sexta-feira, 12 de abril de 2013

Comentando comentadores…

“Portugal é (deixem-me só abrir um parêntesis para comentar este meu comentário. Sinto que estou em desvantagem, nisto de comentar. Bem sei que, todas as semanas, faço aqui comentários, mas tenho vontade de ir um pouco mais além e começar a comentar o que vou comentando. Se há quem possa fazer e depois comentar, como José Sócrates, a mim, que só comento, devia ser permitido comentar os comentários que vou fazendo. Toda a gente tem comentado coisas, em Portugal (e isto é, no fundo, um parêntesis ao parêntesis, no qual pretendo comentar o comentário que fiz ao meu primeiro comentário), embora sejam comentários de natureza diferente. Sócrates, logo para começar, vai fazer comentários, assunto que muitos comentadores já comentaram nos seus espaços de comentário. Uns comentaram favoravelmente, outros comentaram desfavoravelmente, e outros preferiram não comentar até que Sócrates comece a fazer os comentários propriamente ditos. Eu assisti a tudo isto e disse para mim: "sem comentários..." (porque em geral não gosto de dar demasiada confiança a mim mesmo), mas talvez seja altura de estruturar um comentário a todos estes comentários. Em primeiro lugar, gostaria de apontar uma curiosa simetria. O Sócrates do presente terá agora muitas oportunidades para comentar o Sócrates do passado; e o Passos Coelho do passado parece apostado em comentar o Passos Coelho do presente. Ainda esta semana se voltou a recordar um comentário antigo de Passos Coelho: "Não podemos permitir que todos aqueles que estão nas empresas privadas ou que estão no Estado fixem objectivos e não os cumpram. Sempre que se falham os objectivos, sempre que a execução do Orçamento derrapa, sempre que arranjamos buracos financeiros onde devíamos estar a criar excedentes de poupança, aquilo que se passa é que há mais pessoas que vão para o desemprego e a economia afunda-se. (...) Se nós temos um Orçamento e não o cumprimos, se dissemos que a despesa devia ser de 100 e ela foi de 300, aqueles que são responsáveis pelo resvalar da despesa também têm de ser civil e criminalmente responsáveis pelos seus actos e pelas suas acções. (...) Quem impõe tantos sacrifícios às pessoas e não cumpre, merece ou não merece ser responsabilizado civil e criminalmente pelos seus actos?" São palavras do Passos Coelho do passado, dirigidas ao Sócrates do passado, mas que poderiam aplicar-se ao Passos Coelho do presente. O Passos Coelho do passado é um comentador tão bom que comenta o Governo dos outros e o dele na mesma leva - sendo que o dele não existia ainda. Por outro lado, o Sócrates do presente poderá ser muito útil a explicar as acções do Sócrates do passado. Sobretudo aquelas que até hoje parecem pertencer ao domínio do inexplicável. Se o próprio, ainda para mais munido de um curso de filosofia, não conseguir explicá-las, ninguém consegue. O Passos Coelho do passado e o Sócrates do presente têm tudo para ser excelentes comentadores. Infelizmente, o Passos Coelho do presente e o Sócrates do passado são primeiros-ministros muito maus. O que perdemos como cidadãos, ganhamos como espectadores) muito lindo.”
Ricardo Araújo Pereira, na “Visão” da semana passada.

domingo, 7 de abril de 2013

Ah, ah, ah… Agora é que vem aí o emagrecimento do Estado.

