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quarta-feira, 26 de maio de 2010

Desigualdades

“Se um cavalheiro anónimo barricar a entrada de um estabelecimento comercial, é provável que acabe nas páginas dos jornais devotadas ao crime ou aos distúrbios psiquiátricos (secção que os jornais normalmente não têm mas que, nos dias de hoje, deviam ter). Se um bando de cavalheiros da Greenpeace fizer exactamente o mesmo, acaba nas páginas da ecologia.”
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias”, de ontem (25 de Maio)

terça-feira, 27 de abril de 2010

“Fundo perdido”

“Até 2013, velhinhos, reformados em geral, jovens com menos de 25 anos e criaturas com "dificuldades sociais, financeiras ou pessoais" dos países membros da UE verão as suas férias subsidiadas em 30%. A ideia nasceu no cerebelo do comissário europeu da Indústria e Empreendedorismo, Antonio Tajani, sob o argumento de que "viajar é um direito". Inês de Medeiros não diria melhor. Enquanto a mesquinhez de alguns burocratas recomenda restrição e poupança, a Europa ainda dispõe de visionários empenhados em inventar novos direitos. E o direito a passear pelo continente, que o nosso Governo se apressou a aplaudir, é um mero exemplo. Em breve talvez cada cidadão da UE venha a usufruir, mesmo que a 30%, do direito às trufas, ao Lexus, às cirurgias plásticas e às top-models de 18 anos, produtos que carecem de democratização e não deviam. Perante o génio do sr. Tajani, que quer levar "os europeus do Norte a conhecer as ofertas culturais do Sul e vice-versa" (na época baixa), os mesquinhos preocupam-se com quem paga as viagens. Eu prefiro alegrar-me com quem as recebe. É preciso um coração de pedra para não nos comovermos face à concretização iminente do velho sonho de cada português: visitar a Escandinávia. Temos milhares de cidadãos necessitados que passaram as vidas a amealhar setenta por cento das despesas inerentes a oito dias em Helsínquia. E milhares de idosos ansiosos pelos benefícios à moral e à artrite que só uma estadia na Dinamarca em pleno Novembro permite. Uma única dúvida. Imagino o que a Comissão Europeia entende por gente com dificuldades financeiras. Não imagino o que entende por gente com dificuldades "sociais" ou "pessoais". Psicopatas? Inadaptados? Meros malucos? Provavelmente não, já que esses trabalham quase todos em Bruxelas e Estrasburgo e estarão fartos de viagens.”
Alberto Gonçalves, no Diário de Notícias do passado dia 19 de Abril

sexta-feira, 9 de abril de 2010

“A utopia plausível”

“Gostei das posições da Confap, que garante representar os encarregados de educação, às alterações do estatuto do aluno. Se este espanca com regularidade os colegas, a Confap é contra a sua suspensão preventiva e, sobretudo, contra a "devolução" (sic) do fedelho a casa, mesmo que apenas por uns dias. Se o aluno excede o limite de faltas injustificadas, a Confap é contra a respectiva reprovação. No fundo, a Confap luta pela utopia de inúmeros pais contemporâneos: um Estado que lhes guarde as crianças sem as traumatizar com exigências. Após quinze ou vinte anos, o Estado devolveria as crianças intactas (física e mentalmente) à procedência, munidas de um diploma e aptas para o subsídio de desemprego, o rendimento mínimo ou um cargo associativo, de acordo com a inclinação de cada uma. É uma das utopias mais alcançáveis que conheço. Só falta as escolas fornecerem dormidas de modo a evitar que, também de noite, as crianças partilhem o tecto com os pais que tanto as amam.”
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias” de 19 de Março

