domingo, 23 de novembro de 2008

Confiança e conforto

[No "Sol" de ontem]
Apache, Novembro de 2008

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Da eficácia do ovo…

No passado dia 16, na sequência dos incidentes de Fafe e de Lisboa, onde grupos de alunos lançaram ovos contra as viaturas onde se deslocavam, respectivamente a ministra da educação e, os seus secretários de estado, Maria de Lurdes Rodrigues assinou um despacho (sim, eu sei que era domingo) que alegadamente clarifica o Estatuto do Aluno (Lei nº 3/2008 de 18 de Janeiro), mais concretamente o seu artigo 22º. Digo alegadamente, porque são evidentes as contradições entre ambos, aliás o teor do despacho emanado do gabinete da senhora ministra (que ainda aguarda publicação em Diário da República) é uma espécie de 2 em 1, pois apesar do seu reduzido conteúdo colide, não só com o citado diploma mas também com o Decreto-Lei nº 75/2008, de 22 de Abril, senão vejamos:
[Cliquem na imagem para ampliar]
Que o disposto no artigo 22º da Lei nº 3/2008 não é moralmente aceitável, estamos (provavelmente) todos de acordo (desde que ela foi publicada que os professores alertaram para a necessidade de alteração desta lei), aliás, não estou seguro que ele não viole a Constituição da República, concretamente o número 1 do artigo 64º (“Todos têm direito à protecção da saúde (…)”), mas daí até a senhora ministra alterar (sob a capa da clarificação), por despacho, uma Lei oriunda da Assembleia da República sem que para isso tivesse obtido autorização legislativa parece-me, no mínimo, abusivo. E agora, quem é que vai explicar à senhora ministra que este despacho é um acto nulo? Se houver voluntário para a tarefa, agradeço que aproveite para explicar também que o ponto 2 do dito despacho clarificador (“A prova de recuperação a aplicar na sequência de faltas justificadas tem como objectivo exclusivamente diagnosticar as necessidades de apoio tendo em vista a recuperação de eventual défice das aprendizagens”) carece de um despacho a clarificá-lo, ou melhor, a corrigi-lo para português.
Apache, Novembro de 2008

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Terá obtido um “Regular” ou um “Insuficiente”?

O Financial Times considera o ministro português, Teixeira dos Santos, como o pior Ministro das Finanças da União Europeia, entre os 19 que avaliou.
Apache, Novembro de 2008

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

"Abismo" - Fernando Alves

Ainda a propósito da gigantesca manifestação de professores do passado dia 8, Fernando Alves, na sua crónica habitual na TSF (no dia 10), comentava assim as reacções do ministério:
“Talvez haja um abismo de discernimento entre a ministra e o seu secretário de estado, entre aquilo que obriga Maria de Lurdes Rodrigues a dizer que entende o que se passa na rua, mesmo se treslê a mensagem que a rua lhe envia, e o que dispensa Valter Lemos dessa atenção. Ou talvez não. Mas há outros abismos. Enquanto a ministra reage formalmente no Porto ao que ainda não acabou de ser dito na manifestação de Lisboa, aonde entretanto consegue chegar a tempo de explicar no telejornal que aquele não foi, não senhor, o seu pior dia, imagina-se o que dirá cada um daqueles a quem todos os dias o dia não chega, se perguntados sobre os piores dias de uma rotina feita de desgaste físico e emocional. Eis outro abismo: o abismo do método. É disso que eles falam. É isso que pedem. Outro método. Ela diz que entende, diz que escuta. Mas o que ela diz entender é que lhe pedem outro mundo que lhe exigem outra coisa. E se ela tentasse escutar o que eles dizem? Não a espuma das rimas e das cornetas que escorrem pelo jornal, mas o desespero que os desatina. O que os faz vir de longe, o que os deprime, o que os atordoa. Ao contrário do secretário de estado para quem esta manifestação é mais uma que não entende, que não consegue perceber, ela diz que entende mas não cede. E que o que ali vai na rua é a chantagem com os que não vieram. Mas se ali estão quase todos?! Mesmo muitos que nunca vieram. Eis outro abismo que ela cava: não já entre si e eles, mas entre si e nós todos, ao dizer-nos que entrega a educação, afinal, a indigentes e a chantagistas facilmente manipuláveis. Por “cliques” sindicais, ou, como alvitrou o primeiro-ministro por um lamentável oportunismo político da oposição. Talvez Sócrates devesse reflectir em avisos vindos do seu próprio partido como aquele de Manuel Alegre: é que a maior parte dos que desceram a rua terão votado PS. E Alegre mostrou outro ângulo do abismo. A reacção ministerial revela pouca cultura democrática quando fala desta manifestação como uma intimidação.Este é afinal o mais perigoso dos abismos: o da degradação da cultura democrática. Mas se aquele não foi o seu pior dia, fica para Maria de Lurdes Rodrigues em aberto, a possibilidade de perceber que vale a pena ouvir os argumentos dos que a interpelam. Aqueles que ela diz entender. Já a resposta de Valter Lemos, aquele seco - ”é mais uma!”, quando lhe perguntaram o que pensava da manifestação, revela um desprezo e uma insensibilidade que está mesmo a pedir uma séria avaliação. Porque, à parte a discussão sobre o que é ou não é razoável, ela é afinal uma resposta indecente.”
Apache, Novembro de 2008

domingo, 16 de novembro de 2008

“O castelo de Kafka” - Fernando Sobral

“Acreditava-se que o Ministério da Educação tinha sido criado para ajudar as escolas a cumprir a sua função: ensinar os alunos. Com os anos o Ministério da Educação tornou-se num castelo de Kafka: um labirinto burocrático onde até o Minotauro se perderia. O Ministério da Educação tornou-se um monstro cuja única função é hoje tornar impossível o ensino. Pela batuta impulsiva e agreste de Maria de Lurdes Rodrigues, tornou-se no bastião da burocracia. Entrincheirados neles, génios incompreendidos que há anos não sabem o que é dar aulas, tornaram os professores em burocratas e os alunos em cobaias. O resultado está à vista e a manifestação de mais de 100 mil professores é apenas o sinal visível do desvario ministerial reinante. A ministra não fala de ensino: discorre nervosamente sobre questões laborais, não fala da qualidade das aulas, divaga sobre estatísticas. (…)”
Fernando Sobral, no "Jornal de Negócios"

