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sexta-feira, 13 de abril de 2012

Do Acordo “horto-gráfico” (4)…

«É fascinante que um pequenino bando de ociosos tenha decidido corromper a língua de milhões. O fascínio esvai-se quando se percebe que os ociosos atingiram os intentos. O Acordo Ortográfico, criação de arrogantes com uma missão, é oficial e está aí, perante a complacência dos poderes públicos em princípio eleitos para defender o país e não para o enxovalhar deliberadamente.
Até hoje não se percebe a serventia do dito Acordo. A partir de hoje, também não se irá perceber. Ao que consta, a ideia seria “unificar” a escrita de todos os países de expressão portuguesa. Naturalmente, ficou muito longe disso. Ainda que não ficasse, onde estaria o ganho? Por mim, os brasileiros e os moçambicanos são livres de adoptar o húngaro sem que eu os censure ou sequer note a diferença. Não sou brasileiro nem moçambicano. Sou português e, não fosse pedir demasiado, dava-me jeito redigir na língua em que cresci. À revelia da proclamação gratuita de Fernando Pessoa, a minha pátria não é a língua portuguesa. Mas a minha língua é.
Em abono dos Malacas Casteleiros e restantes conspiradores do Acordo, é verdade que semelhante aberração não caiu do céu. A repugnância que esses senhores dedicam às palavras, e que os leva a esventrá-las sem escrúpulos, encontra um ambiente hospitaleiro na sociedade em geral, a começar pelos políticos que avalizaram a vergonha lexical em curso. Dificilmente os sujeitos cuja retórica é um amontoado de “alavancagens” e “empoderamentos” travariam a degradação do vocabulário.
E o resto não melhora. Da televisão às SMS, do Facebook à escola, pouco, quase nada, nos lembra que comunicamos no mesmo idioma do referido Pessoa. Assistir a um “telejornal”, ler um texto produzido pelo universitário médio ou espreitar os padrões do romance contemporâneo indígena é descer a jargões e graus de analfabetismo abjectos, com ou sem "c". Porém, se os maus-tratos à língua já eram habituais, não eram obrigatórios. E essa é a diferença entre temer pela vida de um moribundo e assinar, oficial e urgentemente, o respectivo óbito.»
Alberto Gonçalves, no Diário de Notícias

quinta-feira, 1 de março de 2012

“Quebrar o silêncio… em desacordo!”

«É lei histórica que a opressão económica atrai a opressão cultural e que nunca faltarão Miguéis de Vasconcelos para concretizar ambas. Refiro-me, claro está, ao “acordo” Ortográfico, esse pináculo da arrogância legislativa, de cuja necessidade só lembraria aos nossos “espetaculares” deputados e também, arrogância minha em dizê-lo, a quem de imprimir livros faz vida e mercadoria, mais dinheiro com dinheiro naquele acto.
Coloca tal gentalha, povo, mestres e linguistas de cócoras, como de igual modo faz quem nos tem governado, a quem de vender a força de trabalho não consegue alternativo acto.
Protegidos uns, pelo falacioso pregão que da dívida todos somos responsáveis e que todos devemos pagar o que muito, alguns, poucos desfrutaram. Os outros fazem da etimologia, da história que faz uma língua, coisa sem valor, talvez na mesma proporção que ignoram na História o valor de factos e actos.
Eu fico contente por ainda haver rebeldes. Honra a Vasco Graça Moura!
Honra também às inúmeras faculdades e universidades que ainda não aderiram à infâmia do acto legislado e “acordado”!
Honra aos mestres como Vitorino Magalhães Godinho e aos noventa por cento de linguistas que demonstraram o seu desacordo em acto.
Selo a minha posição agindo em total acordo com a intenção do poema emprestado e em acto partilhado:
Dois mil e dezasseis, o mais tardar,
programa-se a extinção da letra “H”.
Vão os interessados demonstrar
aos iletrados que, entre as consoantes,
mais muda, absurda, irrelevante, ...não “á”.
Sonhem-se os livros “re-editados”,
os “corretores” patenteados,
“corrêtamente” “desagasados”,
e os “omens” de “oje” já reciclados
(pelo “corropio” dos lestos formadores)
na grafia-da-moda que já está
– e não mais se conceba a "ora agá"! –
nos softwares dos computadores
– únicos doutos escrevedores... –
faseadamente, ainda antes
da queda iminente da cedilha
(anacrónica, cómica excrescência),
mas é preciso tempo e paciência,
para fazer render – e muito! – a pastilha...
A vogal vã, o "U" após o "Q",
é outra para sair se não se lê...
Não se diz, vai cair. Ponto final.
Mas, por enquanto, é confidencial...
Viste murchar os pontos cardeais?
Não leste e estás a “leste”? Queres comer
onde não resta espaço, estás a mais...
Uns anitos que fiques, irás ver
vender Portugal com letra pequena...
Ainda estás aí?... Não tenhas pena.
Pedras e letras valem uns tostões
a uns poucos “expertos” comilões...
O País-nação estará fora de cena.
E enquanto não falir, deficitário,
grafe-se “portugal” no Novo Dicionário.
[poema de Madalena Homem Cardoso]»
Texto de Aníbal Oliveira, professor da Escola Secundária de Cacilhas-Tejo