quinta-feira, 11 de março de 2010

Estratégias há muitas…

"Em 2000, a preocupação com a estagnação económica do continente levou a UE a elaborar um amplo sortido de políticas destinadas a transformar a Europa na "mais competitiva e dinâmica economia avançada do mundo". Ao conjunto de políticas chamou-se Estratégia de Lisboa e 2010 foi o ano previsto para a consagração plena dos seus objectivos. Ora bem, eis 2010 e dificilmente se pode dizer que o plano tenha sido um sucesso, pelo que seria de esperar dos senhores da UE um pedido de desculpas, uma retractação, um comunicado a reconhecer que, de facto, não sabem a quantas andam e vão procurar um ofício menos desadequado às suas capacidades do que a imitação suave de Estaline e a reforma dos povos por decreto. Em vez disso, porém, a título comemorativo a UE oferece-nos, adivinhem (rufar de tambores)... Acertaram em cheio: um novo plano ambicioso que irá "assegurar a saída da crise e preparar a economia da UE para a próxima década"! Ou seja, mais decretos, mais reformas, mais estalinismo doce, tudo embrulhado sob o delicado nome Estratégia Europa 2020. E como se processará essa maravilha? Nas palavras do presidente da Comissão, combatendo "de forma decisiva os nossos pontos fracos" e apostando "nos nossos pontos fortes". Até agora, pelos vistos, fez-se ao contrário. Mas o dr. Durão Barroso vai ao pormenor: "Temos de construir um novo modelo económico baseado no conhecimento, numa economia hipocarbónica [lindíssima expressão] e numa elevada taxa de emprego." Dito de diferente e igualmente bela maneira, a Estratégia Europa 2020 terá "três áreas prioritárias interdependentes": o crescimento "inteligente", o crescimento "sustentável" e o crescimento "inclusivo", por oposição aos crescimentos imbecil, intolerável e restrito que falharam rotundamente. Será possível suplantar tamanho caldo de dirigismo e conversa fiada? Acredito que sim. Daqui a dez anos, a constatação do fracasso da Estratégia 2020 produzirá sem dúvida outro infalível plano decenal, a não ser que entretanto a distância da realidade aos delírios de Bruxelas se alargue a ponto de, em 2020, não existir Europa de todo. Só estratégia, que é o que normalmente sobra sempre que as pessoas são desprezadas em favor do gozo de mandar nelas."
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias” da passada sexta-feira

quinta-feira, 4 de março de 2010

‘Lellos’

“Enquanto se confirma que uma empresa pública pagou a Luís Figo para vir a Portugal apoiar o eng. Sócrates por um dia, um pedacinho do País debate o caso de Inês Medeiros, que o público em geral paga para vir a Portugal apoiar o eng. Sócrates todas as semanas. Embora eleita deputada pelo círculo de Lisboa, a sra. Medeiros não está para habitar pocilgas e por isso vive em Paris, cidade a que regressa às sextas-feiras. Como nem em trânsito a sra. Medeiros tolera convívio excessivo com a ralé, as viagens decorrem em classe executiva. Infelizmente, na Assembleia da República alguns não compreendem essas necessidades básicas e, numa demonstração de ressentimento muito portuguesa, há quem proponha que a senhora financie as deslocações do próprio bolso. O PS, naturalmente, discorda, e José Lello sugeriu que retirar os privilégios à sra. Medeiros seria "pôr em causa a livre circulação dos cidadãos europeus". Eu, confesso, ignorava que a ausência de bilhetes em "executiva" à custa do contribuinte desrespeitasse um dos princípios basilares da União. Porém, já que falam nisso, é verdade que até aqui sentia a minha capacidade circulatória um tanto condicionada e não sabia a razão. Agora sei, pelo que aproveito para apelar aos valores de Maastricht e exigir, não na qualidade de cidadão europeu, voos regulares e com tratamento VIP rumo a Florença, Praga, Londres e Edimburgo. A sra. Medeiros apenas deseja a rota Lisboa-Paris. E é da maior importância que os portugueses a ajudem a realizar a sua pretensão por via de manifestações, petições e, se preciso for, donativos directos. Em primeiro lugar, porque não nos devemos arriscar a que a sra. Medeiros nos prive do seu extraordinário desempenho parlamentar, de resto evidente no sorriso irónico com que ela encara cada reunião da Comissão de Ética. Em segundo lugar, porque se o eng. Sócrates for impedido de angariar apoiantes no estrangeiro depressa começará a ter dificuldades em consegui-los cá dentro. Bem sei que, além do sr. Figo e da sra. Medeiros, os comentários da Internet estão repletos de louvores apaixonados do primeiro-ministro. Mas, justamente a julgar pelo grau da paixão, os seus autores também não vivem em Portugal: vivem na Lua ou no aparelho do PS, o que hoje em dia é quase o mesmo.”
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias” da passada sexta-feira

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Mais uma prova...