Francisco Sarsfield Cabral (FSC) disse, na Rádio Renascença, que foi ontem divulgado um manifesto de economistas e outras personalidades sobre a redução da despesa pública, considerando o manifesto como “uma contribuição positiva”. Diz FSC:
«Com certeza que a esmagadora maioria da despesa pública é mera transferência de dinheiro, com uma função redistributiva. A “máquina do Estado” não gasta com ela própria mais de 15% do total dessa despesa. Mas, por exemplo, existe um autêntico Estado paralelo, que consome muito dinheiro público de forma pouco transparente e sem utilidade comprovada. Ora, o Governo ainda não abanou sequer esse Estado paralelo, diz o manifesto.
O que se fez quanto às fundações foi curto e com muitos erros. O manifesto aponta 13 000 “estruturas sobrepostas” que vivem, pelo menos em parte, do Orçamento. E depois há inúmeros Observatórios, alguns inúteis. E gente a mais nos gabinetes dos ministros, etc. É urgente emagrecer a sério o Estado paralelo.»
Por sua vez recorde-se que, segundo o Correio da Manhã, o Presidente do Conselho Geral e de Supervisão da EDP, Eduardo Catroga, recebeu em 2012 cerca de 430 mil euros em remunerações. Na mesma empresa, o Presidente Executivo, António Mexia, recebeu, igualmente em 2012, 1 milhão e 200 mil euros de ordenados aos quais se juntou um prémio plurianual (referente aos três anos anteriores) que elevou o total de remunerações auferidas no ano transacto para 3 milhões e 100 mil euros. Recorde-se, igualmente, que em 2012 os lucros da EDP ultrapassaram os mil milhões de euros e que os portugueses pagam uma das electricidades mais caras da Europa.
Enquanto isso, o Primeiro-Ministro, Pedro Passos Coelho (PPC), veio falar ao país mostrando-se indignado pelo facto do Tribunal Constitucional não ter autorizado que o seu braço direito, o camarada Louçã Rabaça, continue a roubar as remunerações dos funcionários públicos. Diz PPC que, assim sendo, vai agora (quase dois anos após ter tomado posse) começar a cumprir o programa eleitoral do PSD e cortar na despesa do Estado porque não quer aumentar mais impostos. Aguardem, com baixa espectativa para evitar mais desilusões, os votantes no PSD para verem se é desta que PPC coloca açaime no maoista das finanças. Pessoalmente, evoco (mais uma vez) o direito ao cepticismo.
Apache, Abril de 2013

sexta-feira, 29 de março de 2013

Carta a um desempregado…

“Caro desempregado,

Em nome de Portugal, gostaria de agradecer o teu contributo para o sucesso económico do nosso país. Portugal tem tido um desempenho exemplar, e o ajustamento está a ser muito bem-sucedido, o que não seria possível sem a tua presença permanente na fila para o centro de emprego. Está a ser feito um enorme esforço para que Portugal recupere a confiança dos mercados e, pelos vistos, os mercados só confiam em Portugal se tu não puderes trabalhar. O teu desemprego, embora possa ser ligeiramente desagradável para ti, é medicinal para a nossa economia. Os investidores não apostam no nosso país se souberem que tu arranjaste emprego. Preferem emprestar dinheiro a pessoas desempregadas.
Antigamente, estávamos todos a viver acima das nossas possibilidades. Agora estamos só a viver, o que aparentemente continua a estar acima das nossas possibilidades. Começamos a perceber que as nossas necessidades estão acima das nossas possibilidades. A tua necessidade de arranjar um emprego está muito acima das tuas possibilidades. É possível que a tua necessidade de comer também esteja. Tens de pagar impostos acima das tuas possibilidades para poderes viver abaixo das tuas necessidades. Viver mal é caríssimo.
Não estás sozinho. O governo prepara-se para propor rescisões amigáveis a milhares de funcionários públicos. Vais ter companhia. Segundo o primeiro-ministro, as rescisões não são despedimentos, são janelas de oportunidade. O melhor é agasalhares-te bem, porque o governo tem aberto tantas janelas de oportunidade que se torna difícil evitar as correntes de ar de oportunidade. Há quem sinta a tentação de se abeirar de uma destas janelas de oportunidade e de se atirar cá para baixo. É mal pensado. Temos uma dívida enorme para pagar, e a melhor maneira de conseguir pagá-la é impedir que um quinto dos trabalhadores possa produzir. Aceita a tua função neste processo e não esperneies.
Tem calma. E não te preocupes. O teu desemprego está dentro das previsões do governo. Que diabo, isso tem de te tranquilizar de algum modo. Felizmente, a tua miséria não apanhou ninguém de surpresa, o que é excelente. A miséria previsível é a preferida de toda a gente. Repara como o governo te preparou para a crise. Se acontecer a Portugal o mesmo que ao Chipre, é deixá-los ir à tua conta bancária confiscar uma parcela dos teus depósitos. Já não tens lá nada para ser confiscado. Podes ficar tranquilo. E não tens nada que agradecer.”
Ricardo Araújo Pereira, na “Visão” desta semana

domingo, 10 de março de 2013

"A bravata"