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Uma chibatada nos vendilhões

Vasco Graça Moura recentemente empossado como Presidente do Centro Cultural de Belém (CCB) propôs, e a Administração aceitou por unanimidade, a não aplicação do Acordo Ortográfico (AO) de 1990, que o anterior Governo introduziu à força nos organismos sob sua tutela directa ou indirecta e que o actual Governo insiste em aplicar à revelia de qualquer bom senso. O documento datado de 2 de Fevereiro, aprovado pela Administração do CCB, determina a desinstalação imediata do programa informático que procede à conversão automática da grafia dos textos para o novo AO e a aplicação, a toda a documentação, da ortografia vigente em Portugal antes da negociação do chamado Acordo Ortográfico de 1990.
Recorde-se que o AO havia sido imposto no CCB por uma directiva interna, datada de Setembro de 2011, assinada pelo antigo Presidente, António Mega Ferreira, que Francisco José Viegas, actual Secretário de Estado da Cultura (e simpatizante do aborto linguístico) pretendia reconduzir no cargo.
Vasco Graça Moura (VGM) justificando uma decisão que “meia” blogosfera apelida de corajosa, mas que se me afigura, essencialmente, coerente (VGM é um dos mais destacados críticos da aberração e já atingiu um patamar em que para sobreviver com dignidade não precisa fazer favores às meretrizes do regime) afirma que sempre disse ao Secretário de Estado da Cultura que era esta a sua posição, a qual é conhecida por todos os membros do Governo. Para VGM esta é uma decisão, apesar de tudo, aparentemente fácil, pois o CCB é uma fundação de direito privado não estando, portanto, sob tutela directa ou indirecta do Estado, não sendo obrigado à aplicação do AO. Note-se que a generalização da aplicação do dito ocorrerá(?) apenas em 2014 e mesmo depois dessa data não deverá ser possível encontrar forma de penalizar os privados pela sua não aplicação (além do ridículo da penalização por “erro ortográfico” acrescem, do ponto de vista jurídico, sérias dúvidas de constitucionalidade do AO).
Neste ano lectivo, em cumprimento do disposto na resolução do Conselho de Ministros, datada de 25 de Janeiro de 2011, liderado pelo agora refugiado em Paris, vários professores, nomeadamente de Língua Portuguesa, começaram a adoptar nas suas aulas (principalmente nos primeiros anos de escolaridade) a grafia do AO. Pergunto: entre tantos Directores de escolas, à beira da reforma, não haverá uma meia-dúzia com tintins suficientes para tomarem decisão idêntica à de VGM e suspenderem a aplicação da aberração? Ou estão com medo de levar tautau das mais delico-doces guardiãs da pateguice?
Apache, Fevereiro de 2012

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Do acordo “horto-gráfico”… (3)