“Sempre que escrevo sobre o "aquecimento global", e reconheço que o faço com frequência e com o cepticismo que as aspas sugerem, sou acusado de estar do lado oposto à credibilidade. Durante algum tempo, porém, supus que a tal credibilidade fosse sinónimo dos cientistas e activistas que vivem a expensas de interesses diversos e não liguei. É difícil ligar a sujeitos que, como tem sido notório, distorcem, omitem e inventam informação de modo a legitimar (digamos) as respectivas teses. O problema é que, quando parecia desacreditada de vez, a tese da influência humana no clima ganhou enfim um defensor acima de qualquer suspeita. Falo, é claro, de Bin Laden, cuja mais recente (e atribuída) gravação é inteiramente dedicada à preocupação com as "alterações climáticas". Para cúmulo, a intervenção segue passo a passo o cânone do género e inclui visões apocalípticas, evocação do Tratado de Quioto, críticas aos EUA e a George W. Bush e, num acto de ecumenismo, citações de um judeu. A evidência ecuménica diminui se se disser que o judeu se chama Noam Chomsky. Ainda assim, o testemunho de Bin Laden é arrasador para os cépticos. Eu, pelo menos, confesso-me inclinado a começar a acreditar no "aquecimento global", sobre o qual apenas aguardo a confirmação de Ahmadinejad e daquele canibal que manda na Guiné Equatorial para abolir as aspas, aderir à Quercus, berrar contra o capitalismo americano e engrossar as fileiras credíveis.”
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias” de 4 de Fevereiro
Ahmadinejad é um descrente da propaganda ocidental. O canibal da Guiné Equatorial, mais cedo ou mais tarde, papam-no. A lengalenga do morto mais palrador (e mediático) é a gota de água que faltava (se é que faltava alguma) para transbordar o copo da credibilidade da negociata. Pelo que, apesar de muitos (nos quais me incluo) subscreverem várias das críticas ao Jorginho dos arbustos, não vislumbro grande número de futuras adesões à associação portuguesa de chaparros.
Apache, Fevereiro de 2010

sábado, 6 de fevereiro de 2010

“O juízo final ou a falta dele”

“Quando, em Março ou Abril últimos, a gripe A chegou aos noticiários, previ aqui que os milhões de mortos anunciados resultariam em coisa nenhuma ou quase nenhuma. Não foi uma previsão arriscada. Se acertasse, cá estaria para lembrar "Eu não avisei?" Se falhasse, a carnificina teria sido tão vasta que os restos da humanidade andariam mais ocupados a enterrar cadáveres do que a confrontar as opiniões de humildes colunistas, entretanto também provavelmente falecidos por acção do H1N1. Numa altura em que a gripe A praticamente sumiu, em que o número das respectivas baixas anuais ronda os 3% das da gripe comum e em que distintas personalidades vêm aos bandos acusar a OMS de inventar uma falsa pandemia em prol das farmacêuticas, apraz-me cumprir um ritual e proclamar (ligeiro rufar de tambores, por favor): "Eu não avisei?" É evidente que os meus dotes premonitórios aproveitaram uma característica de todas as catástrofes anunciadas: não passam dos anúncios. Sempre que os responsáveis globais e caseiros pela saúde pública antecipam uma qualquer mortandade a pretexto dos porcos, das galinhas, das vacas e dos bichos que calham, é garantido tratar-se de histeria infundada. Com, vá lá, uma virtude: se não posso jurar que visem beneficiar a indústria farmacêutica, pelo menos as sucessivas histerias médicas revelam a sua falsidade em questão de meses. Muito piores, excepto para as indústrias que deles beneficiam, são os apocalipses a médio ou longo prazo, isto é, os que em vez de prometerem a desgraça para o inverno que vem, imitam as Testemunhas de Jeová e marcam o Julgamento para 2025 ou 2050, datas que adiam, ou no mínimo complicam, a confirmação da fraude. O exemplo clássico é o do "aquecimento global", que há anos influencia políticas e enriquece os pioneiros das "energias alternativas". Apenas recentemente se abriram brechas "mediáticas" no consenso de que a acção do homem arruinaria o clima em poucas décadas. Hoje, as sugestões de manipulação ou pura trafulhice nos dados "oficiais" tornam-se uma trivialidade entre os especialistas do ramo (há dias, foi o principal conselheiro científico do governo britânico a pedir "honestidade"; uns dias antes, fora o próprio organismo da ONU para o clima, o alarmista-mor IPCC, a reconhecer "erros grosseiros"). Tudo isto aconselha a desconfiar das instituições? Em parte. Mas a parte maior da desconfiança deve recair sobre a humanidade, que engole cada patranha com recorrência curiosa, para não dizer assustadora. "Uma mentira exige duas pessoas: uma para mentir, outra para escutar." O autor da frase é, claro, Homero, o dos "Simpsons" e não o da "Ilíada". O futuro está inteirinho nos clássicos.”
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias” de 28 de Janeiro

domingo, 31 de janeiro de 2010

“Cem anos de simulação”