“(…) Se a credibilidade do relatório do FMI já era exígua, os acontecimentos recentes reduziram-na a zero. E o silêncio do Governo e de Carlos Moedas sobre os factos trouxe a destaque a falta de ética que juntou mandantes e mandados da vergonhosa manobra. Carlos Mulas-Granados, um dos autores da coisa, tinha dois heterónimos. Com um facturava euros. Com o outro dizia, à quarta, o contrário do que recomendava à terça. O homem, jovem professor de economia da Universidad Complutense de Madrid, desancou o primeiro-ministro inglês por este ter aumentado as propinas do ensino superior e reduzido as contribuições sociais. Com o heterónimo que não chegou a baptizar, recomendou ao primeiro-ministro português que aumentasse as propinas e reduzisse ainda mais as prestações sociais. Verdadeiro expoente do empreendedorismo moderno, criou uma versátil cronista virtual, de sua graça Amy Martin, que ao bom jeito da indústria financeira da moda facturava a três mil euros por peça artigos que nunca escreveu, sobre coisas tão diversas como cinema, energia nuclear, felicidade e economia. Foi agora demitido de director-geral da Fundación Ideas, do PSOE (Partido Socialista Obrero Españoll), por fraude. Mas não ouvimos uma palavra de Carlos Moedas, de reconsideração, sobre a porcaria que elogiou e assim fede a céu aberto. (…)”
Santana Castilho, no jornal “Público” de 30 de Janeiro

domingo, 24 de fevereiro de 2013

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Olho para o negócio

Entre 2002 e 2008 o consumo de ansiolíticos, soporíferos, sedativos e antidepressivos aumentou, em Portugal, mais de 30% passando de 115 para 152 doses por dia, por cada 1000 habitantes. O consumo destas drogas, em Portugal, é quase quatro vezes superior ao da média europeia que é de 41 doses diárias por cada milhar de habitantes.

José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa, ex-Primeiro-Ministro de Portugal (entre Março de 2005 e Junho de 2011) e ex-vendedor de computadores portáteis (Magalhães), refugiado-estudante em Paris (que deve estar quase a concluir um curso de “inginharia” Farmacêutica (para juntar às já cursadas: Civil e Sanitária, além dos cursos de Direito e Gestão) é, desde 1 de Janeiro de 2013, delegado de informação médica, perdão, Presidente do Conselho Consultivo da Octapharma AG (farmacêutica Suíça) para a América Latina.
Apache, Fevereiro de 2013

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Ainda sobre a sodomização da camorra…

Na sequência do texto indignado do ex-Secretário de Estado da Cultura sobre a idiotia de Paulo Núncio querer, vertendo em norma jurídica, obrigar o cidadão a pedir factura de todas as compras efectuadas, Alberto Gonçalves, cronista no Diário de Notícias, com a frontalidade e humor que o caracterizam, escreve:

“Os resultados do nosso trabalho já são extorquidos em quantidade suficiente e segundo métodos impossíveis de contornar. É da mais elementar lucidez resistir, dentro do possível, a extorsões adicionais. Não vou ao ponto de, à semelhança de Francisco José Viegas, sugerir que se mande os empregados do fisco "tomar no cú". O Francisco exagera nos brasileirismos: os verbos "levar" ou "apanhar" chegam e sobram para um Governo com aura liberal, hábitos socialistas e processos napolitanos.“
Apache, Fevereiro de 2013

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Teoria da sodomização dos fiscais das finanças poupando os camaradas do Ministério

Francisco José Viegas, que até finais de Outubro de 2012 foi Secretário de Estado da Cultura deste Governo, tornou-se uma das vozes mais activas na crítica à obrigatoriedade do cidadão anónimo pedir factura de todas as compras efectuadas.
Não convém esquecermos que Francisco José Viegas estava no Governo quando Passos Coelho decidiu aumentar (para mais, brutalmente) impostos, depois de em campanha eleitoral ter dito que não o faria.
Não convém esquecermos que Francisco José Viegas era Secretário de Estado da Cultura e foi incapaz de colocar o Acordo Ortográfico no único sítio onde ele merece estar, o caixote do lixo.
Não convém esquecermos que Francisco José Viegas, ex-católico, agora convertido ao judaísmo (que eu saiba) nunca manifestou publicamente opinião contrária a outras taras socialistas (igualmente, moralmente inaceitáveis) como a legalização do aborto (que nalguns escritos no seu blogue parece corroborar) ou o casamento homossexual e, num dos textos mediáticos a que me refiro parece manifestar opinião favorável à legalização dos bordéis.
Ainda assim, porque a (generalidade da) mensagem é muito mais importante que o mensageiro, aqui se reeditam as palavras do jornalista e escritor manifestamente contrárias às ideias do camarada Paulo Núncio (Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, alegadamente “pai” do desvario) publicadas ontem no seu blogue, “A origem das espécies”.