«Estou a ficar velho, mas a culpa não é minha. O corpo cria poucos cabelos brancos, ainda menos rugas e quase nenhuma pança, e a mente consegue manter-se imatura sem esforço nenhum. Estou a ficar velho por causa do acordo ortográfico. Aos 37 anos, sou um daqueles velhinhos que teimam em escrever "pharmácia" porque no tempo deles era assim. Bem sei que é cedo demais para estas teimosias, mas resisti até onde pude. Eu tentei não ser reaccionário. Não tentei com muita força, mas tentei. Continuei a escrever como sempre, mas os revisores da Visão tinham depois o trabalho de corrigir o texto de acordo com a nova ortografia. Vou pedir-lhes que deixem de o fazer. Eu sou do tempo em que se escrevia "recepção". Não adianta fingir que sou do tempo em que se escreve "receção" para nos aproximarmos dos brasileiros - que, curiosamente, vão continuar a escrever "recepção".
O leitor quer saber porque é que este acordo ortográfico é absurdo, do ponto de vista linguístico? Então leia um linguista, que já vários se pronunciaram sobre isso. Comigo não conta para erudição, como sabe. Eu li os linguistas, mas quem me convenceu a ser contra o acordo foi a minha avó - que só tinha a terceira classe. "Ui, vem aí digressão biográfica", pensa o leitor. "E mete avós pouco instruídas, que acabam sempre por ser as mais sábias", continua, já um tanto impertinentemente. Tenha calma, não é uma enfadonha história de sabedoria anciã. É uma enfadonha história de amor ancião. Nos anos decisivos da minha vida, passei muito tempo em casa da minha avó, que não era, digamos, uma pessoa exuberantemente afectuosa. Não era dada a beijos e abraços. Sucede que, talvez por isso, eu também não sou uma pessoa exuberantemente afectuosa. Também não sou dado a beijos e abraços. Quando quero explicar a uma pessoa que gosto dela, tenho de recorrer a outros estratagemas. A minha avó cozinhava. Ou esperava por mim à janela. Eu digo coisas. Deu-me para isto. Faço tudo o que é importante com palavras, porque não sei fazer doutra maneira. Acho que foi isso que me atraiu na actividade de fazer rir as pessoas: trata-se de provocar uma convulsão física nos outros - mas sem lhes tocar. O Marquês de Sade gabava-se de produzir este e aquele efeito nas senhoras. Sim, mas a tocar também eu. Gostava de ver o sr. Sade fazer com que alguém se contorcesse sem contacto físico.
Dito isto, eu estou preparado para que as palavras se alterem, para que a língua mude. Em português, temos a palavra "feitiço". Os franceses, que não podem ver nada, levaram-na e transformaram-na na palavra "fetiche" (quem mo disse foi o professor Rodrigues Lapa). Nós voltámos a ir buscá-la, e agora usamos feitiço para umas coisas e fetiche para outras. Portanto, a língua mudou e mudou-nos. Ter fetiches é diferente (e mais compensador) do que ter feitiços. Mas a ordem certa é esta: a língua muda, e depois muda-nos. Não somos nós que mudamos a língua na esperança de que ela nos mude da maneira que queremos. Se o objectivo é aproximarmo-nos dos brasileiros, aproximemo-nos dos brasileiros. Logo se verá se a língua resolve aproximar-se também.
Claro que isto são rabugices de leigo. As rabugices de linguista têm mais valor, evidentemente. Mas o leitor também rabujaria se um acordo internacional o obrigasse a abraçar de outra forma, ou a beijar de modo diferente. "Recepção" escreve-se com "p" atrás do "ç". É assim porque o "p" provoca uma convulsão no "e" - sem lhe tocar. E eu tenho alguma afeição por quem consegue fazer isso.»
Ricardo Araújo Pereira, na “Visão"
Nota: Os textos, do R.A.P., aqui replicados (aliás, como os demais textos) respeitam (ou pelo menos tentam) o acordo luso-brasileiro de 1945.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

