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terça-feira, 2 de dezembro de 2008

"Sócrates e a Liberdade" - António Barreto

“Em consequência da revolução de 1974, criou raízes entre nós a ideia de que qualquer forma de autoridade era fascista. Nem mais, nem menos. Um professor na escola exigia silêncio e cumprimento dos deveres? Fascista! Um engenheiro dava instruções precisas aos trabalhadores no estaleiro? Fascista! Um médico determinava procedimentos específicos no bloco operatório? Fascista! Até os pais que exerciam as suas funções educativas em casa eram tratados de fascistas.
Pode parecer caricatura, mas essas tontices tiveram uma vida longa e inspiraram decisões, legislação e comportamentos públicos. Durante anos, sob a designação de diálogo democrático, a hesitação e o adiamento foram sendo cultivados, enquanto a autoridade ia sendo posta em causa. Na escola, muito especialmente, a autoridade do professor foi quase totalmente destruída.
Em traço grosso, esta moda tinha como princípio a liberdade. Os denunciadores dos 'fascistas' faziam-no por causa da liberdade. Os demolidores da autoridade agiam em nome da liberdade. Sabemos que isso era aparência: muitos condenavam a autoridade dos outros, nunca a sua própria; ou defendiam a sua liberdade, jamais a dos outros. Mas enfim, a liberdade foi o santo e a senha da nova sociedade e das novas culturas. Como é costume com os excessos, toda a gente deixou de prestar atenção aos que, uma vez por outra, apareciam a defender a liberdade ou a denunciar formas abusivas de autoridade. A tal ponto que os candidatos a déspota começaram a sentir que era fácil atentar, aqui e ali, contra a liberdade: a capacidade de reacção da população estava no mais baixo.
Por isso sinto incómodo em vir discutir, em 2008, a questão da liberdade. Mas a verdade é que os últimos tempos têm revelado factos e tendências já mais do que simplesmente preocupantes. As causas desta evolução estão, umas, na vida internacional, outras na Europa, mas a maior parte residem no nosso país. Foram tomadas medidas e decisões que limitam injustificadamente a liberdade dos indivíduos. A expressão de opiniões e de crenças está hoje mais limitada do que há dez anos. A vigilância do Estado sobre os cidadãos é colossal e reforça-se. A acumulação, nas mãos do Estado, de informações sobre as pessoas e a vida privada cresce e organiza-se. O registo e o exame dos telefonemas, da correspondência e da navegação na Internet são legais e ilimitados. Por causa do fisco, do controlo pessoal e das despesas com a saúde, condiciona-se a vida de toda a população e tornam-se obrigatórios padrões de comportamento individual.
O catálogo é enorme. De fora, chegam ameaças sem conta e que reduzem efectivamente as liberdades e os direitos dos indivíduos. A Al Qaeda, por exemplo, acaba de condicionar a vida de parte do continente africano, de uma organização europeia, de milhares de desportistas e de centenas de milhares de adeptos. Por causa das regulações do tráfego aéreo, as viagens de avião transformaram-se em rituais de humilhação e desconforto atentatórios da dignidade humana. Da União Europeia chegam, todos os dias, centenas de páginas de novas regulações e directivas que, sob a capa das melhores intenções do mundo, interferem com a vida privada e limitam as liberdades. Também da Europa nos veio esta extraordinária conspiração dos governos com o fim de evitar os referendos nacionais ao novo tratado da União.
Mas nem é preciso ir lá fora. A vida portuguesa oferece exemplos todos os dias. A nova lei de controlo do tráfego telefónico permite escutar e guardar os dados técnicos (origem e destino) de todos os telefonemas durante pelo menos um ano. Os novos modelos de bilhete de identidade e de carta de condução, com acumulação de dados pessoais e registos históricos, são meios intrusivos. A videovigilância, sem limites de situações, de espaços e de tempo, é um claro abuso. A repressão e as represálias exercidas sobre funcionários são já publicamente conhecidas e geralmente temidas A politização dos serviços de informação e a sua dependência directa da Presidência do Conselho de Ministros revela as intenções e os apetites do Primeiro-ministro. A interdição de partidos com menos de 5.000 militantes inscritos e a necessidade de os partidos enviarem ao Estado a lista nominal dos seus membros é um acto de prepotência.
A pesada mão do governo agiu na Caixa Geral de Depósitos e no Banco Comercial Português com intuitos evidentes de submeter essas empresas e de, através delas, condicionar os capitalistas, obrigando-os a gestos amistosos. A retirada dos nomes dos santos de centenas de escolas (e quem sabe se também, depois, de instituições, cidades e localidades) é um acto ridículo de fundamentalismo intolerante. As interferências do governo nos serviçosde rádio e televisão, públicos ou privados, assim como na 'comunicação social' em geral, sucedem-se. A legislação sobre a segurança alimentar e a actuação da ASAE ultrapassaram todos os limites imagináveis da decência e do respeito pelas pessoas. A lei contra o tabaco está destituída de qualquer equilíbrio e reduz a liberdade.
Não sei se Sócrates é fascista. Não me parece, mas, sinceramente, não sei. De qualquer modo, o importante não está aí. O que ele não suporta é a independência dos outros, das pessoas, das organizações, das empresas ou das instituições. Não tolera ser contrariado, nem admite que se pense de modo diferente daquele que organizou com as suas poderosas agências de intoxicação a que chama de comunicação. No seu ideal de vida, todos seriam submetidos ao Regime Disciplinar da Função Pública, revisto e reforçado pelo seu governo. O Primeiro-ministro José Sócrates é a mais séria ameaça contra a liberdade, contra autonomia das iniciativas privadas e contra a independência pessoal que Portugal conheceu nas últimas três décadas. Temos de reconhecer: tão inquietante quanto esta tendência insaciável para o despotismo e a concentração de poder é a falta de reacção dos cidadãos. A passividade de tanta gente. Será anestesia? Resignação? Acordo? Só se for medo...”
[Um texto com quase um ano, mas de uma actualidade irritante. O destaque é meu.]
António Barreto, no jornal "Público" de 6 de Janeiro de 2008

sábado, 15 de novembro de 2008

Se duvidas houvesse…

Apenas uma semana depois da mega manifestação de professores organizada pelos sindicatos e a que aderiram os movimentos independentes, os docentes voltaram hoje a escrever mais uma página na história da luta pela democracia. Pouco antes das 16 horas acomodavam-se em frente ao Palácio de São Bento as primeiras centenas de pessoas, simultaneamente a retaguarda da manifestação abandonava o Largo do Rato, enquanto uma mole compacta de professores apinhava (de parede a parede) a Rua de São Bento. A PSP, desta vez autorizada pelo gabinete de Sócrates a pronunciar-se (contrariamente ao que sucedera no passado sábado), estimou (talvez com medo de ser de novo mandada calar) em 7 mil, os manifestantes. Já antes, a TSF falava de algumas centenas e a SIC experimentava reacções anunciado “cerca de mil”. Os números serviam perfeitamente os intentos de nos arrancar sorrisos sob o luminoso e afável sol de Novembro. Sem bandeiras ou logística de sindicatos ou organizações partidárias, um cortejo de cidadãos orgulhosos da profissão e do seu dever cívico, juntaram-se uma vez mais, alguns (provavelmente) com razoável sacrifício pessoal e familiar, para uma vez mais dizerem BASTA, a tanta estupidez em forma de diploma legal. Pelas 17:30, após o discurso improvisado dos principais dirigentes dos movimentos de professores em defesa de uma escola pública de qualidade, os manifestantes entoavam o hino nacional e sob a penumbra que anunciava a noite, na voz de cada um ecoava uma auto-promessa: o autismo, a megalomania e a acefalia de certos cadáveres políticos encontrará nos professores a devida resistência.
Apache, Novembro de 2008

sábado, 4 de outubro de 2008

A democracia (musculada) americana… Bush o herói dos democratas

O congresso americano aprovou ontem a versão reformulada do Plano Paulson de injecção de 700 mil milhões de dólares na economia, a maioria dos quais será gasta na aquisição por parte do Departamento do Tesouro, de “activos tóxicos” detidos por instituições financeiras em alegada situação económica difícil. O plano proposto pela administração Bush dividiu o partido republicano que votou o “Não” por escassa vantagem (108-91), porém insuficiente para deter a esmagadora maioria democrata no “Sim” (172-63). E eu que julgava que os democratas detestavam o Bush… Tentando explicar o inexplicável voto favorável ao plano, o congressista democrata Brad Sherman saiu em defesa da honra de alguns colegas de partido, afirmando que vários congressistas que haviam votado “Não” na passada segunda-feira (à primeira versão do plano) foram ameaçados de que caso a proposta voltasse a não ser aprovada, seria imposta a Lei Marcial. Aqui ficam as palavras de Brad Sherman…
Apache, Outubro de 2008

domingo, 28 de setembro de 2008

A propósito de democracia…

"Os dois maiores obstáculos à implementação da democracia nos Estados Unidos são: primeiro, a ilusão generalizada entre os pobres, de que temos uma, e segundo, o terror crónico entre os ricos de que alguma vez tenhamos uma". [Tradução minha] A frase data do longínquo ano de 1941 e pertence ao editor Edward Dowling mas é de uma actualidade e universalidade, desesperantes.
Apache, Setembro de 2008

