“Os vídeos da Comissão Nacional de Eleições que pretendem convencer os jovens a votar são muito eficazes. O mais interessante é que não são eficazes a combater a abstenção, mas a transmitir aquilo que a CNE acha que é um jovem. Antes de mais nada, há que recordar que, se as pessoas são o antigo povo, os jovens são a antiga canalha. A canalha foi promovida a jovens, o povo foi despromovido a pessoas. Os partidos, que eram afáveis com o povo, são cerimoniosos com as pessoas. Mesmo correndo o risco de parecer a minha avó, vejo-me forçado a começar a próxima frase com a expressão "no meu tempo". No meu tempo (cá está), todos os cartazes e pichagens de parede tratavam o povo por tu. Até o CDS pedia, muito coloquialmente, "Vota CDS". Agora, até o PCP trata as pessoas com cerimónia, e não arrisca mais do que um educado "Vote PCP". O povo era da família - logo, tratava-se por tu, como fazem as famílias, com excepção das que residem em Cascais. O povo é só um, toda a gente sabe quem é. As pessoas são muitas, e os partidos não podem aspirar a conhecê-las todas. Daí não terem à-vontade para tratá-las por tu.
Curiosamente, o mesmo não acontece com os chamados jovens. A política trata os jovens por tu, mas não por razões de familiaridade: um cãozito ou um gato não são tratados com reverência, e a CNE parece prezar os jovens como uma pessoa preza o seu animal de estimação: fazem umas habilidades giras, e às vezes parecem mesmo uma pessoa, mas continuam a ser um animal irracional. Os rapazes e raparigas que protagonizam os anúncios da CNE desempenham o papel de jovem na perfeição. Num dos vídeos, um jovem chega a uma boutique e, por não ter escolhido a roupa em tempo útil (aparentemente, no mundo deste jovem as pessoas têm um período específico para fazer a selecção da indumentária, passado o qual a escolha se torna irreversível), vê-se forçado a aceitar a escolha do alfaiate, que o obriga a trocar os andrajos que trazia por um fato e gravata. Ou seja, deixando o alfaiate escolher por ele, o miúdo ficou mais bem vestido. É possível que esta não seja a melhor forma de passar a mensagem "Não deixes que decidam por ti", o que me parece excelente. Pensando bem, a mensagem da CNE deteriora a democracia, na medida em que alerta as pessoas para o facto de os seus concidadãos não serem de fiar, e tomarem decisões que nos prejudicam. No entanto, o vídeo, na sua feliz incompetência, transmite a ideia contrária - que é, de facto, uma ideia admirável. Os partidos em que eu voto nunca ganharam uma eleição. Essa é, aliás, uma das razões pelas quais voto neles com tanto sossego. Significa isto que, mesmo tendo votado em todas as eleições, houve sempre alguém que decidiu por mim - o que é correctíssimo. Uma pessoa decidir o destino do país por nós, é ditadura; quando é a maioria que decide, isso chama-se democracia. Os outros sempre decidiram por mim, e ainda bem. Eu não quero carregar sozinho o fardo de decidir. Eu - e, sobretudo, Portugal - estamos muito melhor assim.”
Ricardo Araújo Pereira, na “Visão” de 17 de Setembro
Contrariamente ao Ricardo, em tempos, votei no partido vencedor. Tinha aproximadamente a idade destes jovens do vídeo da CNE. Serviu-me de lição.
Apache, Setembro de 2009
1 comentário:
Mesmo que se vote no partido vencedor, serão sempre outros a decidir. E nem sequer são políticos...
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