quinta-feira, 7 de novembro de 2013

A higienista

“A ministra Assunção Cristas garante que a ideia de limitar por decreto o número de animais domésticos é apenas uma proposta que anda há sete anos a ser estudada "ao nível [o português é o da senhora] dos serviços do Ministério" da Agricultura [MA], processo no qual "têm sido ouvidas várias entidades, que têm dado contributos muito sérios".
Ou seja, o caso é ainda pior do que constou. Não vou perguntar o que se entende por "contributos muito sérios" num tema que tresanda a circo, mas uma coisa é uma governante com conhecidas inclinações socialistas abraçar tamanha enormidade. Outra coisa, bastante mais assustadora, é a enormidade ter nascido na cabeça de socialistas assumidos e entretido, durante quase dois mandatos, um sortido indeterminado de funcionários ministeriais, além de especialistas avulsos. Lidar com a demência de uma criatura é tarefa complicada; enfrentar a demência de um sistema é tarefa desumana.
Não vale a pena repetir que a quantidade de cães, gatos, hamsters e cágados que os cidadãos apascentam em casa é assunto que só aos próprios - e aos condomínios, a existirem - diz respeito. Talvez valha a pena pensar se, em prol da famosa higiene pública, as restrições não se deveriam aplicar justamente aos tiranos pequeninos que dedicam as vidas a regulamentar a vida do contribuinte que os patrocina. Apesar das reduções na última década, o MA, por exemplo, emprega seis mil indivíduos, cifra excessiva na medida em que a instituição serve exclusivamente para castigar as pessoas pelas decisões que lhes competem e premiá-las pelos fenómenos que lhes são alheios: abrigar três cachorros (ou promover uma campanha de descontos em supermercados) dá direito a multa, sofrer três meses de chuva suscita indemnização.
Para protagonizar esta comédia, a senhora ministra, sozinha, chegaria e sobraria. Sobraria porque li algures que a dra. Assunção possui quatro filhos, notoriamente um excesso se, ao contrário do que costuma suceder com os bichos, cada fedelho implicar berreiro nocturno (ou diurno), perturbação da ordem e meses a fio de licença de parto, subsidiada por todos nós. Mesmo imaginando que a estimável prole da dra. Assunção esteja isenta de tais desvarios, a lei é cega e geral. Qual lei? A que, um belo dia, outro tirano pequenino, inspirado por uma longa tradição de abusos, se lembrará de propor. Por enquanto, aqui fica o meu contributo muito sério. Se quiserem um contributo a brincar, financiem-me durante sete anos e aguardem."
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias”

sábado, 2 de novembro de 2013

Do politicamente correcto…


“Muito haveria a dizer sobre o marxismo cultural ou “gramsciano” que vai penetrando lentamente nas mentes sob a forma do “politicamente correcto”. Em poucas décadas, o marxismo cultural tornou-se a única força organizada à escala planetária com influência em múltiplos sectores das sociedades e tradicionais meios de comunicação de massas – televisão e imprensa e nas redes sociais onde se dissemina de forma vertiginosa.

O “politicamente correcto” é marxismo com tudo o que esta ideologia tem de nefasto: perda de liberdade de expressão, polícia do pensamento, inversão da ordem social e tradicional e, por fim, um Estado totalitário.”
Floriano Mongo, em comentário deixado no blogue “Porta da Loja"

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Um 5 de Outubro “diferente”


Comemorou-se no passado sábado o octingentésimo septuagésimo (870.º) aniversário da assinatura do Tratado de Zamora que “oficializou” a independência de Portugal. Cento e três anos depois do “braço armado” da maçonaria (a carbonária) ter imposto, à revelia da vontade popular, o actual regime, os políticos e o povo em geral devotaram à comemoração da segunda data o mesmo desprezo que no último século lhes mereceu a primeira.

Sobre o tema, deixo um texto de Vasco Pulido Valente, cujas crónicas constituem um dos poucos motivos válidos para insistir na leitura de um dos pasquins do regime, o jornal Público.

“Este é o primeiro ou segundo ano em que não se comemora o "5 de Outubro". Mas nunca a "estranha" queda da Monarquia foi tão importante para compreender a política portuguesa. A origem dessa queda começou na degradação dos partidos do regime (o Partido Regenerador e o Partido Progressista), que pouco a pouco se dividiram em quadrilhas (cada uma com seu chefe ou "marechal") e se combateram ferozmente com a prestante ajuda dos revolucionários republicanos. A história começou com o vexame diplomático do "Ultimato Inglês", continuou com sucessivas crises financeiras de 1890 a 1902, para acabar no assassinato de D. Carlos em 1908 e no caos que ele necessariamente provocou. Durante vinte anos, nem os regeneradores, nem os progressistas se conseguiram entender para fortalecer a Monarquia de que, afinal de contas, a sua própria sobrevivência dependia.
Desde o princípio (1890-1891) explodiram querelas no Partido Regenerador entre os três candidatos que persistentemente se acusavam e caluniavam para chegar à chefia absoluta, que, supunham eles, lhes garantia um poder quase ilimitado sobre o país: João Franco, Hintze Ribeiro e Júlio de Vilhena. Mas, depois da morte do rei, apareceram outros. João Franco chegou mesmo a uma cisão definitiva, criando o Partido Regenerador-Liberal, a que a “inteligência” portuguesa aderiu entusiasticamente. Um pouco mais tarde, José Maria Alpoim também se resolveu separar do Partido Progressista e fundou a “Dissidência Progressista”, famosa pela sua radical falta de escrúpulos.
D. Carlos, que percebia os perigos da situação, ainda tentou reorganizar o sistema partidário, com a ajuda de Franco e dos regeneradores-liberais. Infelizmente, era tarde para um exercício tão profundo e duro. Ele foi mesmo morto no Terreiro do Paço e Franco exilado. O desprezo que os portugueses tinham pela política, e muito particularmente pelos partidos, fez com que não mexessem um dedo para pôr alguma ordem e seriedade na política e, no “5 de Outubro”, para defender o regime da insurreição republicana. Basta dizer que no exílio (e tirando meia dúzia de obstinados) nem o rei D. Manuel queria voltar para Portugal. Embora odiassem a república, a classe média e grande parte da população não a tencionavam trocar por um regresso à vida velha; e até se divertiam a observar a humildade dos seus depenados senhores.”
Apache, Outubro de 2013

