“O povo não aprende. A notícia de que Armando Vara passou à frente dos pacientes de um centro de saúde de modo a obter um atestado suscitou o inevitável, e repugnante, populismo das massas. Por toda a parte, repetiram-se, por tique ou inércia, as habituais lengalengas sobre o descaramento de uma casta de privilegiados. Eu, que não tenho qualquer simpatia pelo sr. Vara, só consegui ver no episódio humildade.
Em primeiro lugar, os privilegiados a sério têm médicos ao seu dispor a tempo inteiro, regiamente pagos para lhes providenciar os diagnósticos, as curas e, lá está, os atestados de que necessitam. O dr. Vara recorre a clínicos do contingente geral, sabe Deus com que riscos para a sua saúde.
Em segundo lugar, os privilegiados a sério contam com serviçais para lhes fazerem os recados. O administrador Vara faz os recados pessoalmente, comprometendo a sua atarefada agenda nestas minudências.
Em terceiro lugar, quando não arranjam alternativa, os privilegiados a sério visitam hospitais particulares. O eng. Vara resigna-se aos serviços públicos, expondo-se inclementemente aos vírus, bactérias e populares que os frequentam.
Em quarto lugar, os privilegiados a sério possuem jactos privados. O prof. Vara explicou a urgência no atendimento com a pressa de apanhar um mero avião comercial, o transporte dos simples.
Em quinto lugar, os privilegiados a sério não dão satisfações a ninguém. A inquebrável ética do banqueiro Vara obriga-o a justificar as ausências, do emprego ou das sessões do "Face Oculta", mediante documento adequado.
Em sexto lugar, os privilegiados a sério não expõem as maleitas à populaça. A rapidez com que a médica do centro de saúde rabiscou o atestado do arquitecto Vara prova que este não teme exibir a sua debilidade e, além disso, prova que o homem está realmente doente. Tenhamos respeito por quem sofre e por quem, mesmo em sofrimento, anda num evidente corrupio. A produtividade pátria seria outra se a ralé imitasse o exemplo de Sua Santidade Vara I, em lugar de ocupar o ócio nos centros de saúde, a aguardar preguiçosamente a sua vez.”
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias”
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