sábado, 15 de novembro de 2008

Se duvidas houvesse…

Apenas uma semana depois da mega manifestação de professores organizada pelos sindicatos e a que aderiram os movimentos independentes, os docentes voltaram hoje a escrever mais uma página na história da luta pela democracia. Pouco antes das 16 horas acomodavam-se em frente ao Palácio de São Bento as primeiras centenas de pessoas, simultaneamente a retaguarda da manifestação abandonava o Largo do Rato, enquanto uma mole compacta de professores apinhava (de parede a parede) a Rua de São Bento. A PSP, desta vez autorizada pelo gabinete de Sócrates a pronunciar-se (contrariamente ao que sucedera no passado sábado), estimou (talvez com medo de ser de novo mandada calar) em 7 mil, os manifestantes. Já antes, a TSF falava de algumas centenas e a SIC experimentava reacções anunciado “cerca de mil”. Os números serviam perfeitamente os intentos de nos arrancar sorrisos sob o luminoso e afável sol de Novembro. Sem bandeiras ou logística de sindicatos ou organizações partidárias, um cortejo de cidadãos orgulhosos da profissão e do seu dever cívico, juntaram-se uma vez mais, alguns (provavelmente) com razoável sacrifício pessoal e familiar, para uma vez mais dizerem BASTA, a tanta estupidez em forma de diploma legal. Pelas 17:30, após o discurso improvisado dos principais dirigentes dos movimentos de professores em defesa de uma escola pública de qualidade, os manifestantes entoavam o hino nacional e sob a penumbra que anunciava a noite, na voz de cada um ecoava uma auto-promessa: o autismo, a megalomania e a acefalia de certos cadáveres políticos encontrará nos professores a devida resistência.
Apache, Novembro de 2008

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Memorando…

Na passada quinta-feira, em declarações aos jornalistas a propósito da decisão de centenas de escolas suspenderem a aplicação do modelo de avaliação docente proposto pelo ministério, Lurdes Rodrigues afirmou: “Não tem sentido achar que é democrático fazer votações de braço no ar para decidir se há ou não avaliação.” Interessante. Leia-se então o disposto no número 1 do artigo 24º do Código do Procedimento Administrativo: “Salvo disposição legal em contrário, as deliberações são tomadas por votação nominal (…)”.
Ora, como não existe disposição legal em contrário, lanço o desafio à senhora ministra, de publicar um despacho onde obrigue a que a suspensão da avaliação do desempenho docente seja aprovada por voto secreto. Teremos todo o gosto em cumpri-lo. Insistia a senhora ministra: “Não me passa pela cabeça que a lei não seja cumprida.” Vejamos então o número 5 do artigo 21º do Decreto Regulamentar nº 2/2008, de 10 de Janeiro (referente à avaliação docente): “A atribuição da menção qualitativa de Excelente fica, em qualquer caso, dependente do cumprimento de 100 % do serviço lectivo distribuído em cada um dos anos escolares a que se reporta o período em avaliação.” Atente-se agora no artigo 63º do decreto-lei nº 100/99, de 31 de Março: “1 – Consideram-se justificadas as faltas motivadas pelo cumprimento de obrigações legais ou por imposição de autoridade judicial, policial ou militar. 2 – As faltas previstas no número anterior não importam a perda de quaisquer direitos e regalias.” Este é apenas um exemplo, mas são mais de uma dezena as contradições entre os diplomas que produziu e outros que ainda vigoram. Portanto, quanto a cumprimento de leis... Acredito, no entanto, que tal não lhe passa pela cabeça. Acredite que não quero saber por onde lhe passa!

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Posição do Sindicato de Inspectores da Educação face ao desespero da tutela

