quinta-feira, 20 de março de 2008

"Elogio ao amor " - Miguel Esteves Cardoso

"Há coisas que não são para se perceberem. Esta é uma delas. Tenho uma coisa para dizer e não sei como hei-de dizê-la. Muito do que se segue pode ser, por isso, incompreensível. A culpa é minha. O que for incompreensível não é mesmo para se perceber. Não é por falta de clareza. Serei muito claro. Eu próprio percebo pouco do que tenho para dizer. Mas tenho de dizê-lo.
O que quero é fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.
Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em "diálogo". O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas.
Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "está bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?
O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso "dá lá um jeitinho sentimental". Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar. O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto.
O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não é para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser.
O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem. Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado do que quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir.
A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a Vida inteira, o amor não. Só um minuto de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também."
Miguel Esteves Cardoso

quarta-feira, 19 de março de 2008

Os preços da mentira

Não há economista que se preze que não associe as alegadas dificuldades económicas do país e as subidas nos índices de preços no consumidor aos sucessivos recordes do preço do petróleo nos mercados internacionais. Mas, o petróleo subiu? Onde? Quanto? E em relação a quê? As tabelas (e o gráfico) à esquerda mostram a evolução da cotação do euro face ao dólar norte-americano e a evolução do preço do petróleo nesta moeda, no mercado nova-iorquino, e a evolução do preço dos combustíveis em Portugal. Atente-se no ano 2000, em que a cotação do euro oscilou entre os 0,8252 e os 1,0388 dólares. O valor médio destes números é 0,932 dólares. Neste mesmo ano, o preço do crude rondou os 65 dólares por barril. Fazendo a conversão para euros, obtemos o valor de 69,74 € por barril. Na passada segunda-feira, o petróleo atingia o seu máximo de sempre, cotando-se a 111, 42 dólares por barril, enquanto o euro, também ele recordista, se fixava em 1,5842 dólares. Significa isto que, cada barril de petróleo, custava 70,33 euros. Conclusão, em oito anos, o preço do petróleo subiu 59 cêntimos por barril ou seja, menos de 4 cêntimos por cada 10 litros. Que recorde impressionante, que tudo explica…
Quanto aos preços dos combustíveis em Portugal… Infelizmente não me lembro dos preços deles em 2000, mas consegui encontrar os de 2002. Então, repetindo o exercício anterior, mas agora para 2002, temos 63,5 dólares para preço médio do barril de petróleo e uma taxa de câmbio média de 0,95325 dólares por cada euro. Significa que cada barril de petróleo custou, em média, em 2002 66,61 €. Na segunda-feira custava 70,33 euros, ou seja, mais 0,0234 euros por litro. A gasolina vende-se nos postos Galp a 1,40 € por litro, mais 49,1 cêntimos que o preço médio de 2002. O gasóleo custa nos mesmos postos 1,26 € por litro, mais 59 cêntimos que há 6 anos atrás. Resumindo, a gasolina aumentou 21 vezes mais (e o gasóleo 25 vezes mais), em Portugal, que o petróleo nos mercados internacionais. Porque será que ninguém fala disto?
Apache, Março de 2008

domingo, 16 de março de 2008

Argumentação simplex

“A propósito das carreiras e da desvalorização dos professores disse-lhe que a Margaret Thatcher arranjou um problema para o Reino Unido. Não tem professores. As pessoas acharam que não era uma profissão atractiva e foram-se embora. Ficaram lá os medíocres que não tinham alternativa e agora andam na Índia à procura de gente. Sabe qual foi a resposta deles?" [Refere-se à equipa ministerial] "Não há problema. Se não existirem professores portugueses o que há mais é no Brasil quem queira.” Mário Nogueira – Secretário-Geral da Federação Nacional dos Professores (Fenprof), numa entrevista ao ‘Correio da Manhã’ que vale a pena ler na íntegra.
Apache, Março de 2008

sexta-feira, 14 de março de 2008

Carta Aberta do PROmova

Para:
Ministério da Educação;
Partidos Políticos com assento parlamentar;
Sindicatos e demais Associações Socioprofissionais;
Comunicação Social;
Colegas.
"Definitivamente, é chegado o momento de dizer BASTA!
Os professores estão saturados de assistir, diariamente, ao espectáculo deprimente protagonizado pela Sra. Ministra da Educação e pelos seus Secretários de Estado, fingindo não perceber as razões que desencadearam a indignação dos professores e manifestando uma impudência e uma cegueira inauditas face aos fundamentos discricionários, gratuitos e, insuportavelmente, injustos em que assenta este modelo de avaliação, retirando-lhe a credibilidade e a consistência.
O que começa por revoltar os professores, para além da prepotência e da truculência incompetente desta equipa ministerial, é a circunstância de o Estado ter patrocinado uma divisão sem critério e vergonhosa da carreira docente entre “professores titulares” e apenas “professores”, dando cobertura legal às injustiças gritantes que daqui decorreram, com professores mais competentes, mais qualificados e com mais experiência profissional a verem-se, agora, confrontados com o inacreditável constrangimento de irem ser avaliados por um colega menos capacitado e com menos currículo. Desafiamos qualquer pessoa a dar-nos um exemplo de um sistema de avaliação, seja de uma organização ou de um país, em que estas situações aconteçam. A Sra. Ministra da Educação pode agitar as cortinas de fumo que quiser, mas não vai credibilizar este modelo de avaliação, nem, por arrastamento, apaziguar a revolta que grassa nas escolas, enquanto não acabar com esta injustiça. Ao designar os “professores titulares” como um “corpo altamente qualificado”, a Sra. Ministra da Educação indignou os professores e semeou o mal-estar nas escolas.
Como tal, não venha a Sra. Ministra da Educação e os seus Secretários de Estado com os subterfúgios da dificuldade das escolas na implementação deste modelo de avaliação. Essa postura paternalista é outro factor de indignação dos docentes, pois transmite para a opinião pública a imagem, falsa, da impreparação dos professores e das escolas. De uma vez por todas, façam um esforço de compreensão e tenham presente que não se trata de dificuldades técnicas na concretização do modelo, MAS DA REJEIÇÃO, POR PARTE DOS PROFESSORES, DESTE MODELO DE AVALIAÇÃO EM CONCRETO, porque o mesmo não assegura a maior qualificação do avaliador, imputa ao professor variáveis que ele não pode controlar, não está orientado para a melhoria das aprendizagens, consubstanciando uma aventura irresponsável, uma vez que dá cobertura a deslumbramentos de pequeno avaliador, a favorecimentos pessoais, a uma balcanização da avaliação, desde fichas bem concebidas a verdadeiras aberrações, além de que não se ajusta à ‘multicomponencialidade’ da docência. É assim tão difícil perceber e aceitar esta realidade incontornável?…
Num momento em que se começa a equacionar o retorno ao diálogo entre o Ministério da Educação e os Sindicatos, urge tornar bem claro que toda a envolvência em torno das questões que se prendem com a educação/ensino e, mais concretamente, com os professores, não se esgota, única e exclusivamente, num hipotético adiamento/simplificação do processo de avaliação do desempenho de professores. Neste sentido, preocupa os professores o facto de os Sindicatos e as demais organizações representativas se poderem vir a deixar enredar na falácia do adiamento da implementação do modelo de avaliação. Assim sendo, lembramos, mais uma vez, àqueles que nos representam que o problema deste modelo de avaliação de desempenho não está no calendário de aplicação, mas nos fundamentos e na substância do mesmo.
Às razões anteriormente referenciadas, acresce, ainda, a tentativa de aplicação de um modelo de gestão impositivo e não democrático, bem como um estatuto do aluno, totalmente, irresponsável. Vamos aguardar os resultados das rondas negociais dos próximos dias, mas se as mesmas não corresponderem aos anseios dos professores, alguns dos quais aqui expressos, consideramos que é chegado o momento de assumirmos a defesa das razões que nos assistem no interior da própria escola, com recurso a tomadas de posição institucionais e inscritas em acta.
Como tal, IREMOS MOBILIZAR-NOS PARA INICIATIVAS REVELADORAS DA COERÊNCIA E DA CORAGEM DOS PROFESSORES!"
Os primeiros subscritores do PROmova (PROFESSORES – movimento de valorização):
Octávio V. Gonçalves; José A. F. de Carvalho; Manuel da C. Coutinho; Manuel P. da C. Areias