De erro em erro

«O dr. Passos Coelho jurou há um mês que o Governo não gozaria de férias para que, cito, "o essencial das decisões a aplicar possam ser aplicadas". Descontado o erro de concordância, resta o erro da previsão: o Governo entrou de férias. O dr. Passos Coelho anunciou as suas no Facebook, presumindo, talvez acertadamente, que os cidadãos não têm mais o que fazer do que brincar nas ditas redes sociais. O dr. Passos Coelho não se limitou ao anúncio, mas publicou no Facebook toda uma mensagem "oficial", intitulada "Uma pequena reflexão de Verão" e destinada às "Caras amigas e amigos".
Descontado o erro de concordância, resta o uso aparentemente aleatório de iniciais maiúsculas. O dr. Passos Coelho refere o "nosso Grande Desafio como nação e como povo" como se o "Grande Desafio" fosse uma entidade autónoma e reconhecida no notário, refere a "Sociedade Portuguesa" como se o conceito beneficiasse de estatuto formal e refere "que a instabilidade no sistema Financeiro Europeu e Americano são travões para um percurso já de si cheio de sacrifícios", como se de facto não soubesse escrever.
Descontado o erro de concordância, resta o tom simultaneamente épico e vazio da pequena reflexão. A pensar no Algarve, o Dr. Passos Coelho espraia-se por clichés grandiloquentes, desde "Este é o momento!" até "olhar o futuro com confiança e optimismo", passando por "somos um povo de vencedores que nos agigantamos perante as maiores adversidades".
Descontado o erro de concordância, resta a sensação de que tudo isto já havia sido dito e de que o oposto de tudo isto já havia sido feito. Inevitavelmente, o fervor nacionalista irrompe sempre que a nação rasteja: se olharmos o futuro, aquilo que vemos a agigantar-se é o desastre, destino que dificilmente será evitado por um primeiro-ministro débil na palavra e nas palavras. Para cúmulo, meia dúzia de semanas bastaram para que, à semelhança do velho, o novo poder tomasse cada dissidência à conta de manifestação anti-patriótica, pressuposto que, a ser respeitado, faria que ainda fôssemos castelhanos.»
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias” de 11 de Agosto

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Capital financeiro e capital semântico

«Primeiro, Portugal era um dos PIGS. Agora, estamos a um passo de ser lixo. Quando um país se move na alta finança é logo tratado com outra educação. As "agências de notação financeira" e os "mercados" dizem que o porco está a caminho do lixo. O porco somos nós. E o lixo também, o que é curioso - mas fisicamente improvável, uma vez que não é fácil alguém estar a caminho de si próprio. Não deixa de ser interessante que estas opiniões dos mercados não sejam propriamente secretas. São publicadas nas primeiras páginas dos jornais. Há manchetes sobre o porco e reportagens acerca da distância a que ele está do lixo. Os mercados podem ter muitos defeitos, mas ao menos são sinceros. Se acham que um país é porco e caminha para o lixo, dizem-lho na cara. Infelizmente, este tipo de linguagem só se tolera a quem usa gravata. A hipótese de Portugal ripostar parece estar posta de lado. Seria justo que, ao lado de uma notícia que diz "Mercados consideram que o país está a um patamar do lixo", houvesse outra cuja manchete fosse: "Portugal tenta renegociar a dívida junto dos chulos". O problema é que os mercados, além de deterem o capital financeiro, detêm ainda o capital semântico. Tudo o que seja capital, eles açambarcam. Um insulto na boca dos credores é realismo económico, na boca dos devedores é primarismo ideológico. Esta evolução do jargão económico tem, como é evidente, pontos positivos. A substituição de palavras como ‘subprime´ e ‘rating’ por terminologia financeira como "porcos" e "lixo" é um contributo muito saudável para aproximar os cidadãos da vida económica. Pouca gente saberá ao certo o que é o ‘subprime’, mas não há ninguém que não saiba o que é um porco. Quanto menos bem-sucedidos somos, na economia, melhor dominamos o vocabulário técnico, o que é reconfortante. Antes da crise, eu não sabia bem o que poderia significar uma queda no ‘rating’. Agora, percebo perfeitamente que sou lixo. O que se perde de um lado em qualidade de vida, ganha-se do outro em conhecimento. A qualidade de vida tem sido sobrevalorizada. O conhecimento é que é importante.»
Ricardo Araújo Pereira, na “Visão” da passada quinta-feira

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Do Acordo “horto-gráfico”… (2)