Em declarações à agência “Lusa”, proferidas, hoje, o presidente do Sindicato dos Inspectores da Educação e do Ensino (SIEE), José Calçada, referiu-se assim ao modelo de avaliação que o Ministério da Educação quer impor: “Não tenho a menor dúvida de que o processo deve ser suspenso. Não estou sequer a emitir juízos de valor sobre a qualidade ou falta de qualidade do modelo, mas apenas a dizer que ele não é exequível. No que respeita aos inspectores, é absolutamente inexequível.” Recorde-se que na passada terça-feira, na sequência de declarações infelizes do senhor Secretário de Estado Adjunto e da Educação (Jorge Miguel de Melo Viana Pedreira), o SIEE dirigiu-lhe, através do seu presidente a carta aberta que segue: “Senhor Secretário de Estado Não pode deixar de nos preocupar – enquanto inspectores da carreira técnica superior de inspecção da educação – a notícia inserta na página 9 do "Público" de hoje, 11 de Novembro, com o título "Governo não avança para já com processos disciplinares a quem recusar avaliação" – a serem autênticas as declarações que a agência "Lusa" lhe atribui, Senhor Secretário de Estado, e que o jornal transcreve. "O ministério da Educação não fará nada para aplicar esses processos [disciplinares] neste momento", terá dito o Senhor. Mesmo que tenha dito apenas isto, é óbvio que o Senhor Secretário de Estado já disse demais. Ao dizê-lo, faz recair sobre os docentes, ao mesmo tempo, uma ameaça e uma chantagem – e infecta com um acriterioso critério de oportunidade um eventual desencadeamento da acção disciplinar. Como se lhes dissesse: «"neste momento" ainda não vos posso apanhar, mas não esperam pela demora...». Por que é que "neste momento" o Ministério não fará nada?... Porque entende que "neste momento" a acção não é oportuna. E pode a tutela reger-se, nesta matéria, por critérios de oportunidade?... A resposta é: sim, pode. E quais são eles? Bem, as coisas aqui complicam-se, porque a resposta fica eivada de uma fortíssima carga subjectiva, uma vez que, nesta matéria, não estão taxativamente definidos limites que impeçam um elevado grau de discricionariedade. Digamos que, no essencial, mais do que por condicionantes legais, são as condicionantes éticas que devem filtrar a oportunidade do recurso a critérios de oportunidade. E é neste domínio que devem ser apreciadas as suas declarações, Senhor Secretário de Estado. Mesmo na hipótese de comportamentos de docentes poderem configurar infracção dolosa da lei – nada impede que, por critérios de oportunidade ou outros, se decida não agir disciplinarmente sobre eles, agora ou em qualquer altura. A própria lei consagra essa possibilidade. Mas para tal os critérios têm de ser transparentes e publicitáveis, sob pena de – no caso ora em apreço – a oportunidade servir de biombo ao oportunismo e a discricionariedade servir para esconder a arbitrariedade. Em rigor, não estando nós dentro da sua cabeça, não sabemos por que é que o Senhor Secretário de Estado entende que este não é “o momento”, mas algo nos diz que este seu juízo de valor se relaciona com o facto de no passado dia 8 terem estado na rua 120.000 professores em protesto contra o Ministério da Educação…Por outro lado, quando e se “o momento” surgir, quem vai fazer o quê? Vão os Senhores Presidentes dos Conselhos Executivos, ou os Senhores Directores Regionais da Educação, ou a Senhora Ministra da Educação, instaurar processos disciplinares às centenas ou aos milhares?... Vamos nós, os Inspectores da Inspecção-Geral da Educação, instruir processos disciplinares às centenas ou aos milhares?... Isto é: vamos tentar resolver(!) pela via da acção disciplinar problemas que possuem a sua raiz claramente fora dela – correndo o risco de instrumentalizar e governamentalizar a Inspecção, sem honra nem glória para nenhuma das partes implicadas e, no limite, com prejuízos para todas elas? Não se pode pedir aos Inspectores da Inspecção-Geral da Educação que retirem do lume as castanhas que outros lá colocaram. Basta de alimentar fantasmas que Professores e Inspectores, e mesmo algumas tutelas, há muito lutam para que desapareçam, particularmente desde o 25 de Abril de 1974! O Senhor Secretário de Estado provavelmente desconhece – e para que o conhecesse bastava que lesse Camões – que uma lei não é justa porque é lei, mas porque é justa, e que o que há de mais permanente na lei é a sua permanente mudança, e que mesmo esta já não muda como “soía”, e que, se assim não fosse, o Código do saudoso Hamurabi continuaria em vigor; o Senhor Secretário de Estado, se alguma vez o soube, esqueceu tudo o que leu do sempre presente Henry David Thoreau e da sua “desobediência civil” O que há de doloroso em tudo isto – e ainda mais num Ministério da Educação – é que, no fundo, estamos confrontados com um problema de cultura, ou de falta dela. Perante isto, os critérios de oportunidade, ou as suas declarações, Senhor Secretário de Estado, ou a potencial instrumentalização e governamentalização da Inspecção – tornam-se, a prazo, questões irrelevantes. Mas temos também a obrigação de, no imediato, sabermos lidar com a circunstância, e de compreendermos a gravidade que ela assume. Não questionando a legitimidade dos governos no quadro do Estado de direito democrático, a verdade é que, exactamente por esse quadro, as Inspecções da Educação são inspecções do Estado e não do governo, e não podem deixar de funcionar sob o registo de autonomia legalmente consagrado. Citando aquele que foi o primeiro Inspector-Geral (da então Inspecção-Geral do Ensino), “a Inspecção, isto é, cada Inspector, está condenada/o a ser a consciência crítica do sistema”. Entre nós, Inspectores de todas as inspecções da educação, costumamos dizer que, não raramente, andamos “de mal com os homens por amor d’el-rei e de mal com el-rei por amor dos homens”. Uma exigência, Senhor Secretário de Estado: os Inspectores da educação querem ser parte da solução, não querem ser parte do problema. O Senhor Secretário de Estado e o Ministério da Educação – o que é que querem?...”
Apache, Novembro de 2008

Qual era a alternativa?

Alberto João Jardim publicou uma Portaria, (no caso a nº 165-A/2008, de 7 de Outubro) na II Série do jornal oficial da região onde se estipula que, passo a citar: "Para todos os efeitos de avaliação do desempenho dos docentes contratados, de transição ao 6º escalão e progressão na carreira dos docentes do quadro, o tempo de serviço prestado nos anos escolares 2007/08 e 2008/09, considera-se classificado com a menção qualitativa de Bom”. Facto consumado, surgiram desde logo uma série de opiniões (algumas vindas das habituais ”virgens ofendidas”, outras de pessoas cuja opinião prezo) insurgindo-se contra a medida. O jornal “Público” explica (e bem) que o Estatuto da Carreira Docente da região foi aprovado a 25 de Fevereiro de 2008 e que até ao momento ainda não foi publicada a correspondente regulação. Recordo que no continente, entre a publicação do Estatuto e a publicação do Decreto Regulamentar decorreu um ano. Ora, na ausência de regulamentação, duas soluções eram possíveis: ou se congelava a avaliação, tal como fez a dona Lurdes no continente, onde recordo, os professores não são avaliados desde Agosto de 2005 (à excepção dos contratados, avaliados pelo “simplex” do ano passado); ou se atribuía uma classificação administrativa que só poderia ser igual para todos. A primeira destas hipóteses prejudicava seriamente os docentes que leccionando este ano na Madeira, queiram concorrer em Fevereiro próximo, para leccionar no ano lectivo 2009/2010 no continente. De acordo com o que tinha sido divulgado até ontem, pela equipa de Lurdes Rodrigues, pura e simplesmente não o podiam fazer, por não terem sido avaliados. Como no continente, a menor das menções considerada positiva é o Bom, a única opção que me parece lógica é a segunda.
Apache, Novembro de 2009