“(…) Comemorar a Iª República é igual a comemorar o dia em que o nosso tio-avô contraiu sífilis. A abolição da monarquia constitucional resultou da acção de um pequeno bando de rústicos, de carácter, conduta e aspecto duvidosos. O regime imposto pelo bando foi um exercício de limitação sucessiva de direitos concedidos, é verdade que moderadamente, até 1910. Fora a famosa liberdade religiosa, um pretexto para perseguir o clero, no resto, contas por alto, condicionou-se a liberdade de expressão, mediante censura activa, e a liberdade de voto, entretanto restrita aos alfabetizados - cujo número, durante a vigência "progressista" de Afonso Costa e comparsas, misteriosamente quase não sofreu alterações (durante Salazar, curiosamente, sim). As consequências imediatas de semelhante delírio traduziram-se na emergência do Estado Novo, que adaptou a trela nos costumes e contrapôs ao caos governativo e económico um modelo de ordem, para alívio inicial das massas. As consequências a longo prazo ainda se sentem hoje, quando um país teoricamente civilizado festeja com pompa oficial a delinquência e o atraso de vida, afinal os autênticos "valores" da I República, de que a III, para nosso embaraço, pelos vistos não abdica.”
O republicano Alberto Gonçalves, no Diário de Notícias de ontem (30 de Janeiro)

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Importam-se de repetir?... (7)

“O maior atributo do actual Governo é a originalidade. Depois de, há dias, o ministro das Obras Públicas ter finalmente explicado a serventia do TGV (transformar Lisboa na praia de Madrid), agora a nova ministra do Trabalho ilumina-nos com uma previsão certeira sobre o desemprego, "um problema que", cito, "provavelmente vai continuar a subir antes de descer". Note-se que, até à erupção da dr.ª Helena André, a polémica em volta do tema imperava. Entre o caos opinativo, havia palpites de que o desemprego estagnaria, ou jamais voltaria a descer, ou desceria às terças e quintas, subiria às segundas e quartas e descansaria às sextas, de modo a passar o fim-de-semana em casa. Felizmente, a dr.ª Helena não entra em tolices e opta pela lógica irrefutável, que merece bis: o desemprego "provavelmente vai continuar a subir antes de descer". É verdade que a ministra não arrisca uma data para a inversão da tendência, logo a descida poderá ocorrer depois de amanhã ou em 2025. Enquanto isso, a governante sugere que dediquemos aos números do desemprego "um olhar refrescado". Amavelmente, a dr.ª Helena deixa a interpretação da directiva oftalmológica ao nosso cuidado. Podemos, por exemplo, calar as lamechices e começar a invejar a situação dos 11 por cento de ociosos, os quais dispõem enfim de tempo livre para a reflexão existencial ou a bricolage. Podemos achar positivo que ainda haja 89 por cento da população activa com ocupação. E podemos largar as comparações face à generalidade dos países da UE e comparar os dados nacionais com os da Serra Leoa. Só os ministros que temos não se comparam. Nem os 600 mil desempregados "oficiais" com as incontáveis hordas não registadas ou distraídas pela prestigiada "formação" proporcionada pelo Governo, cuja extravagância já subiu o que tinha a subir antes de se estatelar ao comprido.”
Alberto Gonçalves no Diário de Notícias

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

A demagogia é a nova pedagogia

“Em entrevista à «Sábado», o americano Nicholas G. Carr defende que as crianças não deveriam sequer se aproximar de um computador. A tese não é nova nem exclusiva de Carr, que em 2008 publicou na «Atlantic» o célebre ensaio «Is Google Making Us Stupid?». O divertido, se formos masoquistas, é que a quantidade recente de literatura alusiva à influência nociva da Internet no desenvolvimento dos petizes não impede demagogos de actuar no sentido exactamente inverso. Os demagogos indígenas, então, tentam tudo para que ninguém passe dois minutos longe da «rede». Um estudo da «Anacom» informa que quase todos os beneficiários do «Magalhães» já tinham computador e banda larga em casa. Descuido? Não parece. Se os avisos de Carr e muitos outros se confirmarem e a exposição à Internet arruinar as capacidades de apreensão, concentração e crítica, está-se a fabricar gerações de sujeitos incapazes de questionar seja quem for e capazes de financiar seja o que for, incluindo as causas da própria acefalia. Eleitores ideais, portanto.”
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias” da passada quinta-feira (7 de Janeiro)

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Serviu para alguma coisa.

