. Mas é evidente que as excepções não redimem a regra: a regra é que prejudica, e toma escusadas, as excepções. O Governo, naturalmente, discorda e continua a exibir os CEF, as Novas Oportunidades e tralha afim como maravilhosos exemplos da "aposta" na "educação". É quase fascinante imaginar a cara de pau ou o sangue-frio necessários para se vender tamanha fraude a título de proeza. E fascina mesmo pensar que, longe de se esgotar na educação, a fraude percorre tudo, contamina tudo, arrasa tudo. Hoje, a fraude é o País."
Alberto Gonçalves, na revista "Sábado" do passado dia 21 de Outubro

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Olhando o PEC III

No passado dia 11 de Outubro, José Calçada, Presidente do Sindicato dos Inspectores da Educação e do Ensino, dirigia-se assim aos colegas: «O militar prussiano do século XIX Carl von Clausewitz, na sua famosa obra “Da guerra”, ensinou-nos que “a guerra é a continuação da política por outros meios” – permitindo-nos assim compreender que, de modo simétrico, a política pode ser a continuação de uma guerra por outros meios. É inevitavelmente esta terrível compreensão que acode à nossa inteligência e à nossa emoção no momento em que somos confrontados com as últimas medidas tomadas pelo Governo, integradas no chamado PEC III, configurando o mais violento ataque até agora desferido contra a Administração Pública. O roubo, a rapina, a espoliação exercida sobre todos nós, funcionários públicos, a prática do quero-posso-e-mando, à revelia do Estado de direito democrático ou da figura do Estado-enquanto-pessoa-de-bem, a violação dos princípios da segurança jurídica e da irredutibilidade/intangibilidade dos vencimentos, constitucionalmente garantidos – tudo isto se assume, objectivamente, como uma política enquadradora de uma guerra contra os funcionários. Em termos da redução salarial que nos é imposta, e que nos faz recuar para posições de há alguns anos atrás, a maioria dos Inspectores é brutalmente atingida com cortes de 8,65% – equivalentes a cerca de menos €300 (trezentos euros) por mês, num vencimento bruto de €3447 –, cortes que nem sequer se destinam a uma duração limitada no tempo, antes se assumem como permanentes, isto é, concretizam novos patamares salariais decididos unilateralmente, sem audição das organizações representativas dos trabalhadores, como obriga, na circunstância, a Constituição da República. Mas os cortes não se ficam por aqui… Numa área que é por inerência relevante na operacionalização do trabalho inspectivo, as ajudas de custo são reduzidas em 20% e os subsídios de transporte em 15% – e, sabendo como umas e outros se encontravam já em níveis insuportáveis para os Inspectores, os serviços acabarão por desaguar na indigência e na paralisia. Esta autêntica blitzkrieg nem o SIADAP poupa – o que constitui uma ironia, num processo pensado para poupar –, ficando suspensos prémios e progressões na carreira. As pensões de aposentação foram congeladas – e, desde já, os colegas que venham a aposentar-se no decurso da vigência destas medidas governamentais verão os valores das suas pensões severamente atingidos. Isto é: ninguém escapa, excepto aqueles para quem escorre o dinheiro que nos é espremido! Em termos de economia, as coisas funcionam como vasos comunicantes: quando o dinheiro é comprimido num lado, ele não desaparece, limita-se a escapar para algum outro lado. Trata-se do b-a-bá da economia, nenhum de nós precisa de fazedores de opinião para entendermos isto. A tese, que o Governo quer fazer passar, de que esta guerra à função pública é “inevitável” por “inexistência de alternativas” – é absolutamente falsa, quer económica, quer política, quer socialmente. Esta guerra é uma opção do governo, a favor de uns e contra outros. Há outras saídas para combater o défice do Estado, sem com isso sacrificar os que sempre são sacrificados, lutando contra o desemprego e promovendo o desenvolvimento do país. Não é preciso destruir os salários e as pensões, sendo que não é neles que se encontra a raiz da actual “crise”, nem foram eles que provocaram o défice orçamental de 15 mil milhões de euros (€15.000.000.000). Na verdade, em 1975, as remunerações, sem incluir as contribuições sociais, representavam 59% do PIB – ao passo que em 2009 representam apenas 34%! Hoje, estamos num país onde quase três milhões de pessoas vivem com menos de 10 euros por dia e cerca de 250.000 com menos de 5 euros; ou, de outro modo, 2.000.000 vivem abaixo do limiar da pobreza e outros 2.000.000 também aí se situariam se lhes fossem retirados os apoios sociais. No entanto, se olharmos para o-outro-lado-do-país, o Estado sabe que poderia arrecadar pelo menos mais €500.000.000 através da aplicação à banca e aos grandes grupos económicos de uma taxa efectiva de IRC de 25%; que poderia arrecadar pelo menos mais €135.000.000 através de um novo imposto sobre as transacções em bolsa; que, finalmente, deveria concretizar um imposto sobre as transferências financeiras para offshores e paraísos fiscais, cerca de €2.200.000.000, base 2009. Estaríamos a falar de um acréscimo da receita fiscal anual, global, no valor de €2.835.000.000. (Para já não falarmos na tributação dos que apostam na economia paralela e clandestina, a qual significará hoje um mínimo de 20% do PIB real). Isto, claro, se o Governo olhasse também para o-outro-lado-do-país – e não apenas para os funcionários públicos… Como claramente se demonstra, estas medidas do Governo, para além de injustas e socialmente desequilibradas, não são nem “inevitáveis”, nem consequência de “ausência de alternativa”. Por tudo isto – naturalmente que em conjunto com outras forças sindicais – vamos lutar contra elas, em todos os planos legal e constitucionalmente admissíveis. Desde já, fazendo aqui um apelo muito forte para a participação de todos nós, Inspectores, na Greve Geral convocada pela CGTP e pela UGT para o próximo dia 24 de Novembro. Não podemos ficar de braços cruzados ou em simples conversa-de-café. É preciso dizer “Não!”, é preciso dizer “Basta!” – é fundamental estarmos todos na Greve Geral! É como temos afirmado nos Fóruns do nosso Sindicato: “Quando se luta, nem sempre se ganha; quando não se luta, perde-se sempre”. Estas são, sem dúvida, lutas prolongadas, e são-no sempre que no presente, e pelo presente, não perdemos a perspectiva do futuro – e falamos de lutas que podem assumir muitas formas. O nosso Sindicato, por exemplo, está em contacto com outras forças sindicais, nomeadamente com o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público e com a FENPROF, com vista ao estudo da hipótese de impugnação judicial da Lei do Orçamento do Estado para 2011, caso ela venha a ser aprovada na Assembleia da República com os previstos cortes salariais para a Administração Pública. Uma coisa há que não podemos fazer, nem ninguém compreenderia que fizéssemos: ficarmos quietos.»

