“Quando, em Março ou Abril últimos, a gripe A chegou aos noticiários, previ aqui que os milhões de mortos anunciados resultariam em coisa nenhuma ou quase nenhuma. Não foi uma previsão arriscada. Se acertasse, cá estaria para lembrar "Eu não avisei?" Se falhasse, a carnificina teria sido tão vasta que os restos da humanidade andariam mais ocupados a enterrar cadáveres do que a confrontar as opiniões de humildes colunistas, entretanto também provavelmente falecidos por acção do H1N1.
Numa altura em que a gripe A praticamente sumiu, em que o número das respectivas baixas anuais ronda os 3% das da gripe comum e em que distintas personalidades vêm aos bandos acusar a OMS de inventar uma falsa pandemia em prol das farmacêuticas, apraz-me cumprir um ritual e proclamar (ligeiro rufar de tambores, por favor): "Eu não avisei?"
É evidente que os meus dotes premonitórios aproveitaram uma característica de todas as catástrofes anunciadas: não passam dos anúncios. Sempre que os responsáveis globais e caseiros pela saúde pública antecipam uma qualquer mortandade a pretexto dos porcos, das galinhas, das vacas e dos bichos que calham, é garantido tratar-se de histeria infundada. Com, vá lá, uma virtude: se não posso jurar que visem beneficiar a indústria farmacêutica, pelo menos as sucessivas histerias médicas revelam a sua falsidade em questão de meses. Muito piores, excepto para as indústrias que deles beneficiam, são os apocalipses a médio ou longo prazo, isto é, os que em vez de prometerem a desgraça para o inverno que vem, imitam as Testemunhas de Jeová e marcam o Julgamento para 2025 ou 2050, datas que adiam, ou no mínimo complicam, a confirmação da fraude.
O exemplo clássico é o do "aquecimento global", que há anos influencia políticas e enriquece os pioneiros das "energias alternativas". Apenas recentemente se abriram brechas "mediáticas" no consenso de que a acção do homem arruinaria o clima em poucas décadas. Hoje, as sugestões de manipulação ou pura trafulhice nos dados "oficiais" tornam-se uma trivialidade entre os especialistas do ramo (há dias, foi o principal conselheiro científico do governo britânico a pedir "honestidade"; uns dias antes, fora o próprio organismo da ONU para o clima, o alarmista-mor IPCC, a reconhecer "erros grosseiros").
Tudo isto aconselha a desconfiar das instituições? Em parte. Mas a parte maior da desconfiança deve recair sobre a humanidade, que engole cada patranha com recorrência curiosa, para não dizer assustadora. "Uma mentira exige duas pessoas: uma para mentir, outra para escutar." O autor da frase é, claro, Homero, o dos "Simpsons" e não o da "Ilíada". O futuro está inteirinho nos clássicos.”
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias” de 28 de Janeiro
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