Mostrar mensagens com a etiqueta Civilização. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Civilização. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

A demagogia é a nova pedagogia

“Em entrevista à «Sábado», o americano Nicholas G. Carr defende que as crianças não deveriam sequer se aproximar de um computador. A tese não é nova nem exclusiva de Carr, que em 2008 publicou na «Atlantic» o célebre ensaio «Is Google Making Us Stupid?». O divertido, se formos masoquistas, é que a quantidade recente de literatura alusiva à influência nociva da Internet no desenvolvimento dos petizes não impede demagogos de actuar no sentido exactamente inverso. Os demagogos indígenas, então, tentam tudo para que ninguém passe dois minutos longe da «rede». Um estudo da «Anacom» informa que quase todos os beneficiários do «Magalhães» já tinham computador e banda larga em casa. Descuido? Não parece. Se os avisos de Carr e muitos outros se confirmarem e a exposição à Internet arruinar as capacidades de apreensão, concentração e crítica, está-se a fabricar gerações de sujeitos incapazes de questionar seja quem for e capazes de financiar seja o que for, incluindo as causas da própria acefalia. Eleitores ideais, portanto.”
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias” da passada quinta-feira (7 de Janeiro)

sábado, 2 de janeiro de 2010

Gostaram, querem mais? Lambuzem-se!

“Em tempo de balanços, eu, pecador, me confesso. Pelas reacções exacerbadas de algumas criaturas que regularmente escrevem em blogues ou enviam uns comentários enxofrados para a redacção do Diário de Notícias, apercebo-me de que sou um sujeito de um reaccionarismo sem remédio, indigno de se exprimir em letra de forma, devendo até ser silenciado de vez neste jornal diário cujas quartas-feiras me obstino em conspurcar. Para evitar o alvoroço destas contundências assim eriçadas em prol do saneamento sumário de quem tão mal opina, não me valeu de nada ter procurado agir com alguma moderação hebdomadária, usando de prudente e edulcorado estilo e pagando o preço de alguma insinceridade própria. Porque eu, reconheço, nem sempre tenho sido cem por cento sincero na minha funesta execrabilidade. Por vezes, se acaso estava a pensar na "choldra" do venerando Afonso da Maia, mais me valia ter tido a coragem de falar logo em "canalha". E podia muito bem louvar-me em Guerra Junqueiro para falar de "um povo imbecilizado e resignado (…) que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem de onde vem, nem onde está, nem para onde vai". Depois, não foi lá muito brilhante só me terem ocorrido termos como "fraude", "traquibérnia" e outros sarcasmos de congruente quilate, sempre que ouvi o Governo, apaniguados e adjacentes a asnear, ou a dizer e a prometer mundos e fundos enterrando-nos cada vez mais, ou sempre que os vi meter os pés pelas mãos e as mãos pelos pés, sem vergonha nem contenção, fosse no Parlamento, fosse perante as magistraturas, fosse na comunicação social. O que eu devia era ter aplaudido essa vilanagem, ao menos por assumir a única transparência de ser tão igual a si mesma que já não engana nem convence ninguém. E além disso, de pouco me valeu sustentar, em nome da mais elementar profilaxia e em obediência a um correspondente imperativo de higiene política, que o Governo devia ser derrubado o mais depressa possível. Tudo isso é tão óbvio que eu não precisava de recorrer a uma formulação tão radicalmente fracturante que só serviu para carregar as visagens ofendidas de umas tantas harpias que para aí crocitam exultantes de socialismo, de par com baratas tontas e demais almas satisfeitas com o status quo. Entretanto, ponderei. Fiz mal em convencer-me de que era mais do que tempo de o Presidente da República dar um pontapé nos fundilhos do Primeiro-ministro. Afinal, isso é o que o Primeiro-ministro mais deseja e tenta provocar todos os dias. Passei a alimentar a fundada expectativa de que Cavaco Silva não embarque em provocações e pantominas, mas sem deixar de manter o homem ao alcance da biqueira. «Just in case.» Devo ainda reconhecer que não me valeu de nada ter afirmado que o Governo não valia a ponta de um chavelho e que Portugal se estava a tornar numa fossa nauseabunda, e muito menos ter tido a tentação de qualificar o estado a que isto chegou com uma comum palavra de cinco letras. Abstive-me desse vezo plebeu por meras questões de sensibilidade pituitária. Poderei sempre usar o eufemismo menos fétido de que o país está na perda. Mas o certo é que cominei aos interessados que se besuntassem indiscriminadamente e não atentei em que o verbo reflexo "besuntar-se" pode ter conotações desagradáveis de chafurdação excrementícia, embora eu apenas tivesse em mente uma substância mais propriamente vaselínica, apontando ao massajar das ventas estanhadas com qualquer unguento benfazejo para aformoseamento, tanto dos rostos e das cútis, como das políticas hipócritas, dos erros crassos, das batotas escandalosas e das corrupções mal disfarçadas. Em tempos de palinódia, há que abandonar essa ideia primária de besuntação e pedir desculpa aos mais alérgicos por não o ter feito mais cedo. Afinal, o sucesso de um cronista faz-se de complacências discretas com a mundanal trepidação… E assim, no começo de um novo ano fremente de promessas radiosas e de monumentais aldrabices e falhanços concomitantes, parece-me preferível transpor daquele plano superficial e epidérmico para outro, mais gustativo e entranhável. E passo a dizer: Com que então votaram nessa gente? Quiseram elegê-los? Gostam do resultado? Pois agora lambuzem-se!”
Vasco Graça Moura, no “Diário de Notícias” de 30 de Dezembro

