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quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Nuno Crato: devagar, devagarinho, ao ritmo jacobino (2)

Depois de completar dois anos e meio à frente do Ministério da Educação e Ciência (MEC), para mais com o Estado a necessitar, cada vez mais, de profunda dieta de emagrecimento não se percebe tanta timidez, tantos recuos, tanta cedência aos caprichos de meia dúzia de alucinados líderes de organizações habituadas a colocarem interesses partidários à frente dos interesses da Escola Pública e do país.
Deixo algumas perguntas que, espero, motivem alguma reflexão.
Porque é que um dos países mais pobres da União Europeia insiste em ter uma das escolaridades obrigatórias mais longas?
Porque é que um dos países da União Europeia com maiores taxas de insucesso avança tão timidamente com o Ensino Vocacional e tarda uma profunda reforma dos currículos e ofertas do Ensino Profissional?
Porque é que um dos países com mais licenciados e mestres em Ensino, no desemprego, permite que instituições de ensino superior de qualidade medíocre continuem a abrir, anualmente, inúmeras vagas? Quanto tempo mais demorará o MEC a perceber que tem de impor uma nota mínima (decente) de acesso a estes cursos e uma limitação significativa da oferta, restringindo-a, preferencialmente, a instituições credíveis?
Quando se perceberá, em Portugal, que só os melhores alunos do Ensino Secundário podem ser professores e não os que entram para esses cursos superiores por não terem média académica para outros ou porque as instituições para onde entram lhes oferecem notas de conclusão que noutras instituições só seriam possíveis atribuir a candidatos capazes de usar simultaneamente dois ou mais neurónios?
Quanto tempo mais esperará o MEC para deixar claro que quaisquer provas de âmbito nacional, independentemente da sua designação e dos seus destinatários, corresponde a uma necessidade social impreterível, pelo que, não poderá ser boicotada (como se está a tornar frequente) pelo (legítimo) exercício do direito à greve, nem mesmo daqueles que por limitações cognitivas ainda não perceberam que já não estamos no PREC?
Apache, Janeiro de 2014

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Nuno Crato: devagar, devagarinho, ao ritmo jacobino

O actual Ministro da Educação e Ciência, Nuno Crato, é (como muitos certamente saberão) uma das pessoas (talvez a par de Maria Filomena Mónica) que nas últimas décadas mais tem pensado, baseado sobretudo em experiência pessoal, a educação lusa, nomeadamente os métodos de ensino e os resultados alcançados. Não obstante os muitos livros publicados (maioritariamente na área da divulgação científica), Crato atingiu popularidade e notoriedade, sobretudo entre a classe docente, com o seu livro, “O eduquês em discurso directo – Uma crítica da Pedagogia Romântica e Construtivista” (na sequência do livro de Filomena Mónica, “Filhos de Rousseau”) que constitui uma crítica pertinente e fundamentada à nebulosa ideologia que tomou de assalto a escola pública, sobretudo a partir da reforma introduzida no início da década de 70 (do século passado) pelo ministro Veiga Simão. No livro, Crato ataca frontalmente a doutrina vigente, nomeadamente a pedagogia do laxismo e da irresponsabilidade, ridicularizando um certo lixo discursivo, tão actual, como o “aprender a aprender”, o “ensino centrado no aluno”, a “aprendizagem em contexto”, etc.
Com a tomada de posse do actual Governo, que apresentava Nuno Crato à frente do (enorme) Ministério da Educação e Ciência, muitos professores aguardaram esperançosamente que uma profunda reforma educativa fosse encetada (na linha do que o (agora) ministro defendeu publicamente) devolvendo à Escola Pública, a qualidade e a dignidade que várias décadas de socialismo haviam destruído.
Crato (ex-maoísta) começou lenta e timidamente aquilo que para muitos seria a “longa marcha” pela restituição dos valores perdidos. Reforçou os tempos lectivos de disciplinas nucleares (Matemática e Português); reduziu aos primeiros ciclos (e às ofertas de escola) a tralha das áreas curriculares não disciplinares (como a Área de Projecto e a Formação Cívica); introduziu (ainda que timidamente) Exames Nacionais no 4.º e no 6.º ano; permitiu o regresso (se as escolas assim entenderem) às aulas de 45 ou 50 minutos de duração; encerrou (ainda que após injustificados prolongamentos de prazos) os Centros Novas Oportunidades.
Mas, passados os primeiros meses de “estado de graça”, percebeu-se que muito do que se esperava (de acordo com a opinião publicamente manifestada) do Ministro, tardava em concretizar-se. A última versão do Estatuto do Aluno deixa muito a desejar quanto à prometida devolução da autoridade ao professor; a extensão dos exames nacionais de 9.º ano a mais disciplinas continua uma miragem (e no corrente ano lectivo, o IAVE (sucessor do GAVE) acabou com os Testes Intermédios a várias disciplinas alegando desinteresse das escolas na sua aplicação); uma redução significativa da carga horária dos alunos (receosamente iniciada) continua por aplicar; o Ensino Vocacional avança ao ritmo do movimento das placas tectónicas; e a, tão mediatizada, Prova de Avaliação de Conhecimentos e Competências para docentes contratados é, agora, mera inspiração do anedotário nacional.
(continua)
Apache, Dezembro de 2013

