O ex-Primeiro-Ministro, agora estudante em Paris disse, há dias, que “as dívidas dos Estados são, por definição, eternas”. Não se pagam, “gerem-se". Afirmações destas não deveriam suscitar (significativos) comentários, primeiro porque são inatacáveis do ponto de vista técnico, depois porque são tão básicas que não é preciso ser estudante de economia para chegar a tão trivial conhecimento (qualquer aluno universitário de qualquer curso com uma cadeira de economia o deveria saber). No entanto, pasme-se, quase tudo o que é fazedor de opinião na nossa praça, políticos e ex-políticos incluídos, teceu críticas discordantes. Freitas do Amaral, ex-Ministro de Sócrates, com a capacidade contorcionista que se lhe conhece, veio dizer que se Sócrates acha que as dívidas não são para pagar “está explicado porque ele não se preocupou que Portugal tivesse cada vez mais dívidas". Freitas do Amaral distorce o espírito das afirmações de Sócrates pois quando este afirma que as dívidas se gerem, está implícito que essa gestão implica quer o pagamento dos juros, quer aumentos e diminuições do valor total da dívida, conforme as opções políticas do gestor da dita (o Governo, entenda-se). Pelo que, a interpretação de Freitas do Amaral, em sentido idêntico ao de muitas outras, se não está imbuída de má-fé é, no mínimo, resultante de uma má interpretação das palavras do seu ex-chefe. Valeu-nos ao menos o bom-senso de Passos Coelho, que perguntado à matéria respondeu com um despachado “acho que ninguém pode discordar”.
Note-se que considero Sócrates o pior (o mais impreparado e o mais arrogante) Primeiro-Ministro português, ainda que Passos Coelho me pareça empenhado em lhe arrebatar o título. E é claro que Sócrates agravou significativamente a dívida pública nacional, nos últimos anos da sua governação; aceitou empréstimos a juros pouco razoáveis e acabou nos últimos meses por cair na tentação dos sucessivos PEC, causa primeira da sua “queda”. Não contente com tal, celebrou com a “troika”, com a bênção dos actuais partidos do Governo, um acordo vergonhoso para os interesses económicos do país. No entanto, em minha opinião, o grande problema da gestão económica socrática não está na dimensão da dívida, antes no uso (muito mal) dado ao dinheiro que nos foi emprestado. Foram os estudos para os megalómanos projectos do TGV e do novo aeroporto, foram os (computadores) Magalhães, foram os milhões gastos na iniciativa Novas Oportunidades, foram as obras luxuosas da Parque Escolar, foram os milhões investidos em energias renováveis, foram uma série de (outras) parcerias público-privadas com contratos lesivos do interesse público, etc. Um manancial de esbanjamento em iniciativas que além de economicamente não lucrativas criam poucos (ou nenhuns) postos de trabalho.
O problema económico do país (à data em que o “inginheiro” começou a “disparar” PEC sucessivos) não era a dívida pública, de 169 mil milhões de euros, no final de 2010 [mais de dez vezes inferior à alemã; a nona entre os dezassete países da União Europeia que partilham o euro, quer em valor absoluto quer per capita (a quinta em percentagem do PIB)] que a banca internacional (via “troika”) se prestou “generosamente” a aumentar em suaves prestações (mais 78 mil milhões de empréstimo e mais 34,4 mil milhões de juros do dito) mas a incapacidade da economia gerar riqueza e postos de trabalho. Curiosamente, não contente com o valor da futura dívida e com o estado caótico da economia, o Governo tem optado por agravar ambos: o primeiro, com sucessivas emissões e venda no mercado de títulos de dívida (mais mil e cem milhões na semana passada) o segundo, debilitando ainda mais a economia por via dos cortes salariais e dos agravamentos dos impostos.
Apache, Dezembro de 2011
Sem comentários:
Enviar um comentário