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Balanço da década

“O primeiro facto saliente acerca da década que agora termina é a resistência que oferece a quem pretenda referir-se a ela. Os anos sessenta são fáceis de designar, assim como os anos setenta ou oitenta, mas "os anos zero" é uma expressão que está ainda à espera de ser cunhada - talvez por ser estranha e, além do mais, imprecisa. Acabamos, portanto, de viver dez anos que não conseguimos denominar. Há males que vêm por bem: quanto menos nos lembrarmos destes dez anos, melhor. Não pode dizer-se que tenha sido uma década memorável. Foram dez anos que começaram, aliás, sob o signo da desilusão: o mundo não acabou no ano 2000, o que frustrou de igual modo os bruxos e aquela gente apreciadora dos grandes eventos. Os americanos bem tentaram, elegendo George Bush logo no primeiro ano da década, e deve reconhecer-se ele fez um esforço notável, mas, como em quase tudo o resto, fracassou. Outra desilusão, talvez maior ainda, foi provocada pelos escritores de ficção científica. Anos e anos a escreverem sobre o século XXI, que afinal é igualzinho ao século XX mas com mais telemóveis. O tamanho do nosso crânio não aumentou, não vestimos todos de igual, não viajamos em naves. O futuro chegou e, não há como negá-lo, é aborrecido. Não só não viajamos em naves como passou a ser mais difícil viajar de avião. As viagens aéreas, que a ficção científica previa cada vez mais sofisticadas e rápidas, por causa dos atentados de 11 de Setembro de 2001 tornaram-se bastante mais lentas e rudimentares. Em lugar de homens do futuro que entram em naves rodeados de fumo e munidos de aparelhos altamente tecnológicos, somos homens do passado que entram nos aviões descalços, sem o cinto das calças e impedidos de levar até uma garrafa de água. Entretanto, nem tudo são más notícias: a justiça portuguesa aproximou-se do nível da justiça internacional. Não, evidentemente, por ser ter tornado mais rápida, mas porque a justiça internacional se tornou vagarosa. Milosevic e Pinochet foram julgados por crimes contra a humanidade, tendo falecido antes de conhecerem o veredicto. Se pensarmos que Pinochet morreu com 91 anos, o processo Casa Pia deixa de parecer tão demorado, embora tenha ocupado sete anos desta década e ameace ocupar vários da próxima. Após a intervenção americana no Iraque, Saddam Hussein foi democraticamente executado por um grupo de alegres convivas. Pareceu apropriado que, tendo a guerra sido feita a pretexto de armas de destruição maciça imaginárias, a democracia imposta fosse, também ela, pouco mais que uma fantasia. O enforcamento foi filmado pelo telemóvel de um dos carrascos e colocado no YouTube. Foi dos filmes mais vistos do ano, juntamente com um em que dois gatinhos brincam com um novelo. Na internet, o aparecimento das redes Hi5, Facebook, Orkut e Twitter, entre outras, permitem que pessoas com pouco jeito para fazer amigos na vida real consigam fazê-los no computador, e que as pessoas com pouco jeito para fazer amigos na vida real e no computador critiquem duramente este tipo de rede. O aparecimento da Wikipedia, uma enciclopédia feita por gente que não domina especialmente qualquer área do saber, deu ao cidadão comum a satisfação de sentir que os seus conhecimentos são, muitas vezes, superiores aos dos enciclopedistas. Nas entradas da Wikipedia que utilizei para fazer este balanço da década, o ano de 2003 tem mais datas referentes a aspectos relacionados com os concorrentes do concurso Operação Triunfo do que, por exemplo, aos aspectos da economia mundial. Um negro foi eleito pela primeira vez presidente da Harvard Law Review. Um negro candidatou-se pela primeira vez à presidência dos Estados Unidos. Um negro venceu pela primeira vez as eleições americanas. Infelizmente, foi sempre o mesmo negro. Continuamos sem saber bem se os Estados Unidos e o mundo resolveram parar de discriminar os negros ou só este em particular. Em Portugal, José Sócrates foi eleito pela primeira vez a 20 de Fevereiro de 2005 e começou desde essa data a vestir cada vez melhor e a governar cada vez pior. No entanto, uma vez que sucedeu a Pedro Santana Lopes, durante uns meses chegou mesmo a parecer um bom primeiro-ministro. Nos primeiros cinco minutos do mandato, o nome de José Sócrates não apareceu associado a qualquer escândalo. No futebol, num certo sentido a década foi dominada por Portugal: José Mourinho emergiu como o melhor treinador da actualidade e Cristiano Ronaldo sagrou-se melhor jogador do mundo. Os portugueses impõem-se cada vez mais no futebol mundial e cada vez menos na selecção nacional. E, até agora, foi mais ou menos isto que se passou. Mas tenho esperança de que, nos 15 dias que lhe sobram, a década ainda consiga dar a volta por cima.”
Ricardo Araújo Pereira, na “Visão” de ontem.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