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

A JSD e o delírio “eduquês”

Um texto do jornal Público (alegadamente citando a Lusa), do passado Domingo, dá conta da oposição da JSD ao fim da Formação Cívica, proposta por Nuno Crato na reformulação curricular actualmente em discussão pública.
Lê-se no texto que o Governo «pretende terminar com esta disciplina.» Talvez seja uma incorrecção acidental mas chamar disciplina a algo que nos dez anos da sua existência nunca passou (felizmente) de uma Área Curricular Não Disciplinar (ACND) soa a algo idêntico a xingar continuadamente um bêbado na praça pública e, depois de morto, vir aclamar as suas virtudes.
No segundo parágrafo do texto cita-se Duarte Marques (o actual líder da JSD) referindo que «a forma como a formação cívica tem sido ensinada e integrada nos currículos, nos últimos tempos, “é completamente díspar”, existindo casos em que as horas da disciplina “não são usadas para isso”». Pergunto: para isso, o quê? Os professores têm a velha mania de tentar minimizar os estragos causados pelos devaneios didáctico-curriculares do Ministério da Educação e, regra geral, tentando dar alguma utilidade à “coisa” (normalmente atribuída aos Directores de Turma) usam-na para tentar resolver problemas disciplinares e de assiduidade, e incutir nos alunos algumas regras de comportamento, tarefa (da qual alguns pais se demitem) que se tem revelado infrutífera, na maioria dos casos. Não era isto que se pretendia com a Formação Cívica? É verdade que o Ministério nunca soube (ou nunca quis) dizer abertamente o que pretendia com a “invenção” e nalgumas escolas avançou-se para uma tentativa de doutrinação politico-ideológica pouco tolerável em Democracia, mas acredito tratar-se de casos pontuais pouco relevantes no contexto nacional.
Sobre o tema vale a pena ler o professor Ramiro Marques no seu ProfBlog e que transcrevo parcialmente.
«Lembro, no entanto, que a área curricular de Formação Cívica, criada em 2001 pelo Governo de António Guterres (Decreto-Lei 6/2001), era Santos Silva o ministro da educação, existe há uma década no currículo sem que se tenham vislumbrado melhorias no civismo, quer nas escolas quer na sociedade em geral. Ao invés, uma das maiores preocupações dos professores é precisamente a falta de civismo de muitos alunos e até de alguns pais. A realidade deixa cair por terra a tese dos benefícios e utilidade da área de Formação Cívica na promoção do civismo nas escolas.
Não só o civismo, entendido como reconhecimento e prática das virtudes éticas, das relações de cortesia e da boa convivência social, não melhorou como é justo afirmar que o conhecimento dos alunos sobre factos e teorias básicas da ciência política e sobre os autores que criaram os fundamentos da liberdade e da democracia é agora menor do que era antes da introdução da área da Formação Cívica no currículo. Tão pouco existe relação entre a área da Formação Cívica e a qualidade das aprendizagens ou a prevenção do abandono escolar. Um estudo realizado, em 2006, pela Escola Superior de Educação de Setúbal, com o título Qualidade de Ensino e Prevenção do Abandono Escolar: O Papel das ACND, conclui pela não existência de qualquer correlação entre essas variáveis. Um estudo conduzido pelo IESE, também em 2006, com o título Monitorização e Acompanhamento do Currículo Nacional do Ensino Básico para as ACND, chega a resultados semelhantes.