“Uma vez por outra, o Estado podia meter-se na sua vida e dar algum exemplo de sensatez – mas, toda a gente sabe, isso é superior às suas forças. Agora, é a questão das facturas, um tema simples que podia ser resolvido de maneira simples; não, o Estado não o permitiria e determinou que os “consumidores finais” que não exigirem factura nas suas aquisições, de lingerie a sabão azul e branco, arriscam uma multa a ser aplicada pelas autoridades. Ou seja: o Estado serve-se dos cidadãos para vigiar as transacções comerciais na mais longínqua aldeia de Trás-os-Montes ou da ilha das Flores, mesmo nos lugares de onde se ausentou voluntariamente. Que as grandes empresas, mancomunadas com o Estado, encontrem formas de escapar ao aperto fiscal – é um facto da vida; mas que um Estado falido e especialista em extorsão decida sitiar os cidadãos com leis absurdas, é coisa digna de um monumental manguito.”

E…

"Caro Paulo Núncio: queria apenas avisar que, se por acaso, algum senhor da Autoridade Tributária e Aduaneira tentar «fiscalizar-me» à saída de uma loja, um café, um restaurante ou um bordel (quando forem legalizados) com o simpático objectivo de ver se eu pedi factura das despesas realizadas, lhe responderei que, com pena minha pela evidente má criação, terei de lhe pedir para ir tomar no cú, ou, em alternativa, que peça a minha detenção por desobediência. Ele, pobre funcionário, não tem culpa nenhuma; mas se a Autoridade Tributária e Aduaneira quiser cruzar informações sobre a vida dos cidadãos, primeiro que verifique se a Comissão Nacional de Protecção de Dados já deu o aval, depois que pague pela informação a quem quiser dá-la.”
[Grafia dos textos de Francisco José Viegas corrigida, por mim, para a escrita anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.]
Apache, Fevereiro de 2013

