Valdemar Setzer, professor no Departamento de Ciência da Computação da Universidade de São Paulo, uma das vozes mais críticas da utilização de computadores por crianças, deu no passado mês de Junho uma polémica entrevista que transcrevo com a devida “tradução” para o português europeu.
"Quais são os seus principais argumentos contra o uso de computadores na educação?"
"Eu uso um argumento que talvez seja único, pois provavelmente mais ninguém o usa: o computador força um tipo de pensamento matemático, lógico-simbólico, que não é próprio para as crianças ou mesmo para os adolescentes. O computador também força uma linguagem formal, estrita. É uma máquina que trabalha com causa e efeito matemáticos, isto é, se a máquina está num certo estado, dando-se um comando ou accionando-se um ícone ocorre sempre o mesmo efeito. Isto não existe noutras máquinas e muito menos nas actividades humanas, principalmente nas relações sociais. Esse tipo de pensamento e linguagem, forçados pelo computador, não é próprio para crianças. Além disso, mais ou menos até aos oito anos de idade as crianças não distinguem fantasia e realidade.O computador e a internet exigem muita maturidade e autocontrole. Eles representam um ambiente totalmente fora do contexto cultural e de maturidade da criança. Ela teria que ter um discernimento de adulto para distinguir o que é próprio ou impróprio para a sua idade e cultura. A internet, quando usada na educação, representa uma educação libertária, onde a criança faz o que quer. Sou totalmente contra este tipo de educação, pois as crianças e adolescentes precisam de ser orientados. Em termos de internet, existe um enorme perigo para crianças e adolescentes, como foi mostrado por Gregory Smith no seu livro, "Como Proteger os seus Filhos na Internet" , que está a ser traduzido pela Editora Novo Conceito para o qual dei um parecer favorável e fiz um resumo, disponível no meu site. Nesse livro, ele mostra como as crianças e os adolescentes são extremamente ingénuos (ainda bem, senão seriam adultos!) e revelam dados pessoais em blogues, chats, e-mails etc. chegando a conversar com desconhecidos. Isto mostra a necessidade de uma certa maturidade para usar a internet. Não é, em absoluto, necessário que uma criança ou adolescente use a Internet. Afinal, nenhum adulto que hoje tenha mais de quarenta anos usou computador ou internet quando criança ou adolescente e, hoje, não tem dificuldades em usá-los. No entanto, se algum pai acha que os filhos devem usar internet, deve estar permanentemente ao lado da criança ou adolescente. Computador e internet são coisas sérias e não brinquedos. Penso que só por volta dos 17 anos é que um jovem começa a perceber que o computador e a internet podem ser instrumentos de trabalho sérios e úteis. Esta é, na minha opinião, a idade ideal para que os jovens comecem a usar a internet e o computador. Infelizmente, esta sugestão é considerada bastante utópica por parte de pais e professores, por falta de conhecimento ou pela abdicação da responsabilidade de educar."
"O que é que o Sr. achou do estudo realizado na Unicamp que aponta a queda no rendimento escolar dos alunos que usam os computadores para realizar as tarefas escolares?"
"O estudo da Unicamp confirmou um outro anterior feito no Instituto de Pesquisas Económicas da Comunidade Europeia, utilizando os mesmos dados (Saeb de 2001). Só que no da Unicamp foi feita uma análise multivariada, separando-se os alunos em classes socioeconómicas, mas no global os resultados foram os mesmos: quanto mais os alunos usam o computador, pior é o rendimento escolar. Estes e outros estudos comprovam as minhas deduções, que tinham sido puramente conceituais. Em geral, supõe-se que uma das causas do abaixamento do rendimento escolar seja a perda de tempo no uso do computador em vez da dedicação a tarefas escolares. Claro que esse é um factor importante, mas eu vou muito mais longe, pois analiso a influência do computador sobre a mente das crianças e jovens, em particular, sobre o pensamento. Por exemplo, qualquer aparelho com tela prejudica a imaginação, pois quando se vê uma foto, ou pior, um filme ou animação, não há nada mais a ser imaginado. Compare-se com a leitura de um romance onde tudo tem que ser imaginado, isto é, no segundo caso incentiva-se e treina-se a imaginação. Os desastres provocados por estes aparelhos levou um neurologista alemão, Manfred Spitzer, a escrever um livro cujo título é "Cuidado, Tela!", onde ele mostra que todos os aparelhos com tela produzem enormes prejuízos para crianças e jovens, desde um aumento de peso pela passividade física que estes aparelhos impõem até vários problemas psicológicos, como o aumento da agressividade, passando por muitos outros efeitos."
(continua…)
Apache, Setembro de 2008