Noutros acampamentos…
Alguns dos motivos para a vitória do "Não" na Irlanda:
O receio da revogação europeia da proibição do aborto e da eutanásia na Irlanda (apesar dos defensores do Sim terem lembrado que o Tratado de Lisboa não põe em causa o Protocolo 17 do Tratado de Maastricht relativo ao artigo 40.3.3 da Constituição Irlandesa sobre a proibição do aborto (mas não o repete...) e da conferência de bispos irlandeses terem emitido, em 29-5-2008, uma Reflexão Pastoral "Fostering a Community of Values" que, de certo modo, apoia o Tratado, os defensores do Não reprovaram a falta de clareza do mesmo nessa questão e temiam os avanços federais das instituições e principalmente da jurisprudência do TJCE sobre esta matéria);
O receio da perda de soberania fiscal (eliminando a vantagem económica dos baixos impostos sobre as empresas);
A desconfiança de uma política externa supranacional (e receio da perda de neutralidade);
A oposição ao Estado Social socialista - e, para outros, a oposição ao neoliberalismo laboral.
Na Europa, os líderes da política furtiva afligem-se com o resultado. E maldizem os 109 964 eleitores irlandeses que votaram "Não", em vez de ficarem em casa, ou uma metade-mais-um deles que se enganou no voto que deveria ser "Sim". José Sócrates, que tinha prometido referendar o tratado e não cumpriu, vê agora dissipado parte do ganho "fundamental" que previa nele para a sua "carreira".
Não foi, portanto, a abstenção que fez perder na Irlanda o "Sim ao Tratado de Lisboa". Foi o voto do povo. E o voto do povo, mesmo para os democratas representativos que desprezam o eleitor durante os seus mandatos, é incontornável. Não poderá, portanto, fazer-se um segundo referendo daqui a meses: tem de fazer-se um novo Tratado, consentindo aos Estados - e não só à Irlanda... - a possibilidade de não aplicar determinadas decisões políticas ou, mesmo, determinadas políticas. Percebe-se bem que o voto "Não" seria repetido noutros países, se fosse consentido ao povo o direito de o sufragar, como diz o Ruy Caldas do "Classe Política". Essa impressão é que constitui o maior revés da votação irlandesa.(…)Creio que o voto contra irlandês manifesta a censura popular perante uma constituição programática europeia, mal disfarçada da versão anterior, e o projecto de federalismo europeu imperial. Aprendemos - aprenderam todos os que estudaram Ciência Política e Direito Constitucional! - que uma constituição não deve defender um programa político, uma ideologia, porque como lei fundamental que é tem de ser consensual, para que possa ser aceite, integrada, promovida e jurada por todos.Esta constituição/tratado, que pretende entronizar o deus Atheos das elites e omitir a herança e convicção popular, baseia-se no totalitarismo do politicamente correcto que exclui a liberdade nacional de outras formas de pensamento e decisão. Porque se imiscui no terreno ideológico, no plano da economia e dos costumes, agrada a uns e desagrada a outros. Para reduzir a oposição, torna-se uma mistura que passa a desagradar a quase todos. Assim, passa a ser atacada no plano económico por ser demasiado socialista (na regulação) ou demasiado neoliberal (no trabalho); e no plano dos costumes, por ser demasiado ateia ou demasiado liberal. E, acima de tudo, a preponderância das grandes potências sobre os demais povos. (…)»
António Balbino Caldeira no blogue “Do Portugal Profundo” [Link na coluna do lado]
Um texto que vale a pena ler na íntegra!
Apache, Junho de 2008
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