sábado, 28 de setembro de 2013

Dia de reflexão (4)

Cumpriu-se hoje mais um dia de reflexão e de futebol e, como já vem sendo hábito, por aqui, a reflexão é (sempre) pertinente.
E como foi dia de futebol ocorreu-me que algumas vezes tenho criticado (à semelhança de muitos outros) jogos com desempenhos medíocres, entre outros, do mais bem pago dos mariconços nacionais. Mas é justo que se destaque, com idêntico enfase, o melhor de Cristiano Ronaldo:
 
 
 
 
Fotos de Irina Shayk [Cliquem nas imagens para ampliar]
Apache, Setembro de 2013

sábado, 21 de setembro de 2013

“Uma Constituição madrasta e madraça”


“Aconteceu esta semana, na praia, mesmo à minha frente. Um desempregado estava a nadar e foi apanhado por uma onda. Começou a gritar por auxílio mas nenhum dos outros banhistas o acudiu, fosse por medo ou por desejo de contribuir para a diminuição dos números do desemprego (era o meu caso, pois sou ao mesmo tempo corajoso e patriota). Foi então que o artigo 227 da Constituição da República Portuguesa se lançou ao mar. Parecia um polvo, a nadar vigorosamente com as 22 alíneas do seu ponto número 1. Puxou o homem para a margem e reanimou-o - para surpresa de todos, não só porque nunca tínhamos visto a Constituição fazer fosse o que fosse pelos desempregados, mas também porque não esperávamos que a iniciativa partisse do artigo consagrado aos poderes das regiões autónomas.

O leitor mais perspicaz já estará desconfiado de que o que acabo de relatar talvez seja ligeiramente fantasioso. Tem razão. Havia um desempregado a afogar-se, de facto, mas não foi a Constituição que o salvou, como é evidente. Foi o programa do Governo, o que, aliás, não surpreende. O programa do Governo fez mais pelos desempregados em dois anos do que a Constituição em 37. Ou talvez seja abusivo dizer que o programa de Governo fez muito pelos desempregados. É mais correcto dizer que fez muitos desempregados. Mas é quase a mesma coisa.

O fundamental é reconhecer que Passos Coelho tem razão: a Constituição nunca fez nada pelos desempregados. São 296 artigos e mais um preâmbulo de pura preguiça. É uma Constituição que não cria, não inova, não pratica o empreendedorismo. Não faz sequer pequenos biscates, nem tarefas domésticas. A Constituição nunca me lavou a loiça, nem me fez a cama. Embora, diga-se, pareça muito empenhada em fazer a cama ao primeiro-ministro.

Eu não sou constitucionalista, mas admito que Passos Coelho saiba do que fala. A Constituição foi aprovada com os votos favoráveis do PSD. Jorge Miranda, considerado o pai da Constituição (e, sem desprimor para Bacelar Gouveia, também o único constitucionalista português que parece ter sido desenhado pelo autor dos Simpsons), era deputado à constituinte pelo PSD. E todas as revisões constitucionais foram aprovadas com os votos favoráveis do PSD. Na qualidade de presidente do PSD, é natural que Passos Coelho conheça bem o tipo de texto que o seu partido concebe e aprova para melhorar a vida dos desempregados.”
Ricardo Araújo Pereira, na “Visão” de 5 de Setembro

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Um tentáculo do polvo (5)