Ainda a propósito do (des)acordo ortográfico, Vasco Graça Moura, uma das personalidades mediáticas que mais se tem manifestado publicamente contra este escabroso cozinhado, esteve no programa da RTP1, “Bom dia, Portugal” e, como é seu hábito, não poupou críticas ao dito. Reproduzo aqui as palavras do escritor… “Devo dizer que considero o acordo ortográfico um chorrilho de asneiras, absolutamente incompatível com a dignidade da língua portuguesa e da identidade do nosso país, não por qualquer espécie de nacionalismo exacerbado, mas porque o acordo é completamente desajustado à maneira como nós falamos a nossa própria língua, e quando digo nós não digo apenas os portugueses de Portugal, digo os que falam português em Angola, em Moçambique, na Guiné-Bissau, em Cabo Verde, em São Tomé e até em Timor. O acordo vem desfigurar a maneira de pronunciar, e instaurar a mais perigosa confusão para a ortografia. É mesmo o contrário da ortografia. Este combate nem é inglório nem é em vão. Porque o acordo não pode entrar em vigor. Basta dizer o seguinte. O acordo é internacional. Para um acordo internacional entrar em vigor é necessário que seja ratificado por todos os países que o subscrevem. Não aconteceu ainda. É completamente inválido o protocolo modificativo, que prevê que apenas três países subscrevam e ratifiquem, para depois se aplicar aos restantes. Não estando o acordo em vigor no plano internacional, também não pode estar no plano nacional. Primeira questão. Segunda questão, mesmo que estivesse, um pressuposto da aplicação do acordo é a existência de um vocabulário ortográfico comum, o que quer dizer dos sete países que subscreveram o acordo. Não existe. Sem esse vocabulário ortográfico, não pode ser aplicado.” “(…) Se amanhã a facultatividade for a regra, quer dizer que você pode escrever uma palavra com ‘p’ mudo ou ‘c’ mudo e eu posso escrevê-la sem eles, e valem as duas formas. Desapareceu a ortografia, a maneira correcta de escrever, para ficar tudo «à vontade do freguês». Considero perigoso, porque o acordo tem critérios divergentes e imprecisos, e portanto impede que haja formulações padrão, que permitam escrever tudo da mesma maneira. O Professor António Emiliano demonstrou que há palavras que, com o acordo, se podem escrever de quatro a trinta e duas maneiras diferentes. Então onde está a unidade ortográfica? Quer-se evitar um divórcio entre a grafia brasileira e a grafia portuguesa, e vai-se instaurar, muito pior que um divórcio, o caos total na maneira de escrever a nossa língua? E acha natural que se suponha que eu tenha que saber como se pronuncia a minha língua no Brasil, por exemplo, para saber como a hei-de escrever? Porque tem de se saber onde é que se pronuncia o ‘p’ e o ‘c’, nas várias formas ditas cultas de português (também ninguém sabe o que é uma forma culta, no sentido em que o acordo a refere), tenho de saber como se fala a minha língua num país estrangeiro para poder escrever a minha própria língua?” “(…) As vogais, no Brasil, são abertas, e em Portugal tendem para o emudecimento. Por isso, quando estão lá um ‘p’ ou um ‘c’ ditos mudos (impropriamente chamadas consoantes mudas) estão lá porque têm uma função, que é a de abrir a vogal que as antecede. Isto é absolutamente fundamental. Se há irresponsáveis políticos (de que eu exceptuo, neste momento, a Ministra da Educação, que, apesar de tudo, tem tido o cuidado de protelar [a aplicação]) que não prestam atenção a isto, nem sequer deviam ter cargos políticos. Isto é um crime contra a língua portuguesa, e sendo um crime contra a língua portuguesa é um crime contra a identidade nacional."
Apache, Fevereiro de 2011