terça-feira, 11 de novembro de 2008

“A razão dos professores e o autismo da ministra” - José Manuel Fernandes

“Não houve muitas notícias na imprensa, na rádio ou na televisão. Até há poucos dias houve mesmo quem duvidasse que os professores realizassem uma nova manifestação. Ou vaticinava-se que esta, a realizar-se, não fosse mais do que um desses desfiles sindicais que o país se habituou a ver para os lados do Ministério da Educação. De repente...
De repente, os professores repetiram ontem um protesto que conseguiu ser maior do que o de Março. Os próprios sindicatos devem ter ficado surpreendidos. Mais: os sindicatos parecem, neste momento, ultrapassados pelos acontecimentos.
Na última semana o PÚBLICO foi recolhendo sinais de que a mobilização para o protesto podia ser enorme, e por isso escrevemos ontem, na capa, «Mobilização total». Hoje sentimos que se está para além desse ponto: a ruptura entre os professores e esta equipa ministerial é total. Uma ruptura como provavelmente nunca aconteceu e que é transversal: manifestaram-se professores de direita e professores de esquerda; recém-chegados à profissão e veteranos; sindicalizados e não sindicalizados; principiantes e professores titulares, professores avaliadores, presidentes de conselhos executivos.Não é possível explicar esta mobilização recorrendo a argumentos como «os professores não querem ser avaliados», «é tudo obra dos sindicatos» ou «não passa de uma reacção corporativa». Mesmo que isso tenha vindo a ser repetido por ministros, Secretários de Estado e porta-vozes, a verdade é que o número de professores que se mobilizou, o número de professores que pediu a reforma antecipada com prejuízo financeiro, as notícias que chegam de todo o país de que o processo está a descarrilar, seriam suficientes para que qualquer equipa ministerial tivesse, ao menos, a humildade de escutar, de tentar perceber por que motivo estão todos - e se não são todos, são quase todos - contra este processo de avaliação do desempenho.
No entanto, o que se está a passar era previsível. Antes da manifestação de Março escrevemos neste espaço que, depois de termos apoiado a Ministra da Educação em muitas medidas impopulares, defendendo há muito a necessidade de avaliar o desempenho das escolas e dos professores, o processo que o ministério estava a montar era kafkiano e iria produzir os efeitos contrários aos desejados. Para chegar a essa conclusão não andámos a ler os comunicados dos sindicatos - tratámos antes de ler a legislação que estava a chegar às escolas. E o ponto central da crítica: imposta de cima para baixo, desrespeitando a autonomia e, sobretudo, a especificidade de cada escola.
Este tipo de visão napoleónica da escola começou a desmoronar-se rapidamente. Basta referir, por exemplo, que o famoso Conselho Científico para a Avaliação dos Professores já vai no seu segundo presidente (o primeiro demitiu-se, e não foi a única baixa registada) e, se acreditarmos no que ontem estava no seu site na Internet, teve a última reunião em Julho, isto é, há quatro meses. Nem entre os mais responsáveis pelo sistema este consegue suscitar confiança.
Mas o pior está a passar-se nas escolas, e nas escolas com os alunos e a qualidade de ensino. O ano lectivo passado, depois do protesto de Março que levou o ministério a suspender o processo, os professores regressaram às escolas e, melhor ou pior, fizeram o que estava ao seu alcance para estarem à altura das exigências da sua profissão.
Só que este ano lectivo a máquina burocrática do ministério regressou com as suas instruções, circulares e ameaças. Os resultados têm sido dramáticos não apenas para a vida dos professores, mas para o normal funcionamento das escolas. Sexta-feira a presidente do conselho executivo da escola pública que, regularmente, fica em primeiro lugar nos rankings disse, em entrevista ao PÚBLICO, como estas normas estão a destruir a sua escola. Ontem relatámos um dia na vida de uma professora avaliadora que trabalha numa escola difícil da Grande Lisboa. Se no ministério alguém lesse jornais, não teria tido de esperar pela manifestação de ontem para perceber até onde vai o mal-estar. Mas deve haver outras prioridades para os lados da 5 de Outubro.
Seriamente ninguém pode ser contra a avaliação de desempenho como condição para a progressão profissional. Mas é intolerável que, dando sinais de crescente teimosia, tente impor um modelo que não funciona, está mal pensado e ainda pior concebido.
E se alguém quisesse realmente avaliar o desempenho dos docentes e das escolas há muito que teria feito algumas coisas simples, todas elas eficazes para promover a qualidade das escolas. Uma delas seria fornecer indicadores sistemáticos e uniformes sobre a evolução dos alunos, o que exigiria provas nacionais realizadas com seriedade. Outra dar mais autonomia às escolas e criar mais mecanismos de interacção com as comunidades locais. Outra ainda ter aprovado um estatuto da carreira docente mais flexível e que permitisse às escolas fazerem ofertas de emprego diferenciadas aos docentes que quisessem motivar para os seus projectos educativos. E, por fim, permitir que as famílias tivessem mais liberdade na escolha das escolas públicas e também das privadas. É possível que muitas dessas medidas tivessem também a oposição de muitos professores, mas dar-lhes-iam melhores oportunidades, tornariam o sistema mais transparente e responsabilizariam mais as famílias. Este sistema está a provocar o efeito contrário e, quando esta ministra passar, pois não é eterna, quem mais terá perdido serão os que menos meios têm para compensar o que as escolas públicas, cercadas e desmotivadas, cada vez lhes dão menos. A isto chama-se promover a injustiça social."
José Manuel Fernandes, no jornal “Público” de que é Director, 9/11/2008