“Haja esperança. Acredite-se ou não na lenda do «aquecimento global», as notícias do fracasso da Cimeira de Copenhaga são altamente exageradas. Ao menos conseguiu-se que alguns dos «activistas» que foram à Dinamarca observar o evento (e destruir as zonas envolventes) cortassem o cabelo. Parece que a medida ocorreu em protesto contra a falta de um acordo entre os líderes presentes. Não importa. Importa que, no seu afã contestatário, os militantes do ambiente também costumam contestar os procedimentos da higiene básica, o que lhes confere, digamos, um ambiente pouco asseado. Por isso, rapar cabeças que constituem o sonho de lêndeas e derivados é, além de alternativa à violência, uma atitude coerente com a defesa de um mundo mais limpo, afinal o autêntico objectivo desta Cimeira. Se houver outra, caso o mundo não acabe entretanto, é possível que os activistas aumentem o nível de protesto e enfim tomem banho integral.”
Alberto Gonçalves, no "Diário de Notícias" do passado sábado.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

“A Terra a quem a enxovalha”

“A UNFPA [United Nations Population Fund], uma das múltiplas derivações da ONU, declarou o controlo demográfico indispensável à inversão do «aquecimento global». Uma ideia disparatada? Um bocadinho, mas dentro do disparate mais vasto a que a histeria ecológica chegou é admirável que alguém retire enfim as conclusões devidas das suas premissas. Se, no entender da histeria, as «alterações climáticas» e o «aquecimento global» são responsabilidade do homem, não adianta combater o capitalismo, o progresso técnico e os EUA: a solução é ir directamente à fonte e combater o homem. Para já, o objectivo explícito é a redução da natalidade, o que desloca o problema do Ocidente estéril para África e certa Ásia. Em princípio, o problema resolve-se mediante campanhas de esclarecimento (ou o método «a bem»). Caso as tribos do Níger ou do Mali não fiquem esclarecidas, prossegue-se através da esterilização forçada (ou o método «a mal»). Caso a natalidade não se deixe circunscrever de todo, será imperioso actuar sobre outras variáveis, especificamente a mortalidade (ou o método «a pior»). Aqui, abrem-se inúmeras opções, bastando decidir entre as rápidas, do envenenamento em massa ao bombardeamento maciço, e as limpas, dos fuzilamentos colectivos à paulada na nuca. As segundas têm a desvantagem da lentidão, as primeiras prejudicam os ecossistemas. Há que ponderar, escolher e agir com sensatez, na certeza de que a humanidade está a mais e o importante é deixar a Terra entregue aos bichos, o que, dada a importância concedida à ONU e aos senhores que na ONU «estudam» o ambiente, não parece um cenário muito distinto do actual."
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias” de hoje