Conclusão
“As revelações de Rui Mateus sobre os negócios do Presidente Soares, em Contos Proibidos, tiveram impacto político nulo e nenhuns efeitos.
Em vez de investigar práticas porventura ilícitas de um chefe de Estado, os jornalistas preferiram crucificar o autor pela «traição» a Soares (uma tese académica elaborada depois por Edite Estrela, ex-assessora de imprensa em Belém, revelou as estratégias de sedução do Presidente sobre uma comunicação social que sempre o tratou com indulgência).
Da parte dos soaristas, imperou a lei do silêncio: comentar o tema era dar o flanco a uma fragilidade imprevisível.
Quando o livro saiu, a RTP procurou um dos visados para um frente-a-frente com Mateus – todos recusaram.
A ‘omertà’ mantém-se: o desejo dos apoiantes de Soares é varrer para debaixo do tapete esta história (i)moral da III República, e o próprio, se interrogado sobre o assunto, dirá que não fala sobre minudências, mas sobre os grandes problemas da nação.
Com a questão esquecida, Soares terminaria em glória uma histórica carreira política, mas o anúncio da sua recandidatura veio acordar velhos fantasmas.
O mandatário, Vasco Vieira de Almeida, foi o autor do acordo entre a Emaudio e Robert Maxwel. Na cerimónia do Altis, viam-se figuras centrais dos negócios soaristas, como Almeida Santos ou Ilídio Pinho, que o Presidente fizera aliar a Maxwell.
Dos notáveis próximos da candidatura do «pai da Pátria», há também homens da administração de Macau sob tutela de Soares, como António Vitorino e Jorge Coelho, actuais eminências pardas do PS; Ou Carlos Monjardino, conselheiro para a gestão dos fundos soaristas e presidente de uma fundação formada com dinheiros de Stanley Ho.
Outros ex-«macaenses» influentes são o Ministro da Justiça Alberto Costa que, como director do Gabinete de Justiça do território, interveio para minorar os estragos de um caso judicial que destapou as ligações entre o soarismo e a Emaudio, ou o presidente da CGD por nomeação de Sócrates, Santos Ferreira, que o governador Melancia pôs à frente das obras do aeroporto de Macau.
Será o polvo apenas uma bela teoria da conspiração?”
Joaquim Vieira

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Um tentáculo do polvo (4)

“Ao investigar o caso de corrupção na base do «fax de Macau», o Ministério Público entreviu a dimensão da rede de negócios então dirigida pelo Presidente Soares, desde Belém.

A investigação foi encabeçada por António Rodrigues Maximiano, procurador-geral adjunto da República, que a dada altura se confrontou com a eventualidade de inquirir o próprio Soares.
Questão demasiado sensível, que Maximiano colocou ao então procurador-geral da República, Narciso da Cunha Rodrigues. Dar esse passo era abrir a caixa de Pandora, implicando uma investigação ao financiamento dos partidos políticos, não só do PS mas também do PSD – há quase uma década repartindo os governos entre si.
A previsão era catastrófica: operação «mãos limpas» à italiana, colapso do regime, república dos juízes.
Cunha Rodrigues, envolvido em conciliábulos com Soares em Belém, optou pela versão mínima: deixar de fora o Presidente e limitar o caso a apurar se o Governador de Macau, Carlos Melancia, recebera um suborno de 250 mil euros.
Entretanto, Já Robert Maxwell abandonara a parceria com o grupo empresarial de Soares, explicando a decisão em carta ao próprio Presidente.
Mas logo a seguir surge Stanley Ho a querer associar-se ao grupo soarista, intenção que, segundo relata Rui Mateus em Contos Proibidos, o magnata dos casinos de Macau lhe comunica «após consulta ao Presidente da República, que ele sintomaticamente apelida de boss».
Só que Mateus cai em desgraça, e Ho negociará o seu apoio com o próprio Soares, durante uma «presidência aberta» que este efectua na Guarda.
Acrescenta Mateus no livro que o grupo de Soares queria ligar-se a Ho e à Interfina (uma empresa portuguesa arregimentada por Almeida Santos) no gigantesco projecto de assoreamento e desenvolvimento urbanístico da baía da Praia Grande, em Macau, lançado ainda por Melancia, e onde estavam «previstos lucros de alguns milhões de contos».
Com estas operações, esclarece ainda Mateus, o Presidente fortalecia uma nova instituição: A Fundação Mário Soares.”
(continua)

domingo, 26 de maio de 2013

Um tentáculo do polvo (3)


“A empresa Emaudio, dirigida na sombra pelo Presidente Soares, arrancou pouco após a sua eleição e, segundo Rui Mateus em Contos Proibidos, contava «com muitas dezenas de milhar de contos “oferecidos” por Robert Maxwell (…), consideráveis verbas oriundas do “ex-MASP” e uma importante contribuição de uma empresa próxima de Almeida Santos».
Ao nomear governador de Macau um homem da Emaudio, Carlos Melancia, Soares permite juntar no território Administração Pública e negócios privados.
Acena-se a Maxwell a entrega da estação pública de TV local, com a promessa de fabulosas receitas publicitárias. Mas, face a dificuldades técnicas, o inglês, tido por Mateus como «um dos grandes vigaristas internacionais», recua.
O esquema vem a público, e Soares acusa os gestores da Emaudio de lhe causarem perda de popularidade, anuncia-lhes alterações ao projecto e exige a Mateus as acções de que é depositário e permitem controlar a empresa.
O testa-de-ferro, fiel soarista, será cilindrado – tal como há semanas sucedeu, noutro contexto, a Manuel Alegre.
Mas antes resiste, recusando devolver as acções e emperrando a reformulação do negócio. E, quando uma empresa alemã reclama por não ter contrapartida dos 250 mil euros pagos para obter um contrato na construção do novo aeroporto de Macau, Mateus propõe o envio de um fax a Melancia exigindo a devolução da verba.
O Governador cala-se. Almeida Santos leva a mensagem a Soares, que também se cala.
Então, Mateus dá o documento a O Independente, daqui nascendo o «escândalo do fax de Macau».
Em plena visita de Estado a Marrocos, ao saber que o Ministério Público está a revistar a sede da Emaudio, o Presidente envia de urgência a Lisboa Almeida Santos (membro da sua comitiva) para minimizar os estragos. Mas o processo é inevitável.
Se Melancia acaba absolvido, Mateus e colegas são condenados como corruptores.
Uma das revelações mais curiosas do seu livro é que o suborno (sob o eufemismo de «dádiva política») não se destinou de facto a Melancia, mas «à Emaudio ou a quem o Presidente da República decidisse». Quem, afinal, deveria ser réu?”
(continua…)