domingo, 9 de novembro de 2008

O dia seguinte…

Realizou-se ontem mais uma mega manifestação nacional de professores. No passado dia 8 de Março, cerca de 100 mil professores haviam desfilado entre a Praça Marquês do Pombal e o Terreiro do Paço, em protesto contra as políticas de destruição da escola pública implementadas pelo ministério liderado por Maria de Lurdes Rodrigues. Ontem, a história repetiu-se. O percurso escolhido foi o mesmo, mas os cerca de 120 mil manifestantes (número apontado pela plataforma de sindicatos), aproximadamente 82% dos docentes em exercício efectivo, percorreram-no em sentido inverso. Durante estes últimos dias, evitei, propositadamente, comentar em público a posição assumida nos últimos meses (depois de 8 de Março) pela plataforma de sindicatos, para evitar o lugar-comum de que quem critica os sindicatos cultiva divisionismos e favorece a acção da ministra. Parece-me, por isso, o momento certo para fazer um ponto de situação. No dia 8 de Março, a esmagadora maioria dos docentes manifestou-se contra a política educativa deste governo, plasmada nos muitos diplomas legais publicados, e que na sua generalidade são completamente desajustados da realidade das escolas, confusos (ou mesmo contraditórios), injustos e ineficazes. Destes, destacam-se os referentes à avaliação docente que impõem um (novo) modelo complexo, excessivamente burocrático, altamente subjectivo, manifestamente injusto e pontualmente ilegal (por atropelos ao Código do Procedimento Administrativo, violação de direitos constitucionalmente protegidos, além de transferirem para os docentes responsabilidades que lhes não pertencem individualmente). Alguns dias depois, ministério e dirigentes sindicais (que não é justo tomarmos as cúpulas pelo todo) assinaram um memorando de entendimento, à revelia de mais de 100 mil professores (que o não validaram), no qual se comprometiam a aplicar este modelo no presente ano lectivo. Às primeiras iniciativas conducentes à implementação deste modelo nas escolas, repito, à revelia da esmagadora maioria da classe, os sindicatos responderam com o silêncio. Já no final de Setembro e início de Outubro, dado voz ao crescente clima de instabilidade e crispação que se vive actualmente nas escolas, movimentos independentes de professores (entretanto constituídos) organizam acções locais de contestação às sistemáticas investidas do ME contra os professores. Começa então a ganhar forma uma nova manifestação nacional, que acaba por ser agendada para 15 de Novembro. Despertos da letargia em que haviam mergulhado, as cúpulas sindicais apressam-se a marcar outra manifestação nacional para 8 de Novembro, à qual acabam por aderir (após pedidos de destacados colegas) os movimentos independentes, na esperança de que assim se pudessem unir de novo, professores e cúpulas sindicais, permitindo mais uma manifestação com participação histórica que pudesse levar a tutela a rever as suas políticas. Pura ilusão. Os autistas do ministério não cederam a 8 de Março e não cedem agora. Vivem na fantasia de que tudo lhes é permitido, por mais aberrante e irracional que seja. Acham-se os iluminados, capazes de impor o paradigma empresarial a sectores onde o produto final são seres humanos e não parafusos ou latas de tinta. Acham que uma reforma se implementa à revelia da esmagadora maioria dos que por ela são afectados. Os autistas que dirigem os sindicatos acham-se pastores a conduzir um rebanho de carneiros, tentando sobrepor os interesses partidários aos interesses da escola. Pensam que lideram a contestação como e quando lhes apetece. A sua visão bipolar coloca de um lado o ME e do outro os seus interesses político-partidários, sendo os professores meras pedras de arremesso nas intifadas eleitorais. Em vez de, na qualidade de professores se juntarem à manifestação convocada pelos movimentos independentes (marginais ao entendimento), quiseram demonstrar uma liderança que já poucos lhe reconhecem, marcando uma outra manifestação, moralmente muito discutível, uma vez que não haviam denunciado o memorando de entendimento, tentando assim, quase desesperadamente, esvaziar a capacidade organizativa independente, dos professores. E porque o seu autismo, mais não parece permitir, colaram-se ontem à resistência que grassa pelas escolas, a qual quase nada fizeram para implementar e, marcaram uma greve de um dia para daqui a mais de dois meses. Sinceramente, muito pouco para tanto palavreado debitado no Terreiro do Paço e no Marquês do Pombal. Acho que alguém ainda não percebeu que com manifestações de rua e greves de um dia pode bem a dona Maria de Lurdes. Tenho tentado acreditar que os dirigentes sindicais querem ser parte da solução e não parte do problema, mas confesso que começa a ser difícil encontrar na acção dos mesmos, justificação para tal. Depois da unicidade mostrada ontem, passar dois meses a assobiar para o lado e fazer uma greve de um dia na segunda quinzena de Janeiro, só pode fazer rir dona Lurdes e “sus muchachos”. Claro que as manifestações de rua são necessárias, por um lado, porque demonstram à opinião pública a indignação e vontade de dar a cara pela luta, depois porque servem para unir em torno de idênticos ideais, os que nelas participam. Mas contra gentinha como os actuais inquilinos da 5 de Outubro, iniciativas deste tipo não bastam. Que fazer então? Deixo uma série de possíveis medidas de resistência, que me parecem exequíveis e não beliscam os normativos legais. Destaco em primeiro lugar, a necessidade de fazer circular abaixo-assinados, no maior número de escolas possível, requerendo ao Conselho Pedagógico a suspensão da avaliação, evocando entre outros factores que julguem convenientes, os atropelos ao CPA, nomeadamente a publicação em DR das delegações de competências e as incompatibilidades. Nas escolas onde tal não seja possível, pedir aos coordenadores, ao conselho pedagógico e ao conselho executivo, por escrito, todos os esclarecimentos que julguem necessários. Nas escolas onde já estejam na fase de entrega dos objectivos individuais, não se comprometam com percentagens de sucesso nem de abandono escolar, deixem que sejam os avaliadores a forçarem esses objectivos, ficando em acta que eles não são vossos, foram-vos impostos pelo avaliador. Não marquem as datas de assistência a aulas, o avaliador que escolha as que quer ver e quando ele entrar (se o fizer) interrompam o que tinham planeado e distribuam uma ficha formativa pelos alunos que demore toda a aula a ser realizada, ou se tiverem um televisor e um vídeo ou projector disponível, um filme sobre a matéria que estão a leccionar ou já leccionada, que preencha igualmente toda a aula. [Não esqueçam que isto implica trazerem sempre um exemplar da ficha (fotocopiado) para cada aluno e um Plano de Aula que têm de entregar ao coordenador, (obviamente simples) que prevê a aplicação da ficha ou do filme, nesse dia]. Quanto à actuação de Lurdes Rodrigues e Pinto de Sousa, recordo uma vez mais as palavras de Eça em “O Conde de Abranhos”: “Este governo não cairá porque não é um edifício, sairá com benzina porque é uma nódoa.”
Apache, Novembro de 2008

