25 de Abril… Os dias seguintes
“Os militares, como afirma o próprio Otelo, tinham então como meta «a restauração do prestígio das Forças Armadas» e não são aparentes quaisquer indícios de que, por detrás do Movimento das Forças Armadas, existisse um plano politicamente concertado e ideologicamente fundamentado. Spínola era um anticomunista convicto e, no fundo, considerava-se um patriota com a missão de restabelecer em Portugal uma democracia mais ou menos liberal e manter a possível unidade do «império colonial» em moldes que os Movimentos de Libertação pudessem aceitar.
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A Junta de Salvação Nacional dificilmente poderia, no dia 25 de Abril, ser considerada de esquerda e muito menos associada ao Partido Comunista. Quaisquer extrapolações posteriores só se compreendem para justificar a incapacidade, quer da direita, quer da esquerda democrática, para então fazer compreender aos homens do MFA as vantagens e superioridade da via democrática. O general Spínola que, enquanto presidente da Junta de Salvação Nacional, seria nomeado Presidente da República, Silvério Marques, Pinheiro de Azevedo, Galvão de Melo, Diogo Neto, Costa Gomes eram todos homens de direita; por outro lado, pouco se conhecia a respeito da personalidade de Rosa Coutinho, apesar de bem visto pelos americanos após um curso que frequentara naquele país.
Costa Gomes, que posteriormente viria a ser aliciado para o campo comunista, atingindo mesmo o mais baixo grau de subserviência ao dar cobertura às actividades da estratégia soviética através do Conselho Mundial da Paz, era inicialmente parte do establishment ocidental, tendo mesmo sido ele o primeiro a propor o general Spínola para presidente da Junta.
O primeiro-ministro escolhido em segunda mão para chefiar o Primeiro Governo Provisório, Prof. Adelino da Palma Carlos, era um republicano «maçom», de pendor mais conservador que liberal. Os membros do Primeiro Governo Provisório eram igualmente, na sua grande maioria, liberais e conservadores nomeados com base nas propostas e recomendações dos chefes partidários, com excepção de Raul Rego e Firmino Miguel.
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Dados os sentimentos anticomunistas do general Spínola, dada a sua amplamente demonstrada ignorância política e o facto de se saber que Mário Soares teria dito ao general que se Cunhal não entrasse ele também não entrava para o Governo, parece evidente que a decisão foi influenciada decisivamente pelos socialistas.
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O mundo inteiro recebera o anúncio do 25 de Abril com grande regozijo e quem dava garantias e tranquilizava os governos aliados de Portugal na NATO era exactamente o general Spínola e não o socialista Mário Soares, co-signatário de um «inquietante» acordo de governo com o Partido Comunista.
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O Partido Socialista achava o seu secretário-geral fundamental para organizar um partido que a 25 de Abril não existia «de facto» e que, como se veria alguns meses depois, ia sendo entregue» ao PCP no seu 1º Congresso.
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Algo semelhante me dissera em tempos Olof Palme que tivera vários contactos com Otelo Saraiva de Carvalho por quem nutria grande simpatia. Contou-me, durante um momento de boa disposição no centro de formação do movimento sindical sueco, em Bommersvik, que Otelo lhe dissera durante a sua primeira visita a Portugal, em Outubro de 1974, que antes do 25 de Abril sempre considerara a social-democracia demasiado à esquerda. Era opinião do malogrado primeiro-ministro da Suécia, que Otelo e os capitães de Abril que ele tivera oportunidade de conhecer, não passavam de militares inicialmente bem-intencionados e politicamente «analfabetos», que o PCP habilmente conseguira, com apoio da comunicação social, transformar em «estrelas».
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Mário Soares chegara a Portugal sob a influência do contrato político acordado com o PC em Paris em 1973 e, pior do que isso, perfeitamente convencido de que o PS estava predestinado a um papel subalterno em relação aos comunistas.
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Embora surpreendidos com o golpe, a satisfação com a queda do regime de Marcello Caetano foi unânime em todo o mundo e nenhuma dificuldade existiria para o reconhecimento do novo Governo. Aliás, antes mesmo de Mário Soares iniciar, a 2 de Maio de 1974, o seu périplo com a finalidade de alegadamente obter reconhecimento e apoio para o novo regime, já se tornara mais que evidente que a nomeação de Spínola para Presidente da República, a declaração do MFA e a composição da Junta de Salvação Nacional eram mais do que indícios suficientes para tranquilizar os aliados tradicionais de Portugal. O que já lhes era mais difícil de aceitar - isso sim - era a inclusão de Álvaro Cunhal e de dirigentes comunistas no governo.
E não se pense que as objecções a tal precedente num país da NATO, eram só dos EUA. Os socialistas presentes em governos europeus de países da NATO, como os da Grã-Bretanha, Alemanha, Noruega e Dinamarca demonstraram igual perplexidade!
É portanto neste contexto que se devem compreender as manobras e o círculo vicioso de contra-informação e decepção em redor da nomeação de Mário Soares para ministro dos Negócios Estrangeiros.
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Apesar da fama e prestígio que adquirira, essencialmente derivados das suas reconhecidas qualidades militares e, posteriormente, pela coragem de enfrentar Marcello Caetano, Spínola não tinha condições políticas para ser Chefe de Estado. E nenhum dos seus conselheiros foi capaz de o demover da ideia de incluir o PCP no governo. Que Mário Soares o tivesse feito compreende-se, dado o ainda fresco programa de acção comum e a subalternidade a que o PS parecia disposto a submeter-se. Agora que Freitas do Amaral também o tenha aconselhado nesse sentido é deveras surpreendente e mostra, de facto, as grandes responsabilidades que a direita teve no avanço comunista em Portugal. Num acto demonstrativo de grande versatilidade da direita portuguesa o ex-procurador à Câmara Corporativa e, então, conselheiro de Estado da «Revolução», lembraria Spínola de que já De Gaulle tinha incluído comunistas no governo francês «a seguir à vitória dos aliados na Segunda Grande Guerra». Mas, o conselho de Freitas do Amaral nem sequer se pode comparar à situação em Portugal após o 25 de Abril.
É que os Aliados saíram vitoriosos de uma Guerra devastadora contra o nazismo e contra o fascismo graças à sua tardia aliança com a União Soviética de Estaline e, em França, os comunistas tiveram um papel decisivo na Resistência e no apoio ao general De Gaulle para Presidente da República. Em Portugal a «resistência» comunista, se bem que meritória, não foi decisiva para a queda do regime que, segundo o próprio Freitas do Amaral, não era um regime fascista e a designação de Spínola não seria influenciada pelo Partido Comunista.
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Por esta altura, o tesoureiro do partido era um dos fundadores presentes em Bad Munstereifel. Carlos Carvalho, que usava como método de contabilidade a acumulação de papelinhos soltos, onde ia depositando números e com os quais passava recibos. Método aliás legado aos seus sucessores. Diplomatas e delegações estrangeiras eram recebidas nos corredores e nas escadas.”
Rui Mateus em “Contos Proibidos – Memórias de um PS desconhecido, 1996”