“A Terra a quem a enxovalha”

“A UNFPA [United Nations Population Fund], uma das múltiplas derivações da ONU, declarou o controlo demográfico indispensável à inversão do «aquecimento global». Uma ideia disparatada? Um bocadinho, mas dentro do disparate mais vasto a que a histeria ecológica chegou é admirável que alguém retire enfim as conclusões devidas das suas premissas. Se, no entender da histeria, as «alterações climáticas» e o «aquecimento global» são responsabilidade do homem, não adianta combater o capitalismo, o progresso técnico e os EUA: a solução é ir directamente à fonte e combater o homem. Para já, o objectivo explícito é a redução da natalidade, o que desloca o problema do Ocidente estéril para África e certa Ásia. Em princípio, o problema resolve-se mediante campanhas de esclarecimento (ou o método «a bem»). Caso as tribos do Níger ou do Mali não fiquem esclarecidas, prossegue-se através da esterilização forçada (ou o método «a mal»). Caso a natalidade não se deixe circunscrever de todo, será imperioso actuar sobre outras variáveis, especificamente a mortalidade (ou o método «a pior»). Aqui, abrem-se inúmeras opções, bastando decidir entre as rápidas, do envenenamento em massa ao bombardeamento maciço, e as limpas, dos fuzilamentos colectivos à paulada na nuca. As segundas têm a desvantagem da lentidão, as primeiras prejudicam os ecossistemas. Há que ponderar, escolher e agir com sensatez, na certeza de que a humanidade está a mais e o importante é deixar a Terra entregue aos bichos, o que, dada a importância concedida à ONU e aos senhores que na ONU «estudam» o ambiente, não parece um cenário muito distinto do actual."
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias” de hoje