sábado, 8 de novembro de 2008

Importam-se de repetir?... (5)

“O mítico dia 1 de Janeiro de 2009 não marcará o início da reforma da Administração Pública, porque ela já está no terreno. (…) Trabalhadores, serviços e dirigentes que não estejam com a reforma serão trucidados". Segundo o jornal “Correio da Manhã” do passado dia 31 de Outubro, estas são palavras de Gonçalo Castilho dos Santos, Secretário de Estado da Administração Pública. Numa interpretação descuidada das palavras do senhor Santos, poder-se-ia pensar que ele está a ameaçar os funcionários públicos com o genocídio, mas estou convencido que esta é apenas uma forma descuidada de exteriorização de um pequeno problema intestinal. A edição online da “Times” da passada quinta-feira refere que Berlusconi (Primeiro-Ministro italiano) se referiu a Obama como “jovem, belo e bronzeado”, palavras que muitos interpretaram como sendo de teor racista. Eu começo é a achar que aquelas companhias femininas que rodeiam habitualmente Berlusconi podem ser só para disfarçar… Há cerca de 15 dias, José Sócrates dizia numa entrevista: “Sou, digamos assim, da geração Kennedy. Essa eleição representou já um momento histórico. Lembro-me do debate que houve na América quando, pela primeira vez, um católico se candidatou a presidente". Em Novembro de 1960, quando JFK foi eleito presidente, Sócrates tinha apenas 3 anos, o que poderá levar os mais optimistas a acharem que o nosso Primeiro-Ministro era um puto sobredotado, mas há uma hipótese mais consentânea com a sua actuação adulta, a de ele ser a última criação de Jepeto.
Apache, Novembro de 2008

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

O Zé, o Hugo e o Magalhães…

O humor irreverente do Antero num blogue que a brincar a brincar… vale bem a pena visitar.

Apache, Novembro de 2008

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

A barraca, já abana?

Abriram as urnas nos Estados Unidos. São seis os candidatos ao mais alto cargo da federação. A saber: Chuck Baldwin (Constitucionalista); Bob Barr (Libertário); Cynthya McKinney (Verde); Ralph Nader (Independente); John McCain (Republicano) e, Barack Obama (Democrata). Obviamente, apenas os dois últimos teriam efectivas possibilidades de serem eleitos. Primeiro porque dispõem das máquinas partidárias, depois porque os fundos angariados pelos outros candidatos são absolutamente irrisórios face às gigantescas fortunas investidas nestes últimos. Aliás, admitir dois candidatos com possibilidades de eleição já é optimismo a mais. Seria um escândalo se daqui a umas horas Barack Hussein Obama não fosse o novo Presidente Eleito dos Estados Unidos. Por um lado, McCain carrega aos ombros a pesada herança deixada aos republicanos por Bush, aquele que foi provavelmente o pior presidente de sempre. Por outro, cedo se percebeu que Obama é o preferido dos que na sombra são o poder real, prova disso é angariação de fundos por parte dos democratas, Obama conseguiu 639 milhões de dólares, enquanto McCain se ficou por quase metade, 360 milhões. Como se isso não bastasse, também cedo, a comunicação social tomou partido pelo candidato democrata, no que poderia ser uma ajuda preciosa, caso se revelasse necessário. Em época de alegada crise financeira profunda, estas foram, por larga margem (quase o dobro de 2004), as mais caras eleições de sempre. Os candidatos angariaram 1 634 milhões de dólares, o que, considerando a mediocridade dos mesmos, me parece, literalmente, deitar dinheiro ao lixo. Mas em questões políticas (tal como nas sociais), os Estados Unidos sempre foram o exemplo a não seguir. Em época que se diz de mudança, nada de novo, aqui, “debaixo” do Sol.
Apache, Novembro de 2008

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Da certificação simplex…

“Quando o nosso propósito é ensinar estamos a qualificar; mas se o nosso propósito for apenas qualificar, nem qualificamos, nem ensinamos.”
José Luís Sarmento, no blogue “As minhas Leituras”