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Eles comem tudo… (3)

Há dias ficou-se a saber que dois milhões de portugueses vivem com menos de 10 euros por dia, ou melhor, viviam. É que um tal de José Sousa esclareceu no parlamento que os dados se referiam a 2004. Ficámos então muito mais descansados, de 2004 para cá talvez algum deles já tenha arranjado emprego como jardineiro de um dos vencedores do Euromilhões. Poucos dias antes, havíamos tido conhecimento dos resultados referentes ao primeiro trimestre de 2008, da Galp, onde a “crise” que se vive no sector petrolífero é bem patente. Recorde-se que o seu presidente, Manuel Ferreira de Oliveira, disse que a subida dos preços do petróleo é uma “realidade preocupante, mas contra a qual nada há a fazer”. A Galp apresentou lucros (líquidos) de 13,86 € por segundo. A crise tem destas coisas. E para terem uma ideia da globalidade da dita "crise", tantas vezes repetida pelos nossos “governantes” e pela comunicação social, fiquem a saber que a Exxon Mobil, apresentou no ano de 2007 lucros jamais alcançados por qualquer outra empresa de 1300 dólares (835,96 €, ao câmbio de 29/05/2008) por segundo (algo semelhante aos lucros da Galp num minuto).
Apache, Maio de 2008

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Uma Mulher com tomates…

Maria Leonor Duarte, professora do 1º Ciclo e Vice-Presidente do Agrupamento Vertical de Escolas de Azeitão, apresentou nestes moldes o seu pedido de demissão, ao Presidente da Assembleia do Agrupamento.
“Vai para três anos que, culminando um processo democrático amplamente participado, tomou posse este Conselho Executivo. Assumimos, então, o compromisso de 'cumprir com lealdade' as funções que nos eram confiadas, funções que decorriam de um quadro legislativo bem diverso do actual. Neste exercício, democratizámos as relações inter-pares, gerámos expectativas e esperanças, fomentámos a iniciativa e a criatividade, quisemos aprofundar a relação pedagógica, libertando os professores de tarefas menores, para benefício dos alunos. Respeitando as pessoas e dignificando a Escola.Porém, as regras mudaram a meio do jogo. É agora bem diferente enquadramento legal que regula a nossa acção. Uma incontinência legislativa inexplicável minou e desvirtuou os compromissos que assumíramos: não nos propusemos asfixiar os professores em tarefas burocráticas sem sentido, alheias ao objecto da sua missão; não nos propusemos fragilizar o estatuto dos profissionais da educação; não nos propusemos submergir os docentes em relatórios, planos, projectos, registos, sem que daí resultassem vantagens ou benefícios para os alunos; nem nos propusemos liquidar o espaço de participação democrática na escola.Com a actual publicação do Dec. Lei nº 75/2008 suprime-se tudo o que de dinâmico, criativo e participado existia na gestão das escolas. A opção por um órgão unipessoal – o director, a sua selecção num colégio eleitoral restrito, as nomeações dos responsáveis pelos cargos de gestão intermédia pelo director, são medidas que não têm em conta os princípios de uma gestão assente na separação de poderes entre os vários órgãos. Este diploma potencia riscos de autocracia e não reconhece o primado da pedagogia e do científico face ao administrativo. Encerra uma lógica economicista e empresarial adversa à verdadeira missão da escola. Não valoriza nem reconhece a diversidade de opiniões e a consequente construção de consensos como motores privilegiados da mudança e da promoção de uma escola de qualidade. Não permite que a instituição escolar se constitua como um espaço privilegiado de experiências de cidadania.Em suma, passados 34 anos sobre o 25 de Abril, o modelo democrático de gestão chegou ao fim. E aos órgãos democraticamente eleitos, convertidos em comissão liquidatária, é 'encomendada' a tarefa de, negando a sua própria natureza, abrirem caminho a um ciclo de autoridade não sufragada, de centralismo, e até de governamentalização da vida das escolas.Por considerar que o novo modelo de gestão atenta contra valores e princípios que sempre defendi, e por não querer associar-me à sua implementação, eu, Maria Leonor Caldeira Duarte, apresento o pedido de demissão do cargo de Vice-presidente do Conselho Executivo do Agrupamento Vertical de Escolas de Azeitão. Com os melhores cumprimentos
Azeitão, 28 de Abril de 2008” O texto “fala” por muitos de nós, fica por isso um curto comentário em jeito de agradecimento… “Em tempos de servidão, há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não!”
Apache, Maio de 2008

quarta-feira, 30 de abril de 2008

Contos Proibidos (3)