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Um tentáculo do polvo (2)


“A rede de negócios que Soares dirigiu enquanto Presidente, foi sedeada na empresa Emaudio, agrupando um núcleo de próximos seus, dos quais António Almeida Santos, eterna ponte entre política e vida económica, Carlos Melancia, seu ex-ministro, e o próprio filho, João Soares.
A figura central era Rui Mateus, que detinha 60 mil acções da Fundação de Relações Internacionais (subtraída por Soares à influência do PS após abandonar a sua liderança), as quais eram do Presidente mas que fizera do outro depositário na sua permanência em Belém – relata Mateus em Contos Proibidos.
Soares controlaria assim a Emaudio pelo seu principal testa-de-ferro no grupo empresarial. Diz Mateus que o Presidente queria investir nos ‘media’: daí o convite inicial para Silvio Berlusconi (o grande senhor da TV italiana, mas ainda longe de conquistar o Governo) visitar Belém. Acordou-se a sua entrada com 40% numa empresa em que o grupo de Soares reteria o resto, mas tudo se gorou por divergências no investimento.
Soares tentou então a sorte com Rupert Murdoch, que chegou a Lisboa munido de um memorando interno sobre a sua associação a «amigos íntimos e apoiantes do Presidente Soares», com vista a «garantir o controlo de interesses nos media favoráveis ao Presidente Soares e, assumimos, apoiar a sua reeleição».
Interpôs-se porém, outro magnata, Robert Maxwell, arqui-rival de Murdoch, que invocou em Belém credenciais socialistas. Soares daria ordem para se fazer o negócio com este. O empresário inglês passou a enviar à Emaudio 30 mil euros mensais.
Apesar de os projectos tardarem, a equipa de Soares garantira o seu «mensalão».
Só há quatro anos foi criminalizado o tráfico de influências em Portugal, com a adesão à Convenção Penal Europeia contra a Corrupção.
Mas a ética política é um valor permanente e as suas violações não prescrevem. Daí a actualidade destes factos, com a recandidatura de Soares.
O então Presidente ficaria aliás nervoso com a entrada em cena das autoridades judiciais.”
(continua…)

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Um tentáculo do polvo (1)


Contada em Setembro de 2005 [aquando da (última) candidatura de Mário Soares a Belém] na revista “Grande Reportagem”, pelo jornalista Joaquim Vieira, a história é velha tal qual os seus protagonistas, mas permanece teimosamente actual.

“Além da brigada do reumático que é agora a sua comissão, outra faceta distingue esta candidatura de Mário Soares a Belém das anteriores: após a edição de Contos Proibidos – Memórias de um PS Desconhecido, do seu ex-companheiro de partido Rui Mateus, o livro, que noutra democracia europeia daria escândalo e inquérito judicial, veio a público nos últimos meses do segundo mandato presidencial de Soares e foi ignorado pelos poderes da República.
Em síntese, que diz Mateus?
Que, após ganhar as primeiras presidenciais, em 1986, Soares fundou com alguns amigos políticos um grupo empresarial destinado a usar os fundos financeiros remanescentes da campanha.
Que a esse grupo competia canalizar apoios monetários antes dirigidos ao PS, tanto mais que Soares detestava quem lhe sucedeu no partido, Vítor Constâncio (um anti-soarista), e procurava uma dócil alternativa a essa liderança.
Que um dos objectivos da recolha de dinheiros era financiar a reeleição de Soares.
Que, não podendo presidir ao grupo por razões óbvias, Soares colocou os amigos como testas-de-ferro, embora reunisse amiúde com eles para orientar a estratégia das empresas, tanto em Belém como nas suas residências particulares.
Que, no exercício do seu «magistério de influência» (palavras suas, noutro contexto), convocou alguns magnatas internacionais – Rupert Murdoch, Silvio Berlusconi, Robert Maxwell e Stanley Ho – para o visitarem na Presidência da República e se associarem ao grupo, a troco de avultadas quantias que pagariam para facilitação dos seus investimentos em Portugal.
Note-se que o «Presidente de todos os portugueses» não convidou os empresários a investir na economia nacional, mas apenas no seu grupo, apesar de os contribuintes suportarem despesas de estada.
Que moral tem um país para criticar Avelino Ferreira Torres, Isaltino Morais, Valentim Loureiro ou Fátima Felgueiras, se acha normal uma candidatura presidencial manchada por estas revelações?
E que foi feito dos negócios do Presidente Soares?"
(continua…)

sábado, 13 de abril de 2013

As novas oportunidades de velhos oportunistas

«Sem pompa nem circunstância, encerraram os Centros Novas Oportunidades (NO). As NO responderam às carências do País em matéria de certificações sem responder às carências do País em matéria de aprendizagem. Ou seja, as pessoas entravam formal e tecnicamente desqualificadas nos espaços de formação e, decorridos meses, deles saíam apenas tecnicamente desqualificadas. Pelo meio, a troco de "histórias de vida" e conversa fiada, ganhavam um papel que lhes garantia a posse do 9.º ou do 12.º ano. Mil e oitocentos milhões de euros depois, 400 mil portugueses são os confusos proprietários do tal papel e os candidatos ao desemprego ou a profissões desvalorizadas que sempre haviam sido. Ao contrário do que alguns charlatães chegaram a afirmar, criticar as NO não significava insultar os incautos que por elas passaram: ao arregimentar incautos para efeitos de propaganda, as NO eram o insulto. E a abolição de um insulto é uma boa notícia.

