«O ministro das Finanças sempre foi homem de vibrantes debates consigo mesmo. Até agora, porém, permitia-nos, e permitia-se, respirar. Se num ano o Dr. Teixeira dos Santos assegurava a portentosa saúde das contas públicas, só no ano seguinte se resignava à respectiva derrocada. Se num mês garantia que o défice nem chegaria aos 6%, só no mês seguinte aparecia a reconhecer que afinal a coisa rondava os 9%. Se numa semana jurava a impossibilidade de reduzir a despesa, só na semana seguinte admitia cortar aqui e ali.
Agora, o homem deu em contradizer-se ao fim de poucas horas. De manhã surge no ‘Financial Times’ a confessar que o "risco" de Portugal recorrer à ajuda internacional é "elevado". De tarde, aparece na agência Reuters a proclamar que o recurso à ajuda internacional "não está iminente" e que não passa de "rumores e especulação".
O tique mantém-se suportável porque, por enquanto, o Dr. Teixeira dos Santos reserva um período, mínimo que seja, entre uma afirmação e o seu reverso. Mas nada o impede de, a breve prazo, desatar pura e simplesmente a discutir sozinho em tempo real. Por este andar, não faltará muito para que o vejamos, em conferência de imprensa, a contestar as frases que proferiu dois segundos antes: "É forçoso reconhecer que o pior da crise ainda não chegou." "Não chegou? Claro que chegou. A recuperação económica já é um facto." "Não é, não senhor!" "Ai, isso é que é." "V. Exa. chamou-me mentiroso?" Etc.
Talvez tudo não passe de uma estratégia deliberada para confundir os investidores estrangeiros, embora não se perceba exactamente a quem serve a confusão: de cada vez que o Dr. Teixeira dos Santos abre a boca, os juros da dívida sobem uns pontinhos e a famosa "credibilidade" pátria arranja maneira de se afundar mais um bocado. Outra possibilidade é ser o próprio Dr. Teixeira dos Santos a andar confuso, hipótese que ele decerto negará com veemência. E confirmará logo depois.»
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias” da passada quinta-feira
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