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

A minha religião é melhor que a tua

"Oitenta e quatro por cento dos italianos discordam do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, que dias antes proibira (?) os crucifixos nas escolas públicas do país. Dado o número, é de admitir que os ateus de lá não possuam a fina sensibilidade dos ateus de cá, os quais, através de umas agremiações excêntricas, aplaudem a sentença e pedem a sua imediata importação. Segundo percebi, temem que a ingerência religiosa, assim exposta e abusiva, traumatize as criancinhas. É capaz de ser um receio exagerado. Não me lembro se na minha sala da "primária" havia crucifixos. Lembro-me de que fora da sala havia uma igreja inteira, que contemplei da janela durante quatro anos. Além da igreja, existiam nas imediações oito capelinhas e uma filial da Santa Casa da Misericórdia. A escola, pública e laica, chamava-se "do Adro" e no adro jogávamos à bola. Contas feitas, marquei inúmeros golos e não sofri qualquer trauma, excepto nas canelas. Nunca experimentei apetites de frequentar a missa ou a catequese, provavelmente porque os meus pais vagueavam naquele tipo de ateísmo em que a religião não chega a ser assunto. Ao contrário dos peculiares ateus que não pensam noutra coisa. Se querem poupar as criancinhas à imposição religiosa, os progenitores talvez fizessem melhor em ignorar os crucifixos e dirigir o combate para, por exemplo, o "ambientalismo" recorrente nos currículos e "actividades" escolares. Nas cabeças dos petizes, nenhuma cruz na parede tem uma fracção do impacto provocado pela doutrinação de patranhas sobre o "aquecimento global" e o papel do homem nas mudanças climáticas. O "ambientalismo" não é uma religião? É, sim senhor. Se não bastassem os seus mitos e os seus santinhos para o atestar, agora um tribunal britânico deu razão a um trabalhador alegadamente despedido em nome das respectivas "crenças ecológicas". De acordo com o juiz, o "credo ambiental" (sic) merece ser tão protegido da discriminação quanto os credos "tradicionais". Em suma, estamos oficialmente no domínio da pura fé, com a agravante de que as proezas da Greenpeace não são exactamente o Cântico dos Cânticos e o "documentário" de Al Gore não é o "S. Mateus" de Bach. Não tenho um único argumento favorável à presença dos crucifixos, mas a preocupação com o bem-estar das criancinhas implica resguardá-las de todas as manipulações, sobretudo das ideológicas que, legitimadas pelo espírito da época, tomaram de assalto a "educação" e obrigam a referi-la entre aspas. Perdida em preciosidades que vão do "ambiente" à educação sexual, passando pelo "multiculturalismo" e pelos enigmas que cabem na "educação cívica", a escola contemporânea abdicou daquilo que a escola do meu tempo, mesmo com uma igreja de Nicolau Nasoni a 50 metros e com doses variáveis de sucesso, ainda tentava: ensinar. Curiosamente, ou poucos protestam tamanha ingerência na liberdade alheia ou poucos os ouvem."
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias” de hoje

sábado, 17 de outubro de 2009

Obama, Nobel da Paz? Porque não?