25 de Abril… Os dias seguintes
“Os militares, como afirma o próprio Otelo, tinham então como meta «a restauração do prestígio das Forças Armadas» e não são aparentes quaisquer indícios de que, por detrás do Movimento das Forças Armadas, existisse um plano politicamente concertado e ideologicamente fundamentado. Spínola era um anticomunista convicto e, no fundo, considerava-se um patriota com a missão de restabelecer em Portugal uma democracia mais ou menos liberal e manter a possível unidade do «império colonial» em moldes que os Movimentos de Libertação pudessem aceitar. (…) A Junta de Salvação Nacional dificilmente poderia, no dia 25 de Abril, ser considerada de esquerda e muito menos associada ao Partido Comunista. Quaisquer extrapolações posteriores só se compreendem para justificar a incapacidade, quer da direita, quer da esquerda democrática, para então fazer compreender aos homens do MFA as vantagens e superioridade da via democrática. O general Spínola que, enquanto presidente da Junta de Salvação Nacional, seria nomeado Presidente da República, Silvério Marques, Pinheiro de Azevedo, Galvão de Melo, Diogo Neto, Costa Gomes eram todos homens de direita; por outro lado, pouco se conhecia a respeito da personalidade de Rosa Coutinho, apesar de bem visto pelos americanos após um curso que frequentara naquele país. Costa Gomes, que posteriormente viria a ser aliciado para o campo comunista, atingindo mesmo o mais baixo grau de subserviência ao dar cobertura às actividades da estratégia soviética através do Conselho Mundial da Paz, era inicialmente parte do establishment ocidental, tendo mesmo sido ele o primeiro a propor o general Spínola para presidente da Junta. O primeiro-ministro escolhido em segunda mão para chefiar o Primeiro Governo Provisório, Prof. Adelino da Palma Carlos, era um republicano «maçom», de pendor mais conservador que liberal. Os membros do Primeiro Governo Provisório eram igualmente, na sua grande maioria, liberais e conservadores nomeados com base nas propostas e recomendações dos chefes partidários, com excepção de Raul Rego e Firmino Miguel. (…) Dados os sentimentos anticomunistas do general Spínola, dada a sua amplamente demonstrada ignorância política e o facto de se saber que Mário Soares teria dito ao general que se Cunhal não entrasse ele também não entrava para o Governo, parece evidente que a decisão foi influenciada decisivamente pelos socialistas. (…) O mundo inteiro recebera o anúncio do 25 de Abril com grande regozijo e quem dava garantias e tranquilizava os governos aliados de Portugal na NATO era exactamente o general Spínola e não o socialista Mário Soares, co-signatário de um «inquietante» acordo de governo com o Partido Comunista. (…) O Partido Socialista achava o seu secretário-geral fundamental para organizar um partido que a 25 de Abril não existia «de facto» e que, como se veria alguns meses depois, ia sendo entregue» ao PCP no seu 1º Congresso. (…) Algo semelhante me dissera em tempos Olof Palme que tivera vários contactos com Otelo Saraiva de Carvalho por quem nutria grande simpatia. Contou-me, durante um momento de boa disposição no centro de formação do movimento sindical sueco, em Bommersvik, que Otelo lhe dissera durante a sua primeira visita a Portugal, em Outubro de 1974, que antes do 25 de Abril sempre considerara a social-democracia demasiado à esquerda. Era opinião do malogrado primeiro-ministro da Suécia, que Otelo e os capitães de Abril que ele tivera oportunidade de conhecer, não passavam de militares inicialmente bem-intencionados e politicamente «analfabetos», que o PCP habilmente conseguira, com apoio da comunicação social, transformar em «estrelas». (…) Mário Soares chegara a Portugal sob a influência do contrato político acordado com o PC em Paris em 1973 e, pior do que isso, perfeitamente convencido de que o PS estava predestinado a um papel subalterno em relação aos comunistas. (…) Embora surpreendidos com o golpe, a satisfação com a queda do regime de Marcello Caetano foi unânime em todo o mundo e nenhuma dificuldade existiria para o reconhecimento do novo Governo. Aliás, antes mesmo de Mário Soares iniciar, a 2 de Maio de 1974, o seu périplo com a finalidade de alegadamente obter reconhecimento e apoio para o novo regime, já se tornara mais que evidente que a nomeação de Spínola para Presidente da República, a declaração do MFA e a composição da Junta de Salvação Nacional eram mais do que indícios suficientes para tranquilizar os aliados tradicionais de Portugal. O que já lhes era mais difícil de aceitar - isso sim - era a inclusão de Álvaro Cunhal e de dirigentes comunistas no governo. E não se pense que as objecções a tal precedente num país da NATO, eram só dos EUA. Os socialistas presentes em governos europeus de países da NATO, como os da Grã-Bretanha, Alemanha, Noruega e Dinamarca demonstraram igual perplexidade! É portanto neste contexto que se devem compreender as manobras e o círculo vicioso de contra-informação e decepção em redor da nomeação de Mário Soares para ministro dos Negócios Estrangeiros. (…) Apesar da fama e prestígio que adquirira, essencialmente derivados das suas reconhecidas qualidades militares e, posteriormente, pela coragem de enfrentar Marcello Caetano, Spínola não tinha condições políticas para ser Chefe de Estado. E nenhum dos seus conselheiros foi capaz de o demover da ideia de incluir o PCP no governo. Que Mário Soares o tivesse feito compreende-se, dado o ainda fresco programa de acção comum e a subalternidade a que o PS parecia disposto a submeter-se. Agora que Freitas do Amaral também o tenha aconselhado nesse sentido é deveras surpreendente e mostra, de facto, as grandes responsabilidades que a direita teve no avanço comunista em Portugal. Num acto demonstrativo de grande versatilidade da direita portuguesa o ex-procurador à Câmara Corporativa e, então, conselheiro de Estado da «Revolução», lembraria Spínola de que já De Gaulle tinha incluído comunistas no governo francês «a seguir à vitória dos aliados na Segunda Grande Guerra». Mas, o conselho de Freitas do Amaral nem sequer se pode comparar à situação em Portugal após o 25 de Abril. É que os Aliados saíram vitoriosos de uma Guerra devastadora contra o nazismo e contra o fascismo graças à sua tardia aliança com a União Soviética de Estaline e, em França, os comunistas tiveram um papel decisivo na Resistência e no apoio ao general De Gaulle para Presidente da República. Em Portugal a «resistência» comunista, se bem que meritória, não foi decisiva para a queda do regime que, segundo o próprio Freitas do Amaral, não era um regime fascista e a designação de Spínola não seria influenciada pelo Partido Comunista. (…) Por esta altura, o tesoureiro do partido era um dos fundadores presentes em Bad Munstereifel. Carlos Carvalho, que usava como método de contabilidade a acumulação de papelinhos soltos, onde ia depositando números e com os quais passava recibos. Método aliás legado aos seus sucessores. Diplomatas e delegações estrangeiras eram recebidas nos corredores e nas escadas.”
Rui Mateus em “Contos Proibidos – Memórias de um PS desconhecido, 1996”

quarta-feira, 16 de abril de 2008

O eco

Quinze de Abril era o dia do “Debate Nacional Sobre o Estado da Escola Pública”, de acordo como prospecto publicitário da “Plataforma Sindical dos Professores”. Digo, era, porque dado o golpe de teatro da madrugada do passado sábado, o que se discutiu, pelo menos aqui por estes lados, foi a aprovação ou não do “Memorando de Entendimento”, entre o Ministério da Educação e os sindicatos, na referida data. A posição das escolas foi assim comentada pela senhora ministra nestes termos: “No final da reunião [com a Comissão de Educação e Ciência], a ministra comentou ainda o «esmagador» apoio dado pelos professores consultados hoje ao entendimento alcançado entre Governo e sindicatos.” [Lusa] Por seu lado, o dirigente máximo da maior federação de sindicatos de professores, expressava assim a sua opinião: “Mário Nogueira, porta-voz da estrutura que reúne todos os sindicatos do sector, afirmou que «a esmagadora maioria das escolas aprovou de forma inequívoca» a moção que prevê a ratificação do entendimento estabelecido entre a plataforma e o Ministério da Educação (ME) no que diz respeito à avaliação de desempenho.” [Sol/Lusa] Este eco inesperado (ou talvez não) constitui para muitos professores uma poluição sonora quase insuportável. Com tanta coerência de discurso, penso que, desta vez, não haverá discrepância nos números. Assim, atrevo-me a lançar um desafio, ao ministério e/ou aos sindicatos: Os 145 122 docentes que leccionam nas escolas portuguesas têm o direito de saber quantos votaram favoravelmente a assinatura deste entendimento; tornem público esse número, ou tenham a dignidade de se calarem!
Apache, Abril de 2008

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Os ignorantes da Liga Europeia de Natação

No passado dia 20 de Março, no decorrer dos campeonatos Europeus de Natação, em Eindhoven, na Holanda, o nadador Sérvio, Milorad Cavic, após se sagrar campeão europeu dos 50 m mariposa, dirigiu-se ao pódio envolto na bandeira Sérvia. Uma vez lá, abriu a bandeira, deixando ver uma T-shirt vermelha onde se lia “Kosovo é Sérvia”. A Liga Europeia de Natação, entidade organizadora dos campeonatos, reunida de emergência logo após, decidiu expulsar o nadador da competição, suspendendo-o de todas as competições internacionais, sob a acusação de acção política provocadora. A Federação Sérvia foi multada em 7 mil euros por ter permitido que o seu nadador aparecesse assim em público. Nem mesmo a intervenção do Primeiro-Ministro sérvio, Vojislav Kostunica, apelando ao bom senso e à razoabilidade dos dirigentes da Liga Europeia de Natação foi suficiente para demover os néscios. A atitude do mais alto organismo europeu da natação, viola grosseiramente o artigo 19º da Declaração Universal dos Direitos do Homem – “Todo o indivíduo tem direito à liberdade de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão.” Recordo que tal decisão não foi tomada por um qualquer país do terceiro mundo, antes pelo mais alto organismo europeu que tutela a modalidade em causa. Apesar disso, a comunidade internacional, com o seu silêncio, valida a afronta a um dos mais elementares direitos humanos.
Apache, Abril de 2008