domingo, 27 de janeiro de 2013

Os mercados, a euforia e a memória

A semana ficou marcada pelo regresso de Portugal aos mercados, operação que, na versão do Governo, decorreu com sucesso. Confesso que tenho muitas dificuldades em encontrar uma razão para a euforia vivida. Por um lado porque há apenas dois meses que não íamos aos mercados; se fosse para comprar peixe fresco, concordaria que dois meses corresponderiam a uma ausência significativa, mas, caramba, foi para pedir dinheiro, ou melhor, vender a dívida que entretanto venceu (agora, em “economês”, diz-se “atingiu a maturidade”) e que teríamos de pagar se tivéssemos dinheiro para isso, mas acontece que não temos, portanto, a solução passou (tal como em quase todas as dezenas de visitas anteriores) por pedir dinheiro para pagar a dívida vencida, transferindo-a para o futuro.
Perguntará o leitor curioso (se não está curioso faça o favor de fingir para evitar perda de credibilidade do autor, que esta coisa dos mercados funciona na base da credibilidade): Mas, então, porquê todo este foguetório?
Bom, por um lado porque Portugal (tal como os restantes países híper-endividados e sem tostão para pagar os calotes) é um mercado-dependente e costuma pedir dinheiro com uma periodicidade (aproximadamente) mensal, tendo desta vez sobrevivido dois meses sem ir ao mercado (não necessitou porque passou a financiar-se junto da troika, dirá o leitor… eu sei, mas queira fazer o favor de não estragar a única frase optimista deste texto) e por outro porque a dívida agora contraída só vence daqui a 5 anos e desde Fevereiro de 2011 que Portugal não vendia dívida com um prazo tão longo com medo que os investidores achassem que jamais veriam o seu dinheiro de volta.
Questionará, de novo, o leitor: Então, esta operação mostra que a credibilidade do país subiu e os credores confiam agora que Portugal está no bom caminho e vai conseguir cumprir as suas obrigações e pagar a sua dívida?
Mau, mas eu não avisei já que este texto só tem uma frase optimista? Os 2,5 mil milhões conseguidos por Portugal (numa operação sindicada por quatro bancos: Barclays, Deutsche, Morgan Stanley e BES; quer isto dizer que estes bancos procuraram previamente investidores interessados para afastar a possibilidade de insucesso na operação) vão ser remunerados com uma taxa de juro muito próxima dos 5%, tendo o Banco Central Europeu como fiador. Ora, uma taxa de rentabilidade de 5% num negócio de risco (praticamente) nulo é bastante apetecível, daí a procura ter sido cerca de quatro vezes superior à oferta.
Entretanto, prevenindo mais questões por parte do leitor, convencido que é o único questionador disponível no mercado, termino deixando também algumas dúvidas para as quais aguardo pacientemente resposta:
A ida frequente (por parte do Governo) aos mercados é boa porque demonstra a nossa independência face à troika ou má porque estes juros são mais altos que os cobrados pela dita troika, para mais, acrescidos das comissões bancárias necessariamente elevadas em operações sindicadas (como esta)?
A ida frequente (por parte do Governo) aos mercados é boa porque nos podemos financiar (ainda que esse dinheiro possa jamais chegar à economia) ou má porque aumenta a nossa, nada pequena, dívida pública (que rondará já os 120% do PIB)?
Foi uma operação a título excepcional ou repetir-se-á a um ritmo idêntico ao do ano passado, onde só nos primeiros dois meses do ano Portugal emitiu mais de 9,2 mil milhões em bilhetes do tesouro?
Porque é que o Governo prefere cortar ordenados e pensões à Função Pública em vez de os pagar nestes títulos? Tem medo que o povão enriqueça e por isso evita poupanças, deixando a quem conseguir tal milagre uma remuneração (regra geral) não superior a 3%, concedida pela “benevolente” banca?
Apache, Janeiro de 2013

domingo, 20 de janeiro de 2013

“Quatro por cento”

“Segundo um estudo da seguradora Zurich, 96% dos portugueses não acreditam nos políticos. Como agora é habitual, estes dados foram apresentados com preocupação e imputados à austeridade. Basta espreitar um noticiário televisivo ou folhear um jornal para perceber que, no caldo ideológico vigente, a austeridade está na origem de todos os fenómenos ocorridos no país, desde os suicídios ao abandono de cães, passando pelos assaltos à mão armada e pela decadência do Sporting.
Fora das alucinações em voga, a notícia merece aplausos. Descrer da classe política não é, ao contrário do que a própria classe gosta de sugerir, meio caminho andado para o advento de uma ditadura, mas o primeiro passo para a consolidação de uma sociedade livre. As ditaduras erguem-se sobre a adesão excessiva aos "salvadores" nascidos justamente da veneração e da fé cegas. Numa democracia autêntica, criatura nenhuma depositaria nos políticos mais confiança do que a estritamente indispensável. Os políticos são um mal necessário, que se tolera com a resignação dedicada a uma gripe em Fevereiro. É óptimo que os portugueses suspeitem dos políticos. É trágico que, provavelmente, isso seja mentira.
Uma coisa é resmungar em inquéritos contra os senhores que mandam. Outra é supôr que os resmungos traduzem a capacidade de compreender que os senhores que mandam, quaisquer que sejam, constituem o problema e não a solução. Infelizmente, palpita-me que as pessoas não criticam o poder porque o poder é por definição criticável. Criticam-no porque não recebem dele tudo o que desejam. O poder, em suma, não satisfaz as expectativas, e a mera existência de expectativas, no sentido em que os de "baixo" delegam aos de "cima" a orientação das suas vidas, é flagrante sinal de atraso.
Entre parêntesis, note-se os extraordinários 4% de indivíduos que, íntima e publicamente, proclamam acreditar nos políticos. Antes de nos espantarmos com tamanha demonstração de primitivismo, convém somar os eleitos para cargos nacionais e locais, os adjuntos, os assessores, os secretários, os motoristas, os compinchas, os parceiros de negócios e todos os que sonham atingir um dos postos anteriores. O número parece plausível.”
Alberto Gonçalves, no "Diário de Notícias"