Quando ouço tanta gente a perguntar – Obama, Nobel da Paz? Porquê? – apetece-me responder com outra pergunta – Porque não? Até acho que foi das melhores escolhas das últimas décadas. Quem parece concordar comigo é o Ricardo Araújo Pereira que escreveu assim, na “Visão” da passada quinta-feira: “A atribuição do prémio Nobel da Paz a Barack Obama é, evidentemente, absurda. É inconcebível que o recém-eleito presidente dos Estados Unidos tenha recebido o prémio Nobel. Especialmente, é inconcebível que o tenha recebido antes de vencer um Óscar, de ganhar a Bota de Ouro e de ser coroado Miss Portugal. Que se passa com a academia de Hollywood, a Liga de Futebol Profissional e o júri do popular concurso de beleza para não terem ainda premiado Barack Obama? Como é possível que Obama esteja há quase um ano na Casa Branca e tenha vencido apenas um prémio Nobel? E logo o da Paz, que não exige qualquer mérito da parte do premiado - nem sequer o mérito de promover a paz, conforme se constata pelo facto de Henry Kissinger ter recebido o galardão em 1973. Porque não o da Literatura, se as suas autobiografias (as 23) estão escritas num estilo tão elegante e enxuto? Porque não o da Economia, o da Química ou da Medicina? Pode perguntar-se: que fez ele para vencer o Nobel da Economia, da Química ou da Medicina? E pode responder-se: o mesmo que fez para ganhar o da Paz. As candidaturas para o prémio Nobel da Paz são entregues em Fevereiro. Barack Obama tomou posse como presidente dos Estados Unidos no final de Janeiro. Em duas ou três semanas, Obama teve uma acção suficientemente meritória para ganhar o Nobel da Paz. Que fez ele? A resposta é clara: nada. Não ordenou retiradas, mas também não ordenou ataques. Não ordenou nada, o que já é bem bom. Um estadista que não faça nada tem, hoje, um valor inestimável. Há quem diga que o prémio foi atribuído a Obama como sinal de esperança no que o presidente americano poderá fazer no futuro. Sinceramente, não creio. Julgo que o comité norueguês atribuiu o prémio agora por uma questão de oportunidade: há que aproveitar enquanto é tempo. Normalmente, é uma questão de meses até o presidente dos Estados Unidos lançar o país numa guerra qualquer. É preciso premiá-lo enquanto não começa a rebentar com coisas no Médio Oriente. Por outro lado, é muito curioso que a atribuição do Nobel da Paz a Barack Obama tenha desencadeado uma série de comentários extremamente beligerantes. Raras vezes terá havido tanta discórdia a propósito da Paz. É mais um mérito de Obama: recebe prémios, promove discussões, agita o mundo. E tudo sem se mexer. Minto: há uns meses comprou um cão. Mas imaginem o que acontecerá quando ele começar mesmo a fazer coisas.” De facto, se compararmos Obama com outro norte-americano, recente vencedor do Nobel, Al Gore, constatamos facilmente que em relação a este, Obama leva uma grande vantagem, o seu menor tempo de permanência na alta-roda da política permitiu-lhe um menor acumulado de mentiras. Desta vez, acho que os cinco iluminados do Comité Nobel (a quem compete a escolha) estiveram muito bem, é despachar o prémio cedo, antes que se torne demasiado escandaloso.
Apache, Outubro de 2009

sábado, 10 de outubro de 2009

“O verdadeiro vírus”

“Enquanto Luiz Felipe Scolari é requisitado em prol da campanha de vacinação, o bastonário da Ordem dos Médicos tenta evidenciar o "excesso de alarme" em volta da gripe A, que considera "uma doença banal e pouco letal". O dr. Pedro Nunes chegou um bocadinho atrasado. A acreditar no Expresso, para o bem e para o mal, os receios do H1N1 já alteraram os hábitos da população. Por um lado, lavamos as mãos com frequência; por outro, evitamos beijinhos e apertos de mão. Tradução: graças ao vírus, deixámos de ser um país de sebentos para nos tornarmos um país de malcriados. O mérito da evolução é discutível. Por mim, duvido que apertar uma mão infestada de microrganismos seja pior do que ficar de braço estendido perante um indivíduo que se recusa a cumprimentar civilizadamente o próximo. A primeira experiência aconteceu-me centenas de vezes, e não morri em nenhuma. Mas deve ser um embaraço mortal ver a saudação fraterna recusada por um boçal que vê em nós um foco de doenças. De qualquer maneira, o relevante em tudo isto nem é a gripe: é o empenho com que tantos abraçam as mais extraordinárias coisas a pretexto de motivos absurdos, vagos ou imaginários. Se as autoridades recomendassem que fizéssemos o pino ou empurrássemos um grão-de-bico com o nariz, essa gente acataria a sugestão com o zelo suplementar de quem encara o conselho como uma ordem e o seu cumprimento como um prazer. Talvez a explicação para o fenómeno esteja algures entre o gozo da obediência e a necessidade de integração, não sei. Sei que, além de tardias, as declarações do pobre bastonário são inúteis: dizer aos cidadãos que não se preocupem é muito menos apelativo do que convertê-los a um ritual colectivo amalucado, desde abolir o beijinho a vestir o banco do carro com o colete reflector, passando por correr a pedir o "cartão do cidadão" e por pendurar bandeirinhas nas janelas. A participação do sr. Scolari não é causal, e uma vacina contra o ridículo não é provável.”
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias” da passada quinta-feira