O bordel da Dona Maria

A jornalista Natália Faria escreve assim, na edição de hoje do “Público”… «Parâmetros como a observação de aulas, as notas dos alunos e a planificação de actividades deixam de ser obrigatórios na avaliação que o Ministério da Educação quer fazer, este ano lectivo, dos cerca de sete mil professores contratados e em vias de progressão na carreira. "Para que estes professores sejam avaliados este ano lectivo, bastarão a ficha de auto-avaliação e depois a ficha do presidente do conselho executivo", explicou Álvaro Santos, presidente do Conselho de Escolas (CE), adiantando alguns dos compromissos alcançados na reunião mantida ontem com o ME. Deste modo, deixará de ser necessária a "ficha" do coordenador/avaliador, "que implicava a observação de aulas, a planificação de actividades e uma outra série de dimensões, como a relação com o meio e a relação pedagógica", especifica Álvaro Santos. De acordo com este responsável, as notas dos alunos e a avaliação dos pais também podem desaparecer. "Se as escolas assim o entenderem", adiantou, explicando que "a avaliação passará a ser feita dentro das condições observáveis em cada escola". O ME ter-se-á ainda comprometido a garantir a formação dos avaliadores, nomeadamente dos presidentes dos conselhos executivos. "Este ponto assumiu agora um carácter de urgência", adiantou o presidente do CE. No ano lectivo 2008/09, quando a avaliação se alargar a todos os professores do quadro, "será atribuído um crédito horário às escolas que implicará horas equiparadas à componente lectiva, ou seja, no pré-escolar e no primeiro ciclo, por exemplo, o coordenador/avaliador ficará dispensado de dar aulas". "Nestas condições acordadas", diz Álvaro Santos, que representa os conselhos executivos das 1200 escolas do ensino básico e secundário do país, "torna-se exequível a avaliação nas escolas", mais ainda porque "ficou a garantia de total apoio por parte do ministério às escolas que tiveram dificuldades em elaborar os instrumentos de avaliação".» Ora deixa ver se percebi. Este ano, temos lubrificante, para escorregar melhor, para o ano, dispensamos o lubrificante. Hum… Daí a frase da Dona Maria na dita reunião com o Conselho de Escolas (órgão ‘consultivo’ do ME que reúne 60 Presidentes de Conselhos Executivos de escolas do país) - “o importante é mesmo fazer”; logo seguido de umas palmadinhas de incentivo - “tenho inteira confiança nos Conselhos Executivos”; e acrescento eu, tanta que até vai fazer deles directores, quer os professores que eles supostamente deveriam representar, queiram ou não. Ah, mas como prostituto que se preze, por mais que a tarefa lhe dê gozo, não dispensa a notinha da ordem, a reunião não podia terminar sem a promessa da Dona Maria de que para o ano, haverá melhores condições de horário, com redução da componente lectiva e um suplemento remuneratório para os avaliadores, tanto Coordenadores de Departamento, como elementos do Conselho Executivo.
Apache, Março de 2008

terça-feira, 11 de março de 2008

O luto do governo

É preciso dar ao governo um período de nojo, até para conferir em que matérias está disposto – por uma vez – a negociar. Enquanto isso, vamos conferindo o comportamento das margens. Marcelo, na homilia de Domingo, foi elaborando o sermão de modo a que os laicos fossem entendendo uns pingos da religião. Vitorino, qual padeira do Rato, foi falando da qualidade da sêmea e, de tal modo foi ouvido na Pedreira que o secretário de estado do empreendimento, já veio declarar que não, que não senhor, que não recuava e justificou-se vagamente com a ameaça velada do sacrifício dos professores contratados, da progressão e da legalidade penhorada. Suspender, não e não! O Vitalino [uma variante vital, mas no activo], já declarou que o que vai acontecer já estava previsto: a flexibilidade, o ritmo de cada escola; nós é que estávamos a tirar a cera dos ouvidos e não ouvimos suas eminências reverendíssimas. A toda esta gente que não recua, porque isso faria mal ao governo, vamos, calmamente, explicar que é 100.000 mil vezes preferível que faça mal ao governo em vez de hipotecar o país num dos seus fundamentos: o ensino; a educação.
Senhora Ministra, embora os seus decretos e despachos estejam num ‘eduquês’ suficientemente cifrado e encriptado (enquistado!), não contribua, com a candura dos temerários, para que se nos cole uma imagem de iliteracia, desleixo e incompetência que de todo rejeitamos. Poupe o nosso dinheiro e poupe-nos ao espectáculo da construção de um documento de sete páginas para nos ensinar a ler a propaganda de um diploma da avaliação. Sabemos muito bem o que a move: quer resultados; quer torturar a estatística até que ela confesse que nós, sim nós, somos os responsáveis pelo abandono e pelo insucesso escolar; quer afunilar a carreira docente; quer dividir artificialmente [e chama-lhe mérito] os professores em titulares e outros [que nunca mais sairão da posição que ocupam]; quer poupar dinheiro e inventou este ardil da avaliação-que-nunca-se-fez! [Para virar todos contra todos]. Mas uma socióloga, ainda que ministra, devia saber que a montante da escola, e até a jusante, existem variáveis que explicam o porquê. Mudem de política; defendam o estado social; reactivem a solidariedade; corrijam os impostos; façam um esforço de contenção nas vossas sumptuárias despesas supérfluas e verão que não é necessário fazer dos professores os bodes expiatórios da vossa canhestra inaptidão para o bem comum.
Neste período de luto gostaríamos que os governantes, que hão-de governar bem menos tempo do que eu serei professor, considerassem, ao menos por uma vez, que, quando vissem, por perto, um microfone, se escusassem a falar dos professores, do ensino ou da educação, por algumas muito boas e simples razões:
(i) nada melhora no país se se continuar a instigar, na população menos esclarecida sobre a orgânica do ensino, o recorrente ódio aos professores, mesmo se precedido do dispensável corolário da “compreensão” e das mãos erigidas ao céu;
(ii) Embora o PM tenha corrigido a semântica do seu discurso, ainda falta acrescentar, como trabalho de casa, que-os-professores-sempre foram-avaliados;
(iii) Nas “perguntas e respostas”, que o ME mandou distribuir sobre a avaliação, pelos néscios, estão por lá incorrecções e desencontros com a verdade dos factos. Desde logo a resposta à segunda pergunta é incorrecta. Integrei uma das equipas de avaliação de professores (e conheço a legislação), posso afirmar que alguns professores não progrediram, muito menos automaticamente, e que a ausência de regulamentação de outra menção, além de suficiente (que de nada servia), deve-se exclusivamente à tutela, a que de resto o ‘pê-èsse’ não é alheio.
Fique a ministra em casa ou na rua, ande a banhos pela Curia ou pela Escola da Ponte, pode tomar nota que, ainda que não recue, nós estamos dispostos a avançar.
Fundamentalmente por uma questão de brio e dignidade.
Essencialmente porque não estamos dispostos a consentir e a aturar aquilo que o PM, ministra e secretários potenciam: o ódio e a violenta verbalização (ai Leiria!) de Rangel e Ferreira, que um qualquer porta-voz do ME, principalmente A. Santos Silva, essa incontornável figura de antifascista, revelada em Chaves, devia igualmente combater;Claro que “não há jantares grátis” e neste molho que o “Correio” transporta, lá está o Sousa Tavares, o director do Expresso, os padrinhos e o Madrinha, tanto faz; o JN, pelo bisturi do seu director e adjunto, também desacertam o passo na leitaria e, entre moinhos e fantasmas, não querem ver; preferem ficar perto do telefone desesperando pelo dia do pagamento de tão prestimosos serviços. São incontáveis os assessores, “spin-doctores” e quejandos que, à mesa do orçamento, congeminam estes trabalhos menores (ou maiores), tanto faz.
A senhora e os senhores do ministério bem como os companheiros do governo bem podiam repesar o andamento e, num laivo de discernimento, tão raro, por essas bandas, reflectir sobre o seguinte enunciado – mesmo antes de se conhecer qualquer resultado desta contestadíssima avaliação, a consequência é um verdadeiro desastre: conseguiram espalhar lama para cima de todos, sem excepção! Conseguiram que muitos dos melhores profissionais, de calculadora em punho, andem incansavelmente a fazer contas para a aposentação. Esse contributo era desnecessário, porque o prejuízo (e o défice) vai direitinho para a escola pública e para os que mais nos movem: os alunos. Os professores que dedicaram uma vida inteira à nobre missão de ensinar, gostariam de abandonar a escola, onde foram felizes e se sentiram realizados, sem mágoa e sem pública humilhação; é um direito que lhes assiste e ninguém deveria perturbar (muito menos a tutela), esse pequeno nada, que faz toda a diferença.
Podem estar certos, numa democracia representativa, não se pode hoje apelar à participação do cidadão e, logo a seguir, demonizá-la. A saúde democrática, fundamentalmente quando uma maioria absoluta se tresmalha no reiterado autoritarismo e no cercear rente dos direitos, liberdades e garantias, defende-se na rua. Se continuar a ser preciso, ajudaremos, com dignidade, a reconduzir este ‘pê-èsse’ à democracia.
Querem-nos na rua, vão ter-nos na rua!
As contas que mais se fazem é quantos seremos na próxima. Continuem, até a população que com tanto esmero propagandista, têm virado contra nós, vos há-de também abandonar.
Está escrito
Jerónimo Costa, professor do Ensino Secundário. [Via “A Educação do Meu Umbigo”.]

domingo, 9 de março de 2008

Obrigado senhora Ministra

Segundo a Lusa, o Comando Metropolitano de Lisboa da Policia de Segurança Pública confirmou a presença de cerca de 100 mil manifestantes na ‘Marcha da Indignação’, realizada este sábado na baixa de Lisboa. De acordo com o mais recente relatório da Inspecção Geral da Educação, estão actualmente ao serviço, nas escolas públicas, 145 122 docentes. Se a este número juntarmos alguns milhares no desemprego, chegaremos a um universo que rondará os 160 mil. Significa isto, que mais de 60% dos professores portugueses se manifestaram hoje publicamente contra as políticas educativas levadas a cabo pela senhora “Ministra da Avaliação”, como lhe chamou (por lapso ou não) o senhor José Pinto de Sousa. Esta foi, não só, a maior manifestação de uma única classe profissional, em Portugal, como aliás se previa, mas, em termos percentuais face ao universo abrangido, provavelmente a maior manifestação de sempre a nível mundial. Em nome da união dos docentes, obrigado senhora Ministra! O governo a que a senhora pertence tem sistematicamente evocado a maioria absoluta obtida nas últimas eleições, para justificar várias políticas: atentatórias de direitos dos cidadãos constitucionalmente reconhecidos; prejudiciais ao interesse público; e contrárias às promessas eleitorais do partido que suporta esse governo. No que à educação diz respeito, aí tem a resposta à ‘sua’ maioria, resposta essa, dada por margem bastante superior à obtida pelo partido do governo, e conseguida, não no conforto do voto secreto, mas por aclamação em praça pública. Percebemos posteriormente, pelas suas declarações às três televisões generalistas, que não conseguiu tirar quaisquer elações políticas do acto; disse mesmo que já esperava estes números, que considera "não relevantes", prometendo continuar a implementar as actuais politicas. Reconheço que os professores erraram. Conheciam a sua teimosia e o seu autismo, mas sobrevalorizaram a sua inteligência. Sabemos bem que a troca de um ministro, ou mesmo de um governo, não é garantia de alteração de um rumo político, por isso, esta marcha não era um fim em sim, mas, pelo número de participantes envolvidos, pelo civismo com que decorreu, pela lição deixada; para os da sua espécie, pode bem ter sido, o princípio do fim.