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

A minha religião é melhor que a tua

"Oitenta e quatro por cento dos italianos discordam do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, que dias antes proibira (?) os crucifixos nas escolas públicas do país. Dado o número, é de admitir que os ateus de lá não possuam a fina sensibilidade dos ateus de cá, os quais, através de umas agremiações excêntricas, aplaudem a sentença e pedem a sua imediata importação. Segundo percebi, temem que a ingerência religiosa, assim exposta e abusiva, traumatize as criancinhas. É capaz de ser um receio exagerado. Não me lembro se na minha sala da "primária" havia crucifixos. Lembro-me de que fora da sala havia uma igreja inteira, que contemplei da janela durante quatro anos. Além da igreja, existiam nas imediações oito capelinhas e uma filial da Santa Casa da Misericórdia. A escola, pública e laica, chamava-se "do Adro" e no adro jogávamos à bola. Contas feitas, marquei inúmeros golos e não sofri qualquer trauma, excepto nas canelas. Nunca experimentei apetites de frequentar a missa ou a catequese, provavelmente porque os meus pais vagueavam naquele tipo de ateísmo em que a religião não chega a ser assunto. Ao contrário dos peculiares ateus que não pensam noutra coisa. Se querem poupar as criancinhas à imposição religiosa, os progenitores talvez fizessem melhor em ignorar os crucifixos e dirigir o combate para, por exemplo, o "ambientalismo" recorrente nos currículos e "actividades" escolares. Nas cabeças dos petizes, nenhuma cruz na parede tem uma fracção do impacto provocado pela doutrinação de patranhas sobre o "aquecimento global" e o papel do homem nas mudanças climáticas. O "ambientalismo" não é uma religião? É, sim senhor. Se não bastassem os seus mitos e os seus santinhos para o atestar, agora um tribunal britânico deu razão a um trabalhador alegadamente despedido em nome das respectivas "crenças ecológicas". De acordo com o juiz, o "credo ambiental" (sic) merece ser tão protegido da discriminação quanto os credos "tradicionais". Em suma, estamos oficialmente no domínio da pura fé, com a agravante de que as proezas da Greenpeace não são exactamente o Cântico dos Cânticos e o "documentário" de Al Gore não é o "S. Mateus" de Bach. Não tenho um único argumento favorável à presença dos crucifixos, mas a preocupação com o bem-estar das criancinhas implica resguardá-las de todas as manipulações, sobretudo das ideológicas que, legitimadas pelo espírito da época, tomaram de assalto a "educação" e obrigam a referi-la entre aspas. Perdida em preciosidades que vão do "ambiente" à educação sexual, passando pelo "multiculturalismo" e pelos enigmas que cabem na "educação cívica", a escola contemporânea abdicou daquilo que a escola do meu tempo, mesmo com uma igreja de Nicolau Nasoni a 50 metros e com doses variáveis de sucesso, ainda tentava: ensinar. Curiosamente, ou poucos protestam tamanha ingerência na liberdade alheia ou poucos os ouvem."
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias” de hoje

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

A aldeia dos zelotas

Através da Portaria n.º 1226/2009, de 12 de Outubro, o Governo, proibiu a aquisição de uma série de espécies de animais, ditos selvagens, bem como a reprodução dos actualmente detidos pelos seus legítimos proprietários. É longa, a lista de animais, cuja posse é agora proibida, estendendo-se, por exemplo, dos felinos aos cetáceos, ou das avestruzes às tartarugas. Segundo se lê no texto da ridícula Portaria, “a aprovação destas medidas de proibição ou condicionamento da detenção de espécimes vivos de determinadas espécies prende-se, no essencial, com motivos relacionados com a conservação dessas espécies, com o bem-estar e a saúde desses exemplares e com a garantia da segurança, do bem-estar e da comodidade dos cidadãos em função da perigosidade, efectiva ou potencial, inerente aos espécimes de algumas espécies utilizadas como animais de companhia”. Ou seja, as pessoas escolhem para “animais de companhia” animais “potencialmente ou efectivamente perigosos” e o Governo, através de alguns dos seus iluminados membros, no caso, os Ministros do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, e da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, vem a terreiro protegê-los, enquanto em simultâneo, proibindo a sua reprodução, zela pela preservação das espécies em causa. Na prática, a portaria em causa, teria (se alguém a levasse a sério) como principal consequência “cultural popular”, o fim, a médio prazo, da utilização dos animais no circo. E como efeito social, a lenta mas persistente tendência castradora dum Estado com cada vez mais tiques totalitários. Mas sobre isto, escreveu o sociólogo Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias” da passada sexta-feira: “Infelizmente, a lei que a prazo acabará com os animais selvagens nos circos não promete acabar com os animais teoricamente racionais que a inventaram. O presidente do Instituto da Conservação da Natureza, entidade irónica num país em que a natureza é periodicamente arrasada por construtores e incendiários, justifica a medida com a saúde pública e a segurança. Ignoro quantos milhares de pessoas os macacos do “Chen” e os tigres do “Cardinali” mataram até hoje. Porém, estimo em milhões as vítimas desta senha reguladora que aos poucos procura, e aos poucos vai conseguindo, censurar-nos a comida, o tabaco, o álcool, o sedentarismo, o automóvel, o jogos, os noticiários críticos do Governo e, em suma, tudo o que ainda distingue o homem civilizado da bicharada, selvagem ou outra. Às vezes penso se os pequenos zelotas da padronização foram escolhidos para cargos públicos por serem assim ou ficaram assim depois de alcançar os cargos. A psiquiatria explicará. Para já, suspeito da primeira hipótese: além do Estado, não faltam na "sociedade civil" sujeitinhos sempre dispostos a apoiar ou instigar medidas repressivas. Veja-se, no caso dos animais, as associações do ramo. Conheço algumas e, salvo excepções dignas, nunca lhes notei a menor preocupação com o bem-estar dos bichos. Em compensação, aflige-os imenso que alguém os possa ter, gostar deles e ser retribuído. Os macacos e os tigres circenses são evidentemente um pretexto. Ou um início. A insignificância que dirige uma Associação Animal apareceu a avisar que a nova lei não basta: é urgente abolir todas as criaturas não humanas do circo. Entre parêntesis, diga-se que seria preferível abolir o dito: notoriamente, para ver palhaços não é necessário comprar bilhete e entrar numa tenda. Fora de parêntesis, sabe-se como estas coisas começam e tenho um palpite sobre como podem acabar. Nem aprecio circos, mas é possível que tarde ou cedo o Estado e os parasitas que lhe habitam as franjas estendam o instinto totalitário à privacidade dos lares. No meu, onde convivo babado com quatro rafeiros adoráveis, não lhes prometo uma recepção simpática: se se quer de facto proteger as espécies, aconselho a não deixar a dos pequenos zelotas à solta.”
Apache, Outubro de 2009