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Foi há 64 anos

“De súbito, um deslumbrante clarão cor-de-rosa-pálido surgiu no céu, acompanhado de um tremor extraordinário, seguido, quase imediatamente, por uma vaga de calor sufocante e um vento que varria tudo o que encontrava no seu caminho. Em poucos segundos, milhares de pessoas que se encontravam nas ruas e nos jardins do centro ficaram queimadas. Muitas morreram imediatamente devido ao calor sufocante. Outras torciam-se no chão, gritando de dor, queimadas de morte. Tudo o que estava de pé na zona da deflagração - muros, casas, fábricas e outros edifícios - ficou arrasado; os seus destroços, em turbilhão, foram projectados a grande altura. Os comboios foram arrancados dos carris como se fossem brinquedos. Os cavalos, os cães e o gado sofreram a mesma sorte que os humanos. Nem sequer a vegetação foi poupada. Milhares de árvores desapareceram nas chamas, os campos de arroz perderam a verdura, a erva ardeu no solo como palha seca. Para lá da zona de morte total, em que nada ficou vivo, as casas desmoronaram-se num turbilhão de vigamentos, de tijolos e barrotes. Até cinco quilómetros do centro da explosão, as casas construídas de materiais leves ficaram arrasadas como castelos de cartas. Os que se encontravam dentro delas morreram ou ficaram gravemente feridos. Os que, por milagre, conseguiram fugir ficaram cercados por uma cortina de chamas. E as raras pessoas que conseguiram abrigar-se morreram, de uma maneira geral, vinte a trinta dias mais tarde, devido à acção retardada dos impiedosos raios gama... À noite, o fogo começou a diminuir, e de madrugada extinguiu-se. Nada mais havia para arder. Hiroxima deixara de existir.”
Relato de um sobrevivente anónimo
A 6 de Agosto de 1945 um B-29 Superfortress, da força aérea norte-americana (Enola Gay), largou sobre a cidade japonesa de Hiroxima, uma bomba contendo 60 kg de urânio-235. Três dias depois, avião idêntico (Bockscar) largou sobre Nagasáqui outra bomba, desta vez, 6,4 kg de plutónio-239. Cerca de 120 mil pessoas morreram instantaneamente e muitos milhares nos dias seguintes. Mais de 90% eram civis. Um dos maiores crimes de guerra da história recente da humanidade, continua por julgar.
Apache, Agosto de 2009

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Estará o PS a trabalhar para a maioria absoluta… do PSD?

No último debate parlamentar antes das férias, Manuel Pinho, à hora, Ministro da Economia dirigia-se aos deputados nos moldes que a imagem documenta. Portugal, a mais velha nação da Europa e historicamente uma das mais prestigiadas nações do mundo, não pode continuar a dar-se ao luxo de ter, há vários anos a esta parte, nos mais altos cargos da nação, gentinha sem competência, sem educação, sem cultura e sem o mínimo sentido de estado. Se os principais partidos políticos querem reocupar alguma credibilidade junto da opinião pública, além de uma imperiosa alteração de políticas, têm de parar de arregimentar nas suas fileiras a borra da nossa sociedade.
Apache, Julho de 2009

domingo, 12 de abril de 2009

Feliz Páscoa!

“Acredito no Deus que fez os homens mas não no deus que os homens fizeram.” [Alphonse Karr] “Deus constrói o seu templo no coração dos homens sobre as ruínas das igrejas e das religiões.” [Ralph Emerson] “Deus é a lei e o legislador do Universo.” [Albert Einstein]

"Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida." [Jesus Cristo]

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Václav Klaus - Palavras escaldantes sobre a gélida Davos