Apache, Março de 2008

sábado, 8 de março de 2008

Marcha da Indignação

8 de Março de 2008 – 14:30 Praça Marquês de Pombal - Terreiro do Paço
Porque não faz sentido a divisão da carreira em duas categorias; Porque o Estatuto da Carreira docente retira direitos constitucionalmente protegidos; Porque os currículos nacionais são ridículos; Porque o novo Estatuto do Aluno não faz sentido; Porque o novo decreto sobre necessidades educativas especiais é desumano; Porque os docentes querem ser avaliados objectivamente pelo seu desempenho e não pelas classificações que atribuem aos alunos nem por critérios de total subjectividade; Porque as aulas de acompanhamento de alunos são grotescas; Porque a prova de ingresso é um atestado de incompetência passado pelo Ministério às Universidades portuguesas; Porque os órgãos de administração e gestão escolar, e supervisão pedagógica, têm de continuar a ser democraticamente eleitos; Porque o facilitismo não pode continuar a ser pedra angular das políticas educativas; Porque as escolas não têm condições físicas e materiais, dignas; Porque o número de auxiliares de acção educativa é manifestamente insuficiente; Porque a mentira e a falácia não podem continuar a ser práticas diárias dos nossos governantes; Porque a estupidez não pode continuar a ter a forma de diploma legal...
Daqui a algumas horas, o país assistirá à maior manifestação de sempre, de uma classe profissional.
Por uma escola de qualidade.
Apache, Março de 2008

quinta-feira, 6 de março de 2008

O IPCC vai ter (finalmente) contraditório

Decorreu entre domingo e terça-feira passados, em Nova Iorque, a Primeira Conferência Internacional Sobre Alterações Climáticas, organizada pelo The Heartland Institute. No evento, onde intervieram como conferencistas mais de 550 académicos, de cerca de três dezenas de prestigiadas universidades de vários países, como os E.U.A., o Reino Unido, a Polónia, a República Checa ou a Rússia, por exemplo, debateu-se essencialmente o populismo ambientalista de Al Gore e a alegada ciência do IPCC (Painel Intergovernamental da ONU para as Alterações Climáticas). A comunicação social também se fez representar ao mais alto nível, destacando-se entre os presentes a ABC, a BBC, a CBS, a CNN e o New York Times. Quanto ao lado visado pelas críticas, foram convidados vários colaboradores do IPCC mas todos declinaram o convite. Al Gore, que também foi convidado, e a quem foram oferecidos 200 mil dólares de honorários, valor que cobra habitualmente nas suas palestras, declinou igualmente o convite. Idêntico comportamento teve, James E. Hansen (considerado por muitos o pai do ‘aquecimento global' antropogénico) do Goddard Institute for Space Studies da NASA (GISS) e o intratável Gavin Schmidt, administrador do blogue Real Climate, que havia escrito que nenhum cientista sério apareceria na conferência. (Felizmente o conceito de seriedade é muito subjectivo.) Como principal fruto da cimeira, foi criado o NIPCC (Nongovernamental Internacional Panel on Climate Change) cujo principal objectivo é combater o alarmismo do IPCC, através, nomeadamente, da criação de um jornal periódico e de palestras para esclarecimento público.
Apache, Março de 2008

segunda-feira, 3 de março de 2008

Peter Pan - Santana Castilho

"No Parlamento, a 13, e na SIC, a 18, Sócrates falou duma Educação virtual, dum país que não existe senão no imaginário dele. Em qualquer dos locais, o homem cavalgou uma onda autista. Falou do que quis, mas não do que é. Como se estivesse num comício do PS, despejou propaganda sobre os fiéis. Parafraseando Churchill, o êxito dele não é mais que ir de fracasso em fracasso, mantendo o entusiasmo. A avaliação do desempenho dos professores é a referência mais recente e persistente na demagogia do discurso de Sócrates. Com a arrogância que lhe conhecemos, tem falado dela com a mesma ligeireza com que projectou vivendas sobre estábulos ou prestou provas de licenciatura por fax. Não é verdade que durante 30 anos não tenha havido avaliação de desempenho dos professores, como não se cansa de repetir, ou que os professores não queiram ser avaliados, como insinua. A questão reside na substituição de um modelo de avaliação ineficiente, o que existia, por outro, escabroso, o que propõe, que, se se consumar, trará mais caos ao caótico sistema de ensino. Nenhuma organização séria, seja pública ou privada, propõe mudar seja o que for, neste quadro, sem permitir (e mais que isso, fomentar e promover) o envolvimento dos visados na construção do processo. A avaliação do desempenho só vale a pena, se for concebida como instrumento de gestão do desempenho. Quer isto dizer que o seu fim primeiro é identificar obstáculos ao desenvolvimento das organizações, removendo-os, e não castigar pessoas. Dito doutro modo, as instituições maduras preocupam-se hoje mais com a apropriação por parte dos colaboradores dos valores que, intrinsecamente, geram o sucesso e melhoram o desempenho do que com os instrumentos que, extrinsecamente, o promovem. Porque o primeiro-ministro não tem tempo para ler esses estudos, quando na SIC deu o exemplo dos Estados Unidos da América, ignorava, por certo, que a introdução, aí, do indicador “resultados obtidos pelos estudantes”, logo fez aparecer professores a treinarem alunos nas técnicas de copiar nos exames. Ou ainda, quando invocou a França, se esqueceu que a avaliação do desempenho dos professores franceses (que mostrou desconhecer) não impediu o descalabro do respectivo sistema educativo. Lá, como cá (ainda não tivemos Lisboa a arder como eles já tiveram Paris), é a desregulamentação da sociedade e a desagregação da escola pública que tornou os menores franceses o grupo mais representativo nos delinquentes cadastrados (quase 20 por cento). Sem discutir a bondade dos fins, o que afasta qualquer democrata honesto do primeiro-ministro é a teimosia em que este persiste: porque julga que o fim é bom, despreza os meios e os processos, como fazem os ditadores. Uma questão deste melindre e com as implicações sociais que lhes estão associadas, obrigaria sempre a ponderações criteriosas das soluções e à sua testagem antes da aplicação. Não entender isto, compactar tudo em prazos irreais, persistir na defesa das trapalhadas normativas do ministério, mesmo depois de, por cinco vezes, quatro tribunais administrativos distintos aceitarem providências cautelares sobre a matéria, é reagir como um menino grande, que manipula o brinquedo do poder sem qualquer sentido de Estado. Quando Sócrates fala de números em Educação, já sabemos o que vai dizer, porque repete sempre o mesmo. Na SIC, Nicolau Santos, jornalista familiarizado com estatísticas, deveria tê-lo confrontado com as mais fresquinhas do INE: durante o Governo de Sócrates o desemprego aumentou 6,5 por cento e, dentro deste, o aumento do desemprego dos licenciados ultrapassou os 63 (sessenta e três) por cento. Este sim é o país real. O resto, são fantasias de Peter Pan."
Santana Castilho - Professor do Ensino Superior

sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Só para recordar…

Tal como referi na publicação anterior, a senhora Maria de Lurdes Rodrigues, bem como os seus subordinados próximos, insistem na promoção do desrespeito pelos tribunais e no desprezo pelas leis da república. Na passada terça-feira, dia 26, a dita senhora afirmou que “não há providências cautelares que possam interromper o processo de avaliação”. Ontem, foi colocada no ‘site’ da Direcção Geral dos Recursos Humanos da Educação, uma Circular, datada também do dia 26 e assinada pelo senhor Director-Geral daquele organismo, que insiste na necessidade de os professores contratados serem avaliados até ao final deste ano lectivo, exortando a que as escolas prossigam com os procedimentos necessários. Recordo aos senhores dirigentes do Ministério da Educação e aos colegas professores mais distraídos, nomeadamente os que ocupam cargos nos órgãos de direcção e gestão das escolas, que sobre os três Despachos datados de 24 e 25 de Janeiro de 2008, dos senhores Secretários de Estado da Educação (o que estabelece os prazos para a avaliação dos docentes, o que delega na senhora Presidente do Conselho Científico para a Avaliação dos Professores (órgão colegial fundamental no processo e que ainda não foi constituído) competência para se pronunciar em nome do órgão e o que aprova as grelhas de avaliação), pesam cinco providências cautelares com efeito suspensivo, aceites por quatro tribunais administrativos. Recordo ainda que, o ponto 1 do artigo 128º do CPTA (Lei nº 15/2002 de 22 de Janeiro) dispõe: “Quando seja requerida a suspensão da eficácia de um acto administrativo, a autoridade administrativa, recebido o duplicado do requerimento, não pode iniciar ou prosseguir a execução, salvo se, mediante resolução fundamentada, reconhecer, no prazo de 15 dias, que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público.” Obviamente, esta ressalva não se aplica, pois a avaliação dos professores, bem como a sua progressão na carreira, estiveram suspensos por este governo, entre Agosto de 2005 e 31 de Dezembro de 2007, aparentemente sem prejuízo do interesse público. Mais, o ponto 2 do mesmo artigo da supra citada Lei, acrescenta que: “Sem prejuízo do previsto na parte final do número anterior, deve a autoridade que receba o duplicado impedir, com urgência, que os serviços competentes ou os interessados procedam ou continuem a proceder à execução do acto.” Acontece que, passados mais de 15 dias da aceitação da primeira providência cautelar, o Ministério da Educação, não só, não impediu, como continua a fomentar a prossecução do acto. É importante não esquecer que, professores ou professores titulares, do quadro de nomeação ou contratados, todos são professores, e a Lei não é só para alguns.
Apache, Fevereiro de 2007

