quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Dom Sócrates I – A pérfida

«Acompanhado de um séquito de subalternos e repórteres (nem sempre se distinguem), o senhor primeiro-ministro visitou uma feira chamada Portugal Tecnológico, no Parque das Nações. Visto tratar-se do Dia Europeu sem Carros, o senhor primeiro-ministro chegou de transporte público: "Gosto muito de andar de metro e comprei bilhete de ida e volta", esclareceu. Depois, deixou-se transportar até à feira propriamente dita num, cito os jornais, "minibus eléctrico autoguiado", um carrinho da ‘bem portuguesa’ Siemens, que, em jargão de engenharia, o senhor primeiro-ministro definiu como "um elevador que anda na horizontal". Após o senhor primeiro-ministro contactar com outras invenções assim assombrosas, um grupo de crianças juntou-se-lhe de forma espontânea. O senhor primeiro-ministro, a que as crianças se referiram por "senhor presidente" ("Sua Alteza" seria na mesma adequado), aproveitou para uma troca informal de ideias no complexo domínio da informática: "Não acham que o Magalhães trouxe benefícios às escolas?" As crianças responderam que sim. "Não acham que o Magalhães vos prepara para trabalharem com as novas tecnologias de informação no futuro?" As crianças responderam que sim. "Não acham que o Magalhães vos ajuda a aprender?" O senhor primeiro-ministro respondeu: "Pois, eu também acho." Por fim, o senhor primeiro-ministro fez um discurso no qual aludiu ao papel do Governo e da sua pessoa no nosso crescimento científico e tecnológico, sem se esquecer de notar, com modéstia, que duas escolas nacionais (uma de uma aldeia na Lousada, outra nos Açores) se viram seleccionadas para integrar a lista das mais avançadas do mundo, escolha a cargo da Microsoft, que distingue e apoia a utilização das tecnologias de informação e comunicação na educação, e que está restrita a estabelecimentos de ensino de apenas 114 países. Igualmente presente na feira, o ministro Vieira da Silva lançou a vital questão: "Se não estamos aqui a falar de economia e do futuro de Portugal, estamos a falar de quê?" Por mim, do que o dr. Vieira da Silva e o senhor primeiro-ministro quiserem, embora suspeite de que não queiram falar da avançadíssima escola de Lamego eleita pela Microsoft no ano passado e encerrada pelo Ministério da Educação neste. Nem do Tomás. O Tomás, agora revelado pelo Expresso, não mostrava queda para a matemática, óbice que o levou a desistir dos estudos sem concluir o "secundário". Em 2009, inscreveu-se num Centro de Novas Oportunidades, onde frequentou os "módulos" de Saberes Fundamentais (?) e Gestão. Em curtos meses, conseguiu a equivalência ao 12.º. Hoje, encontra-se no curso de Tradução da Universidade de Aveiro e foi, em todo o País, o aluno com a melhor nota de candidatura: 20 valores. Convém explicar que a "média" do Tomás no liceu não pesou nas contas, limitadas a um exame de Inglês. A partir daqui as explicações tornam-se menos fáceis. Porque é que milhares de crianças insistem em perder anos no ensino tradicional para obter o que as Novas Oportunidades lhes dariam num instante? Porque é que não se saltam as Novas Oportunidades e se distribuem doutoramentos aos recém-nascidos? Porque é que a epopeia de modernidade e crescimento para que o senhor primeiro-ministro nos convocou termina invariavelmente em rábula cómica, na educação e no resto? Porque é que a realidade teima em contrariar a propaganda que vai na cabeça de D. Sócrates I e, se os céus tiverem misericórdia de nós?»
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias” do passado dia 23

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Conflito de Culturas

“A luta entre os professores e o Ministério da Educação é um conflito de culturas e civilizações. Se permitirmos que o Ministério vença, os nossos netos serão selvagens.”
José Luiz Sarmento, autor do blogue “As minhas Leituras”

