“Nos últimos dias sucederam-se peças altamente perturbadoras sobre a situação da nossa Justiça ao mais alto nível, com a comunicação social a demonstrar que o PGR terá contornado o rigor dos factos numa ida ao Parlamento e amanhã um jornal a assinalar coincidências demasiado graves para nos sentirmos a viver num país onde reste um pingo de seriedade no mundo da política, economia e justiça, tudo assim com letra pequena.
Ver alguém colocado numa empresa com a dimensão da PT, cujo currículo se resume a criar uma ferramenta de propaganda para a ascensão do Grande Líder, refugiar-se em declarações aos deputados numa cadeia de comando para justificar as suas acções e alegar factos desmentidos poucas horas depois, ao mesmo tempo que uma deputada chic observa tudo com ar entediado, ocupando-se com qualquer coisa (não percebi se seria telemóvel ou caixa de pó de arroz) para desanuviar o seu evidente desinteresse pelo que se passava diante de si, deixa-me uma sensação de enorme repulsa pelo estado a que tudo isto vai chegando, numa espiral que parece não ter forma de acabar.
Eu sei que é redundante fazer este tipo de discurso pessimista, decadentista, mas é impossível observar isto e não sentir algo de profundamente visceral, no pior dos sentidos.
Uma sensação de claustrofobia perante as teias e os cordelinhos que tudo tentam controlar. Ver o ponto a que chegou o desplante de arrivistas que ascenderam na base do mais descarado clientelismo, aparentemente com uma sensação de impunidade que só pode ter nascido da certeza de protecção superior.
Eu sei também que esta não passa de uma variação do discurso que analistas e opinadores como Pacheco Pereira ou Vasco Pulido Valente desenvolvem há muito tempo.
Mas é quase impossível não ver isto tudo deste modo turvo.
E não nos sentirmos diariamente ofendidos na nossa (mesmo que escassa) inteligência.
Há tempos alguém me dizia que eu não sou esperto, que o mundo e as vantagens estão do lado dos espertos. O contexto era outro, mas aplica-se que nem uma luva ao que observamos por estes dias. Um estado de calamidade que não se decreta para não pagar reembolsos a turistas, aparelhistas de segunda linha a controlar negócios de milhões, isaltinos a quererem aparecer como moralizadores do estado, pequenos-almoços negociados para patego consumir.
Ainda há horas alguém me escrevia que eu pareço emocional ou mentalmente perturbado.
Não me choquei. É verdade. Estou sinceramente perturbado com tudo isto, por ser exactamente como eu sempre soube que era, depois de o ter imaginado e vislumbrado muito antes. Porque, como em várias outras coisas, eu nem queria ter razão e ver provadas as minhas mais negras teorias.
Não há um polvo, mas vários polvos, de que sentimos, por vezes apenas de passagem, os tentáculos.
Vários polvos em disputa. Pela supremacia num mar em que pretendem tudo agarrar ou, se alguém resiste, asfixiar.
Portugal não está amordaçado. Portugal não está sem liberdade de expressão. E, de certa forma, tudo o que se está a passar o demonstra.
Mas Portugal está gravemente doente e chega a ser extraordinário como ainda resiste. A disputa pelo que resta açambarcar até 2013 está ao rubro.
É disso que se trata.
Há um par de semanas, alguém – com um olhar preocupado e parcialmente externo – me perguntava se isto tem salvação e quem pode ainda salvar Portugal, pois está por um fio.
Respondi que sinceramente não sei, pois não consigo ver quase nenhum recanto que não esteja salpicado por lama. A lama que cuidadosamente, ao longo de anos, houve o cuidado de depositar em vários pontos, antes de ligar a ventilação e a espalhar por todo o lado, na forma de favores, cheques, posições, contratos, acordos, cumplicidades, e tudo aquilo que todos sabemos, da micro-escala do pequeno feudo à macro-escala dos negócios orçamentais de grande porte.
E nós, a grande maioria limita-se a observar em estado de crescente entorpecimento, com exaltações cívicas pontuais que nem sequer muitos percebem ser instrumentalizadas exactamente para servirem de escape passageiro para as frustrações e tudo manterem na mesma.
Discutindo a percentagem acrescida da nova penalização para as aposentações antecipadas.
Enquanto outros se lambuzam.
Isto está mesmo – de novo – uma imensa choldra.”
Paulo Guinote, autor do blogue “A educação do meu umbigo”