Há uma clara divisão entre a esquerda e a direita acerca do modo como o civismo deve ser promovido nas escolas.
A esquerda faz da Formação Cívica um espaço curricular centrado na participação cívica, no activismo político, no comprometimento com causas sociais e no alargamento dos chamados direitos sociais e culturais. Metodologicamente, a esquerda acentua a preferência pela discussão de dilemas éticos, pela participação colectiva na tomada de decisões e pela democracia participativa em detrimento do estudo e debate dos grandes autores, da história das ideias políticas e dos textos fundadores do pensamento democrático.
A esquerda parte do pressuposto de que é possível ensinar a formação cívica através do envolvimento dos alunos em debates sobre temas fracturantes, regra geral em ruptura com a tradição e os costumes vigentes, e através da tomada colectiva de decisões, dando aos alunos a oportunidade de criarem e aprovarem as regras e as normas através de um processo de transferência do poder e da autoridade dos professores para os alunos. A ênfase é colocada no desenvolvimento do raciocínio sobre questões sociais, éticas e políticas, colocando os alunos na posição de criadores de valores em ruptura com a ordem cultural e cívica estabelecida. O objectivo é criar activistas do social e do político. Todos os temas fracturantes são oportunidades para treinar os alunos no processo de construção do activismo político e cultural, incluindo aqui a dimensão sexual e afectiva da vida. A dimensão dos comportamentos, das acções, é desvalorizada pela esquerda em benefício da construção de uma retórica anti-sistema e anti-tradição.
No meu ponto de vista, uma Formação Cívica deste tipo, que é a que temos tido, não tem bondade nem utilidade nenhuma. Não faz falta ao currículo. É um meio de promoção do ressentimento, da soberba e da arrogância na juventude.
A direita parte do pressuposto de que não é possível ensinar o civismo. Se o civismo não se ensina como é que ele se aprende? Por contágio, por imitação, pela adesão a narrativas e a uma tradição cultural e pela imersão em ambientes onde o civismo se vive e cuida.
Assim sendo, não é útil a existência de um gueto curricular para se ensinar civismo tanto mais que a aprendizagem do civismo se faz por impregnação, contágio e imitação. Ou a escola tem um ambiente onde se vive o civismo ou não tem. Se tem, a aprendizagem do civismo faz-se naturalmente em todas as disciplinas, salas de aula e espaços escolares. Se não tem, é impossível aprender o civismo.»
Apache, Janeiro de 2012