sábado, 18 de setembro de 2010

«Euroesclerose»?…

“Considerando que a Região Autónoma da Madeira não deve pactuar com aquilo a que se chama «euroesclerose», marcada por um ataque aos Valores que suportam a civilização europeia, consequência também das correntes auto-denominadas de «pós-modernismo». Considerando que não é possível, sob o ponto de vista da realidade cultural e da sua necessária pedagogia escolar, conceber a Europa e Portugal sem as bases fundamentais do Cristianismo. Considerando que, por tal, a laicidade do Estado não é minimamente lesada pela presença de Crucifixos nas Escolas e, pelo contrário, incumbe ao Estado laico dar uma perspectiva correcta da génese civilizacional dos povos, bem como dos Valores que suportam o respectivo desenvolvimento cultural. Considerando que os Crucifixos não representam em particular apenas a Igreja Católica, mas todos os Cultos fundados na mesma Raiz que moldou a civilização europeia. Não há, assim, qualquer razão para a retirada dos mesmos Crucifixos das Escolas, pelo que determino a sua manutenção. O presente Despacho vai para publicação no «Jornal Oficial» da Região Autónoma da Madeira e para execução pelo Senhor Secretário Regional de Educação e Cultura. Funchal, 14 de Julho de 2010. O Presidente do Governo Regional da Madeira, Alberto João Cardoso Gonçalves Jardim”
Apesar da frequência com que discordo do «Governador» da Madeira, apraz-me a rebeldia com que amiúde despacha «à vassourada» os devaneios fundamentalistas do continente e de Bruxelas. Neste caso específico, Jardim vai mais longe e «desrespeita» a decisão (ainda não transitada em julgado) do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH). Recordo que em 2009, uma italiana (depois de o Supremo lhe ter recusado a pretensão) recorreu aquele tribunal apelando a que fossem proibidos os crucifixos nas escolas do país. O TEDH deu-lhe razão tornando obrigatória a retirada dos crucifixos, decisão que vale, não só nas escolas italianas mas, em todas as escolas dos 47 países membros do Conselho da Europa (entre os quais se encontram todos os membros da União Europeia). Em Junho passado, 10 países membros do TEDH (entre os quais se contam: a Itália e a Grécia, berço das duas maiores religiões cristãs; e a Rússia, o país europeu com o maior número de cristãos) recorreram da decisão, acusando o Tribunal de atentar contra a liberdade religiosa. Quanto à moda «abichanada» do politicamente correcto (ditada por Bruxelas e seguida religiosamente pelo Governo Luso), parece que não irá «pegar de estaca» na Madeira enquanto Jardim por lá mandar. Goste-se ou não, Alberto João Jardim lidera a única oposição política visível em Portugal.
Apache, Setembro de 2010

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Acabou o Ensino Recorrente

A máquina destruidora em que o ME se transformou parece imparável
«“O Ministério da Educação determinou que não vão ser abertas novas turmas para os alunos que iam entrar para o ensino recorrente. Este modelo de aulas à noite que existia para adultos desde a década de 1980 não resistiu à concorrência das Novas Oportunidades e da Educação e Formação para Adultos”. Destinava-se esta espécie de ensino a ser frequentado nos turnos da noite por trabalhadores diurnos na satisfação de um percurso sério com igual frequência em número de anos lectivos e cumprimento programático idênticos aos do ensino realizado antes do pôr do Sol. Bem sei que as Novas Oportunidades não davam acesso directo ao ensino superior, mas logo surgiram as salvíficas provas de Acesso ao Ensino Superior para maiores de 23 anos que mandaram às urtigas o sério e exigente exame ad hoc em que o autodidactismo não era havido como prova de uma ignorância por conta própria, como escreveu o poeta brasileiro Mário Quintana. Cumpria-se, assim, o destino de um país em que não basta para o ego o desempenho de elevados cargos ao serviço da nação ou de “senador”. Havia que emoldurá-lo, quanto mais não seja, com o pergaminho de uma antiga licenciatura obtida em universidades privadas que foram obrigadas a encerrar por terem as suas rotativas a passar diplomas sem qualquer valor facial e que em pouco tempo lançariam o sistema do já fragilizado ensino superior para a bancarrota de um irremediável e total descrédito. Embora seja uso dizer-se que a história se não repete, não resisto em transcrever uma carta escrita por Ramalho Ortigão, no século dezanove, ao então Ministro do Rei, sobre o ensino secundário à época: “O estado em que se encontra em Portugal a instrução secundária leva-me a dirigir a Vossa Excelência o seguinte aviso: se a instrução secundária não for imediatamente reformada, este ramo do ensino público acabará dentro de poucos anos”. Sem curar da qualidade do ensino anterior ao ensino superior, temo que, tal como no tempo da Ramalhal figura, o caminho esteja aberto para a destruição do ensino secundário, um dos baluartes de um ensino que tem sabido resistir, até agora, a todas as tentativas de o fazer cair no descrédito de um ensino sem qualidade, sem exigência, sem reprovações que o torne em quantidade triste vanguardista dos dados comparativos da OCDE relativamente a outros países. Não é verdade que, na tradução de "abyssus abyssum invocat" , o abismo chama o abismo?»
Rui Baptista