«Não vou
comentar os acontecimentos do Meco, de uma escala apesar de tudo rara ou
inédita. Mas, dado o clima da semana, julgo ser obrigatório escrever sobre as "praxes"
que, ao que consta, provocaram os acontecimentos. Pior ainda, não consigo fugir
ao consenso geral: mesmo quando não são propensas ao perigo, as
"praxes" são uma manifestação de idiotia e uma explicação para o
nível geral do nosso ensino superior.
As
reportagens sobre os jovens afogados vão mostrando porque é que tantas
criaturas terminam a licenciatura sem uma vaga ideia do respectivo conteúdo, de
resto frequentemente superficial. O universo das "praxes" é um
currículo à parte, repleto de hierarquias, estatutos, símbolos de honra e
desonra, códigos de conduta e normas de vestuário que os leigos devem aprender
com zelo, sob pena do que calha, incluindo, em situações extremas, da morte.
Não admira que, enquanto se dedicam às ordens do "Dux" (?), os "estudantes"
não tenham vagar para o propósito oficial das universidades, as quais assistem
impávidas à troca do saber especializado pela iniciação paralela à reverência,
à prepotência, à desumanização, ao colectivismo e, afinal, à cretinice. Se a aversão
à liberdade é uma marca nacional, o desejo de pertença, uma discutível virtude,
realiza-se aqui da maneira mais primária.
"Aqui",
onde? É justo distinguir entre universidades com e sem aspas. O peso das
"praxes" é menos relevante nas instituições em que os estudantes, por
incrível que pareça, têm de estudar. A importância da capa e da batina cresce
em função da insignificância da instituição, o que, em Portugal, equivale a
dizer que as "praxes", se levadas ao limite da sua essencial
selvajaria, são sobretudo característica das "universidades"
particulares, por cá quase uma contradição nos termos.
No mundo
civilizado, as melhores escolas são, como seria de esperar, as que funcionam à
margem do Estado. No mundo que nos tocou em sorte, em que o ensino público já é
o que é, a iniciativa privada foi incapaz de criar um simulacro - ou, vá lá,
uma caricatura - de Yale ou Harvard. Em vez disso, ergueu uns barracões sem
dignidade nem docentes que, grosso modo, encheu com o refugo do numerus
clausus. Nesses lugares, as "praxes" fingem uma tradição e servem de
currículo. Por regra, a coisa não vai além da trapaça; ocasionalmente, chega à
tragédia. Em ambas as circunstâncias, à semelhança dos rapazes e raparigas
mortos na praia, as diversas "Lusófonas" são um caso de polícia.»
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias”
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