“A ministra
Assunção Cristas garante que a ideia de limitar por decreto o número de animais
domésticos é apenas uma proposta que anda há sete anos a ser estudada "ao
nível [o português é o da senhora] dos serviços do Ministério" da
Agricultura [MA], processo no qual "têm sido ouvidas várias entidades, que
têm dado contributos muito sérios".
Ou seja, o
caso é ainda pior do que constou. Não vou perguntar o que se entende por
"contributos muito sérios" num tema que tresanda a circo, mas uma
coisa é uma governante com conhecidas inclinações socialistas abraçar tamanha
enormidade. Outra coisa, bastante mais assustadora, é a enormidade ter nascido
na cabeça de socialistas assumidos e entretido, durante quase dois mandatos, um
sortido indeterminado de funcionários ministeriais, além de especialistas
avulsos. Lidar com a demência de uma criatura é tarefa complicada; enfrentar a
demência de um sistema é tarefa desumana.
Não vale a
pena repetir que a quantidade de cães, gatos, hamsters e cágados que os
cidadãos apascentam em casa é assunto que só aos próprios - e aos condomínios,
a existirem - diz respeito. Talvez valha a pena pensar se, em prol da famosa
higiene pública, as restrições não se deveriam aplicar justamente aos tiranos
pequeninos que dedicam as vidas a regulamentar a vida do contribuinte que os
patrocina. Apesar das reduções na última década, o MA, por exemplo, emprega
seis mil indivíduos, cifra excessiva na medida em que a instituição serve
exclusivamente para castigar as pessoas pelas decisões que lhes competem e
premiá-las pelos fenómenos que lhes são alheios: abrigar três cachorros (ou
promover uma campanha de descontos em supermercados) dá direito a multa, sofrer
três meses de chuva suscita indemnização.
Para
protagonizar esta comédia, a senhora ministra, sozinha, chegaria e sobraria.
Sobraria porque li algures que a dra. Assunção possui quatro filhos,
notoriamente um excesso se, ao contrário do que costuma suceder com os bichos,
cada fedelho implicar berreiro nocturno (ou diurno), perturbação da ordem e
meses a fio de licença de parto, subsidiada por todos nós. Mesmo imaginando que
a estimável prole da dra. Assunção esteja isenta de tais desvarios, a lei é
cega e geral. Qual lei? A que, um belo dia, outro tirano pequenino, inspirado
por uma longa tradição de abusos, se lembrará de propor. Por enquanto, aqui
fica o meu contributo muito sério. Se quiserem um contributo a brincar,
financiem-me durante sete anos e aguardem."
Alberto
Gonçalves, no “Diário de Notícias”