domingo, 30 de março de 2008

A fogueira das vaidades

A tabela ao lado indica o total de fundos recolhidos pelos candidatos à presidência dos Estados Unidos, desde as eleições de 1976.
Dos dados destaca-se o grande aumento percentual, das eleições de 1984 para as de 1988 e das de 2000 para 2004. No entanto, a eleição deste ano, parece querer ultrapassar a anterior e, apesar de ainda não terem terminado as primárias, os fundos angariados pela totalidade dos candidatos elevam-se já a mais de 791 milhões de dólares.
Os três candidatos, ainda na corrida, distribuem para já, o bolo, desta forma: John McCain (Republicano) – 64,6 milhões; Hillary Clinton (Democrata) – 169 milhões; Barack Obama (democrata) – 193,6 milhões. [Fonte: OpenSecrets.org] Assim se joga na lotaria da “democracia”.
Apache, Março de 2008

quinta-feira, 27 de março de 2008

E (quase) tudo o vento levou

Ontem, os vereadores do PSD abandonaram a reunião da Câmara Municipal de Lisboa. O motivo de tal decisão foi a retirada de uma proposta do vereador José Sá Fernandes, de instalação de aerogeradores na cidade, no âmbito da iniciativa “Wind Parade”. No decurso do debate, percebeu-se a intenção de toda a oposição votar contra a proposta, o que, a acontecer, significava a não aprovação desta. É então que Sá Fernandes retira a proposta, para que esta possa ser aplicada à revelia da maioria dos vereadores eleitos, por via de um despacho do senhor presidente, António Costa, que à saída confirmou aos jornalistas presentes que a iniciativa é para seguir em frente. Pergunto… Sendo do âmbito das competências do presidente da edilidade, a tomada de posição relativamente a este assunto, por mais idiota que a proposta seja, com que objectivo foi levada a plenário? Uma vez iniciada a discussão, não deveria a proposta ter sido votada e respeitada a decisão de um órgão que não é consultivo? Terão António Costa e Sá Fernandes, alguma noção, ainda que muito básica, da moral e da ética democráticas? Ainda as turbinas eólicas não passaram do papel e quanto a democracia em Lisboa, já (quase) tudo o vento levou.
Apache, Março de 2008

terça-feira, 25 de março de 2008

Contos Proibidos (2)

O berço do Partido Socialista
"Escrever sobre o PS durante este período sem falar dos seus principais protagonistas tornaria impossível alcançar essa meta. Entre eles destacam-se duas personalidades distintas e a relação de «amor e ódio» que, em grande parte, determinaria o actual PS: Mário Soares e Francisco Salgado Zenha. O primeiro deixaria marcas profundas que continuarão a caracterizar o PS por muito tempo. De Salgado Zenha este partido herdaria a «consciência moral» que ainda lhe resta. Mário Soares seria eleito Presidente da República e Salgado Zenha abandonaria o partido, incompatibilizado com o seu «velho» amigo.
Durante algum tempo, o PS iria ser um barco à deriva. Recuperaria eleitoralmente, contudo, com o seu actual líder, António Guterres. Mas, curiosamente, essa recuperação só aconteceria quando este fiel discípulo de Zenha se converteu ao «soarismo». Por isso mesmo, esta interessante simbiose das personalidades daqueles dois principais personagens será agora examinada à lupa no novo PS, para ver se ele segue o caminho da «consciência moral» do seu velho protector, ou o caminho do «absolutismo monárquico» e das facilidades do seu favorito ex-inimigo. Para já, é evidente que o actual secretário-geral do PS, já em 1976 responsável com Edmundo Pedra, Soares Louro e Santos Ferreira pela campanha eleitoral do PS, conhece bem as dependências internacionais do seu partido e até, à semelhança do seu antecessor, «trata-se por tu com pelo menos seis primeiros-ministros europeus». Vamos ver para crer, como diz o ditado, mas, pelos primeiros indícios, temo que, do mesmo modo que Soares meteria o socialismo na gaveta, Guterres venha a meter a «consciência moral» do PS no congelador. O que é um mau sinal para a democracia. Que não terá futuro se o passado não estiver esclarecido e o futuro continuar a depender de bodes expiatórios.
(…) Eu entrei para a política quase por acaso. Aderi nos anos 60 à minúscula Acção Socialista Portuguesa por acreditar que, pela via do socialismo democrático e através de um sistema pluripartidário, Portugal viria a ser um país igualou melhor que aquele onde vivia exilado - a Suécia - e que era então considerado, acertadamente, a sociedade mais justa e mais evoluída do planeta. Não o socialismo utópico, igualitário, de partido único que transforma os cidadãos em funcionários do estado. O socialismo onde os partidos se combatem no campo das ideias e onde os interesses e bem-estar dos cidadãos estão sempre em primeiro lugar. Onde os partidos políticos são a espinha dorsal do sistema e os instrumentos para a sua modificação democrática e não o instrumento de promoção pessoal dos seus dirigentes. Mas, infelizmente, e daí a outra razão de ser deste meu livro, Portugal parece estar a perder essa importante batalha da democracia. Isso atestam o crescente branqueamento da História e falta de transparência das instituições.
(…) O primeiro núcleo de Londres da Acção Socialista foi lançado no início de 1970 por mim, com Alberto Lagoa, Carlos Alves, Pedro Ferreira de Almeida, Eduardo Silva e, mais tarde, Áurea Rego, José Neves e Seruca Salgado. Em Roma estavam Tito de Morais e Gil Martins, em França Mário Soares, Ramos da Costa, Coimbra Martins, Liberto Cruz e, mais tarde, Jorge Campinos e, na Bélgica, Bernardino Gomes. O Fernando Loureiro vivia na Suíça e na Alemanha estavam o Carlos Novo, o Desidério Lucas do Ó, o Carlos Queixinhas e o Gomes Pereira. Em 1971 fui viver para a Suécia onde lançaria um novo núcleo com metalúrgicos da construção naval dos estaleiros da Kockums, entre os quais Mário Nobre, Armindo Carrilho e o José de Matos. Estes e mais ou menos meia centena de pessoas residentes em Portugal constituíam então a totalidade do movimento socialista português embora, anos mais tarde, num sintomático gesto da grande maleabilidade histórica que tem caracterizado o Partido Socialista, a lista de fundadores fosse refeita para não ferir susceptibilidades, passando a integrar cento e onze nomes. Foi-me então atribuído o número quarenta e três, embora à data da minha adesão não existissem na ASP, que precedeu o Partido Socialista, mais de vinte elementos.
(…) O Partido que fundámos na Alemanha, no dia 19 de Abril de 1973, não teria mais de cinquenta filiados em todo o mundo. E a polémica que viria à luz, aquando das celebrações do vigésimo aniversário da fundação, sobre quem votara a favor e quem era contra a transformação da ASP em partido é realmente pouco relevante. E apesar do meritório esforço jornalístico de Mário Mesquita, nem a fundação do PS teria a «bênção» de Willy Brandt1 nem os que votaram contra a fundação do PS, como foi o caso de Salgado Zenha, através de Maria Barroso, e do próprio Mário Mesquita, o fizeram por razões doutrinárias.
(…) O Partido Socialista com os seus cinquenta militantes e o seu acordo de governo com o Partido Comunista iriam ser, sem o imaginarem e sem terem para isso contribuído, os grande beneficiários da miopia do sucessor de Salazar e da revolta militar que culminaria com o 25 de Abril."
Rui Mateus em “Contos Proibidos – Memórias de um PS desconhecido, 1996”