sábado, 10 de outubro de 2009

“O verdadeiro vírus”

“Enquanto Luiz Felipe Scolari é requisitado em prol da campanha de vacinação, o bastonário da Ordem dos Médicos tenta evidenciar o "excesso de alarme" em volta da gripe A, que considera "uma doença banal e pouco letal". O dr. Pedro Nunes chegou um bocadinho atrasado. A acreditar no Expresso, para o bem e para o mal, os receios do H1N1 já alteraram os hábitos da população. Por um lado, lavamos as mãos com frequência; por outro, evitamos beijinhos e apertos de mão. Tradução: graças ao vírus, deixámos de ser um país de sebentos para nos tornarmos um país de malcriados. O mérito da evolução é discutível. Por mim, duvido que apertar uma mão infestada de microrganismos seja pior do que ficar de braço estendido perante um indivíduo que se recusa a cumprimentar civilizadamente o próximo. A primeira experiência aconteceu-me centenas de vezes, e não morri em nenhuma. Mas deve ser um embaraço mortal ver a saudação fraterna recusada por um boçal que vê em nós um foco de doenças. De qualquer maneira, o relevante em tudo isto nem é a gripe: é o empenho com que tantos abraçam as mais extraordinárias coisas a pretexto de motivos absurdos, vagos ou imaginários. Se as autoridades recomendassem que fizéssemos o pino ou empurrássemos um grão-de-bico com o nariz, essa gente acataria a sugestão com o zelo suplementar de quem encara o conselho como uma ordem e o seu cumprimento como um prazer. Talvez a explicação para o fenómeno esteja algures entre o gozo da obediência e a necessidade de integração, não sei. Sei que, além de tardias, as declarações do pobre bastonário são inúteis: dizer aos cidadãos que não se preocupem é muito menos apelativo do que convertê-los a um ritual colectivo amalucado, desde abolir o beijinho a vestir o banco do carro com o colete reflector, passando por correr a pedir o "cartão do cidadão" e por pendurar bandeirinhas nas janelas. A participação do sr. Scolari não é causal, e uma vacina contra o ridículo não é provável.”
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias” da passada quinta-feira