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

O desvario da tutela…

No programa “Prós e Contras” da noite de segunda para terça-feira, a RTP 1 promoveu (à semelhança do que a SIC havia feito alguns dias antes) o branqueamento de imagem dos mais altos dirigentes do Ministério da Educação, fomentado uma espécie de debate entre a Sr.ª Maria de Lurdes e representantes dos professores. Digo uma espécie de debate, porque num debate sério, ambas as partes têm igual oportunidade de exposição das suas ideias, não foi o caso, a Sr.ª Maria de Lurdes e as oportunistas marionetas de pára-brisas que abanam afirmativamente a cabeça ao sabor das oscilações políticas do momento, tiveram direito à utilização da larga maioria do tempo disponível. Num debate sério, a Sr.ª moderadora, não toma deliberadamente partido de uma das partes, tomou várias vezes. Sempre que o vazio de ideias da mais alta representante do ministério caía no ridículo, Fátima Campos Ferreira apressava-se a fornecer-lhe bengala. Chegou à extravagância de defender o viciado sistema de quotas, quando à falta de argumento válido, dispara o chavão: “é assim em todas as empresas. Pergunto, pagam-lhe para moderar o debate ou dar opiniões? Acaso perguntou aos portugueses, cujos impostos lhe garantem o ordenado, se querem uma escola empresa, como a Senhora Maria de Lurdes propõem, onde os professores sejam ‘entertainers’ de adolescentes e progridam na carreira pelos valores que artificialmente somem às reais classificações dos alunos, ou uma escola que antes de certificar valorize o esforço, o trabalho e a aquisição de efectivos conhecimentos em vez da assinatura de certificados de habilitações que cada vez habilitam menos porque, salvo honrosas excepções, quase nada certificam? Num debate sério, a Sr.ª moderadora depois de pedir ao orador que concretize uma afirmação não lhe interrompe a resposta, prometendo a retoma da palavra sem posteriormente dar cumprimento à promessa. Fê-lo, aquando da intervenção do colega que falou em nome do “Movimento Professores Revoltados”. Num debate sério, a Sr.ª moderadora não se melindra com as palmas da assistência sempre que estas premeiam intervenções bem conseguidas que expõem a incapacidade argumentativa do Ministério da Educação. Começou por dizer que os aplausos roubavam tempo ao debate, terminou acusando de falta de educação os autores dos mesmos. Caiu no risível. Num debate sério, sempre que a exposição de argumentos de uma das partes (no caso os professores) se torna comprometedora para a outra (o ME) a Sr.ª moderadora não quebra o ritmo colocando os papagaios de serviço a ‘encher chouriços’, arrefecendo o debate e embalando a plateia. Nada mais fez, um tal João Formosinho, advogado de defesa do ‘eduquês’, a espaços coadjuvado pelo ‘professor do ano’. Num debate sério a principal responsável do ME, quando manifestamente incapaz de se defender perante a justeza das acusações, não achincalha nem ofende os interlocutores. Fê-lo, na forma ordinária com que se dirigiu à colega Maria Fernanda Velez. Num debate a sério, a mais alta representante do ministério não usa sistematicamente das mesmas armas que ao longo de todo o mandato tem usado para enfrentar os seus subordinados e a opinião pública, a mentira, a manipulação de dados, a demagogia. Ainda assim, quer a senhora Maria de Lurdes, e alguns elementos da comunicação social, queiram ou não, enquanto cidadão livre, reservo-me o direito de manifestar a minha opinião sobre as principais figuras participantes no programa. Maria Fernanda Velez - Foi a figura da noite. Com intervenções directas e concisas, conseguiu por a nu, a má formação pessoal da senhora do ministério e expor parte do vazio de ideias de quantos nos últimos anos têm assumido a pasta da educação, dos quais, a actual representante é o vértice da pirâmide da incompetência. Ludgero Leote – Não tendo atingido o brilhantismo da colega Fernanda, conseguiu também intervenções com substrato, sobretudo nas duas primeiras partes do debate. Na terceira parte deixou-se adormecer um pouco pelos músicos de serviço. Arsélio Martins – A quem já me tinha referido em publicação anterior não começou mal, talvez por se encontrar perante uma audiência maioritariamente preenchida por colegas sem vocação para lambedores de botas. Acabaria por se afogar no orgulho bacoco do que fez ao longo da maior parte da sua carreira, e que verdadeiramente o caracteriza, ser a garota de programa nos corredores do poder. A certo momento da noite consegue mesmo seduzir Fátima Campos Ferreira. O colega do “Promova” – Falou de forma calma, deixando inicialmente no ar a ideia de uma eloquência que não veio a concretizar, pois por excesso de atitude politicamente correcta acabou por passar um pouco ao lado do essencial. O jovem colega do “Movimento Professores Revoltados – Fez jus ao nome do movimento e mostrou não ter papas na língua ao afirmar que os professores não concordam com a política de facilitismo que é apanágio deste ministério (aliás, neste aspecto, mero acelerador de dinâmicas anteriores), com suficiente falta de vergonha para decretar semelhante abjecção. Preparava-se para mandar a casa abaixo, quando a senhora moderadora, qual pedra angular da construção, lhe censurou irreversivelmente a intervenção. Parabéns ao colega que apesar de inexperiente evidenciou a coragem suficiente para chamar os bois pelos nomes. Os Sindicatos – Tiveram um desempenho superior ao que seria de esperar, talvez porque o recente surgimento de novos movimentos representativos da classe poderá de certa forma roubar-lhes protagonismo. Ainda assim, João Dias da Silva mantém-se com um discurso algo difuso, levemente condimentado por críticas superficiais. Bem melhor Mário Nogueira lembrou à senhora Maria de Lurdes vários atropelos à Lei que a sua equipa tem praticado. Fátima Campos Ferreira viria uma vez mais em defesa da inquilina da ‘5 de Outubro’ quando o sindicalista evocou a aceitação por parte dos tribunais administrativos, das cinco providências cautelares com efeito suspensivo, que pesam sobre os despachos dos dias: 24 e 25 de Janeiro, do senhor Jorge Pedreira, a que já me tinha referido aqui. A propósito deste assunto, convém recordar que a senhora Maria de Lurdes afirmou desconhecer tais decisões (uma delas, do domínio público à mais de 15 dias), não se podendo pronunciar sobre assuntos que desconhece. Curiosamente, cerca de 12 horas depois, de visita à Escola de Música Óscar da Silva, a responsável máxima pela educação afirma: “não há providências cautelares que possam interromper o processo de avaliação”. Assim vai o respeito desta senhora pelos tribunais. Os Representantes do Conselho de Escolas e da CONFAP – Demonstraram uma vez mais que são parasitas do sistema. O Representante do Ensino Privado – Foi suficientemente honesto para merecer o meu aplauso. O Autarca de Paredes – Devia evitar a masturbação em frente às câmaras de televisão. A senhora do ministério – Quem?
Apache, Fevereiro de 2008

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Crónica de uma desilusão

“Aqui estamos sobre este globo há doze mil anos a girar fastidiosamente em torno do Sol, e sem adiantar um metro na famosa estrada do progresso e da perfectibilidade: porque só algum ingénuo de província é que ainda considera progresso a invenção ociosa desses bonecos pueris que se chamam máquinas, engenhos, locomotivas, etc., ou essas prosas laboriosas e difusas que se denominam sistemas sociais. Nos dois ou três primeiros mil anos de existência trepámos a uma certa altura da civilização, mas depois temos vindo a rolar para baixo numa cambalhota secular. O tipo secular e doméstico de uma aldeia árida dos Himalaias, tal como uma vetusta tradição o tem trazido até nós, é infinitamente mais perfeito que o nosso organismo doméstico e social. Já não falo de gregos e romanos: ninguém tem bastante génio para compor um coro de Ésquilo ou uma página de Virgílio; como escultura e arquitectura, somos grotescos; nenhum milionário é capaz de jantar como Lúculo; agitavam-se em Atenas ou Roma mais ideias superiores num só dia do que nós inventámos num século; os nossos exércitos fazem rir, comparados às legiões de Germânicos; não há nada equiparável à administração romana; o ‘boulevard’ é uma viela suja ao lado da Via Ápia; nem uma Aspásia temos; nunca ninguém tornou a falar como Demóstenes - e o servo, o escravo, essa miséria da Antiguidade, não era mais desgraçado do que o proletário moderno."
Eça de Queiroz em “Crónicas e Cartas”
Passou pouco mais de um século e o planeta ‘envelheceu 380 mil vezes’, hoje a ciência ‘vende-nos’ que o mundo tem cerca de 4 500 milhões de anos, em tudo o resto, nada de novo, aqui, «debaixo» do Sol.
Apache, Fevereiro de 2008