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

A piada da semana

O FMI (Fundo Monetário Internacional) apresentou ao Governo um relatório que inclui sugestões de como e onde cortar os 4 mil milhões de euros que o Governo supõe ser o corte necessário para equilibrar as contas públicas.
Carlos Moedas, Secretário de Estado Adjunto do Primeiro Ministro, apressou-se a elogiar o relatórios que apelidou (segundo o Expresso) de “muito bem feito”. Ora, das duas uma, ou Carlos Moedas não leu o relatório e devia estar calado ou lendo-o não percebeu que se tratava de um relatório tipo-IPCC, com erros, imprecisões, dados desactualizados ou falsos e mentiras. Na primeira hipótese não passa de um incontinente verbal que fala sem saber de quê, na segunda apresentou-se ao serviço sob forte influência de substâncias psicotrópicas. Em qualquer dos casos, num país decente, ou se demitia ou era demitido. Continuamos a ser governados por bobos.
Apache, Janeiro de 2013

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

"Cães de palha"

“Estou a ver na SIC o Parlamento. É uma sala bonita. Nela se encontram várias dezenas de pessoas medíocres, pagas ao valor de um resgate de Creso com os nossos impostos, muitas delas auferindo ainda rendimentos oriundos de companhias que subsistem em promiscuidade com o Estado, sendo ‘last but not least’, essas pessoas (?) eleitas por um conjunto de seres que há muito perderam qualquer direito que em tempos pudessem ter tido, ao venderem o voto e as gerações nascituras pelo peso de trinta dinheiros.
Todos mentem com quantos dentes têm, mas parte do eleitorado que os elegeu, bem como parte do eleitorado que sistematicamente não sufraga nada, ainda e sempre carece de valiosos minutos, horas, dias, para remoer na mesma conclusão triste e miserabilista: isto foi sempre assim.
Nos Estados Unidos um rapaz de seis anos foi suspenso da escola por ter brincado aos cowboys e, apontando o dedo a um amigo, ter gritado "POW!"; alega-se que ofendeu a memória dos mortos a tiro. Em França, foram recentemente banidas de documentos oficiais as palavras "pai" e "mãe", substituídas por "progenitores" ou "progenitor 1" e "progenitor 2", para não estigmatizar o segmento radical da populaça homo. Aqui ao lado em Madrid ainda há pouco se quis fazer com que putos da primária não fossem para uma festa de Carnaval vestidos de piratas, porque os piratas além de etnicamente pouco diversos, são geralmente egoístas e fora-da-lei.
Em Portugal, os jarros de vinho com capacidade de um litro foram proibidos nos restaurantes a partir de hoje, por suposto atentado à boa saúde dos consumidores. Assevero-vos que pensarei duas vezes antes de pedir o terceiro meio-litro.
O Ocidente decai. Tolera-se os intolerantes. Debate-se em prime time segundo uma bitola psicológica a que no meu tempo nem os juvenis da bola achariam piada. Esta merda nunca mais acaba.
O Prémio Nobel deveria passar a ser atribuído em dinamite, por via aérea, para honrar aquilo em que se tornaram a Europa, a Academia (a de Oslo mas também no sentido maior do termo), os Parlamentos, e esta gente escarninha, a sul do Pólo Norte, que assiste a tudo cagadinha de medo e refocilada no anonimato que a diluição no rebanho lhes confere.”
Fernando Melro dos Santos, no blogue "Estado Sentido"

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

"Glória in excélsis Deo...

et in terra pax homínibus bonae voluntátis."
      [São Lucas 2:14]

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

“Branca de Neve procura emprego”