Estranhamente, essa notícia não mereceu os festejos suscitados por uma segunda notícia feliz e quase simultânea, a da demissão do ministro Miguel Relvas, que obtivera uma licenciatura à custa do exacto tipo de equivalências imaginárias que fundamentavam as NO. Mais estranho é que muitos dos que defendiam as NO sejam os mesmos que, com alguma razão e escassa legitimidade, acharam o processo do "dr." Relvas um atentado à democracia. Se o processo do "dr." Relvas é misterioso, não se compara ao mistério das reacções que fomentou.
Uma reacção típica consistiu em afirmar que a demissão pecou por tardia. Nada a obstar: por lealdade, necessidade ou pura dependência, o dr. Passos Coelho deixou que os estragos provocados pelo currículo "académico" do "dr." Relvas se prolongassem indefinidamente, com custos que o Governo dispensava. Apesar disso, o "dr." Relvas lá acabou por sair, o que nem sempre se pode dizer de governantes com licenciaturas igualmente duvidosas que se agarraram ao poder e sobreviveram à revelação das trapalhadas universitárias.
Outra reacção à saída do "dr." Relvas indigna-se com Nuno Crato, que alegadamente guardou por dias ou semanas o relatório da Inspeção-Geral da Educação e Ciência acerca do famoso canudo. Os indignados esquecem-se de que é inédito um ministro concordar com uma decisão que coloca em causa um seu colega. Sobretudo esquecem-se de que o antecessor desse ministro contemplou indiferente uma aldrabice similar à do "dr." Relvas (indiferente, vírgula: fechou a universidade em questão sem beliscar os respectivos beneficiados).
Uma terceira reacção trata de esclarecer que o "dr." Relvas não era, cito, "um ministro qualquer", logo a confirmação das habilidades praticadas na Lusófona abala gravemente o Governo. Acho óptimo que abale, ainda que ache esquisito o facto de governos anteriores escaparem ilesos à revelação de habilidades semelhantes praticadas por um membro que também não era um ministro qualquer: era o primeiro.
Entre as donzelas ofendidas com a novela do "dr." Relvas há inúmeras galdérias em novelas passadas. Hoje, puxam da virtude com o zelo com que ontem disfarçavam o vício. Levá-las a sério é reduzir Portugal a uma anedota. Como o "dr." Relvas, mas não só o "dr." Relvas.»
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias” de 7 de Abril

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Comentando comentadores…

“Portugal é (deixem-me só abrir um parêntesis para comentar este meu comentário. Sinto que estou em desvantagem, nisto de comentar. Bem sei que, todas as semanas, faço aqui comentários, mas tenho vontade de ir um pouco mais além e começar a comentar o que vou comentando. Se há quem possa fazer e depois comentar, como José Sócrates, a mim, que só comento, devia ser permitido comentar os comentários que vou fazendo. Toda a gente tem comentado coisas, em Portugal (e isto é, no fundo, um parêntesis ao parêntesis, no qual pretendo comentar o comentário que fiz ao meu primeiro comentário), embora sejam comentários de natureza diferente. Sócrates, logo para começar, vai fazer comentários, assunto que muitos comentadores já comentaram nos seus espaços de comentário. Uns comentaram favoravelmente, outros comentaram desfavoravelmente, e outros preferiram não comentar até que Sócrates comece a fazer os comentários propriamente ditos. Eu assisti a tudo isto e disse para mim: "sem comentários..." (porque em geral não gosto de dar demasiada confiança a mim mesmo), mas talvez seja altura de estruturar um comentário a todos estes comentários. Em primeiro lugar, gostaria de apontar uma curiosa simetria. O Sócrates do presente terá agora muitas oportunidades para comentar o Sócrates do passado; e o Passos Coelho do passado parece apostado em comentar o Passos Coelho do presente. Ainda esta semana se voltou a recordar um comentário antigo de Passos Coelho: "Não podemos permitir que todos aqueles que estão nas empresas privadas ou que estão no Estado fixem objectivos e não os cumpram. Sempre que se falham os objectivos, sempre que a execução do Orçamento derrapa, sempre que arranjamos buracos financeiros onde devíamos estar a criar excedentes de poupança, aquilo que se passa é que há mais pessoas que vão para o desemprego e a economia afunda-se. (...) Se nós temos um Orçamento e não o cumprimos, se dissemos que a despesa devia ser de 100 e ela foi de 300, aqueles que são responsáveis pelo resvalar da despesa também têm de ser civil e criminalmente responsáveis pelos seus actos e pelas suas acções. (...) Quem impõe tantos sacrifícios às pessoas e não cumpre, merece ou não merece ser responsabilizado civil e criminalmente pelos seus actos?" São palavras do Passos Coelho do passado, dirigidas ao Sócrates do passado, mas que poderiam aplicar-se ao Passos Coelho do presente. O Passos Coelho do passado é um comentador tão bom que comenta o Governo dos outros e o dele na mesma leva - sendo que o dele não existia ainda. Por outro lado, o Sócrates do presente poderá ser muito útil a explicar as acções do Sócrates do passado. Sobretudo aquelas que até hoje parecem pertencer ao domínio do inexplicável. Se o próprio, ainda para mais munido de um curso de filosofia, não conseguir explicá-las, ninguém consegue. O Passos Coelho do passado e o Sócrates do presente têm tudo para ser excelentes comentadores. Infelizmente, o Passos Coelho do presente e o Sócrates do passado são primeiros-ministros muito maus. O que perdemos como cidadãos, ganhamos como espectadores) muito lindo.”
Ricardo Araújo Pereira, na “Visão” da semana passada.

domingo, 7 de abril de 2013

Ah, ah, ah… Agora é que vem aí o emagrecimento do Estado.