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Kosovo - A independência dos tráfico-dependentes

O parlamento do Kosovo aprovou, no passado domingo, por unanimidade a independência da Sérvia. A declaração de independência foi lida pelo actual Primeiro-Ministro, Hashim Thaci, à revelia das Nações Unidas e do direito internacional. Thaci, ocupa o cargo desde a sua alegada vitória eleitoral, ocorrida em finais de Novembro passado, quando foi declarado vencedor, após ter sido (oficialmente) mandada parar a contagem dos votos. O seu partido, o PDK (Partido Democrático do Kosovo) terá obtido 34% dos (cerca de 90% de) votos efectivamente contados. Em matéria de política anedótica o Kosovo consegue superar tanto Portugal, como (pasme-se) Timor Leste. Repare-se no que sobre ele escreveu, em Novembro passado, o jornalista Daniel Estulin… «Primeiro, o PDK não é um partido democrático. Nasceu de uma franja radical da política albano-kosovar, formada inicialmente por marxistas-leninistas da velha escola, financiados pela Albânia. O seu líder espiritual, Adem Demaci era um fervoroso discípulo de Mao. Durante a Segunda Guerra Mundial, os kosovares seguidores de Demaci formaram grande parte da divisão de voluntários Skanderberg das SS, recrutados pelos nazis como homens de mão na deportação dos judeus kosovares para os campos de concentração. Os lutadores pela liberdade do PDK (antigo Exército de Libertação do Kosovo) foram financiados armados e treinados durante a guerra dos Balcãs pela CIA, pelo MI6, pela DIA (agência americana de espionagem e defesa), pelos mercenários da MPRI (empresa de segurança americana, composta por antigos marines, pilotos de helicóptero e forças especiais) e pelo BND (o serviço de espionagem alemão). O que os meios de comunicação se esquecem de nos contar é que o PDK, na realidade, é constituído por sujos traficantes de drogas que se prostituem em benefício do poder instituído no ocidente. Daí serem tão queridos pela maioria dos países ocidentais, sobretudo pelos americanos. Michael Levine, antigo membro da DEA (a agência americana de combate ao tráfico de droga) disse a 24 de Maio de 1999 à revista New American: “estamos a armar os piores traficantes de droga, terroristas e contrabandistas, gente que está relacionada com todos os cartéis de droga conhecidos do Médio ao Extremo Oriente. A Interpol, a Europol e praticamente todos os serviços de espionagem europeus e agências de luta contra o tráfico de drogas têm arquivos abertos sobre traficantes que nos levam ao PDK e à máfia albanesa.” O Ocidente, principalmente os homens por trás da cortina necessitavam que o PDK encabeçasse a guerra contra os sérvios. Assim, os assassinos e os traficantes, paramilitares liderados por Hashim Thaci, da noite para o dia converteram-se em lutadores pela liberdade, apoiados directamente pelas grandes potências ocidentais, pela NATO e pela ONU. A BBC, numa notícia de Novembro de 2000 (que milagrosamente desapareceu da sua página na Internet) afirmava que “Hashim Thaci havia ordenado o assassinato político dos seus opositores da Liga Nacionalista Democrática de Ibraim Rugova.” Aliás, o democrata Thaci ordenou o assassinato (físico) de Fermi Agani, um dos mais estreitos colaboradores de Rugova, segundo noticiou a agência jugoslava Tanjug, a 14 de Maio de 1999. Os dois principais defensores do traficante Thaci eram o general Wesley Clark e a Ex-secretária de Estado de Clinton Madeleine Albright, responsável moral pela limpeza ética no Ruanda, tal como expliquei no livro Os Senhores das Sombras. O Washington Times escreveu também: “Eram traficantes de droga em 1998, agora, por causa da política são lutadores pela liberdade.” Ralf Mutschke, destacado comandante da Interpol, testemunhou perante o Comité Judicial do Congresso (americano), a 13 de Dezembro de 2000, dizendo que: “O Departamento de Estado incluiu o PDK na sua lista de organizações terroristas, indicando que financiava as suas operações com dinheiro procedente do comércio internacional de heroína e apoios de Osama Bin Laden.” Aliás, durante o conflito no Kosovo, um egípcio, comandante militar de Bin Laden, dirigia uma unidade de elite do PDK. Frank Ciluffo, que liderava o Programa Contra o Crime Organizado Global, disse perante o Comité Judicial do Congresso dos Estados Unidos, em Dezembro de 2000, que: “a Albânia e o Kosovo estão no coração da Rota Balcânica que une o Afeganistão e o Paquistão aos mercados de droga europeus. Esta rota vale aproximadamente 400 mil milhões de dólares por ano e vende 80% da heroína consumida na Europa.”» Poucas horas depois de ter sido declarada a independência, o jornalista Timothy Bancroft Hinchey, escrevia: «A bandeira dos Estados Unidos da América voa alta entre os terroristas albaneses no Kosovo, depois de Pristina desprezar a lei internacional e anunciar a sua “independência”, em declaração lida hoje pelo líder ex-terrorista e agora "Primeiro-Ministro" do Kosovo, Hashim Thaci. Hashim Thaci está habituado a quebrar a lei, tendo dirigido um dos monstros mais sanguinários jamais visto em terras dos Balcãs, o Exército de Liberação de Kosovo, que, como ele próprio tem admitido, executou actos de terrorismo para provocar os sérvios, obrigando-os a tomar medidas. O ex-assassino, agora político auto-nomeado, teve a audácia não só de desprezar as leis da República da Jugoslávia, como depois as leis da Sérvia, e agora a Lei Internacional, numa reivindicação ridícula de “independência” num território que é, e sempre foi, uma Província da Sérvia, transformando-o num estado pária dirigido pela máfia albanesa. Qualquer acto de reconhecimento do Kosovo acaba por dar consentimento aos crimes horrendos perpetrados pelo bando de criminosos internacionais que se escondem atrás do PDK, que assassinam, destroem propriedade, escravizam sexualmente, e traficam armas e drogas; fazendo de tais países cúmplices dos mesmos crimes. A declaração e o seu reconhecimento violam de forma flagrante a Resolução 1244 da ONU, que reconhece o Kosovo como parte integral da Sérvia.» Entretanto, hoje no Parlamento Sérvio, o Primeiro-Ministro, Vojislav Kostunic, anunciou a retirada do seu embaixador em Washington, deixando um recado ao governo de Bush, dizendo que: “esta decisão dos Estados Unidos, não vai converter um falso estado num verdadeiro” e que “este reconhecimento mostra a verdadeira face da América”, acrescentando que os Estados Unidos “violaram a Lei Internacional em benefício dos seus próprios interesses.” Tomislav Nikolic, o líder do partido radical, que havia perdido por escassa margem a corrida presidencial, afirmou: “a América e a União Europeia estão a roubar-nos o Kososvo”, terminando o seu discurso com uma frase que empolgou a multidão que o ouvia em Belgrado, “a partir deste momento, vamos contar os dias até libertarmos o Kosovo.” Pois é, lá como cá, nada de novo.
Apache, Fevereiro de 2008

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Porreiro, pá!

Maria de Lurdes Rodrigues, sexta-feira passada, na SIC-Notícias, ao programa “Expresso da Meia-Noite”, a propósito das críticas dos professores à proposta legislativa sobre gestão escolar… “Há problemas de comunicação política porque é difícil. E é difícil porque é preciso comunicar e a política é assim. Há resistências, mas nada de significativo. E é tudo feito em defesa das lideranças porque o trabalho dos Conselhos Executivos nem sempre consegue terraplanar tudo à volta.”
Um debate que começa precisamente com esta intervenção já estão a imaginar que só poderia ser esclarecedor.
Esclarecedor e quente, muito quente. Bastava ver a lascividade dos sorrisos trocados entre o moderador, a Sr.ª (“professorazeca”, perdão) Ministra; um tal de Sr. CONFAP, que diz que na sua eleição participaram 5% dos associados e que acha que representa os Encarregados de Educação, mas principalmente que acha que sim, sobretudo, por causa da autonomia e dos paradigmas; um outro que diz que é uma espécie de (pau-mandado, perdão, outra vez) Presidente do Conselho (de Escolas), que representa os que concordam, e os que acham que sim, talvez por causa dos paradigmas (sobretudo, o da autonomia); e o tal que está entalado entre a porta de saída do (quase) Sindicato e a de entrada da (quase) Secretaria de Estado, que acha que sim, com (pelo menos) igual intensidade dos dois anteriores, só não sabe o que é um paradigma, e que diz que representa a FNE, que assim de repente, não estou a ver o que é.
Conclusão perdeu-se um debate, mas ganhou-se mais um detergente, afinal a SIC é que lava mais branco e nem é preciso esfregar, basta (lamber, ups, enganei-me outra vez) “comunicar… sem stresses… com conforto”.
Apache, Fevereiro de 2008