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Carta aberta a Nuno Crato

“O senhor ministro, na tomada de posse, pediu "uns dias para aterrar". Inteiramente justo, se for sua intenção fazer a limpeza dos estábulos de Augias, dos detritos de seis anos de caos e incompetência no Ministério da Educação. Era também nossa intenção - nem só de luta vive o homem - aguardar calmamente as primeiras decisões da sua equipa. Porém, parece que alguns gabinetes do (agora seu) ministério acharam que era chegada a altura de redobrar de actividade. Foi o caso da Direcção-Geral dos Recursos Humanos da Educação (DGRHE), que, precisamente na véspera da tomada de posse, decidiu bombardear as escolas com mais uma das suas célebres aplicações informáticas, no caso relativa à Avaliação do Desempenho Docente (ADD). O mais avisado teria sido - face ao compromisso de acabar com a actual ADD, assumido diversas vezes pelos partidos do actual governo, e em particular pelo PSD - que a DGRHE aguardasse as decisões do novo ministro. E (porque não?) aproveitasse a pausa para tentar compreender como foi possível que anteriores aplicações informáticas tivessem calculado para professores diferentes, mas com pontuações idênticas nos parâmetros de avaliação, Bons de 7 e Bons de 9. Sabia disto, professor Nuno Crato? Que terá motivado a impaciência deste organismo, co-autor de tantas das malfeitorias dos últimos anos, a começar pelo concurso de professores titulares? Dirão alguns que foi ditada pela necessidade de mostrar serviço, com medo de serem reenviados para as escolas. Cremos que não... Parece-nos mais uma tentativa de colocar a nova equipa perante factos consumados. Esperemos é que não seja uma forma pouco subtil de vincar que bem podem mudar os governos e os ministros, mas quem realmente define as políticas educativas não se encontra sujeito ao voto popular. Não conhecemos em pormenor as suas ideias para a avaliação dos professores, embora saibamos que defende que esta deve ser externa (precisamente o oposto da actual) e incidir no trabalho com os alunos (a actual mede acima de tudo o relacionamento interpessoal entre os docentes e os órgãos de gestão). No que respeita à avaliação dos alunos, assunto em relação ao qual conhecemos melhor as suas opiniões, tem dito repetidamente que lhe falta seriedade, que os exames actuais não são fiáveis e que, para poderem ser credíveis, deveria ser uma entidade independente a fazê-los, e não o próprio ministério, por estar ele próprio (interesse directo) a ser avaliado pelos exames que elabora. Não nos parece que necessite que lhe avivem a memória - o intenso debate que culminou na revogação parlamentar, se teve um grande mérito, foi revelar a natureza kafkiana (o adjectivo é de Passos Coelho) do modelo - sobre os motivos por que a ADD herdada do governo anterior carece em absoluto de fiabilidade, de credibilidade e de isenção. Que é tão pouco séria que foi sempre preocupação dos legisladores impedir que se divulgassem as classificações, dada a inexistência de qualquer relação entre estas e o mérito do avaliado. Se o processo não for travado, o que se vai ver nas escolas durante o próximo mês é o preenchimento atabalhoado de dezenas ou centenas de folhas (com fotos à mistura, de iniciativas mais ou menos folclóricas) contendo as chamadas evidências que (mesmo sendo genuínas) pouco ou nada terão a ver com o trabalho, os conhecimentos e a dedicação de cada professor à aprendizagem dos seus alunos. Sem exagero, o mais tosco e menos bem conseguido dos exames do ensino básico será cem vezes mais fiável que este modelo de avaliação de professores. Também não nos parece que o senhor ministro (nem ninguém) aceitasse um sistema de ingresso no ensino superior em que a classificação de acesso fosse atribuída... pelo delegado de turma. Pois bem, a distribuição de papéis entre avaliados e avaliadores na actual ADD traduz uma situação que é, em traços largos, precisamente idêntica a esta caricatura. Posto isto, o senhor ministro apenas tem dois caminhos à sua frente. Um deles é permitir que esta ADD seja finalizada e produza consequências irreversíveis na carreira e nos concursos de professores e outras, não menos perversas, no ambiente escolar, na motivação da classe docente e na promoção do mérito. O segundo, sem dúvida menos cómodo e que lhe trará alguns amargos de boca com os burocratas do seu pelouro, é cortar de vez com o passado e dar início a um novo tipo de relacionamento com os professores, pautado pela exigência, mas também pela confiança. Porque, e disso não temos a menor dúvida, a decisão que agora tomar sobre a ADD vai ser a verdadeira pedra-de-toque do seu futuro desempenho à frente do Ministério da Educação.”
Professores da Escola Secundária com 3.º ciclo de Henrique Medina, Esposende [no "i" de hoje]

sábado, 18 de junho de 2011

Novas figuras ou os figurões habituais?