domingo, 30 de janeiro de 2011

Do Acordo “horto-gráfico”…

O Diogo, do blogue “Um homem das cidades”, no comentário deixado no texto anterior, pergunta-me qual é o problema de simplificar a escrita do Português de Portugal, unificando-o à escrita usada no Brasil. Como a resposta é demasiado longa para um simples comentário e, porque o desabafo que constitui o texto anterior não é muito rico em argumentos, resolvi responder em forma de novo ‘post’.
Para começar, convém lembrarmo-nos que o Acordo é de 1990, época em que o poder instituído ainda apoiava medíocres vulgares, pois não tinham sido descobertos os “talentos” destes supra-sumos da mediocridade política que (salvo raras excepções) compõem o executivo actual. O Primata que veste Armani não é responsável directo pela negociação do Acordo e só passados mais de 5 anos de liderança governativa arranjou coragem para o impor, pela força, coisa que habitualmente tem feito (com maior ousadia) com tantas outras aberrações à História e à Cultura portuguesas (impostas por norma jurídica), acto típico da personagem pantafaçuda que faz questão de encarnar.
Quanto à questão da “unificação à escrita brasileira”, que o Diogo evoca, afigura-se-me tarefa quase impossível (e no actual momento, ridícula) porque as duas línguas foram evoluindo e divergindo e hoje são significativamente diferentes. Além do mais (chamem-lhe nacionalismo se quiserem, porque não?) Portugal levou a sua Língua e Cultura ao Brasil, pelo que, o Português do Brasil é um derivado do Português. Com o tempo (e sobretudo com a independência) o Português do Brasil seguiu o seu caminho próprio, ganhando a sua identidade, não fazendo agora sentido que a Língua da ex-colónia venha a ser (parcialmente) adoptada pela mais velha (e das mais ricas culturalmente) nação da Europa. Parece-me, no mínimo, risível que o país que difundiu a Língua adopte alguns dos “vícios” de quem a ela se teve de adaptar. Evolução natural da língua é uma coisa (o Português, como qualquer Língua, tem evoluído ao longo dos séculos) tentativa de aculturação forçada é outra.
O Acordo, que afasta o Português das Línguas Românicas de onde é originário, não traz benefício algum ao Português do Brasil e transforma certas frases em Português (de Portugal) numa língua para “fraquinhos no discernimento”.
Acresce que, o Inglês (de Inglaterra) é diferente do Inglês dos Estados Unidos, o Castelhano (de Espanha) é diferente do “Espanhol” da América do Sul, etc., porque é que haveríamos de ter um único Português?
Quanto à questão da simplificação, onde é que ela está? Na abolição de “meia-dúzia” de consoantes ditas “mudas” (sendo que, na realidade são quase todas "semi-mudas" ou mais correctamente "semi-articuladas")? E o facto de consoantes “não mudas” passarem a facultativas, na escrita, não gera confusão e raia o grotesco?
Toda a gente fala da alegada vantagem em deixar de escrever o “c” de “acção” ou o “p” de asséptico”, por exemplo, o que de facto, vai disfarçar um pouco a iliteracia da maioria dos nossos alunos do Secundário e mesmo de alguns Universitários. Mas o acordo é bem mais do que isto. Com ele, passam a facultativas (na escrita) consoantes que não se pronunciando no Português do Brasil lêem-se e falam-se em Português. Por exemplo, o “c” de “facto” não se escreve nem se pronuncia no Brasil, com o Acordo pode escrever-se ou não, em Portugal, mas terá “obrigatoriamente” que se pronunciar, pois não é “mudo”. E, se por decreto se podem alterar as normas da escrita, não se pode alterar a Cultura de um povo. No Brasil (um facto) diz-se “fato”, que em Portugal é uma peça de vestuário a que os brasileiros chamam “terno”, que por sua vez, em Português, como substantivo, tem significado idêntico a “trio” e, como adjectivo, significa “meigo”. Com o Acordo poder-se-á escrever “fato” ou “facto” mas em Portugal terá sempre que se ler “facto”, situação que é capaz de não ser facilmente explicável aos alunos em início de escolarização. Muitos outros exemplos como este (em que a grafia passa a admitir as duas formas mas a fonia, obviamente, não) se podem citar. É o caso do “p” de corrupção ou de Egípcio, do “g” de amígdala, do “m” de indemnizar, de amnistia ou de amnésia, do “t” de aritmética ou de arritmia, do “c” de seccionar, de “contacto” de fricção, etc., pois nenhum Português diz “corrução”, “Egício”, “amídala”, “indenizar”, “anistia”, e por aí adiante.
A insistência numa aproximação das duas línguas, em tão larga escala, não faz sentido porque são milhares, as palavras, (e largas centenas, as expressões) muito vulgares numa cultura e simplesmente inexistentes, ou com significados muito diferentes, na outra. Aliás, o Brasil usou um argumento deste tipo para justificar o facto de nunca ter rectificado o Acordo Ortográfico assinado em 1945.
Ainda mais ridícula, que a “queda” das consoantes “não mudas”, é a “queda” de alguns hífens nuns tempos verbais e a sua manutenção (aleatória) noutros. Por exemplo, “hás-de”, perde o hífen (passa a “hás de”) mas, “hão-nos”, mantém-no. Será isto “simplificação”?
O desaparecimento de alguns assentos altera o tempo verbal de algumas frases. Por exemplo: “ontem passámos um bom bocado” passa a poder escrever-se: “ontem passamos um bom bocado”. Ora, “passamos” é presente e “ontem” remete-nos para o passado, portanto, a nova grafia (que torna “passámos” e “passamos” homógrafas) resulta numa frase de inteligibilidade muito reduzida.
Algumas das novas regras gramaticais são simplesmente hilariantes, por exemplo, em “moinho”, a divisão silábica passa a ser mo-in-ho.
Em minha (modesta) opinião, este Acordo faz parte de um plano há muito iniciado, de desprestígio da escola e dos valores culturais de cada nação, em movimento cada vez mais acelerado rumo à estupidificação massiva, objectivo permanente na Agenda dos líderes (na sombra). Como escrevi no texto anterior, não tendo sido assinado na era dos “socretinos”, este Acordo é, por macabra ironia do destino, o retrato cuspido do “engenheiro” domingueiro que faz aquelas figuras caquécticas a fingir que fala Inglês ou Espanhol, na “estranja”, por orgulho saloio, ou pior, vergonha da sua Língua e quiçá da Pátria, que continuamente se empenha em destruir.
Apache, Janeiro de 2011