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Contos Proibidos

Às escondidas…
Num momento em que tanto se discute se as declarações de rendimento dos políticos devem ou não continuar a ser públicas, vale a pena lembrar o que há 12 anos escreveu um destacado membro do PS, companheiro político de Mário Soares.
“Para além da ausência de regras que permitam, pela via individual, o acesso do cidadão à actividade política, não existem regras idóneas de financiamento dos partidos nem de transparência para os políticos. Um pouco à semelhança dos pilares morais do regime, a Maçonaria e a Opus Dei, tudo se decide às escondidas, como se o direito dos cidadãos à informação completa e rigorosa, de como são financiadas as suas instituições e dos rendimentos dos seus governantes e dos seus magistrados se tratasse de algo suspeito, de algo subversivo.”
Rui Mateus em “Contos Proibidos – Memórias de um PS desconhecido, 1996”
Apache, Fevereiro de 2008

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

A “Petição do Oregon”

Hoje um aluno perguntou-me: “Porque é que os Estados Unidos não assinaram o Protocolo de Quioto?”. As razões políticas que levam a uma tomada de decisão tão importante para o futuro económico e social dos povos são sempre complexas. Uma resposta simples (ainda que obviamente muito incompleta) pode ser: “Petition Project – Global Warming Petition”, conhecida entre nós por Petição do Oregon. Em 1987 surgiu uma imagem de satélite que mostrava uma menor concentração de ozono na Estratosfera, sobre o continente Antárctico (Pólo Sul), quando comparado com as concentrações do mesmo gás em latitudes menores. O fenómeno ficou conhecido como “Buraco do Ozono”. Rapidamente surgiu um iluminado qualquer a atribuir a causa de tal (alegado) facto aos CFC’s (Clorofluorcarbonetos) usados pelo Homem em sprays e na indústria de refrigeração. Cozinhou-se então apressadamente o Protocolo de Montreal que ficou aberto para assinaturas a 16 de Setembro de 1987 e que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 1989, subscrito por 191 países. Quando mais cientistas se debruçaram sobre as justificações da antropogenia do “Buraco do Ozono”, começaram a perceber que afinal (apesar de o "artista" ter ganho o Prémio Nobel da Química) não existe evidência científica da culpabilidade humana, não passando a teoria (ainda) vigente, de um embuste científico. Quase em simultâneo com a questão do “Buraco do Ozono” e depois de na década de 70, se ter tentado acusar (sem êxito) as emissões humanas de dióxido de carbono, de estarem a provocar uma nova idade do gelo, começou, no final dos anos 80 a falar-se de aquecimento global. A questão ganhou tal relevância na opinião pública que as energias alternativas se tornaram uma oportunidade de negócio significativa. Em Dezembro de 1997 começou a elaborar-se, entrando em vigor a 16 de Fevereiro de 2005, o Protocolo de Quioto, que visa reduzir, até 2012, as emissões humanas de “gases com efeito de estufa”. Mas, “de pé atrás” com os políticos, e preocupada com as consequências para a humanidade, de um acordo deste género, parte da comunidade científica dos Estados Unidos reage e começam a circular variadas petições, alertando o governo americano para os perigos de um compromisso deste género. A mais popular dessas petições teve origem na Universidade do Oregon. Trata-se de um texto curto e de linguagem simples, que vai de encontro ao cerne da questão. “Aconselhamos o governo dos Estados Unidos a rejeitar o acordo sobre aquecimento global, que foi redigido em Quioto, no Japão, em Dezembro, 1997, bem como quaisquer outras propostas semelhantes. Os limites propostos para as emissões de gases com efeito de estufa prejudicariam o ambiente, dificultariam o avanço da ciência e da tecnologia, e contribuiriam para a deterioração da saúde e do bem-estar da humanidade. Não há nenhuma evidência científica convincente que as emissões humanas de dióxido de carbono, metano, ou outros gases com efeito de estufa estejam a causar, ou venham a causar no futuro um aquecimento catastrófico da atmosfera ou uma perturbação no clima da Terra. Mais, há substancial evidência científica que um aumento do dióxido de carbono atmosférico produz efeitos benéficos acrescidos ao ambiente natural, favorecendo as plantas e os animais da Terra.” [Tradução minha] P.S. A Petição do Oregon, reúne actualmente mais de 31 mil assinaturas, mas só pode ser assinada por licenciados, mestres ou doutores da área das ciências ou engenharias, sendo provisórias, todas as assinaturas, até que os signatários façam prova dos respectivos graus académicos.
Apache, Fevereiro de 2008

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

A falta de coragem

No “Expresso” do passado sábado, vinha publicado um texto da autoria do General Garcia Leandro, intitulado “A falta de vergonha”, que aqui reproduzo.
“O modo como se tem desenvolvido a vida das grandes empresas, nomeadamente da banca e dos seguros, envolvendo BCP e Banco de Portugal, incluindo as remunerações dos seus administradores e respectivas mordomias, transformou-se num escândalo nacional, criando a repulsa generalizada.
É consensual que o país precisa de grandes reformas e tal esforço deve ser reconhecido a este Governo (mesmo com os erros e exageros que têm acontecido).
Alguém tinha de o fazer e este Governo arregaçou as mangas para algo que já deveria ter ocorrido há muito tempo. Mas não tocou nestes grandes beneficiários que envergonham a democracia, com a agravante de se pedirem sacrifícios à generalidade da população que já vive com muitas dificuldades.
O excesso de benefícios daqueles administradores já levou a que o próprio Presidente da República tivesse sentido a obrigação de intervir publicamente.
Mas tudo continua na mesma; a promiscuidade entre o poder político e o económico é um facto e feito com total despudor.
Uma recente sondagem Gallup a nível mundial, e também em Portugal, mostra a falta de confiança que existe nos responsáveis políticos deste regime.
Tenho 47 anos de serviço ao Estado, nas mais diferentes funções de grande responsabilidade, sei como se pode governar com sentido de serviço público, sem qualquer vantagem pessoal, e sei qual é a minha pensão de aposentação publicada em D.R.
Se sinto a revolta crescente daqueles que comigo contactam, eu próprio começo a sentir que a minha capacidade de resistência psicológica a tanta desvergonha, mantendo sempre uma posição institucional e de confiança no sistema que a III República instaurou, vai enfraquecendo todos os dias.
Já fui convidado para encabeçar um movimento de indignação contra este estado de coisas e tenho resistido.
Mas a explosão social está a chegar. Vão ocorrer movimentos de cidadãos que já não podem aguentar mais o que se passa.
É óbvio que não será pela acção militar que tal acontecerá, não só porque não resolveria o problema mas também porque o enquadramento da UE não o aceitaria; não haverá mais cardeais e generais para resolver este tipo de questões. Isso é um passado enterrado. Tem de ser o próprio sistema político e social a tomar as medidas correctivas para diminuir os crescentes focos de indignação e revolta.
Os sintomas são iguais aos que aconteceram no final da Monarquia e da I República, sendo bom que os responsáveis não olhem para o lado, já que, quando as grandes explosões sociais acontecem, ninguém sabe como acabam. E as más experiências de Portugal devem ser uma vacina para evitar erros semelhantes na actualidade.
É espantosa a reacção ofendida dos responsáveis políticos quando alguém denuncia a corrupção, sendo evidente que deve ser provada; e se olhassem para dentro dos partidos e começassem a fazer a separação entre o trigo e o joio? Seria um bom princípio!
Corrija-se o que está errado, as mordomias e as injustiças, e a tranquilidade voltará, porque o povo compreende os sacrifícios se forem distribuídos por todos.”
Será que fui eu que entendi mal as palavras do Meu General, ou depois de ter assumido vários cargos de nomeação política, vem agora a público lavar as mãos, como Pilatos, endereçando a quem de direito, um tímido «depois não digam que eu não avisei», enquanto a situação que o país atravessa impunha antes um «quem avisa, amigo é.»
Ao lê-lo, recordei-me daquela velha interrogação, tão do uso dos militares – O Meu General é um Homem ou é um rato?
Apache, Fevereiro de 2008

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

“Aquecimento Global” mascarado a rigor

A propósito dos violentos nevões dos últimos dias na China, o Instituto de Meteorologia português, noticia que a “Neve na China não é alteração climática”.
Hum... O Al Gore não vai gostar desta frase. Vossas Sapiências ainda não perceberam que de acordo com a teoria do Nobilíssimo, alteração climática é tudo o que der jeito para assustar o Zé Povinho?
Vão ouvir outra vez a cassete, se faz favor… Ah, e entretanto, que tal mudar o título da notícia para algo mais consentâneo com a época, do género - Aquecimento Global vai de férias para a neve.
Apache, Fevereiro de 2008