O jornalista americano, Jay Nordinger (editor da National Review) entrevistou em Davos, em pleno Fórum Económico Mundial, na tarde do passado dia 31 de Janeiro, Václav Klaus, o actual Presidente da República Checa, que detém neste primeiro semestre de 2009 a presidência da União Europeia.
Questionado sobre o encontro que mantera no dia anterior com Al Gore, o checo afirmou: “Al Gore chama negacionistas às pessoas que discordam dele. Ouvi-o a dizer isto, ontem mesmo, no Centro de Congressos. Ele sabe que eu sou, neste momento, o mais importante negacionista a nível mundial. Ainda assim, encontrou-se comigo durante duas horas e tivemos uma discussão normal e amigável. Eu sou um negacionista, mesmo não gostando da expressão. Penso que não há nenhum aquecimento global. Não vejo dados estatisticos que o suportem. Não acredito nas conclusões do IPCC. Em termos climáticos há teorias contaditórias e eu tenho pena que pessoas como Al Gore não estejam disponíveis para ouvir outras teorias. Contrariamente a outros, eu ouço o todos têm para dizer.” O jornalista aproveitou depois para fazer referência ao livro de Klaus “Blue Planet in Green Shackles” (Planeta Azul em Algemas Verdes), perguntando-lhe o que é que está mais em perigo, o clima ou a liberdade. Klaus foi peremptório: “A liberdade! A liberdade está em perigo, a sua a minha, a liberdade de publicar, até a de discordar.” O jornalista insiste: “Está-me a dizer que Al Gore está a pôr em causa a liberdade?” O presidente checo responde: “Certas formas de ambientalismo e o alarmismo em volta do aquecimento global estão a desafiar a nossa liberdade. Al Gore é um destacado líder desse movimento.” Seguidamente, questionado por Jay sobre a crise financeira, Klaus afirma: “Estou muito mais preocupado com as reformas resultantes da alegada crise, do que com a crise em si mesma. Esta crise vai ser usada pelos políticos para conter o crescimento económico dos pequenos países. Neste domínio, os políticos têm-se revelado, ultimamente muito activos e eu desconfio sempre dessa hiperactividade, que serve muito mais para ganhar votos e popularidade que para salvar o que quer que seja.”
Apache, Fevereiro de 2009

sábado, 22 de março de 2008

Meio verdes, meio engraçadinhos

A Lusa escrevia assim…
“(…) De acordo com o relatório da World Wildlife Fund (WWF), citado pelo diário espanhol 'El Mundo', a floresta ocupa actualmente uma superfície de 3.866 milhões de hectares, cerca de metade do espaço que ocupava há oito mil anos. Só na última década desapareceram quase 94 milhões de hectares de floresta, o equivalente a 5,6 milhões de campos de futebol por ano. O abate ilegal de árvores e a desflorestação para cultivo agrícola são os principais responsáveis por estes números, a par dos incêndios. (…)” Isto é aquilo a que eu chamo de meia notícia, oportunista. Meia notícia, porque dá a ideia errada que anda toda a gente a destruir floresta, o que não corresponde minimamente à verdade. Segundo o relatório oficial da FAO, entre 1990 e 2005, o Mundo perdeu cerca de 125 milhões de hectares de floresta, aproximadamente 3% da área florestada. A maior parte desta área é utilizada para a agricultura, mantendo-se assim como área ‘verde’. Dois países são responsáveis por quase 60% desta perda; o Brasil, cuja floresta diminuiu neste 15 anos, 42 milhões de hectares e a Indonésia, que perdeu 29 milhões. Outros 7 países (Sudão, Myanmar, Congo, Zâmbia, Nigéria, Tanzânia e Zimbabué) perderam em conjunto 48 milhões de hectares. Ou seja, estes 9 países, são responsáveis por 95% da área total de floresta perdida. O mundo tem mais de 190 países, não percebo por isso a generalização por omissão. Oportunista porque numa época de exagerado protagonismo da ecologia, protagonismo esse, conseguido amiúde com aldrabices científicas, uma notícia destas, deixa no ar a possibilidade de terem sido os países desenvolvidos a contribuir para esta desflorestação, quando na realidade, todos eles aumentaram ou mantiveram a sua área florestal. Nos países mais pobres a população cozinha e aquece-se com lenha, e a agricultura sem acesso a adubos e a técnicas de produção modernas necessita de grandes áreas para conseguir alimentar as populações. Mais, não fossem as parvoíces ecológicas dos bio-combustíveis e certamente parte significativa destas florestas não tinha sido perdida. Este é fundamentalmente um problema económico e não ambiental, até porque os países que mais florestas derrubaram são os que apresentam as maiores percentagens de área florestal no seu território (com excepção da Rússia, que manteve a sua área florestal e detém 20% de toda a floresta mundial). Quando a educação, a tecnologia e as energias mais limpas (como o ecologicamente tão odiado petróleo) chegarem a preços acessíveis às áreas mais remotas destes países (se é que alguma vez isso vai acontecer) o mundo deixará de perder significativamente, área florestal.
Apache, Março de 2008