domingo, 2 de novembro de 2008

“Ressuscitem o papel selado!” - Santana Castilho

“Esta crónica tem uma causa próxima: um pequeno texto inserto na rubrica Sobe e Desce deste jornal [refere-se ao Público], no passado dia 24. Rezava assim a dado passo: «Os sindicatos dos professores não querem, de todo, a avaliação. A maioria da classe não quer, de todo, a avaliação...» Quem escreveu isto desconhece por completo o que se passa no sistema de ensino e propala uma enorme falsidade, que ficaria sem reparo, não fora a gravidade do que actualmente se vive nas escolas portuguesas e a necessidade de esclarecer, por isso, a opinião pública.
Mente quem diz que os sindicatos e os professores não querem sujeitar-se a avaliação. Mentiu o próprio primeiro-ministro, quando há dias disse ao Diário de Notícias que nunca no passado foi feita avaliação dos professores. Desafio quem quer que seja a sustentar documentalmente tais enormidades. A realidade é bem diferente. Os professores rejeitam este modelo de avaliação. Porque não cumpre o fim primeiro de qualquer exercício de avaliação do desempenho: a melhoria do próprio desempenho e a valorização das práticas profissionais. Quando o primeiro-ministro, em acto, sintomática e reveladoramente falhado, afirma que a avaliação dos professores se faz por «uma» razão, «premiar o mérito», torna-se patente por que os professores não aceitam visão tão redutora. Sobretudo porque este «premiar o mérito» se construiu por via de uma tômbola aviltante, que dividiu professores em titulares e outros, deixou de fora profissionais altamente qualificados e esmagou dedicações e competências. Se tivessem vergonha, os seus autores, que têm nome e rosto, pintavam a cara de negro, a cor do luto, e não ousavam falar de premiar o mérito. Mas há mais, que ninguém pode desmentir. Este modelo de avaliação penaliza os professores que usem direitos protegidos por leis de dignidade superior: direito a engravidar, direito a estar doente, direito ao recolhimento (nojo) por morte de pai, mãe, filho ou filha, mulher ou marido e até o elementar direito de não ser prejudicado pelo cumprimento de obrigações legais impositivas (comparecer em tribunais). Este modelo de avaliação penaliza os professores quando os alunos desertam da escola ou chumbam; põe professores de Música a avaliar professores de Matemática, bacharéis a avaliar doutores; mete no mesmo saco, para efeitos de graduação profissional, quem seja classificado com insuficiente, regular ou bom; instala nas escolas um pernicioso clima de desconfiança e competição; coloca toda a classe numa espécie de estágio permanente, com uma vida profissional inteira de duração; privilegia os cargos administrativos e burocráticos em detrimento das funções lectivas; institui uma casta de “Kapos” incumbidos de controlar e reportar aos donos; aniquila a liberdade pedagógica e intelectual do professor. Isto e muito mais são bestialidades que um coio de incompetentes quer impor aos professores. Que diriam jornalistas e comentadores, que escrevem ligeiro sobre a matéria, se os arrastassem em tal caudal de disparates?
Esta é apenas uma, eventualmente a mais gritante, das vertentes que asfixiam os docentes em burocracia e afastam a escola da sua missão principal: ensinar. Os portugueses não percepcionam quanto o sistema de ensino está à beira do abismo. Os professores sufocam com tarefas administrativas e reuniões. Há reuniões de todo o tipo: de coordenação de ano, para conceber testes conjuntos, para desenhar grelhas, para analisar resultados, de conselho pedagógico, com encarregados de educação, com alunos, para preparar as actividades de estudo acompanhado, de formação cívica, da área de projecto, de tutoria, de apoio educativo, de recuperação de resultados, de superação de necessidades educativas especiais, etc., etc.
Os papéis não têm fim. Tenho à minha frente seis folhas de um documento intitulado Coordenação de Ano de um agrupamento de escolas. Para o interpretar tive que me socorrer de um glossário. Aqui fica a tradução das siglas, omissão feita às que não consigo decifrar: CE (conselho executivo); CA (conselho de ano); PRAE (Plano de Recuperação e Apoio Educativo); PCT (Projecto Curricular de Turma); CGAS (critérios gerais de avaliação sumativa); AEC (actividades de enriquecimento curricular); PTT (professor titular de turma); TIC (tecnologias de informação e comunicação); PGEI (Programa de Generalização do Ensino de Inglês); CAA (comissão de acompanhamento alargada); CAR (comissão de acompanhamento restrita); SPAEC (supervisão pedagógica das actividades de enriquecimento curricular); CEI (currículo específico individual); UAM (unidade de apoio à multideficiência); PAA (Plano Anual de Actividades); PA (plataforma do agrupamento); CAD (comissão de avaliação do desempenho).
Chega? Não! Por favor, Madre Lurdes e Santo Valter, ressuscitem o papel selado!”
Santana Castilho – Professor do Ensino Superior

sábado, 1 de novembro de 2008

A senhora das bananas

Ontem em Anadia, Maria de Lurdes Rodrigues comentando a crescente onda de resistências a esta avaliação docente, disse que não há escolas a rejeitá-la mas sim alguns professores, acrescentando que os que não se submeterem ao processo de avaliação não reunirão condições para progredir na carreira. Senhora Ministra, há muito que percebemos que a sua estratégia para convencer a opinião pública da justeza das suas políticas hediondas se resume a duas acções: a primeira é a manipulação estatística, a segunda é a mentira. Claro que se não resultar tem sempre à mão uma alternativa, mentir ainda mais. Eu sei que a senhora sabe, mas porque tanta mentira lhe pode remeter a realidade para os recônditos da memória, recordo-lhe que neste momento são cerca de 600 as escolas (desde o pré-escolar ao secundário) que aprovaram por esmagadora maioria, pedidos de suspensão desta avaliação. Em relação à ameaça de não progressão na carreira, vinda de alguém que suspendeu a anterior avaliação docente e congelou essa mesma progressão durante dois anos e meio, só pode ser para rirmos. Aconselho-a a que em tempos de contenção orçamental, guarde os cachos de bananas para os seus colaboradores mais próximos e, se lhe sobrarem alguns, distribua-os por aqueles que representando-se a si próprios se entenderam com o ME, não esquecendo os que se entenderam com os que se entenderam com ele.
Apache, Novembro de 2008