sexta-feira, 14 de março de 2008

Carta Aberta do PROmova

Para:
Ministério da Educação;
Partidos Políticos com assento parlamentar;
Sindicatos e demais Associações Socioprofissionais;
Comunicação Social;
Colegas.
"Definitivamente, é chegado o momento de dizer BASTA!
Os professores estão saturados de assistir, diariamente, ao espectáculo deprimente protagonizado pela Sra. Ministra da Educação e pelos seus Secretários de Estado, fingindo não perceber as razões que desencadearam a indignação dos professores e manifestando uma impudência e uma cegueira inauditas face aos fundamentos discricionários, gratuitos e, insuportavelmente, injustos em que assenta este modelo de avaliação, retirando-lhe a credibilidade e a consistência.
O que começa por revoltar os professores, para além da prepotência e da truculência incompetente desta equipa ministerial, é a circunstância de o Estado ter patrocinado uma divisão sem critério e vergonhosa da carreira docente entre “professores titulares” e apenas “professores”, dando cobertura legal às injustiças gritantes que daqui decorreram, com professores mais competentes, mais qualificados e com mais experiência profissional a verem-se, agora, confrontados com o inacreditável constrangimento de irem ser avaliados por um colega menos capacitado e com menos currículo. Desafiamos qualquer pessoa a dar-nos um exemplo de um sistema de avaliação, seja de uma organização ou de um país, em que estas situações aconteçam. A Sra. Ministra da Educação pode agitar as cortinas de fumo que quiser, mas não vai credibilizar este modelo de avaliação, nem, por arrastamento, apaziguar a revolta que grassa nas escolas, enquanto não acabar com esta injustiça. Ao designar os “professores titulares” como um “corpo altamente qualificado”, a Sra. Ministra da Educação indignou os professores e semeou o mal-estar nas escolas.
Como tal, não venha a Sra. Ministra da Educação e os seus Secretários de Estado com os subterfúgios da dificuldade das escolas na implementação deste modelo de avaliação. Essa postura paternalista é outro factor de indignação dos docentes, pois transmite para a opinião pública a imagem, falsa, da impreparação dos professores e das escolas. De uma vez por todas, façam um esforço de compreensão e tenham presente que não se trata de dificuldades técnicas na concretização do modelo, MAS DA REJEIÇÃO, POR PARTE DOS PROFESSORES, DESTE MODELO DE AVALIAÇÃO EM CONCRETO, porque o mesmo não assegura a maior qualificação do avaliador, imputa ao professor variáveis que ele não pode controlar, não está orientado para a melhoria das aprendizagens, consubstanciando uma aventura irresponsável, uma vez que dá cobertura a deslumbramentos de pequeno avaliador, a favorecimentos pessoais, a uma balcanização da avaliação, desde fichas bem concebidas a verdadeiras aberrações, além de que não se ajusta à ‘multicomponencialidade’ da docência. É assim tão difícil perceber e aceitar esta realidade incontornável?…
Num momento em que se começa a equacionar o retorno ao diálogo entre o Ministério da Educação e os Sindicatos, urge tornar bem claro que toda a envolvência em torno das questões que se prendem com a educação/ensino e, mais concretamente, com os professores, não se esgota, única e exclusivamente, num hipotético adiamento/simplificação do processo de avaliação do desempenho de professores. Neste sentido, preocupa os professores o facto de os Sindicatos e as demais organizações representativas se poderem vir a deixar enredar na falácia do adiamento da implementação do modelo de avaliação. Assim sendo, lembramos, mais uma vez, àqueles que nos representam que o problema deste modelo de avaliação de desempenho não está no calendário de aplicação, mas nos fundamentos e na substância do mesmo.
Às razões anteriormente referenciadas, acresce, ainda, a tentativa de aplicação de um modelo de gestão impositivo e não democrático, bem como um estatuto do aluno, totalmente, irresponsável. Vamos aguardar os resultados das rondas negociais dos próximos dias, mas se as mesmas não corresponderem aos anseios dos professores, alguns dos quais aqui expressos, consideramos que é chegado o momento de assumirmos a defesa das razões que nos assistem no interior da própria escola, com recurso a tomadas de posição institucionais e inscritas em acta.
Como tal, IREMOS MOBILIZAR-NOS PARA INICIATIVAS REVELADORAS DA COERÊNCIA E DA CORAGEM DOS PROFESSORES!"
Os primeiros subscritores do PROmova (PROFESSORES – movimento de valorização):
Octávio V. Gonçalves; José A. F. de Carvalho; Manuel da C. Coutinho; Manuel P. da C. Areias

domingo, 9 de março de 2008

Obrigado senhora Ministra

Segundo a Lusa, o Comando Metropolitano de Lisboa da Policia de Segurança Pública confirmou a presença de cerca de 100 mil manifestantes na ‘Marcha da Indignação’, realizada este sábado na baixa de Lisboa. De acordo com o mais recente relatório da Inspecção Geral da Educação, estão actualmente ao serviço, nas escolas públicas, 145 122 docentes. Se a este número juntarmos alguns milhares no desemprego, chegaremos a um universo que rondará os 160 mil. Significa isto, que mais de 60% dos professores portugueses se manifestaram hoje publicamente contra as políticas educativas levadas a cabo pela senhora “Ministra da Avaliação”, como lhe chamou (por lapso ou não) o senhor José Pinto de Sousa. Esta foi, não só, a maior manifestação de uma única classe profissional, em Portugal, como aliás se previa, mas, em termos percentuais face ao universo abrangido, provavelmente a maior manifestação de sempre a nível mundial. Em nome da união dos docentes, obrigado senhora Ministra! O governo a que a senhora pertence tem sistematicamente evocado a maioria absoluta obtida nas últimas eleições, para justificar várias políticas: atentatórias de direitos dos cidadãos constitucionalmente reconhecidos; prejudiciais ao interesse público; e contrárias às promessas eleitorais do partido que suporta esse governo. No que à educação diz respeito, aí tem a resposta à ‘sua’ maioria, resposta essa, dada por margem bastante superior à obtida pelo partido do governo, e conseguida, não no conforto do voto secreto, mas por aclamação em praça pública. Percebemos posteriormente, pelas suas declarações às três televisões generalistas, que não conseguiu tirar quaisquer elações políticas do acto; disse mesmo que já esperava estes números, que considera "não relevantes", prometendo continuar a implementar as actuais politicas. Reconheço que os professores erraram. Conheciam a sua teimosia e o seu autismo, mas sobrevalorizaram a sua inteligência. Sabemos bem que a troca de um ministro, ou mesmo de um governo, não é garantia de alteração de um rumo político, por isso, esta marcha não era um fim em sim, mas, pelo número de participantes envolvidos, pelo civismo com que decorreu, pela lição deixada; para os da sua espécie, pode bem ter sido, o princípio do fim.

Apache, Março de 2008

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Contos Proibidos

Às escondidas…
Num momento em que tanto se discute se as declarações de rendimento dos políticos devem ou não continuar a ser públicas, vale a pena lembrar o que há 12 anos escreveu um destacado membro do PS, companheiro político de Mário Soares.
“Para além da ausência de regras que permitam, pela via individual, o acesso do cidadão à actividade política, não existem regras idóneas de financiamento dos partidos nem de transparência para os políticos. Um pouco à semelhança dos pilares morais do regime, a Maçonaria e a Opus Dei, tudo se decide às escondidas, como se o direito dos cidadãos à informação completa e rigorosa, de como são financiadas as suas instituições e dos rendimentos dos seus governantes e dos seus magistrados se tratasse de algo suspeito, de algo subversivo.”
Rui Mateus em “Contos Proibidos – Memórias de um PS desconhecido, 1996”
Apache, Fevereiro de 2008