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Crónica de uma desilusão

“Aqui estamos sobre este globo há doze mil anos a girar fastidiosamente em torno do Sol, e sem adiantar um metro na famosa estrada do progresso e da perfectibilidade: porque só algum ingénuo de província é que ainda considera progresso a invenção ociosa desses bonecos pueris que se chamam máquinas, engenhos, locomotivas, etc., ou essas prosas laboriosas e difusas que se denominam sistemas sociais. Nos dois ou três primeiros mil anos de existência trepámos a uma certa altura da civilização, mas depois temos vindo a rolar para baixo numa cambalhota secular. O tipo secular e doméstico de uma aldeia árida dos Himalaias, tal como uma vetusta tradição o tem trazido até nós, é infinitamente mais perfeito que o nosso organismo doméstico e social. Já não falo de gregos e romanos: ninguém tem bastante génio para compor um coro de Ésquilo ou uma página de Virgílio; como escultura e arquitectura, somos grotescos; nenhum milionário é capaz de jantar como Lúculo; agitavam-se em Atenas ou Roma mais ideias superiores num só dia do que nós inventámos num século; os nossos exércitos fazem rir, comparados às legiões de Germânicos; não há nada equiparável à administração romana; o ‘boulevard’ é uma viela suja ao lado da Via Ápia; nem uma Aspásia temos; nunca ninguém tornou a falar como Demóstenes - e o servo, o escravo, essa miséria da Antiguidade, não era mais desgraçado do que o proletário moderno."
Eça de Queiroz em “Crónicas e Cartas”
Passou pouco mais de um século e o planeta ‘envelheceu 380 mil vezes’, hoje a ciência ‘vende-nos’ que o mundo tem cerca de 4 500 milhões de anos, em tudo o resto, nada de novo, aqui, «debaixo» do Sol.
Apache, Fevereiro de 2008

sexta-feira, 6 de julho de 2007

Liberdade - Alexis de Tocqueville

“Vejo uma multidão incontável de homens iguais que giram sobre si mesmos à procura de pequenos e vulgares prazeres com que enchem a alma.
Cada um deles, visto separadamente, é como que estranho ao destino de todos. (...) Não existe, a não ser em si e para si.
(...) Acima deles eleva-se um poder imenso e tutelar, que se encarrega de assegurar as suas necessidades e de velar pela sua sorte. É absoluto, detalhado, regular, preciso, previsível e dócil. Pareceria um poder paterno se tivesse como objectivo prepará-los para a idade adulta; mas, pelo contrário, procura apenas fixá-los perpetuamente na infância; quer que os cidadãos desfrutem, na condição de pensarem só em desfrutar. Trabalha de bom grado para o seu bem-estar, mas quer ser o único agente e o único árbitro, providencia a sua segurança, assegura as suas necessidades, facilita os seus prazeres, conduz os seus principais negócios, dirige a sua indústria, regula as suas sucessões, divide as suas heranças. Porque não haveria de tirar-lhes por completo o transtorno de pensar e o esforço de viver?!
(...) É assim que cada dia converte em inútil o emprego do livre arbítrio; encerra a acção da vontade num espaço menor e, reduz cada um ao uso de si mesmo.
(...) Depois de ter tomado, a pouco e pouco, cada indivíduo, nas suas poderosas mãos, e de o ter moldado à sua maneira, o soberano abre os braços sobre a sociedade inteira; cobre a sua superfície com uma rede de pequenas regras complicadas, minuciosas e uniformes, através das quais os talentos mais originais e as almas mais vigorosas não poderão encontrar a luz que as destaque da multidão;
Não destrói as vontades, mas amolece-as, submete-as e dirige-as;
Raras vezes obriga a agir, mas opõe-se, sem cessar, a quem actue;
Não destrói, mas impede que nasça;
Não tiraniza, mas estorva, comprime, enerva, apaga. Reduz, enfim, cada nação, a não mais do que um rebanho de animais tímidos e laboriosos, de que o Governo é pastor.”
P.S. “Estou convencido que, em qualquer época, eu amaria a liberdade; mas, na época em que vivemos, sinto-me tentado a idolatrá-la.”
Alexis de Tocqueville (1805-1859)