Francisco Sarsfield Cabral (FSC) disse, na Rádio Renascença, que foi ontem divulgado um manifesto de economistas e outras personalidades sobre a redução da despesa pública, considerando o manifesto como “uma contribuição positiva”. Diz FSC:
«Com certeza que a esmagadora maioria da despesa pública é mera transferência de dinheiro, com uma função redistributiva. A “máquina do Estado” não gasta com ela própria mais de 15% do total dessa despesa. Mas, por exemplo, existe um autêntico Estado paralelo, que consome muito dinheiro público de forma pouco transparente e sem utilidade comprovada. Ora, o Governo ainda não abanou sequer esse Estado paralelo, diz o manifesto.
O que se fez quanto às fundações foi curto e com muitos erros. O manifesto aponta 13 000 “estruturas sobrepostas” que vivem, pelo menos em parte, do Orçamento. E depois há inúmeros Observatórios, alguns inúteis. E gente a mais nos gabinetes dos ministros, etc. É urgente emagrecer a sério o Estado paralelo.»
Por sua vez recorde-se que, segundo o Correio da Manhã, o Presidente do Conselho Geral e de Supervisão da EDP, Eduardo Catroga, recebeu em 2012 cerca de 430 mil euros em remunerações. Na mesma empresa, o Presidente Executivo, António Mexia, recebeu, igualmente em 2012, 1 milhão e 200 mil euros de ordenados aos quais se juntou um prémio plurianual (referente aos três anos anteriores) que elevou o total de remunerações auferidas no ano transacto para 3 milhões e 100 mil euros. Recorde-se, igualmente, que em 2012 os lucros da EDP ultrapassaram os mil milhões de euros e que os portugueses pagam uma das electricidades mais caras da Europa.
Enquanto isso, o Primeiro-Ministro, Pedro Passos Coelho (PPC), veio falar ao país mostrando-se indignado pelo facto do Tribunal Constitucional não ter autorizado que o seu braço direito, o camarada Louçã Rabaça, continue a roubar as remunerações dos funcionários públicos. Diz PPC que, assim sendo, vai agora (quase dois anos após ter tomado posse) começar a cumprir o programa eleitoral do PSD e cortar na despesa do Estado porque não quer aumentar mais impostos. Aguardem, com baixa espectativa para evitar mais desilusões, os votantes no PSD para verem se é desta que PPC coloca açaime no maoista das finanças. Pessoalmente, evoco (mais uma vez) o direito ao cepticismo.
Apache, Abril de 2013

sexta-feira, 29 de março de 2013

Carta a um desempregado…

“Caro desempregado,

Em nome de Portugal, gostaria de agradecer o teu contributo para o sucesso económico do nosso país. Portugal tem tido um desempenho exemplar, e o ajustamento está a ser muito bem-sucedido, o que não seria possível sem a tua presença permanente na fila para o centro de emprego. Está a ser feito um enorme esforço para que Portugal recupere a confiança dos mercados e, pelos vistos, os mercados só confiam em Portugal se tu não puderes trabalhar. O teu desemprego, embora possa ser ligeiramente desagradável para ti, é medicinal para a nossa economia. Os investidores não apostam no nosso país se souberem que tu arranjaste emprego. Preferem emprestar dinheiro a pessoas desempregadas.
Antigamente, estávamos todos a viver acima das nossas possibilidades. Agora estamos só a viver, o que aparentemente continua a estar acima das nossas possibilidades. Começamos a perceber que as nossas necessidades estão acima das nossas possibilidades. A tua necessidade de arranjar um emprego está muito acima das tuas possibilidades. É possível que a tua necessidade de comer também esteja. Tens de pagar impostos acima das tuas possibilidades para poderes viver abaixo das tuas necessidades. Viver mal é caríssimo.
Não estás sozinho. O governo prepara-se para propor rescisões amigáveis a milhares de funcionários públicos. Vais ter companhia. Segundo o primeiro-ministro, as rescisões não são despedimentos, são janelas de oportunidade. O melhor é agasalhares-te bem, porque o governo tem aberto tantas janelas de oportunidade que se torna difícil evitar as correntes de ar de oportunidade. Há quem sinta a tentação de se abeirar de uma destas janelas de oportunidade e de se atirar cá para baixo. É mal pensado. Temos uma dívida enorme para pagar, e a melhor maneira de conseguir pagá-la é impedir que um quinto dos trabalhadores possa produzir. Aceita a tua função neste processo e não esperneies.
Tem calma. E não te preocupes. O teu desemprego está dentro das previsões do governo. Que diabo, isso tem de te tranquilizar de algum modo. Felizmente, a tua miséria não apanhou ninguém de surpresa, o que é excelente. A miséria previsível é a preferida de toda a gente. Repara como o governo te preparou para a crise. Se acontecer a Portugal o mesmo que ao Chipre, é deixá-los ir à tua conta bancária confiscar uma parcela dos teus depósitos. Já não tens lá nada para ser confiscado. Podes ficar tranquilo. E não tens nada que agradecer.”
Ricardo Araújo Pereira, na “Visão” desta semana

domingo, 10 de março de 2013

"A bravata"