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

O Acordar dos Símios

O Governo acaba de tornar obrigatória a aplicação do Acordo Ortográfico, nas escolas, a partir do próximo ano lectivo. Sócrates, o saloio que tirou uma licenciatura a um domingo, com trabalhos enviados por fax, numa universidade que mandou encerrar, quer agora forçar as futuras gerações a rebaixarem-se ao nível do seu analfabetismo primário. A sua máxima parece ser: Se não és digno entre os homens redu-los à tua bestialidade. Alguém, lá na Aldeia, devia explicar ao Primata que não tem poderes de super-herói.
Apache, Janeiro de 2011

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

O acordo "viral"

«Vejo um programa da RTP transmitido em “direto” e sinto um arrepio por altura das vértebras cervicais. Não graças ao programa, de que nem me lembro, mas graças ao “direto”: pois é, o Acordo Ortográfico já contaminou a televisão do Estado. Em breve, ameaça contaminar tudo. E o resultado é ainda pior do que se podia imaginar. Segundo as sumidades que o conceberam, o Acordo Ortográfico serve, cito, para “aumentar o prestígio da língua portuguesa”. Não sei bem em que consiste o “prestígio” de uma língua. Talvez estes defensores do português não o dominem devidamente e pretendam referir-se à sua importância, influência e disseminação. Se é isso, é fácil. Basta que um, ou preferencialmente mais do que um, dos países “lusófonos” possua uma literatura canónica, universidades invejáveis, centros científicos de primeira linha, tecnologia indispensável e universal, capacidade industrial, pujança comercial, peso político e, se não for maçada, uma cultura popular omnipresente através da música, do cinema e do que calha. Basta, enfim, que um dos países “lusófonos” seja a América. Ou, se formos modestos, a França ou a Espanha. Na impossibilidade de se alcançar tais ninharias, é garantido que o “prestígio” da língua de Camões e de Jorge Jesus não se obtém mediante brincadeiras imberbes em volta dos “c”, “p” e hífenes. O que se obtém é uma mistela concebida em laboratório, tão desagradável para quem a escreve como para quem a lê. Desagradável e ineficaz. Daqui em diante, será complicado presumir que um funcionário até agora diligente obedeça ao “diretor”. Ou acreditar nas dioptrias recomendadas pela “ótica”. Ou esperar que as senhoras “deem” o devido valor a uma “joia”. Isto em teoria, claro. Na prática, os hábitos da contemporaneidade e a tortura infligida durante décadas ao sistema educativo levam a que uma impressionante quantidade de portugueses (e, suponho, de brasileiros, angolanos, etc.) desconheça suficientemente o português pré-Acordo para conseguir adoptar o português do Acordo. O que se constata por aí, na rua, na imprensa, nos livros, na internet, nas televisões, nas SMS e no Parlamento, em “direto” ou diferido, não é uma língua candidata ao prestígio internacional, mas uma coisa a caminhar para a extinção nacional. Quase um dialecto, que dispensava a acrescida humilhação do “dialeto”»
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias” do passado dia 19