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

“O mistério dos 400 milhões de euros desaparecidos”

“Tornou-se um falso dado adquirido na coreografia retórica em torno do défice, do aumento da despesa pública e daqueles a quem é útil apontar o dedo como causa da desgraça fabricada por incompetente governação. Embora o valor possa ter tido origem na máquina comunicacional do governo, rapidamente foi adoptado como bom por ‘experts’ da oposição para fazer passar a mensagem: o acordo entre o Ministério da Educação e os sindicatos de professores foi desastroso para as finanças públicas porque acarretou um encargo adicional de 400 milhões de euros. A falsidade é de tal maneira evidente, e desmontá-la é tão óbvio, que é trágico como consegue continuar a ser reproduzida, desde gente que demonstra a sua incapacidade técnica ou então a sua extrema credulidade, isto para não falar em outros casos que já raiam o foro do delírio patológico. Comecemos pelos números. De acordo com os números mais recentes, existirão cerca de 115 000 professores nos quadros do ME. Segundo quem diz que sabe, o acordo feito em Janeiro (atenção que o acordo foi para o ECD, nem sequer foi directamente sobre o modelo de avaliação, sendo que a estrutura da carreira impede progressões automáticas em dois níveis) teria implicado o tal encargo suplementar de 400 milhões de euros. Não vou prender-me sequer com a demonstração, ao nível micro, da falsidade da alegada progressão automática de todos os docentes. Vou apenas pela tentativa de desmontagem dos números. Mesmo que todos os professores tivessem progredido em função do acordo - o que já de si é totalmente falso -, cada professor teria direito a receber mais 3500 euros este ano, o que implicaria um acréscimo bruto de 250 euros mensais. Consultando qualquer tabela salarial percebe-se que a maioria das transições acontece abaixo dos 200 euros e algumas rondam apenas os 100 euros ilíquidos. Logo, gostaria de saber que contas foram feitas, pois a generalidade dos professores que subiram de escalão o fez por ter completado mais do que o tempo suficiente para transitar e outros que ainda nem progrediram, sendo que isso já estava previsto no OE para 2010. Mas há ainda a cronologia. E essa ainda é mais gritante na forma como desmente o que é afirmado. O acordo ME/sindicatos foi assinado em Janeiro de 2010. Quando PS e PSD acordaram o pacote de austeridade em Maio já se sabia qual o efeito desse acordo, que directamente era quase irrelevante, pois, como referi atrás, as progressões em virtude da avaliação de 2007-09 já estavam previstas no OE e as decorrentes da apreciação curricular intermédia são uma minoria. Logo, qualquer derrapagem entre Maio e Setembro não pode ser assacada a qualquer acordo com os professores, mas a uma de duas hipóteses principais: mistificação voluntária dos números em Maio ou pura incompetência técnica da equipa das Finanças. É como a história dos submarinos... já se sabe há muito o que custam. Qualquer derrapagem da despesa pública desde Maio, cuja origem o Governo não desvenda, não pode de modo algum ser atirada para as costas largas dos professores, por ser absolutamente inverosímil. Que o Governo, o maior partido da oposição e a miríade de opinadores e especialistas-satélite se prestem a repetir essa falsidade em público é uma absoluta vergonha. O que está em causa é que desde final de 2009, quando o PSD apoiou o Governo na não suspensão do modelo de avaliação, as progressões suspensas desde 2005 tinham de ser desbloqueadas para os professores avaliados e em condições há muito para progredir. E isso é anterior a qualquer acordo. Era bom que todos, sindicatos incluídos, o declarassem, a bem da verdade dos factos.”
Paulo Guinote, Professor do 2.º CEB, Doutorado em História da Educação, no “Público” da passada terça-feira

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Conflito de Culturas

“A luta entre os professores e o Ministério da Educação é um conflito de culturas e civilizações. Se permitirmos que o Ministério vença, os nossos netos serão selvagens.”
José Luiz Sarmento, autor do blogue “As minhas Leituras”