“(…) Se a credibilidade do relatório do FMI já era exígua, os acontecimentos recentes reduziram-na a zero. E o silêncio do Governo e de Carlos Moedas sobre os factos trouxe a destaque a falta de ética que juntou mandantes e mandados da vergonhosa manobra. Carlos Mulas-Granados, um dos autores da coisa, tinha dois heterónimos. Com um facturava euros. Com o outro dizia, à quarta, o contrário do que recomendava à terça. O homem, jovem professor de economia da Universidad Complutense de Madrid, desancou o primeiro-ministro inglês por este ter aumentado as propinas do ensino superior e reduzido as contribuições sociais. Com o heterónimo que não chegou a baptizar, recomendou ao primeiro-ministro português que aumentasse as propinas e reduzisse ainda mais as prestações sociais. Verdadeiro expoente do empreendedorismo moderno, criou uma versátil cronista virtual, de sua graça Amy Martin, que ao bom jeito da indústria financeira da moda facturava a três mil euros por peça artigos que nunca escreveu, sobre coisas tão diversas como cinema, energia nuclear, felicidade e economia. Foi agora demitido de director-geral da Fundación Ideas, do PSOE (Partido Socialista Obrero Españoll), por fraude. Mas não ouvimos uma palavra de Carlos Moedas, de reconsideração, sobre a porcaria que elogiou e assim fede a céu aberto. (…)”
Santana Castilho, no jornal “Público” de 30 de Janeiro

domingo, 24 de fevereiro de 2013

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Olho para o negócio

Entre 2002 e 2008 o consumo de ansiolíticos, soporíferos, sedativos e antidepressivos aumentou, em Portugal, mais de 30% passando de 115 para 152 doses por dia, por cada 1000 habitantes. O consumo destas drogas, em Portugal, é quase quatro vezes superior ao da média europeia que é de 41 doses diárias por cada milhar de habitantes.

José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa, ex-Primeiro-Ministro de Portugal (entre Março de 2005 e Junho de 2011) e ex-vendedor de computadores portáteis (Magalhães), refugiado-estudante em Paris (que deve estar quase a concluir um curso de “inginharia” Farmacêutica (para juntar às já cursadas: Civil e Sanitária, além dos cursos de Direito e Gestão) é, desde 1 de Janeiro de 2013, delegado de informação médica, perdão, Presidente do Conselho Consultivo da Octapharma AG (farmacêutica Suíça) para a América Latina.
Apache, Fevereiro de 2013

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Ainda sobre a sodomização da camorra…

Na sequência do texto indignado do ex-Secretário de Estado da Cultura sobre a idiotia de Paulo Núncio querer, vertendo em norma jurídica, obrigar o cidadão a pedir factura de todas as compras efectuadas, Alberto Gonçalves, cronista no Diário de Notícias, com a frontalidade e humor que o caracterizam, escreve:

“Os resultados do nosso trabalho já são extorquidos em quantidade suficiente e segundo métodos impossíveis de contornar. É da mais elementar lucidez resistir, dentro do possível, a extorsões adicionais. Não vou ao ponto de, à semelhança de Francisco José Viegas, sugerir que se mande os empregados do fisco "tomar no cú". O Francisco exagera nos brasileirismos: os verbos "levar" ou "apanhar" chegam e sobram para um Governo com aura liberal, hábitos socialistas e processos napolitanos.“
Apache, Fevereiro de 2013

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Teoria da sodomização dos fiscais das finanças poupando os camaradas do Ministério

Francisco José Viegas, que até finais de Outubro de 2012 foi Secretário de Estado da Cultura deste Governo, tornou-se uma das vozes mais activas na crítica à obrigatoriedade do cidadão anónimo pedir factura de todas as compras efectuadas.
Não convém esquecermos que Francisco José Viegas estava no Governo quando Passos Coelho decidiu aumentar (para mais, brutalmente) impostos, depois de em campanha eleitoral ter dito que não o faria.
Não convém esquecermos que Francisco José Viegas era Secretário de Estado da Cultura e foi incapaz de colocar o Acordo Ortográfico no único sítio onde ele merece estar, o caixote do lixo.
Não convém esquecermos que Francisco José Viegas, ex-católico, agora convertido ao judaísmo (que eu saiba) nunca manifestou publicamente opinião contrária a outras taras socialistas (igualmente, moralmente inaceitáveis) como a legalização do aborto (que nalguns escritos no seu blogue parece corroborar) ou o casamento homossexual e, num dos textos mediáticos a que me refiro parece manifestar opinião favorável à legalização dos bordéis.
Ainda assim, porque a (generalidade da) mensagem é muito mais importante que o mensageiro, aqui se reeditam as palavras do jornalista e escritor manifestamente contrárias às ideias do camarada Paulo Núncio (Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, alegadamente “pai” do desvario) publicadas ontem no seu blogue, “A origem das espécies”.