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

A prova da inexistência de facilitismo

“A notícia de que as reprovações no ensino «básico» e «secundário» caíram vertiginosamente durante os últimos anos apanhou-me desprevenido. Sinceramente, julgava que o Eng. Sócrates e a Sra. ministra já tinham conseguido erradicar total e definitivamente tal calamidade, e que a figura do «chumbo» estava hoje restrita às decisões de Cavaco Silva sobre as leis governamentais. Erro meu. Pelos vistos, ainda há alunos que reprovam. Permitam-me uma pergunta: como? Permitam-me agora uma resposta: não é fácil e, em abono da verdade, há que reconhecer os esforços do Governo em sentido contrário, embora no mesmo sentido dos governos anteriores. Se bem se lembram, foi o presente Ministério da Educação (ME) que alertou para o peso de cada reprovação no sensível bolso dos contribuintes. Foi o ME que transformou a reprovação numa tortura burocrática que Kafka não se atreveu imaginar. Foi o ME que inventou o novo «Estatuto do Aluno», o qual praticamente ilegaliza as «retenções». Foi o ME que vinculou a avaliação dos professores e das escolas às notas dos alunos. Foi o ME que deixou alunos com 8 ou 9 negativas «transitarem» de ano. Foi o ME que dissipou a pouca autoridade que restava aos decentes sobre as crianças. Foi o ME que baixou a exigência dos exames nacionais para níveis acessíveis a uma ou, vá lá, a duas alforrecas. Foi, enfim, o ME que criou as «Novas Oportunidades» de forma a legitimar com diplomas do 9.º e do 12.º anos os analfabetos não legitimados pelo «ensino tradicional». Perante isto, o Eng. Sócrates nega a existência de «facilitismo», o que é um facto se tivermos em conta que, por enquanto, o Estado não distribui doutoramentos por recém-nascidos. (…)”
Alberto Gonçalves (sociólogo), no “Diário de Notícias” de ontem

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Temos a escola que a maioria quer?!

“As provas de avaliação sempre suscitaram a repulsa dos pedagogos “modernos”. O argumento era o de que semelhantes testes não reflectem o que os alunos realmente sabem. Os exames nacionais aplicados pelo corrente Ministério da Educação demonstram que os pedagogos “modernos” tinham razão: as notas aproximam-se da excelência e os alunos não sabem nada. Isto sucede porque cada ano os exames se vão adequando ao QI de Forrest Gump. Por enquanto a subida nas respectivas médias só eleva as crianças indígenas a lugares honrosos nas tabelas comparativas internacionais. Mas quando o exame de Matemática do 12.º ano se resumir a pintar com guache o algarismo 8, não duvido que o topo das tabelas será nosso. Parece bom? Se calhar é bom. É certo que, aqui ou ali, duas dúzias de líricos protestam as quebras nos padrões de exigência e avisam que o Estado está a fabricar idiotas. E depois? Não compete ao Estado democrático formar génios: compete-lhe, como prometia a Declaração de Independência americana, criar condições para a felicidade das pessoas. E as pessoas, pelo menos no que toca ao ensino, estão felizes. O ministério congratula-se com o brilharete estatístico. As crianças também andam contentes e, embora exibam dificuldades em se exprimir numa língua existente, surgem nos “telejornais” a considerar “bué da fácil” os testes de Português. E a CONFAP, uma coisa que diz confederar as associações de pais, aplaude, ressalvando que os exames ainda são um nadinha exigentes e que, em vez de se ocupar com trivialidades, a escola tem de investir na “componente de apoio à família”, leia-se armazenar por tempo indefinido os meninos que os progenitores não aturam. A experiência própria junto dos pais (não confederados) que conheço, confirma a tendência. Com excepções, a maioria aceita com jovialidade que no final da “primária” (ignoro a designação actual), a descendência não consiga identificar o País num mapa ou demore meia hora a ler um rótulo de Nestum. Suponho que, no final do “secundário”, a descontracção face a estes ligeiros óbices permaneça igual. A única função que a generalidade dos pais exige à escola é a de ama-seca, capaz de lhe devolver os petizes ao fim do dia em perfeita saúde e, o que não custa, com um boletim escolar limpo de reprovações, castigos e demais maçadas. O pormenor de os cérebros dos petizes continuarem limpos de instrução não perturba milhões de envolvidos. E porque deverá perturbar um punhado de observadores distantes? Numa perspectiva racional, de facto não há motivo para que a escola preste serviços não requisitados pela sociedade em que se insere. Se quase ninguém o deseja, o ensino tradicional perdeu a razão de ser, e por isso até estranhei ver o eng. Sócrates, na entrevista à SIC, todo orgulhoso por oferecer às crianças “competências informáticas” e fluência em Inglês. Logo a seguir, porém, lembrei-me que a informática corresponde aos joguinhos do Magalhães e que o Inglês é provavelmente técnico. A notável carreira do eng. Sócrates mostra que não é preciso muito mais.”
Alberto Gonçalves, na “Sábado” da passada quinta-feira (25/06/2009)