Ficou ontem (parcialmente) conhecido o elenco do novo Governo que, numa análise muito superficial, apresenta dois aspectos positivos: várias caras novas, quer em termos de experiência governativa quer em termos de idade, e uma certa tendência para “fugir um pouco do centro”. Gente nova tem, provavelmente, vontade de fazer e como pior que o que antes foi feito é quase impossível, agrada-me que (neste momento) se tente fazer; a probabilidade de sair algo (ainda que minimamente) melhor deixa uma réstia de esperança ao país. Uma tendência para divergir de um “centrão” incompetente e acima de tudo decadente, também me agrada. Contrariamente à maioria que parece preocupar-se (ainda e sempre) com questiúnculas ideológicas é-me (no estado em que nos encontramos, quase) indiferente que se vire à direita ou à esquerda desde que se procure a saída deste imenso pântano onde de momento estamos atolados, e não apenas por culpa dos dois últimos governos do sr. 'inginheiro', pois os seus antecessores pouco (ou nada) de positivo conseguiram. Ao olhar para as “novas” figuras (e alguns “velhos figurões”) que nos foram ontem apresentadas sou tentado a depositar alguma esperança nos independentes (pessoas que pelos currículos que possuem, me parecem meritórias) e na “menina” do CDS (a quem saiu a fava do Ambiente) que tão bem esteve em alguns debates televisivos. Não tenho ilusões nenhumas relativamente a Paulo Portas ou a Miguel Relvas mas era quase inevitável que Passos Coelho cedesse a alguns “homens do(s) aparelho(s) partidário(s)”. Aguardemos calmamente a lista de Secretários de Estado para manter acesa uma ténue “luz ao fundo do túnel” ou, como dizem os brasileiros, “cair na real”. Especificamente quanto ao Ministro da Educação, só dois nomes se perfilavam, à partida, capazes de atirar uma “pedrada no charco”: Santana Castilho e Nuno Crato. Foi este último o escolhido de Passos Coelho. Neste texto com pouco mais de dois anos expressei a minha opinião sobre Nuno Crato, mantenho integralmente o que aí escrevi. Discordo do Nuno Crato em matéria de avaliação de professores, acho que acredita demasiado nas virtudes de possíveis avaliadores externos, parece esquecer-se que o cancro “eduquês” já tem metástases, tanto na IGE como em inúmeras universidades (além das escolas superiores de educação, já a necessitarem de cuidados paliativos). Estou convencido que, para muitos professores nos quais me incluo, se Nuno Crato conseguir alterar um terço de tudo quanto criticou publicamente no Ministério da Educação da era socrática, será o melhor Ministro da Educação dos últimos 20 anos (no mínimo). Esperamos para saber quais são os nomes dos Secretários de Estado para sabermos se vai haver equipa capaz de, em vez de declarar guerra aos professores (como fez Maria de Lurdes Rodrigues) optar por varrer o lixo que há longos anos infesta (quase até ao tecto) os “longos” corredores do Ministério. Reservo no entanto algum pessimismo: não sei se há aterro sanitário que comporte tanto lixo e coragem política para consistentemente ir varrendo. P.S. Declaração de interesses: não votei PSD nem CDS.
Apache, Junho de 2011

quinta-feira, 7 de maio de 2009

É preciso um Ministério pela Educação – Nuno Crato

Há pouco menos de um mês, mais exactamente a 16 de Abril, numa iniciativa do PSD, realizou-se em Aveiro uma conferência intitulada “Educação: pela exigência, o mérito e o direito de escolha”, onde interveio o Professor Universitário Nuno Crato. Numa intervenção bastante aplaudida, o docente expôs, como é seu hábito, de forma clara, os principais problemas por que passa a educação em Portugal e apontou soluções, de forma clara e simples. Pessoalmente, aparte uma ou outra discordância (nomeadamente no que se refere à avaliação de professores, que neste contexto se afigura questão menor), acho que o essencial foi dito (e contrariamente ao que a limpidez de linguagem possa induzir, foi-o de forma bastante suave). Em ano de eleições, se o futuro governo quiser, efectivamente, (sem demagogias) fazer algo pela educação em Portugal (provavelmente, não quererá), antes que seja demasiado tarde, ouça. P.S. O professor Nuno Crato (que se saiba) não é filiado no PSD.