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

“Notas absolutamente íntimas” - Dom Manuel II, Rei de Portugal

1 de Fevereiro de 1908 – O Regicídio
Faz hoje 100 anos que o Rei D. Carlos e o Príncipe Real Luís Filipe foram assassinados no Terreiro do Paço.
A evocação da data fica marcada pelo protagonismo infantil e mimado que o Sr. Ministro da defesa quis chamar a si, ao proibir a participação do Exército nas homenagens. De acordo com o “Sol”,parece que um grupo de alienados que diz que é uma espécie de Partido Político, indignou-se e o Sr. Ministro, que diz que é uma espécie de pau-mandado, disponibilizou-lhe alívio. Os restantes partidos, desta que se diz que é uma espécie de democracia, aplaudiram. Espero que em 2010 quando se comemorarem os 100 anos da implantação da que diz que é uma espécie de República, quem quer que esteja no cargo, a brincar aos ministros, se lembre de proibir o Exercito de participar nas “festividades”, por uma questão de igualdade de direitos.
E porque nestas datas o mais importante é reavivar a nossa memória colectiva, aqui fica um relato dos acontecimentos do século passado, na versão daquele que os viveu mais de perto.
“Notas absolutamente íntimas”
“Há já uns poucos de dias que tinha a ideia de escrever para mim estas notas íntimas, desde o dia 1 de Fevereiro de 1908, dia do horroroso atentado no qual perdi, barbaramente assassinados, o meu querido Pai e o meu querido Irmão. Isto que aqui escrevo é ao correr da pena mas vou dizer franca e claramente e sem estilo tudo o que se passou. Como isto é uma história íntima do meu reinado vou inicia-la pelo horroroso e cruel atentado.
No dia 1 de Fevereiro regressavam Suas Majestades, El-Rei D. Carlos I, a Rainha, senhora D. Amélia e Sua Alteza o Príncipe Real, de Vila Viçosa onde ainda tinham ficado. Eu tinha vindo mais cedo (uns dias antes) por causa dos meus estudos de preparação para a Escola Naval. Tinha ido passar dois dias a Vila Viçosa e tinha regressado novamente a Lisboa.
Na capital estava tudo num estado de excitação extraordinária: bem se viu no dia 28 de Janeiro em que houve uma tentativa de revolução, a qual não venceu. Nessa tentativa estava implicada muita gente: foi depois dessa noite de 28, que o Ministro da Justiça Teixeira de Abreu levou a Vila Viçosa o famoso decreto que foi publicado em 31 de Janeiro. Foi uma triste coincidência, ter sido rubricado nesse dia de aniversário da revolta do Porto. Meu Pai não tinha nenhuma vontade de voltar para Lisboa. Bem me lembro que se estava para voltar para Lisboa 15 dias antes e que meu Pai quis ficar em Vila Viçosa: Minha Mãe pelo contrário queria forçosamente vir. Recordo-me perfeitamente desta frase que me disse na véspera ou no próprio dia que regressei a Lisboa depois de eu ter estado dois dias em Vila Viçosa. "Só se eu quebrar uma perna é que não volto para Lisboa no dia 1 de Fevereiro. Melhor teria sido que não tivessem voltado porque não tinha eu perdido dois entes tão queridos e não me achava hoje Rei! Enfim, seja feita a Vossa vontade Meu Deus!
Mas voltando ao tal decreto de 31 de Janeiro. Já estavam presas diferentes pessoas políticas importantes. António José de Almeida, republicano e antigo deputado, João Chagas, republicano, João Pinto dos Santos, dissidente e antigo deputado, o Visconde de Ribeira Brava e outros. Este António José de Almeida é um dos mais sérios republicanos e é um convicto, segundo dizem. João Pinto dos Santos é também um dos mais sérios do seu partido. O Visconde de Ribeira Brava não presta para muito e tinha sido preso com as armas na mão no dia 28 de Janeiro. Mas o António José de Almeida e o João Pinto dos Santos não podiam ser julgados senão pela Câmara, como deputados da última Câmara. Ora creio que a intenção do Governo era mandar alguns para Timor tirando assim por um decreto ditatorial, um dos mais importantes direitos dos deputados. O Conselheiro José Maria de Alpoim par do Reino e chefe do partido dissidente tinha tido a sua casa cercada pela polícia mas depois tinha fugido para Espanha. Um outro dissidente também tinha fugido para Espanha e lá andou disfarçado. Outro que tinha sido preso foi o Afonso Costa: este é do pior que existe não só em Portugal mas em todo mundo; é medroso e covarde mas inteligente e, para chegar aos seus fins, qualquer pouca vergonha lhe é indiferente. Mas isto tudo é apenas para entrar depois mais detalhadamente na história íntima do meu reinado.
Como disse mais atrás eu estava em Lisboa quando foi o 28 de Janeiro; houve uma pessoa minha amiga (que se não me engano foi o meu professor Abel Fontoura da Costa) que disse a um dos Ministros que eu gostava de saber um pouco sobre o que se passava, o porquê de isto estar num tal estado de excitação. O João Franco escreveu-me então uma carta que eu tenho a maior pena de ter rasgado, porque nessa carta dizia-me que tudo estava sossegado e que não havia nada a recear! Que cegueira!
Mas passemos agora ao fatal dia 1 de Fevereiro de 1908 sábado. De manhã tinha eu recebido o Marquês Leitão e o King. Almocei tranquilamente com o Visconde de Asseca e o Kerausch. Depois do almoço estive a tocar piano, muito contente porque naquele dia dava-se pela primeira vez "Tristão e Ysolda" de Wagner em S. Carlos. Na véspera tinha estado tocando a 4 mãos com o meu querido mestre Alexandre Rey Colaço o Séptuor de Beethoven, que era, e é uma das obras que mais aprecio deste génio musical. Depois do almoço, à hora habitual, quer dizer às 13:15 comecei a minha lição com o Fontoura da Costa, porque ele tinha trocado as horas da lição com o Padre Fiadeiro. A hora do Fontoura era às 17:30. Acabei com o Fontoura às 15 horas e pouco depois recebi um telegrama da minha adorada Mãe dizendo-me que tinha havido um descarrilamento na Casa Branca, que não tinha acontecido nada, mas que vinham com três quartos de hora de atraso. Vendo que nada tinha acontecido, dei graças a Deus, mas nem me passou pela mente, como se pode calcular o que havia de acontecer. Agora pergunto-me eu, aquele descarrilamento foi um simples acaso? Ou foi premeditado para que houvesse um atraso e se chegasse mais tarde? Não sei. Hoje fiquei em dúvida.
Depois do horror que se passou fica-se a duvidar de muita coisa. Um pouco depois das 4 horas saí do Paço das Necessidades num landau, com o Visconde de Asseca, em direcção ao Terreiro do Paço, para esperarmos Suas Majestades e Alteza. Fomos pela Pampulha, Janelas Verdes, Aterro e Rua do Arsenal. Chegámos ao Terreiro do Paço. Na estação estava muita gente da corte e outros sem ser. Conversei primeiro com o Ministro da Guerra, Vasconcelos Porto, talvez o Ministro de quem eu mais gostava no Ministério do João Franco. Disse-me que tudo estava bem. Esperámos muito tempo; finalmente chegou o barco em que vinham os meus Pais e o meu Irmão. Abracei-os e viemos seguindo até a porta onde entramos para a carruagem, os quatro. No fundo a minha adorada Mãe dando a esquerda ao meu pobre Pai. O meu chorado Irmão diante do meu Pai e eu diante da minha mãe. Sobretudo o que agora vou escrever é que me custa mais: ao pensar no momento horroroso que passei confundem-se-me as ideias. Que tarde e que noite mais atroz! Ninguém neste mundo pode calcular, não, sonhar sequer o que foi. Creio que só a minha pobre e adorada Mãe e Eu podemos saber bem o que isto é! Vou agora contar o que se passou naquela histórica Praça.
Saímos da estação bastante devagar. Minha Mãe vinha-me a contar como se tinha passado o descarrilamento na Casa Branca quando se ouviu o primeiro tiro no Terreiro do Paço: era sem dúvida um sinal: sinal para começar aquela monstruosidade infame, porque pode-se dizer e digo que foi o sinal para começar a batida. Foi a mesma coisa que se faz numa batida às feras: sabe-se que têm de passar por caminho certo: quando entram nesse caminho dá-se o sinal e começa o fogo! Infames! Eu estava a olhar para o lado da estátua de D. José e vi um homem de barba preta, com um grande "gabão". Vi esse homem abrir a capa e tirar uma carabina. Eu estava tão longe de pensar num horror destes que disse para mim mesmo, sabendo o estado exaltação em que isto tudo estava "que má brincadeira". O homem saiu do passeio e veio pôr-se atrás da carruagem e começou a fazer fogo.
Faço aqui um pequeno desenho para me ajudar.1)Estátua de D. José;
2) Sítio onde estava o Buíça o homem das barbas;
3) Lugar onde ele começou a fazer fogo; 4) Sítio aproximadamente onde devia estar a carruagem Real quando o homem começou a fazer fogo;
5) Portão do Arsenal;
6) Praça do Pelourinho;
7) Sítio aproximadamente donde saiu o tal Costa que matou o meu Pai.
Quando vi o tal homem das barbas que tinha uma cara de meter medo, apontar sobre a carruagem, percebi bem, infelizmente o que era. Meu Deus que horror. O que então se passou só Deus, a minha Mãe e eu sabemos; porque mesmo o meu querido e chorado Irmão presenciou poucos segundos porque instantes depois também era varado pelas balas. Que saudades meu Deus! Dai-me a força Senhor para levar esta Cruz, bem pesada, ao Calvário! Só vós, Meu Deus sabeis o que tenho sofrido!
