quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Por mares nunca dantes navegados

“O ensino transformou-se no reino das trevas. No seu interior evaporaram-se as ideias sobre o que devemos, afinal, aprender. Uma reflexão séria, apoiada numa base científica sólida, sobre os objectivos do ensino, é algo que não se vislumbra acontecer em parte alguma. Em vez disso pontificam: a grande insegurança e a grande confusão. Experimentam-se continuadamente modelos novos. A escola regressou ao princípio da economia directa. O desconhecimento da Língua e da Literatura, nacionais, pode ser compensado por Educação Física, e as lacunas em Matemática por Religião e Moral. (…) Tudo isto fez da escola um mercado, onde se negoceiam notas e onde os alunos regateiam com os professores algumas décimas. O facto de tudo poder ser combinado com tudo, de tudo ser permutável e passível de ser compensado, conduziu à consagração da terceira “irmã górgone”: a grande aleatoriedade.O seu domínio fez com que se esfumasse a ideia do valor cultural impermutável a cada disciplina, dependente do respectivo conteúdo. O princípio fundamental de qualquer ordenamento hierárquico dos diversos conteúdos do saber: a distinção entre o acessório e o fundamental, foi posto de parte.(…) As escolas padecem de uma contradição atormentadora: é suposto que os alunos aprenderem o mesmo em todo o lado para assegurar que as habilitações escolares (com destaque para as de acesso ao ensino superior) tenham um nível ao menos aproximadamente homogéneo. No entanto, cada escola define a sua própria política escolar [entenda-se, o seu Projecto Educativo] (…) Perante estes deprimentes resultados, os representantes da burocracia cultural recorrem a um meio de eficácia comprovada, a manutenção de ficções, a negação da realidade e o esforço de ignorar as evidências. (…) Em poucas áreas se mente tanto como na política educacional e escolar. Para mais, o problema de toda esta concepção reside num erro simples que qualquer criança saberia apontar com a mesma facilidade com que aponta a nudez do rei: a igualdade de oportunidades no início da competição escolar é confundida com a desejada igualdade dos resultados no seu final. (…) Nesta situação o ministério, cujos representantes mal devem conhecer a situação nas escolas por experiência própria retirou aos professores a maior parte dos meios disciplinares, de modo que agora existe uma desigualdade de armas absoluta. Castigos como, repreensões, admoestações, notificação aos pais e (no caso de faltas graves) a ameaça de exclusão ou a exclusão efectiva da escola encontram-se tão cerceadas por regulamentos, requerimentos, votações e reuniões escolares que qualquer professor prefere prescindir delas: com todo este aparato, ele castigar-se-ia sobretudo a si próprio. Como os alunos estão a par disso, ainda fazem troça dele. Ora, como os professores são oficialmente culpados pelos seus próprios problemas, são empurrados para a via da mentira; fazem segredo das suas próprias dificuldades. Um discurso público (troca de pensamentos e opiniões) em que os seus problemas pudessem ser confrontados, não existe. Deste modo quebra-se a solidariedade entre os professores, que passam a concorrer uns com os outros com uma mentirosa política de imagem pública. Fingem-se bem-sucedidos e fazem de conta que não têm problemas. Na realidade, muitos de entre eles encontram-se profundamente desmoralizados. (…) Em resumo, as escolas estão num estado tão lastimável que a miséria permanece completamente desconhecida, visto a sua dimensão ser inconcebível. Isto não significa que não existam, aqui e acolá, escolas funcionais, conselhos executivos empenhados e professores bem-sucedidos, assim como alunos medianamente felizes. Talvez até existam bastantes. Mas escolas assim já não são a regra, mas a rara excepção. (…)” Calma, o texto pretende desmascarar a realidade educativa da Alemanha actual. É um extracto do livro “Bildung – Alles, was man wissen muss", escrito em 1999 por Dietrich Schwanitz, que vendeu naquele país mais de meio milhão de exemplares. Em 2004 foi alvo de uma polémica tradução e edição, em Portugal, pelas Publicações Dom Quixote, com o título: “Cultura – Tudo o que é preciso saber”. Felizmente que a realidade portuguesa é bem diferente, e o nosso ensino navega num ledo, quedo e fragrante mar de rosas… Ou serão laranjas?

Apache, Dezembro de 2007

4 comentários:

DarkMorgana disse...

Só que neste caso, não há Porto de Abrigo...

Beijos

Diogo disse...

Todo o paradigma do ensino tem de ser repensado, tanto cá como em, qualquer outro lado. Tal como o paradigma do emprego (que está em desaparecimento).

Temos de começar a pensar o que é que vamos aprender e para quê.

Apache disse...

Pois não, Morgana. Deve ser do mar ledo, quedo e fragrante :)
Beijo.

Os mais novos já começaram a pensar, Diogo, e salvo raras excepções, estão a optar por não aprender nada.

cris disse...

E eu a pensar que era alguém cois palmos de testa in tugaland... bolas...