Realizou-se ontem mais uma mega manifestação nacional de professores. No passado dia 8 de Março, cerca de 100 mil professores haviam desfilado entre a Praça Marquês do Pombal e o Terreiro do Paço, em protesto contra as políticas de destruição da escola pública implementadas pelo ministério liderado por Maria de Lurdes Rodrigues. Ontem, a história repetiu-se. O percurso escolhido foi o mesmo, mas os cerca de 120 mil manifestantes (número apontado pela plataforma de sindicatos), aproximadamente 82% dos docentes em exercício efectivo, percorreram-no em sentido inverso.
Durante estes últimos dias, evitei, propositadamente, comentar em público a posição assumida nos últimos meses (depois de 8 de Março) pela plataforma de sindicatos, para evitar o lugar-comum de que quem critica os sindicatos cultiva divisionismos e favorece a acção da ministra.
Parece-me, por isso, o momento certo para fazer um ponto de situação.
No dia 8 de Março, a esmagadora maioria dos docentes manifestou-se contra a política educativa deste governo, plasmada nos muitos diplomas legais publicados, e que na sua generalidade são completamente desajustados da realidade das escolas, confusos (ou mesmo contraditórios), injustos e ineficazes. Destes, destacam-se os referentes à avaliação docente que impõem um (novo) modelo complexo, excessivamente burocrático, altamente subjectivo, manifestamente injusto e pontualmente ilegal (por atropelos ao Código do Procedimento Administrativo, violação de direitos constitucionalmente protegidos, além de transferirem para os docentes responsabilidades que lhes não pertencem individualmente). Alguns dias depois, ministério e dirigentes sindicais (que não é justo tomarmos as cúpulas pelo todo) assinaram um memorando de entendimento, à revelia de mais de 100 mil professores (que o não validaram), no qual se comprometiam a aplicar este modelo no presente ano lectivo. Às primeiras iniciativas conducentes à implementação deste modelo nas escolas, repito, à revelia da esmagadora maioria da classe, os sindicatos responderam com o silêncio. Já no final de Setembro e início de Outubro, dado voz ao crescente clima de instabilidade e crispação que se vive actualmente nas escolas, movimentos independentes de professores (entretanto constituídos) organizam acções locais de contestação às sistemáticas investidas do ME contra os professores. Começa então a ganhar forma uma nova manifestação nacional, que acaba por ser agendada para 15 de Novembro. Despertos da letargia em que haviam mergulhado, as cúpulas sindicais apressam-se a marcar outra manifestação nacional para 8 de Novembro, à qual acabam por aderir (após pedidos de destacados colegas) os movimentos independentes, na esperança de que assim se pudessem unir de novo, professores e cúpulas sindicais, permitindo mais uma manifestação com participação histórica que pudesse levar a tutela a rever as suas políticas. Pura ilusão.
Os autistas do ministério não cederam a 8 de Março e não cedem agora. Vivem na fantasia de que tudo lhes é permitido, por mais aberrante e irracional que seja. Acham-se os iluminados, capazes de impor o paradigma empresarial a sectores onde o produto final são seres humanos e não parafusos ou latas de tinta. Acham que uma reforma se implementa à revelia da esmagadora maioria dos que por ela são afectados.
Os autistas que dirigem os sindicatos acham-se pastores a conduzir um rebanho de carneiros, tentando sobrepor os interesses partidários aos interesses da escola. Pensam que lideram a contestação como e quando lhes apetece. A sua visão bipolar coloca de um lado o ME e do outro os seus interesses político-partidários, sendo os professores meras pedras de arremesso nas intifadas eleitorais. Em vez de, na qualidade de professores se juntarem à manifestação convocada pelos movimentos independentes (marginais ao entendimento), quiseram demonstrar uma liderança que já poucos lhe reconhecem, marcando uma outra manifestação, moralmente muito discutível, uma vez que não haviam denunciado o memorando de entendimento, tentando assim, quase desesperadamente, esvaziar a capacidade organizativa independente, dos professores.
E porque o seu autismo, mais não parece permitir, colaram-se ontem à resistência que grassa pelas escolas, a qual quase nada fizeram para implementar e, marcaram uma greve de um dia para daqui a mais de dois meses. Sinceramente, muito pouco para tanto palavreado debitado no Terreiro do Paço e no Marquês do Pombal. Acho que alguém ainda não percebeu que com manifestações de rua e greves de um dia pode bem a dona Maria de Lurdes.
Tenho tentado acreditar que os dirigentes sindicais querem ser parte da solução e não parte do problema, mas confesso que começa a ser difícil encontrar na acção dos mesmos, justificação para tal. Depois da unicidade mostrada ontem, passar dois meses a assobiar para o lado e fazer uma greve de um dia na segunda quinzena de Janeiro, só pode fazer rir dona Lurdes e “sus muchachos”.
Claro que as manifestações de rua são necessárias, por um lado, porque demonstram à opinião pública a indignação e vontade de dar a cara pela luta, depois porque servem para unir em torno de idênticos ideais, os que nelas participam. Mas contra gentinha como os actuais inquilinos da 5 de Outubro, iniciativas deste tipo não bastam. Que fazer então?
Deixo uma série de possíveis medidas de resistência, que me parecem exequíveis e não beliscam os normativos legais. Destaco em primeiro lugar, a necessidade de fazer circular abaixo-assinados, no maior número de escolas possível, requerendo ao Conselho Pedagógico a suspensão da avaliação, evocando entre outros factores que julguem convenientes, os atropelos ao CPA, nomeadamente a publicação em DR das delegações de competências e as incompatibilidades. Nas escolas onde tal não seja possível, pedir aos coordenadores, ao conselho pedagógico e ao conselho executivo, por escrito, todos os esclarecimentos que julguem necessários. Nas escolas onde já estejam na fase de entrega dos objectivos individuais, não se comprometam com percentagens de sucesso nem de abandono escolar, deixem que sejam os avaliadores a forçarem esses objectivos, ficando em acta que eles não são vossos, foram-vos impostos pelo avaliador.
Não marquem as datas de assistência a aulas, o avaliador que escolha as que quer ver e quando ele entrar (se o fizer) interrompam o que tinham planeado e distribuam uma ficha formativa pelos alunos que demore toda a aula a ser realizada, ou se tiverem um televisor e um vídeo ou projector disponível, um filme sobre a matéria que estão a leccionar ou já leccionada, que preencha igualmente toda a aula. [Não esqueçam que isto implica trazerem sempre um exemplar da ficha (fotocopiado) para cada aluno e um Plano de Aula que têm de entregar ao coordenador, (obviamente simples) que prevê a aplicação da ficha ou do filme, nesse dia].
Quanto à actuação de Lurdes Rodrigues e Pinto de Sousa, recordo uma vez mais as palavras de Eça em “O Conde de Abranhos”: “Este governo não cairá porque não é um edifício, sairá com benzina porque é uma nódoa.”
Apache, Novembro de 2008
2 comentários:
As greves têm de começar a ser feitas nas escolas e não nas avenidas. Tenho um filho de 10 anos que anda no ciclo. Não me importa que ele perca um ano absurdo para ganhar, nos anos seguintes, uma educação inteligível.
Há dias a mãe foi buscá-lo ao ATL. Estava a chorar e queixava-se que trabalhava mais que um adulto. A carga horária é absurda. E a matéria dada continua absurda.
Tudo o vem do ME há anos a esta parte é absurdo.
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