Logo depois do Buíça ter feito fogo (que eu não sei se acertou) começou uma perfeita fuzilada, como numa batida às feras! Aquele Terreiro do Paço estava deserto, sem nenhuma providência! Isso é que me custa mais a perdoar ao João Franco. Se durante o seu ministério cometeu erros, isso para mim é menos. Tenho a certeza que a sua intenção era muito boa; os meios é que foram maus, péssimos, pois acabou da maneira mais atroz que jamais se poderia imaginar. Quando se lhe dizia que isto ia mal, que havia anarquistas no nosso País, ele não acreditou. O primeiro sintoma que eu me lembro foi a explosão daquelas bombas na Rua de Santo António à Estrela. Recordo-me perfeitamente a impressão que me fez quando soube! Foi no Verão, estávamos então na Pena. Quem diria o que havia de acontecer 6 ou 8 meses depois! Mas voltando novamente ao pavoroso atentado.
Sei de um dos comandantes da polícia, o Coronel Correia, que estava muito inquieto e o João Franco não acreditava que pudesse ter lugar qualquer coisa desagradável, quanto menos um horror destes, e infelizmente não estavam tomadas providências nenhumas.
Imediatamente depois do Buíça começar a fazer fogo saiu de debaixo da Arcada do Ministério um outro homem que disparou uns poucos de tiros à queima-roupa sobre o meu Pai; uma das balas entrou pelas costas e outra pela nuca, que O matou instantaneamente. Que infames! para completarem a sua atroz malvadez e sua medonha covardia fizeram fogo pelas costas. Depois disto não me lembro quase do resto: foi tão rápido! Lembro-me perfeitamente de ver a minha adorada e heróica Mãe de pé na carruagem com um ramo de flores na mão, gritando àqueles malvados animais, porque aqueles não são gente «infames, infames».
A confusão era enorme. Lembro-me também e isso nunca poderei esquecer, quando na esquina do Terreiro do Paço para a Rua do Arsenal, vi o meu Irmão em pé dentro da carruagem com uma pistola na mão. Só digo d'Ele o que o Cónego Aires Pacheco disse nas exéquias nos Jerónimos: «Morreu como um herói ao lado do seu Rei»! Não há para mim frase mais bela e que exprima melhor todo o sentimento que possa ter.
Meu Deus que horror! Quando penso nesta tremenda desgraça, ainda me parece um pesadelo! Quando de repente já na Rua do Arsenal olhei para o meu queridíssimo Irmão vi-o caído para o lado direito com uma ferida enorme na face esquerda de onde o sangue jorrava como de uma fonte! Tirei um lenço da algibeira para ver se lhe estancava o sangue: mas que podia eu fazer? O lenço ficou logo como uma esponja.
No meio daquela enorme confusão estava-se em dúvida para onde devia ir a carruagem: pensou-se no hospital da Estrela, mas achou-se melhor o Arsenal. Eu também, já na Rua do Arsenal fui ferido num braço por uma bala. Faz o efeito de uma pancada e um pouco uma chicotada: foi na parte superior do braço direito.
Agora que penso ainda neste pavoroso dia e no medonho atentado, parece-me e tenho quase a certeza (não quero afirmar porque nestes momentos angustiosos perde-se a noção das coisas) que eu escapei por ter feito um movimento instintivo para o lado esquerdo.
Na segunda carruagem vinham os Condes de Figueiró e o Marquês de Alvito e na terceira o Visconde de Asseca, o Vice-Almirante Guilherme A. de Brito Capelo e o Major António Waddington. Quando vínhamos a entrar o portão do Arsenal a Condessa de Figueiró entrou também na nossa carruagem e lembra-me que o Visconde de Asseca e o Conde de Figueiró vinham ao lado da carruagem. Dentro do Arsenal saí da carruagem primeiro e depois saiu a minha adorada Mãe. Foi verdadeiramente um milagre termos escapado: Deus quis poupar-nos! Dou Graças a Deus de me ter deixado a minha Mãe que eu tanto adoro. Sempre foi a pessoa que eu mais gostei neste mundo e no meio destes horrores todos dou e darei sempre graças a Deus de A ter conservado!
Quando a Minha adorada Mãe saiu da carruagem foi direita ao João Franco que ali estava e disse-lhe, ou antes, gritou-lhe com uma voz que fazia medo «Mataram El-Rei: Mataram o meu Filho». A minha pobre Mãe parecia doida. E na verdade não era para menos: Eu também não sei como não endoideci. O que então se passou naquelas horas no Arsenal ninguém pode sonhar! A primeira coisa foi que perdi completamente a noção do tempo. Agarrei a minha pobre e tão querida Mãe por um braço e não larguei e disse à Condessa de Figueiró para não a deixar.
Contudo ia entrando muita gente da Casa, diplomatas, ministros e mesmo ministros de Estado honorários.
Estava-se ainda na dúvida (infelizmente de pouca duração se ainda viviam os dois entes tão queridos! Estavam lá muitos médicos entre outros o Dr. Bossa (que me parece foi o primeiro a chegar) o Dr. Moreira Júnior e o Dr. D. António Lencastre. Contou-me depois (já alguns dias depois) o Dr. Bossa que logo que chegou acendeu um fósforo e ainda as pupilas se retraíram. Quando porém repetiu a experiência nem mesmo esse pequeno sinal de vida lhe restava. Descansa em paz no sono Eterno e que Deus tenha a Tua Alma na sua Santa Guarda!
De meu Pai e mesmo de meu Irmão não tinha grandes esperanças que pudessem escapar. As feridas eram tão horrorosas que me parecia impossível que se salvassem. Como disse, já lá estava o Ministério todo menos o Ministro da Fazenda Martins de Carvalho.
Isso é que nunca poderei esquecer; é que fazendo parte do Ministério do meu querido Pai, quando foi assassinado não foi ao Arsenal! Diz-se (não o quero afirmar) que fugiu para as águas-furtadas do Ministério da Fazenda e ali fechou a porta à chave! Seja como for, faz agora seis meses que Meu Pai e Meu Irmão, de chorada memória, foram assassinados e nunca mais aqui pôs os pés! Acho isso absolutamente extraordinário!... Para não dizer mais.
Preveniu-se para o Paço da Ajuda a minha pobre Avó para vir para o Arsenal. Eu não estava quando Ela chegou. Estavam-me a tratar o braço na sala do Inspector do Arsenal.
Quando a Avó chegou foi direita à minha Mãe e disse-lhe «On a tué mon fils!» e a minha Mãe respondeu-lhe: «Et le mien aussi!» Meu Deus dai-me força. Mas antes disto houve diferentes coisas que quero contar.
A minha pobre e adorada Mãe andava comigo pelo Arsenal de um lado para o outro com diferentes pessoas: Conde de Sabugosa, Condes de Figueiró, Condes de Galveias e outros, falando sempre num estado de excitação indescritível mas fácil de compreender. De repente caiu no chão! Só Deus e eu sabemos o susto que eu tive! Depois do que tinha acontecido veio aquela reacção e eu nem quero dizer o que primeiro me passou pela cabeça.
Depois vi bem o que era: o choque pavoroso fazia o seu efeito! Minha Mãe levantou-se quase envergonhada de ter caído. É um verdadeiro herói. Quem dera a muitos homens terem a décima parte da coragem que a minha Mãe tem.
Tem sido uma verdadeira mártir! O que eu rogo a Deus, sempre e a cada instante, é para A conservar!
Pouco tempo depois de termos chegado ao Arsenal veio ainda o major Waddington dizendo que os Queridos Entes ainda estavam vivos; mas infelizmente pouco tempo depois voltou chorando muito. Perguntei-lhe «Então?» Não me respondeu. Disse-lhe que tinha força para ouvir tudo. Respondeu-me então que já ambos tinham falecido! Dai-lhes Senhor o Eterno descanso e brilhe sobre Eles a Vossa Luz Eterna. Ámen!
Pouco depois vi passar João Franco com o Aires de Ornelas (Ministro da Marinha) e talvez (disso não me lembro ao certo) com o Vasconcelos Porto, Ministro da Guerra, dirigindo-se para a Sala da Balança para telefonarem a pedir que se tomassem todas as previdências necessárias. Isto são cenas, que viva eu cem anos, ficarão gravadas no meu coração. Agora já era noite o que ainda tornava tudo mais horroroso e sinistro: estava já, então, muita gente no Arsenal, e começou-se a pensar no regresso para o Paço das Necessidades. No presente momento em que estou a escrever estas linhas estou a repassar com horror, tudo no meu pensamento! Entrámos então para o landau fechado, a minha Avó, a minha Mãe, o Conde de Sabugosa e eu. Saímos do Arsenal pelo portão que deita para o Cais do Sodré onde estava um esquadrão da Guarda Municipal comandado pelo Tenente Paul: Na almofada ia o Coronel Alfredo de Albuquerque: à saída entregaram ao Conde de Sabugosa um revólver; a minha Avó também queria um.
Viemos então a toda brida para o Paço das Necessidades. À entrada esperavam-nos a Duquesa de Palmela, a Marquesa do Faial, a Condessa de Sabugosa, o Dr. Th. de Mello Breyner, o Conde de Tattenbach, o Ministro da Alemanha e a Condessa, e muitos criados da casa. Foi uma cena horrorosa! Todos choravam aflitivamente. Subimos muito vagarosamente a escada no meio dos prantos e choros de todos os presentes.
Acompanhei a minha adorada Mãe até ao seu quarto e deixei a minha Avó na sala.”
Dom Manuel II, Rei de Portugal, Lisboa, 1908
Dois dos autores materiais do crime foram abatidos no local. Os restantes cúmplices (cerca de dezoito) e os organizadores do hediondo acto ficaram impunes. O caso nunca chegou a tribunal. Assim se vai escrevendo a história da "democracia" à portuguesa.
Apache, Fevereiro de 2008