“A intenção do Governo de reduzir para 6% a taxa do IVA sobre a prática do golfe é um orgulho para os golfistas e uma vergonha para os sindicalistas. Um grupo de pessoas com fraca organização colectiva, sem recurso a manifestações nem presença na mesa da concertação social, consegue ser mais eficaz na satisfação das suas justas aspirações do que a CGTP e a UGT juntas. O fenómeno volta também a indicar uma relação preocupante entre a contestação social bem sucedida e o uso de calças ridículas: depois de manifestantes dos anos 70, com as suas calças à boca-de-sino, terem obtido conquistas sociais importantes, os golfistas conseguem agora o seu lugar na história da luta reivindicativa. Parece evidente que os trabalhadores de hoje só não gozam de melhores condições de vida porque Carvalho da Silva não tem a argúcia de comparecer nas manifestações de pijama. Além dos golfistas, o Governo também está de parabéns. É verdade que cedeu a um grupo social, mas soube fazê-lo enviando um sinal à sociedade: em Portugal, o golfe é um desporto cada vez mais barato, e ser pobre é um desporto cada vez mais caro. A mensagem do Governo é clara: "Portugueses, não sejam pobres." É tão caro ser pobre em Portugal, com todas as medidas que o Governo tem tomado para taxar a pobreza, que só por teimosia um grupo cada vez mais alargado de pessoas se mantém pobre. Por preguiça ou burrice não levam a sério o esforço que o Governo tem feito, através de cargas fiscais e outras penalizações, para desencorajar quem insiste em ter má qualidade de vida e premiar quem tem boa qualidade de vida. Quem vive melhor paga menos impostos e tem mais benefícios, mas nem assim os portugueses percebem que devem passar a viver melhor. É incrível. A argumentação do Governo é, além do mais, impossível de rebater: o golfe constitui uma importante alavanca do turismo. Há inúmeros cidadãos estrangeiros que procuram o nosso país para praticar o desporto. Mas, depois de terem gasto vários milhares de euros em tacos, viagens e hotéis, se os obrigam a pagar uma taxa de 23%, igual à dos refrigerantes e das latas de conserva, pegam no seu equipamento e vão jogar para países em que o IVA não lhes dê cabo do parco orçamento que têm para alimentação, saúde e jacto privado. Quem persiste em viver com dificuldades, envergonhando-se a si mesmo e ao País, e continua a queixar-se dos impostos sobre bens importantes, deve pensar no modo como pode contribuir para o turismo em Portugal. Aglomerem-se nas imediações dos campos de golfe e convençam os jogadores a beber leite achocolatado e iogurtes. Em princípio, o IVA dos produtos que eles consomem baixa imediatamente de 23 para 6 por cento. Não falha.”
Ricardo Araújo Pereira, na “Visão” da passada quinta-feira