“Uma vez por outra, o Estado podia meter-se na sua vida e dar algum exemplo de sensatez – mas, toda a gente sabe, isso é superior às suas forças. Agora, é a questão das facturas, um tema simples que podia ser resolvido de maneira simples; não, o Estado não o permitiria e determinou que os “consumidores finais” que não exigirem factura nas suas aquisições, de lingerie a sabão azul e branco, arriscam uma multa a ser aplicada pelas autoridades. Ou seja: o Estado serve-se dos cidadãos para vigiar as transacções comerciais na mais longínqua aldeia de Trás-os-Montes ou da ilha das Flores, mesmo nos lugares de onde se ausentou voluntariamente. Que as grandes empresas, mancomunadas com o Estado, encontrem formas de escapar ao aperto fiscal – é um facto da vida; mas que um Estado falido e especialista em extorsão decida sitiar os cidadãos com leis absurdas, é coisa digna de um monumental manguito.”

E…

"Caro Paulo Núncio: queria apenas avisar que, se por acaso, algum senhor da Autoridade Tributária e Aduaneira tentar «fiscalizar-me» à saída de uma loja, um café, um restaurante ou um bordel (quando forem legalizados) com o simpático objectivo de ver se eu pedi factura das despesas realizadas, lhe responderei que, com pena minha pela evidente má criação, terei de lhe pedir para ir tomar no cú, ou, em alternativa, que peça a minha detenção por desobediência. Ele, pobre funcionário, não tem culpa nenhuma; mas se a Autoridade Tributária e Aduaneira quiser cruzar informações sobre a vida dos cidadãos, primeiro que verifique se a Comissão Nacional de Protecção de Dados já deu o aval, depois que pague pela informação a quem quiser dá-la.”
[Grafia dos textos de Francisco José Viegas corrigida, por mim, para a escrita anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.]
Apache, Fevereiro de 2013

domingo, 27 de janeiro de 2013

Os mercados, a euforia e a memória

A semana ficou marcada pelo regresso de Portugal aos mercados, operação que, na versão do Governo, decorreu com sucesso. Confesso que tenho muitas dificuldades em encontrar uma razão para a euforia vivida. Por um lado porque há apenas dois meses que não íamos aos mercados; se fosse para comprar peixe fresco, concordaria que dois meses corresponderiam a uma ausência significativa, mas, caramba, foi para pedir dinheiro, ou melhor, vender a dívida que entretanto venceu (agora, em “economês”, diz-se “atingiu a maturidade”) e que teríamos de pagar se tivéssemos dinheiro para isso, mas acontece que não temos, portanto, a solução passou (tal como em quase todas as dezenas de visitas anteriores) por pedir dinheiro para pagar a dívida vencida, transferindo-a para o futuro.
Perguntará o leitor curioso (se não está curioso faça o favor de fingir para evitar perda de credibilidade do autor, que esta coisa dos mercados funciona na base da credibilidade): Mas, então, porquê todo este foguetório?
Bom, por um lado porque Portugal (tal como os restantes países híper-endividados e sem tostão para pagar os calotes) é um mercado-dependente e costuma pedir dinheiro com uma periodicidade (aproximadamente) mensal, tendo desta vez sobrevivido dois meses sem ir ao mercado (não necessitou porque passou a financiar-se junto da troika, dirá o leitor… eu sei, mas queira fazer o favor de não estragar a única frase optimista deste texto) e por outro porque a dívida agora contraída só vence daqui a 5 anos e desde Fevereiro de 2011 que Portugal não vendia dívida com um prazo tão longo com medo que os investidores achassem que jamais veriam o seu dinheiro de volta.
Questionará, de novo, o leitor: Então, esta operação mostra que a credibilidade do país subiu e os credores confiam agora que Portugal está no bom caminho e vai conseguir cumprir as suas obrigações e pagar a sua dívida?
Mau, mas eu não avisei já que este texto só tem uma frase optimista? Os 2,5 mil milhões conseguidos por Portugal (numa operação sindicada por quatro bancos: Barclays, Deutsche, Morgan Stanley e BES; quer isto dizer que estes bancos procuraram previamente investidores interessados para afastar a possibilidade de insucesso na operação) vão ser remunerados com uma taxa de juro muito próxima dos 5%, tendo o Banco Central Europeu como fiador. Ora, uma taxa de rentabilidade de 5% num negócio de risco (praticamente) nulo é bastante apetecível, daí a procura ter sido cerca de quatro vezes superior à oferta.
Entretanto, prevenindo mais questões por parte do leitor, convencido que é o único questionador disponível no mercado, termino deixando também algumas dúvidas para as quais aguardo pacientemente resposta:
A ida frequente (por parte do Governo) aos mercados é boa porque demonstra a nossa independência face à troika ou má porque estes juros são mais altos que os cobrados pela dita troika, para mais, acrescidos das comissões bancárias necessariamente elevadas em operações sindicadas (como esta)?
A ida frequente (por parte do Governo) aos mercados é boa porque nos podemos financiar (ainda que esse dinheiro possa jamais chegar à economia) ou má porque aumenta a nossa, nada pequena, dívida pública (que rondará já os 120% do PIB)?
Foi uma operação a título excepcional ou repetir-se-á a um ritmo idêntico ao do ano passado, onde só nos primeiros dois meses do ano Portugal emitiu mais de 9,2 mil milhões em bilhetes do tesouro?
Porque é que o Governo prefere cortar ordenados e pensões à Função Pública em vez de os pagar nestes títulos? Tem medo que o povão enriqueça e por isso evita poupanças, deixando a quem conseguir tal milagre uma remuneração (regra geral) não superior a 3%, concedida pela “benevolente” banca?
Apache, Janeiro de 2013