Apache, Maio de 2009

terça-feira, 3 de março de 2009

Instrução directa versus construtivismo – Nuno Crato

“Nas últimas semanas, tive de ir algumas vezes a uma rua esconsa do Bairro Alto. Na primeira vez que atravessei a pé o emaranhado de ruas, fiz vários erros. Fui tacteando, e só após algumas voltas dei com o lugar. Da segunda, mal confiado na minha experiência e na minha intuição de lisboeta, voltei a errar e só dei com o sítio após várias tentativas inúteis. À terceira, explicaram-me o caminho das pedras: à esquerda aqui e à direita ali. Não voltei a enganar-me. As minhas primeiras voltas constituíram uma aprendizagem pela descoberta. Não foram muito eficazes. No final, por instrução directa, memorizei um caminho óptimo e não voltei a falhar. Talvez, se tivesse continuado a procurar às apalpadelas, tivesse conseguido encontrar esse caminho óptimo. Mas o processo teria sido muito ineficiente. Lembrei-me das minhas deambulações pelo Bairro Alto ao ler um artigo científico acabado de sair na revista «Cognitive Development» (23, pp. 488–511). Os investigadores que assinam o trabalho, Mari Strand-Cary e David Klahr, do Departamento de Psicologia da Universidade Carnegie Mellon, nos Estados Unidos, comparam a eficácia de dois processos de aprendizagem que estão no cerne de uma velha polémica pedagógica: a aprendizagem pela descoberta e a instrução directa. O filósofo suíço Jean Piaget, um dos defensores da aprendizagem pela descoberta dizia, por exemplo, que, «cada vez que se ensina prematuramente a uma criança algo que ela poderia ter descoberto por si, ela fica impedida de a inventar e, por isso, de a compreender completamente». Várias teorias pedagógicas levaram ao extremo esta ideia, condenando a instrução directa como nociva para a verdadeira aprendizagem e para a criatividade infantil. Mais modernamente, muitos estudos vieram a moderar este ponto de vista, preconizando uma mistura da redescoberta activa, guiada pelo professor, com a instrução directa. Os investigadores de Carnegie Mellon atacaram o problema de frente. Estudaram os efeitos dos dois métodos pedagógicos em algumas dezenas de estudantes dos primeiros anos de escolaridade. O objectivo foi ensinar um processo de controlo de variáveis em experimentação científica elementar, portanto algo central ao desenvolvimento do espírito crítico. Em causa estava a capacidade de distinguir duas variáveis (tipo de superfície e inclinação) no estudo da aceleração de esferas num plano inclinado. As conclusões do estudo, que vêm confirmar estudos semelhantes feitos nos últimos anos, são reveladoras. A percentagem de sucesso das crianças sujeitas a instrução directa é muito maior que a das crianças entregues a um processo de aprendizagem pela descoberta. Essa percentagem, que depende das medidas utilizadas, chega a ser três vezes superior no primeiro grupo. Os investigadores procuraram ainda saber como as crianças tinham assimilado a técnica de separação de variáveis e reavaliaram-nas várias vezes mais tarde (uma semana, três meses e três anos). A conclusão é de novo curiosa: não importa o método de ensino, as crianças que apreenderam o método por instrução directa são tão capazes de o aplicar em situações novas como as que o descobriram por si. O ensino directo não parece ser inimigo da criatividade nem do pensamento independente. Da próxima vez que procurar uma rua no Bairro Alto, vou pedir que me ensinem o caminho.”
Nuno Crato, Pró-Reitor para a cultura científica da Universidade Técnica de Lisboa e Presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática, no “Expresso” de 20 de Dezembro de 2008