Ainda a propósito da gigantesca manifestação de professores do passado dia 8, Fernando Alves, na sua crónica habitual na TSF (no dia 10), comentava assim as reacções do ministério:
“Talvez haja um abismo de discernimento entre a ministra e o seu secretário de estado, entre aquilo que obriga Maria de Lurdes Rodrigues a dizer que entende o que se passa na rua, mesmo se treslê a mensagem que a rua lhe envia, e o que dispensa Valter Lemos dessa atenção. Ou talvez não. Mas há outros abismos. Enquanto a ministra reage formalmente no Porto ao que ainda não acabou de ser dito na manifestação de Lisboa, aonde entretanto consegue chegar a tempo de explicar no telejornal que aquele não foi, não senhor, o seu pior dia, imagina-se o que dirá cada um daqueles a quem todos os dias o dia não chega, se perguntados sobre os piores dias de uma rotina feita de desgaste físico e emocional. Eis outro abismo: o abismo do método. É disso que eles falam. É isso que pedem. Outro método. Ela diz que entende, diz que escuta. Mas o que ela diz entender é que lhe pedem outro mundo que lhe exigem outra coisa. E se ela tentasse escutar o que eles dizem? Não a espuma das rimas e das cornetas que escorrem pelo jornal, mas o desespero que os desatina. O que os faz vir de longe, o que os deprime, o que os atordoa. Ao contrário do secretário de estado para quem esta manifestação é mais uma que não entende, que não consegue perceber, ela diz que entende mas não cede. E que o que ali vai na rua é a chantagem com os que não vieram. Mas se ali estão quase todos?! Mesmo muitos que nunca vieram. Eis outro abismo que ela cava: não já entre si e eles, mas entre si e nós todos, ao dizer-nos que entrega a educação, afinal, a indigentes e a chantagistas facilmente manipuláveis. Por “cliques” sindicais, ou, como alvitrou o primeiro-ministro por um lamentável oportunismo político da oposição. Talvez Sócrates devesse reflectir em avisos vindos do seu próprio partido como aquele de Manuel Alegre: é que a maior parte dos que desceram a rua terão votado PS. E Alegre mostrou outro ângulo do abismo. A reacção ministerial revela pouca cultura democrática quando fala desta manifestação como uma intimidação.Este é afinal o mais perigoso dos abismos: o da degradação da cultura democrática. Mas se aquele não foi o seu pior dia, fica para Maria de Lurdes Rodrigues em aberto, a possibilidade de perceber que vale a pena ouvir os argumentos dos que a interpelam. Aqueles que ela diz entender. Já a resposta de Valter Lemos, aquele seco - ”é mais uma!”, quando lhe perguntaram o que pensava da manifestação, revela um desprezo e uma insensibilidade que está mesmo a pedir uma séria avaliação. Porque, à parte a discussão sobre o que é ou não é razoável, ela é afinal uma resposta indecente.”
Apache, Novembro de 2008
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