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

A falta de coragem

No “Expresso” do passado sábado, vinha publicado um texto da autoria do General Garcia Leandro, intitulado “A falta de vergonha”, que aqui reproduzo.
“O modo como se tem desenvolvido a vida das grandes empresas, nomeadamente da banca e dos seguros, envolvendo BCP e Banco de Portugal, incluindo as remunerações dos seus administradores e respectivas mordomias, transformou-se num escândalo nacional, criando a repulsa generalizada.
É consensual que o país precisa de grandes reformas e tal esforço deve ser reconhecido a este Governo (mesmo com os erros e exageros que têm acontecido).
Alguém tinha de o fazer e este Governo arregaçou as mangas para algo que já deveria ter ocorrido há muito tempo. Mas não tocou nestes grandes beneficiários que envergonham a democracia, com a agravante de se pedirem sacrifícios à generalidade da população que já vive com muitas dificuldades.
O excesso de benefícios daqueles administradores já levou a que o próprio Presidente da República tivesse sentido a obrigação de intervir publicamente.
Mas tudo continua na mesma; a promiscuidade entre o poder político e o económico é um facto e feito com total despudor.
Uma recente sondagem Gallup a nível mundial, e também em Portugal, mostra a falta de confiança que existe nos responsáveis políticos deste regime.
Tenho 47 anos de serviço ao Estado, nas mais diferentes funções de grande responsabilidade, sei como se pode governar com sentido de serviço público, sem qualquer vantagem pessoal, e sei qual é a minha pensão de aposentação publicada em D.R.
Se sinto a revolta crescente daqueles que comigo contactam, eu próprio começo a sentir que a minha capacidade de resistência psicológica a tanta desvergonha, mantendo sempre uma posição institucional e de confiança no sistema que a III República instaurou, vai enfraquecendo todos os dias.
Já fui convidado para encabeçar um movimento de indignação contra este estado de coisas e tenho resistido.
Mas a explosão social está a chegar. Vão ocorrer movimentos de cidadãos que já não podem aguentar mais o que se passa.
É óbvio que não será pela acção militar que tal acontecerá, não só porque não resolveria o problema mas também porque o enquadramento da UE não o aceitaria; não haverá mais cardeais e generais para resolver este tipo de questões. Isso é um passado enterrado. Tem de ser o próprio sistema político e social a tomar as medidas correctivas para diminuir os crescentes focos de indignação e revolta.
Os sintomas são iguais aos que aconteceram no final da Monarquia e da I República, sendo bom que os responsáveis não olhem para o lado, já que, quando as grandes explosões sociais acontecem, ninguém sabe como acabam. E as más experiências de Portugal devem ser uma vacina para evitar erros semelhantes na actualidade.
É espantosa a reacção ofendida dos responsáveis políticos quando alguém denuncia a corrupção, sendo evidente que deve ser provada; e se olhassem para dentro dos partidos e começassem a fazer a separação entre o trigo e o joio? Seria um bom princípio!
Corrija-se o que está errado, as mordomias e as injustiças, e a tranquilidade voltará, porque o povo compreende os sacrifícios se forem distribuídos por todos.”
Será que fui eu que entendi mal as palavras do Meu General, ou depois de ter assumido vários cargos de nomeação política, vem agora a público lavar as mãos, como Pilatos, endereçando a quem de direito, um tímido «depois não digam que eu não avisei», enquanto a situação que o país atravessa impunha antes um «quem avisa, amigo é.»
Ao lê-lo, recordei-me daquela velha interrogação, tão do uso dos militares – O Meu General é um Homem ou é um rato?
Apache, Fevereiro de 2008