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

O caixeiro-viajante

José Sócrates distribuiu Magalhães pelos chefes de Estado presentes ontem na XVIII Cimeira Ibero-americana que decorre em El Salvador. Falando durante mais de cinco minutos, Sócrates apresentou o portátil como “o primeiro grande computador ibero-americano”, explicando que este é uma “espécie de Tintim: para ser usado desde os sete aos 77 anos”. Não poupando elogios ao produto da Intel montado em Portugal, acrescentou: “todos os meus assessores o usam diariamente e não precisam de mais nada”. Aditou ainda que “foi pensado para as crianças e por isso é resistente ao choque. O Presidente Chávez já o atirou ao chão e não o conseguiu partir”.
Ficámos então a saber que: “O primeiro grande computador Ibero-americano”, no mês passado era português mas agora é portuganhol; O Tintim é para ser usado dos 7 aos 77 anos; A única coisa que os assessores de Sócrates usam, quando estão a trabalhar, é o pequeno portátil, o que não constitui problema de maior, uma vez que se trata de crianças; Sócrates não corrobora a opinião de Naomi Campbell, que afirmou recentemente que Chávez é um touro. Poderá estar aqui o verdadeiro motivo da ausência de Chávez na cimeira deste ano.
Apache, Outubro de 2008

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Abandono escolar

Apache, Outubro de 2008

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

“A escola pública e o fordismo” - Luís Filipe Turgal

“A nova escola pública é hoje uma empresa gerida por muitos tecnocratas alinhados com a actual ordem política e equipada por operários que se desejam amanuenses servis e catequizados na alegada única ideologia vigente. A escola pública morreu, enquanto espaço democrático multifacetado (e idealista) de instrução científica e artística e de formação cívica - já o proclamei aqui algumas vezes. Foi abruptamente estilhaçada pelo maremoto das desconexas e demagógicas ordenações socratistas de 2008: novo estatuto do aluno, nova lei sobre o ensino especial, novo regulamento de avaliação de desempenho docente e novo modelo de gestão escolar. Foi desacreditada pela propaganda do Ministério e da ministra que a tutelam e caiu em desgraça junto da opinião pública. Foi tomada por demasiados candidatos a futuros directores escolares embevecidos pelos decálogos de José Sócrates e inebriados pelas cartilhas sobre as dinâmicas de gestão empresarial no mundo neoliberal - afinal, as mesmas cartilhas que agora puseram o mundo à beira do caos. Foi pervertida pela imposição, por parte do Ministério da Educação, de um sistema burocrático kafkiano que visa obrigar os professores a fabricarem um sucesso educativo ilusório. Foi adulterada por alguns professores pragmáticos ou desprovidos de consciência crítica, os quais exibem a sua diligente e refinada burocracia como arma de arremesso para camuflar as suas limitações científicas, pedagógicas e culturais. E, neste momento, quando estão a constituir-se nas escolas os conselhos gerais transitórios, está a ser vítima de um já previsível mas intolerável processo de politização (no sentido mais pejorativo da palavra). Tal processo é dirigido por forças que em muitos casos se mantiveram durante anos alheados dos grandes problemas das escolas, mas que na actual conjuntura encaram estas instituições (outrora) educativas como tribunas privilegiadas para servirem maquiavélicos interesses de poder pessoal e/ou de carácter político-partidário. A nova escola pública que está a emergir é uma farsa. Tornou-se um território deveras movediço, onde reina uma desmedida conflitualidade (e competitividade) social e política e uma grotesca e insuperável contradição entre os conceitos de “escola inclusiva” e de “pedagogia diferenciada”. Nesta instituição naufragaram, entretanto, num conspurcado lamaçal, os nobres ideais instrutivos e formativos. O prodigioso computador portátil “Magalhães”, ofertado em grande escala, numa operação de marketing à americana, a alunos do 1.º ciclo que cada vez sabem menos de Português ou Matemática e utilizam os computadores somente para simples divertimento, é, de resto, o mais recente exemplo do sentido irreal e burlesco das prioridades deste sistema educativo. A nova escola pública é hoje uma empresa gerida por muitos tecnocratas alinhados com a actual ordem política, e equipada por operários que se desejam amanuenses servis e catequizados na alegada única ideologia vigente (a qual - agora já todos o sabemos - se encontra manifestamente em crise de final de ciclo). A verdadeira função desta espécie de mal engendrada e desalmada linha de montagem é produzir, automaticamente, em massa, de forma acelerada, e a baixos custos, duvidosos produtos estandardizados. Esta nova escola é, afinal, um hino ao velho fordismo. O tal sistema aplicado por Henry Ford em 1908 que venerou o dinheiro como deus supremo do Homo sapiens sapiens e que projectou um mundo sublime, onde o Homem é castrado da sua capacidade cognitiva e coagido a demitir-se das suas quotidianas obrigações familiares bem como de outros cívicos desígnios sociais em nome do lucro desenfreado (de uns poucos), da sobrevivência, do consumismo e do hedonismo desregrados. Aquele sistema perfeito superiormente ironizado por Aldous Huxley (Admirável Mundo Novo) ou por Charlie Chaplin (Tempos Modernos), nos anos 30 do século XX, que está agora no epicentro de mais um superlativo “tsunami” económico e financeiro de consequências imprevisíveis para a humanidade; “tsunami” esse cujas causas são reincidentes e estão bem diagnosticadas. Enfim, aquele implacável sistema materialista mecanicista e “darwinista”, que hoje transcende o sector secundário para atingir muitos serviços do sector terciário, e cujo modo de vida o escritor americano de ascendência portuguesa John dos Passos também satirizou, numa obra datada dos mesmos anos 30 (O Grande Capital), com estas antológicas palavras: “quinze minutos para almoçar, três para ir à casa de banho; por toda a parte a aceleração taylorizada: baixar, ajustar o berbequim, acertar a porca, apertar o parafuso. Baixar-ajustar o berbequim-acertar a porca-apertar o parafuso, até que a última parcela de vida tenha sido aspirada pela produção e que os operários voltem à noite a casa, trémulos, lívidos e completamente extenuados.”
Luís Filipe Turgal – Professor do Ensino Superior