(continuação…)
“O Sr. acredita que a incorporação destas tecnologias na educação é um processo irreversível?”
“Não existe nada irreversível nas actividades humanas. Isso depende de nós mesmos. Infelizmente, se a ignorância continuar, a tendência será essa. Será cada vez mais difícil encontrar escolas que não usem computadores na educação. Provavelmente só sobrarão as escolas ‘Waldorf’. No meu artigo contra o projecto ‘Um Laptop por Criança’, eu menciono alguns estudos estatísticos que mostram que, quanto mais as crianças e jovens usam o computador, pior é o seu rendimento escolar. Menciono também um artigo que saiu no jornal ‘The New York Times’ que mostra que cinco escolas nos EUA acabaram com o programa que permitia a cada aluno ter um computador, pois ficou claro que isso prejudica o rendimento escolar, não traz benefícios e o custo é altíssimo. Assim, tenho ainda alguma esperança de que a razão e o bom senso acabem por prevalecer e escolas e pais acabem ou reduzam o uso de computadores por crianças e adolescentes.”
“Muitos educadores defendem o uso dos computadores pelas crianças alegando que as máquinas estão cada vez mais presentes na sociedade e fazem parte do quotidiano dos alunos, além de facilitar o acesso à informação. O que é que o Sr. acha disto?”
“A necessidade de crianças usarem o computador porque ele faz parte da nossa sociedade é uma falácia completa. Nesse caso, as crianças deveriam conduzir um automóvel, logo que os pezinhos conseguissem chegar aos pedais e não deveria haver restrições ao consumo de bebidas alcoólicas pelos jovens pois ambos fazem parte da sociedade. É necessário examinar sempre a questão da maturidade. Como o computador não provoca danos físicos como os automóveis e as bebidas alcoólicas, acha-se que o computador é inócuo. Este é um grande erro, pois o desastre que ele provoca é mental, portanto, de certo modo, muitíssimo pior. Estamos a condenar as crianças a serem adultos antes do tempo, com pensamentos frios e rígidos, por exemplo.
Além disso, por é que as crianças devem ter acesso à informação? Como em tudo na educação, há idade adequada para isso. Qualquer psicólogo sabe que a aceleração do desenvolvimento das crianças, seja ela física ou mental, é prejudicial. É um paradoxo que se tentem proteger as crianças contra agressões físicas e psicológicas e não se perceba que os meios electrónicos violam a natureza das crianças e dos jovens, formatando-os nas suas capacidades de pensar, sentir e querer. Há tempo para as crianças entrarem em contacto com o mundo dos adultos. Da mesma forma que não vamos para o altar de fraldas, também chegará o tempo em que o jovem terá maturidade suficiente para enfrentar as atrocidades do mundo. E terá muito mais energia para as enfrentar se a sua infância tiver sido poupada. Assim, o acesso à informação por crianças e adolescentes só deveria acontecer naquilo que é adequado para a sua maturidade. Repito que não é necessário que uma criança use um computador ou a Internet, pelo contrário, eles são prejudiciais; mas se algum pai achar que o seu filho deve usá-los, é absolutamente necessário que fique ao lado da criança para que ela não aceda a informação imprópria para a sua idade e não fique horas sentada em frente à máquina, com consequências graves para a sua saúde física.”
“O que é que o Sr. recomenda às crianças e adolescentes em vez do uso do computador?”
“Isso depende da idade. Em crianças até aos 9 anos, o essencial é o incentivo à imaginação e à fantasia - exactamente o contrário do que fazem os aparelhos com tela. Contar histórias, mostrar figuras em livros infantis, jogar à bola, correr e saltar, usar brinquedos toscos de madeira e bonecas de pano, etc. Por falar em livros, infelizmente existem muito poucos livros infantis, entre nós, realmente artísticos e interessantes; em geral as figuras são caricatas, mostrando um mundo distorcido, povoado de monstros. Isto mostra como se perdeu totalmente a intuição do que é apropriado para as crianças e deveria ser suficiente para se desconfiar profundamente de todas estas novidades pedagógicas "modernaças", principalmente as que propõem o uso sistemático de meios electrónicos na educação. Recomendo fortemente a visita a uma ‘Escola Waldorf’ para ver como pode ser um ensino profundamente impregnado de arte e com o mínimo recurso às tecnologias electrónicas. Em particular, visite-se qualquer jardim-de-infância ‘Waldorf’ para se ter uma ideia do que é um ambiente carinhoso, acolhedor, artístico, que faz com que qualquer pessoa queira voltar a ser criança novamente. Note-se como nele não há absolutamente nenhum ensino formal, como apreender a ler ou fazer contas. Há tempo para isso, idealmente aos 6 ou 7 anos de idade. A propósito, nenhuma Escola ‘Waldorf’ digna desse nome usa computadores na educação antes do ensino secundário. Note-se também que, nestas escolas, não existe a geração do «copia-e-cola»."
Apache, Setembro de 2008