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

“Notas absolutamente íntimas” - Dom Manuel II, Rei de Portugal

1 de Fevereiro de 1908 – O Regicídio
Faz hoje 100 anos que o Rei D. Carlos e o Príncipe Real Luís Filipe foram assassinados no Terreiro do Paço.
A evocação da data fica marcada pelo protagonismo infantil e mimado que o Sr. Ministro da defesa quis chamar a si, ao proibir a participação do Exército nas homenagens. De acordo com o “Sol”,parece que um grupo de alienados que diz que é uma espécie de Partido Político, indignou-se e o Sr. Ministro, que diz que é uma espécie de pau-mandado, disponibilizou-lhe alívio. Os restantes partidos, desta que se diz que é uma espécie de democracia, aplaudiram. Espero que em 2010 quando se comemorarem os 100 anos da implantação da que diz que é uma espécie de República, quem quer que esteja no cargo, a brincar aos ministros, se lembre de proibir o Exercito de participar nas “festividades”, por uma questão de igualdade de direitos.
E porque nestas datas o mais importante é reavivar a nossa memória colectiva, aqui fica um relato dos acontecimentos do século passado, na versão daquele que os viveu mais de perto.
“Notas absolutamente íntimas”
“Há já uns poucos de dias que tinha a ideia de escrever para mim estas notas íntimas, desde o dia 1 de Fevereiro de 1908, dia do horroroso atentado no qual perdi, barbaramente assassinados, o meu querido Pai e o meu querido Irmão. Isto que aqui escrevo é ao correr da pena mas vou dizer franca e claramente e sem estilo tudo o que se passou. Como isto é uma história íntima do meu reinado vou inicia-la pelo horroroso e cruel atentado.
No dia 1 de Fevereiro regressavam Suas Majestades, El-Rei D. Carlos I, a Rainha, senhora D. Amélia e Sua Alteza o Príncipe Real, de Vila Viçosa onde ainda tinham ficado. Eu tinha vindo mais cedo (uns dias antes) por causa dos meus estudos de preparação para a Escola Naval. Tinha ido passar dois dias a Vila Viçosa e tinha regressado novamente a Lisboa.
Na capital estava tudo num estado de excitação extraordinária: bem se viu no dia 28 de Janeiro em que houve uma tentativa de revolução, a qual não venceu. Nessa tentativa estava implicada muita gente: foi depois dessa noite de 28, que o Ministro da Justiça Teixeira de Abreu levou a Vila Viçosa o famoso decreto que foi publicado em 31 de Janeiro. Foi uma triste coincidência, ter sido rubricado nesse dia de aniversário da revolta do Porto. Meu Pai não tinha nenhuma vontade de voltar para Lisboa. Bem me lembro que se estava para voltar para Lisboa 15 dias antes e que meu Pai quis ficar em Vila Viçosa: Minha Mãe pelo contrário queria forçosamente vir. Recordo-me perfeitamente desta frase que me disse na véspera ou no próprio dia que regressei a Lisboa depois de eu ter estado dois dias em Vila Viçosa. "Só se eu quebrar uma perna é que não volto para Lisboa no dia 1 de Fevereiro. Melhor teria sido que não tivessem voltado porque não tinha eu perdido dois entes tão queridos e não me achava hoje Rei! Enfim, seja feita a Vossa vontade Meu Deus!
Mas voltando ao tal decreto de 31 de Janeiro. Já estavam presas diferentes pessoas políticas importantes. António José de Almeida, republicano e antigo deputado, João Chagas, republicano, João Pinto dos Santos, dissidente e antigo deputado, o Visconde de Ribeira Brava e outros. Este António José de Almeida é um dos mais sérios republicanos e é um convicto, segundo dizem. João Pinto dos Santos é também um dos mais sérios do seu partido. O Visconde de Ribeira Brava não presta para muito e tinha sido preso com as armas na mão no dia 28 de Janeiro. Mas o António José de Almeida e o João Pinto dos Santos não podiam ser julgados senão pela Câmara, como deputados da última Câmara. Ora creio que a intenção do Governo era mandar alguns para Timor tirando assim por um decreto ditatorial, um dos mais importantes direitos dos deputados. O Conselheiro José Maria de Alpoim par do Reino e chefe do partido dissidente tinha tido a sua casa cercada pela polícia mas depois tinha fugido para Espanha. Um outro dissidente também tinha fugido para Espanha e lá andou disfarçado. Outro que tinha sido preso foi o Afonso Costa: este é do pior que existe não só em Portugal mas em todo mundo; é medroso e covarde mas inteligente e, para chegar aos seus fins, qualquer pouca vergonha lhe é indiferente. Mas isto tudo é apenas para entrar depois mais detalhadamente na história íntima do meu reinado.
Como disse mais atrás eu estava em Lisboa quando foi o 28 de Janeiro; houve uma pessoa minha amiga (que se não me engano foi o meu professor Abel Fontoura da Costa) que disse a um dos Ministros que eu gostava de saber um pouco sobre o que se passava, o porquê de isto estar num tal estado de excitação. O João Franco escreveu-me então uma carta que eu tenho a maior pena de ter rasgado, porque nessa carta dizia-me que tudo estava sossegado e que não havia nada a recear! Que cegueira!
Mas passemos agora ao fatal dia 1 de Fevereiro de 1908 sábado. De manhã tinha eu recebido o Marquês Leitão e o King. Almocei tranquilamente com o Visconde de Asseca e o Kerausch. Depois do almoço estive a tocar piano, muito contente porque naquele dia dava-se pela primeira vez "Tristão e Ysolda" de Wagner em S. Carlos. Na véspera tinha estado tocando a 4 mãos com o meu querido mestre Alexandre Rey Colaço o Séptuor de Beethoven, que era, e é uma das obras que mais aprecio deste génio musical. Depois do almoço, à hora habitual, quer dizer às 13:15 comecei a minha lição com o Fontoura da Costa, porque ele tinha trocado as horas da lição com o Padre Fiadeiro. A hora do Fontoura era às 17:30. Acabei com o Fontoura às 15 horas e pouco depois recebi um telegrama da minha adorada Mãe dizendo-me que tinha havido um descarrilamento na Casa Branca, que não tinha acontecido nada, mas que vinham com três quartos de hora de atraso. Vendo que nada tinha acontecido, dei graças a Deus, mas nem me passou pela mente, como se pode calcular o que havia de acontecer. Agora pergunto-me eu, aquele descarrilamento foi um simples acaso? Ou foi premeditado para que houvesse um atraso e se chegasse mais tarde? Não sei. Hoje fiquei em dúvida.
Depois do horror que se passou fica-se a duvidar de muita coisa. Um pouco depois das 4 horas saí do Paço das Necessidades num landau, com o Visconde de Asseca, em direcção ao Terreiro do Paço, para esperarmos Suas Majestades e Alteza. Fomos pela Pampulha, Janelas Verdes, Aterro e Rua do Arsenal. Chegámos ao Terreiro do Paço. Na estação estava muita gente da corte e outros sem ser. Conversei primeiro com o Ministro da Guerra, Vasconcelos Porto, talvez o Ministro de quem eu mais gostava no Ministério do João Franco. Disse-me que tudo estava bem. Esperámos muito tempo; finalmente chegou o barco em que vinham os meus Pais e o meu Irmão. Abracei-os e viemos seguindo até a porta onde entramos para a carruagem, os quatro. No fundo a minha adorada Mãe dando a esquerda ao meu pobre Pai. O meu chorado Irmão diante do meu Pai e eu diante da minha mãe. Sobretudo o que agora vou escrever é que me custa mais: ao pensar no momento horroroso que passei confundem-se-me as ideias. Que tarde e que noite mais atroz! Ninguém neste mundo pode calcular, não, sonhar sequer o que foi. Creio que só a minha pobre e adorada Mãe e Eu podemos saber bem o que isto é! Vou agora contar o que se passou naquela histórica Praça.
Saímos da estação bastante devagar. Minha Mãe vinha-me a contar como se tinha passado o descarrilamento na Casa Branca quando se ouviu o primeiro tiro no Terreiro do Paço: era sem dúvida um sinal: sinal para começar aquela monstruosidade infame, porque pode-se dizer e digo que foi o sinal para começar a batida. Foi a mesma coisa que se faz numa batida às feras: sabe-se que têm de passar por caminho certo: quando entram nesse caminho dá-se o sinal e começa o fogo! Infames! Eu estava a olhar para o lado da estátua de D. José e vi um homem de barba preta, com um grande "gabão". Vi esse homem abrir a capa e tirar uma carabina. Eu estava tão longe de pensar num horror destes que disse para mim mesmo, sabendo o estado exaltação em que isto tudo estava "que má brincadeira". O homem saiu do passeio e veio pôr-se atrás da carruagem e começou a fazer fogo.
Faço aqui um pequeno desenho para me ajudar.1)Estátua de D. José;
2) Sítio onde estava o Buíça o homem das barbas;
3) Lugar onde ele começou a fazer fogo; 4) Sítio aproximadamente onde devia estar a carruagem Real quando o homem começou a fazer fogo;
5) Portão do Arsenal;
6) Praça do Pelourinho;
7) Sítio aproximadamente donde saiu o tal Costa que matou o meu Pai.
Quando vi o tal homem das barbas que tinha uma cara de meter medo, apontar sobre a carruagem, percebi bem, infelizmente o que era. Meu Deus que horror. O que então se passou só Deus, a minha Mãe e eu sabemos; porque mesmo o meu querido e chorado Irmão presenciou poucos segundos porque instantes depois também era varado pelas balas. Que saudades meu Deus! Dai-me a força Senhor para levar esta Cruz, bem pesada, ao Calvário! Só vós, Meu Deus sabeis o que tenho sofrido!
Logo depois do Buíça ter feito fogo (que eu não sei se acertou) começou uma perfeita fuzilada, como numa batida às feras! Aquele Terreiro do Paço estava deserto, sem nenhuma providência! Isso é que me custa mais a perdoar ao João Franco. Se durante o seu ministério cometeu erros, isso para mim é menos. Tenho a certeza que a sua intenção era muito boa; os meios é que foram maus, péssimos, pois acabou da maneira mais atroz que jamais se poderia imaginar. Quando se lhe dizia que isto ia mal, que havia anarquistas no nosso País, ele não acreditou. O primeiro sintoma que eu me lembro foi a explosão daquelas bombas na Rua de Santo António à Estrela. Recordo-me perfeitamente a impressão que me fez quando soube! Foi no Verão, estávamos então na Pena. Quem diria o que havia de acontecer 6 ou 8 meses depois! Mas voltando novamente ao pavoroso atentado.
Sei de um dos comandantes da polícia, o Coronel Correia, que estava muito inquieto e o João Franco não acreditava que pudesse ter lugar qualquer coisa desagradável, quanto menos um horror destes, e infelizmente não estavam tomadas providências nenhumas.
Imediatamente depois do Buíça começar a fazer fogo saiu de debaixo da Arcada do Ministério um outro homem que disparou uns poucos de tiros à queima-roupa sobre o meu Pai; uma das balas entrou pelas costas e outra pela nuca, que O matou instantaneamente. Que infames! para completarem a sua atroz malvadez e sua medonha covardia fizeram fogo pelas costas. Depois disto não me lembro quase do resto: foi tão rápido! Lembro-me perfeitamente de ver a minha adorada e heróica Mãe de pé na carruagem com um ramo de flores na mão, gritando àqueles malvados animais, porque aqueles não são gente «infames, infames».
A confusão era enorme. Lembro-me também e isso nunca poderei esquecer, quando na esquina do Terreiro do Paço para a Rua do Arsenal, vi o meu Irmão em pé dentro da carruagem com uma pistola na mão. Só digo d'Ele o que o Cónego Aires Pacheco disse nas exéquias nos Jerónimos: «Morreu como um herói ao lado do seu Rei»! Não há para mim frase mais bela e que exprima melhor todo o sentimento que possa ter.
Meu Deus que horror! Quando penso nesta tremenda desgraça, ainda me parece um pesadelo! Quando de repente já na Rua do Arsenal olhei para o meu queridíssimo Irmão vi-o caído para o lado direito com uma ferida enorme na face esquerda de onde o sangue jorrava como de uma fonte! Tirei um lenço da algibeira para ver se lhe estancava o sangue: mas que podia eu fazer? O lenço ficou logo como uma esponja.
No meio daquela enorme confusão estava-se em dúvida para onde devia ir a carruagem: pensou-se no hospital da Estrela, mas achou-se melhor o Arsenal. Eu também, já na Rua do Arsenal fui ferido num braço por uma bala. Faz o efeito de uma pancada e um pouco uma chicotada: foi na parte superior do braço direito.
Agora que penso ainda neste pavoroso dia e no medonho atentado, parece-me e tenho quase a certeza (não quero afirmar porque nestes momentos angustiosos perde-se a noção das coisas) que eu escapei por ter feito um movimento instintivo para o lado esquerdo.
Na segunda carruagem vinham os Condes de Figueiró e o Marquês de Alvito e na terceira o Visconde de Asseca, o Vice-Almirante Guilherme A. de Brito Capelo e o Major António Waddington. Quando vínhamos a entrar o portão do Arsenal a Condessa de Figueiró entrou também na nossa carruagem e lembra-me que o Visconde de Asseca e o Conde de Figueiró vinham ao lado da carruagem. Dentro do Arsenal saí da carruagem primeiro e depois saiu a minha adorada Mãe. Foi verdadeiramente um milagre termos escapado: Deus quis poupar-nos! Dou Graças a Deus de me ter deixado a minha Mãe que eu tanto adoro. Sempre foi a pessoa que eu mais gostei neste mundo e no meio destes horrores todos dou e darei sempre graças a Deus de A ter conservado!
Quando a Minha adorada Mãe saiu da carruagem foi direita ao João Franco que ali estava e disse-lhe, ou antes, gritou-lhe com uma voz que fazia medo «Mataram El-Rei: Mataram o meu Filho». A minha pobre Mãe parecia doida. E na verdade não era para menos: Eu também não sei como não endoideci. O que então se passou naquelas horas no Arsenal ninguém pode sonhar! A primeira coisa foi que perdi completamente a noção do tempo. Agarrei a minha pobre e tão querida Mãe por um braço e não larguei e disse à Condessa de Figueiró para não a deixar.
Contudo ia entrando muita gente da Casa, diplomatas, ministros e mesmo ministros de Estado honorários.
Estava-se ainda na dúvida (infelizmente de pouca duração se ainda viviam os dois entes tão queridos! Estavam lá muitos médicos entre outros o Dr. Bossa (que me parece foi o primeiro a chegar) o Dr. Moreira Júnior e o Dr. D. António Lencastre. Contou-me depois (já alguns dias depois) o Dr. Bossa que logo que chegou acendeu um fósforo e ainda as pupilas se retraíram. Quando porém repetiu a experiência nem mesmo esse pequeno sinal de vida lhe restava. Descansa em paz no sono Eterno e que Deus tenha a Tua Alma na sua Santa Guarda!
De meu Pai e mesmo de meu Irmão não tinha grandes esperanças que pudessem escapar. As feridas eram tão horrorosas que me parecia impossível que se salvassem. Como disse, já lá estava o Ministério todo menos o Ministro da Fazenda Martins de Carvalho.
Isso é que nunca poderei esquecer; é que fazendo parte do Ministério do meu querido Pai, quando foi assassinado não foi ao Arsenal! Diz-se (não o quero afirmar) que fugiu para as águas-furtadas do Ministério da Fazenda e ali fechou a porta à chave! Seja como for, faz agora seis meses que Meu Pai e Meu Irmão, de chorada memória, foram assassinados e nunca mais aqui pôs os pés! Acho isso absolutamente extraordinário!... Para não dizer mais.
Preveniu-se para o Paço da Ajuda a minha pobre Avó para vir para o Arsenal. Eu não estava quando Ela chegou. Estavam-me a tratar o braço na sala do Inspector do Arsenal.
Quando a Avó chegou foi direita à minha Mãe e disse-lhe «On a tué mon fils!» e a minha Mãe respondeu-lhe: «Et le mien aussi!» Meu Deus dai-me força. Mas antes disto houve diferentes coisas que quero contar.
A minha pobre e adorada Mãe andava comigo pelo Arsenal de um lado para o outro com diferentes pessoas: Conde de Sabugosa, Condes de Figueiró, Condes de Galveias e outros, falando sempre num estado de excitação indescritível mas fácil de compreender. De repente caiu no chão! Só Deus e eu sabemos o susto que eu tive! Depois do que tinha acontecido veio aquela reacção e eu nem quero dizer o que primeiro me passou pela cabeça.
Depois vi bem o que era: o choque pavoroso fazia o seu efeito! Minha Mãe levantou-se quase envergonhada de ter caído. É um verdadeiro herói. Quem dera a muitos homens terem a décima parte da coragem que a minha Mãe tem.
Tem sido uma verdadeira mártir! O que eu rogo a Deus, sempre e a cada instante, é para A conservar!
Pouco tempo depois de termos chegado ao Arsenal veio ainda o major Waddington dizendo que os Queridos Entes ainda estavam vivos; mas infelizmente pouco tempo depois voltou chorando muito. Perguntei-lhe «Então?» Não me respondeu. Disse-lhe que tinha força para ouvir tudo. Respondeu-me então que já ambos tinham falecido! Dai-lhes Senhor o Eterno descanso e brilhe sobre Eles a Vossa Luz Eterna. Ámen!
Pouco depois vi passar João Franco com o Aires de Ornelas (Ministro da Marinha) e talvez (disso não me lembro ao certo) com o Vasconcelos Porto, Ministro da Guerra, dirigindo-se para a Sala da Balança para telefonarem a pedir que se tomassem todas as previdências necessárias. Isto são cenas, que viva eu cem anos, ficarão gravadas no meu coração. Agora já era noite o que ainda tornava tudo mais horroroso e sinistro: estava já, então, muita gente no Arsenal, e começou-se a pensar no regresso para o Paço das Necessidades. No presente momento em que estou a escrever estas linhas estou a repassar com horror, tudo no meu pensamento! Entrámos então para o landau fechado, a minha Avó, a minha Mãe, o Conde de Sabugosa e eu. Saímos do Arsenal pelo portão que deita para o Cais do Sodré onde estava um esquadrão da Guarda Municipal comandado pelo Tenente Paul: Na almofada ia o Coronel Alfredo de Albuquerque: à saída entregaram ao Conde de Sabugosa um revólver; a minha Avó também queria um.
Viemos então a toda brida para o Paço das Necessidades. À entrada esperavam-nos a Duquesa de Palmela, a Marquesa do Faial, a Condessa de Sabugosa, o Dr. Th. de Mello Breyner, o Conde de Tattenbach, o Ministro da Alemanha e a Condessa, e muitos criados da casa. Foi uma cena horrorosa! Todos choravam aflitivamente. Subimos muito vagarosamente a escada no meio dos prantos e choros de todos os presentes.
Acompanhei a minha adorada Mãe até ao seu quarto e deixei a minha Avó na sala.”
Dom Manuel II, Rei de Portugal, Lisboa, 1908
Dois dos autores materiais do crime foram abatidos no local. Os restantes cúmplices (cerca de dezoito) e os organizadores do hediondo acto ficaram impunes. O caso nunca chegou a tribunal. Assim se vai escrevendo a história da "democracia" à portuguesa.
Apache, Fevereiro de 2008