domingo, 24 de outubro de 2010

“I love you música portuguesa”

«Temo não saber inglês suficiente para compreender a música portuguesa. Não quero parecer velho, mas ainda sou do tempo em que a música portuguesa era cantada em português. Lembro-me bem dessa altura em que um aspirante a cantor conseguia pegar numa guitarra sem começar a verter as suas canções para uma língua que os turistas entendessem. Era estranho, claro. Gente portuguesa a exprimir-se em português sempre me fez confusão. Trata-se de um idioma bastante limitado, que restringe as possibilidades de expressão dos seus falantes, e portanto não admira que haja quem se veja forçado a recorrer à língua inglesa quando se trata de transmitir pensamentos realmente sofisticados, tais como "I love you, baby", "Please forgive me, baby", "Don't break my heart, baby" ou "Yeah, baby, you are my baby". Não posso, no entanto, deixar de notar que ainda há um longo caminho para percorrer. Neste momento, os artistas portugueses que cantam em inglês ainda estão condenados a dar entrevistas em português. Como é evidente, fazem falta jornais portugueses escritos em língua inglesa - ou, pelo menos, jornais portugueses que, embora fazendo perguntas em português (se querem mesmo insistir nesse capricho), permitam que as respostas possam ser dadas em inglês. Caso contrário, prosseguirá esta violência desumana que consiste em forçar cidadãos a exprimirem-se na sua própria língua. Creio que há um ou dois artigos na Declaração Universal dos Direitos Humanos que censuram essa prática. Felizmente, nem tudo joga contra os músicos portugueses que cantam em inglês. Por coincidência, a língua na qual eles se sentem mais à vontade é falada internacionalmente. Isso pode evitar-lhes embaraços parecidos com os que sempre afligiram os músicos portugueses com mais projecção lá fora. Todos nos lembramos dos concertos da Amália, sistematicamente interrompidos por espectadores que diziam: "Amália, what are you doing? Please sing in english! We don't understand you!" Para não falar do caso dos Madredeus, obrigados a tornar as suas letras mais acessíveis ao público estrangeiro ("À porta, I love you baby, daquela igreja, I miss you baby, vai um grande corrupio"). O meu único receio é que este desamor à língua portuguesa, e a ideia de que ela pode prejudicar o nosso ofício, tenham deflagrado no mundo da música e se propaguem a outras profissões. Que, por exemplo, um número considerável de canalizadores decida passar a consertar torneiras em inglês, para facilitar uma eventual carreira internacional, ou apenas porque tem mais estilo. "Let me unclog your toilet baby!" Enfim, não é o tipo de conversa que gostaria de ter com um canalizador. Embora reconheça que a frase talvez desse uma excelente música portuguesa.»
Ricardo Araújo Pereira, na “Visão” da passada quinta-feira

terça-feira, 14 de novembro de 2006

"Externalização"

“Alguém sabe o que significa a palavra externalização? Trata-se de uma palavra que não vem em nenhum dicionário, mas que se pode encontrar no Diário da República…”
A pergunta foi colocada na Sic Notícias, no passado dia 9/11/2006, pelo jornalista Mário Crespo e, ao que parece continua sem resposta. Entretanto o Google apresenta 47 400 páginas com a palavra. Seria interessante saber quem ganha com tão rápida propagação do disparate.
Cheira-me a nova versão da Terminologia Linguistica para os Ensinos Básico e Secundário (TLEBS), ou pivete similar!
Apache, Novembro de 2006