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Lá como cá…

Sócrates esteve recentemente em Espanha, com Zapatero, a quem teceu rasgados elogios e disse aos jornalistas que se não fosse o Primeiro-Ministro de Portugal gostava de participar na campanha do PSOE.
Será que Sócrates se prepara para em 2009 destapar de novo o pote das promessas e se necessário for, comprar o voto dos portugueses? Quanto valerá?
Uma coisa parece certa, lá como cá, a falta de vergonha aparenta não conhecer limites.
Apache, Janeiro de 2008

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Olé…

A certa altura da entrevista concedida à “Antena 1”, António Marinho Pinto, Bastonário da Ordem dos Advogados, disse que “há uma criminalidade em Portugal, da mais nociva para o Estado e para a sociedade, que anda aí impunemente. Muitos exibem os benefícios e os lucros dessa criminalidade e não há formas de lhes tocar. Alguns até ocupam cargos relevantes no Estado Português.”
Instado a apresentar exemplos, afirmou que “ há membros do Governo que fazem negócios com empresas privadas e depois quando saem vão para administradores dessas empresas”. Concluindo a ideia dizendo que se esbanjam “milhões de euros em pagamentos de serviços cuja utilidade é duvidosa e depois não há dinheiro para necessidades básicas.”
Com afirmações deste tipo, que muito boa gente gostaria de fazer, mas nenhum notável tinha arranjado coragem para tal, Marinho Pinto voluntaria-se para ser o homem da cara. Pergunto, teremos pega ou a tourada vai continuar como até aqui?
Apache, Janeiro de 2008

sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Socialistas ou desprezáveis?

Contrariamente ao que tem sido prática corrente nos últimos anos, este ano, as pensões não sofreram as tradicionais actualizações no mês de Dezembro. Segundo informou o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, as actualizações ocorrerão em Janeiro próximo e variarão entre 2,7% (as mínimas, a que corresponde o aumento fabuloso de 6 euros por mês) e 1,9% as máximas; o que constitui um aumento médio de 2%.
Com esta decisão de retardar a actualização das pensões, o governo poupou cerca de 31,4 milhões de euros, para gastar em excentricidades do tipo “Cimeira UE, África” (que custou mais do triplo desta verba) e largas centenas de milhar de pensionistas, que sobrevivem com pensões miseráveis, tiveram um Natal ainda mais degradante, dada a quebra de poder de compra face ao Natal anterior.
Apache, Dezembro de 2007