“É provável que uma hipotética saída da União Europeia agravasse ainda mais a nossa situação económica. Mas talvez melhorasse a nossa saúde mental. No meio de uma crise que coloca a sua própria existência em risco, o Parlamento Europeu (PE) dedica-se a demonstrar que não se perderia muito: não satisfeito por possuir uma absurda Comissão dos Direitos da Mulher e Igualdade dos Géneros, o PE permite que a dita comissão se alivie de palpites acerca de matérias que sempre os dispensaram.
Até agora, essa destravada fraternidade tentava interferir no mundo real e entretinha-se a propor quotas em empresas e delírios assim. Agora, soube por Helena Matos (blasfemias.net), a referida Comissão avança para o mundo da ficção e quer abolir das escolas ou no mínimo temperar a influência das obras literárias infanto-juvenis que atribuem papéis "tradicionais" aos elementos masculinos e femininos da família. Livrinho em que o pai saia para o trabalho e a mãe fique a cuidar da prole irá, se a coisa vingar, directamente rumo ao índex dos eurodeputados.
O índex será vasto. Não estou a ver nenhum clássico da literatura do género em que a personagem do marido passe os dias a mudar fraldas e a da esposa assuma um lugar de relevo na sociedade. Mesmo na "Branca de Neve", que está longe de representar um agregado familiar retrógrado (conheço pouquíssimas senhoras que coabitem em simultâneo com sete cavalheiros, para cúmulo de estatura alternativa), a verdade é que a heroína trata das arrumações caseiras enquanto os seus sete parceiros labutam nas minas. E quanto a Huckleberry Finn, criado na ausência da mãe e na presença de um pai alcoólico, erradica-se ou não? E os órfãos de Dickens? E, uns degraus abaixo, os pobres sobrinhos sem tia da Disney? Além disso, a Comissão dos Direitos da Mulher e Etc. é omissa no que toca às fábulas. Se, por exemplo, é indesmentível que, ao invés da cigarra, a formiga trabalha como uma desgraçada, nem Esopo nem La Fontaine sugerem que a dita seja fêmea e unida pelo matrimónio a um formigo que colabora nas tarefas do lar e respeita o "espaço" da companheira. Que obras, em suma, corresponderão aos requisitos de igualdade? Há uma imensidão de dúvidas.
Por sorte, há um PE recheado de certezas, que reivindica à Comissão Europeia legislação capaz de regulamentar (um verbo predilecto) o equilíbrio conjugal nas histórias para petizes - no papel e também no cinema, na televisão, na publicidade e onde calhar. O argumento (digamos) é o de que os "estereótipos negativos de género" minam a "confiança" e a "auto-estima" das jovens, limitando as suas "aspirações, escolhas e possibilidades para futuras possibilidades [a repetição não é gralha] de carreira". Quem fala assim não é gago: é semianalfabeto na medida em que escreve com os pés, arrogante na medida em que submete a liberdade criativa à engenharia social e um bocadinho maluco na medida em que confunde a fantasia com o quotidiano. (...) “
Alberto Gonçalves no “Diário de Notícias”

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

“Meus caros Portugiesisch”

"Carta de Angela Merkel aos portugueses"


“Permitam-me que comece por esclarecer que, quando digo "meus caros", meço bem as palavras. De facto, vocês são cada vez mais meus, e continuam a ser bastante caros. Está em curso um processo destinado a tornar-vos mais baratuchos, mas permanecem demasiado dispendiosos para o meu gosto. Creio não estar a ser sexista quando digo que todas as senhoras apreciam um bom saldo, e por isso defendo que as reduções de salário que a austeridade vos está a impor podem e devem ir um pouco mais longe. A Europa precisa de portugueses com 70% de desconto. Duas palavras: liquidação total. Quero dizer-vos que recebi com muito agrado as vossas várias cartas abertas. Confesso que achei a maior parte delas pouco macias e absorventes. Sem desprimor para as que tiveram a gentileza de me enviar, prefiro cartas impressas em folha dupla aromatizada. Fica a sugestão, para a nossa correspondência futura. Também assisti, com muito interesse, ao vídeo que prepararam para nós. Estava muito bem feito e constitui mais um motivo de orgulho para os portugueses porque, na Alemanha, são raros os alunos do 8.º ano que conseguem fazer trabalhos de grupo tão bons. Fiquei surpreendida com as informações contidas no filme. Não sabia que os portugueses trabalhavam mais horas, tinham menos férias e se reformavam mais tarde do que os alemães. Qual é a vossa desculpa, então, para viverem muito pior do que nós? Tenho a certeza de que o problema não está nos vossos dirigentes. Todos os que conheço levam muito a sério a missão de servir. (…)”
Ricardo Araújo Pereira, na “Visão”

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

“Um curso com saída”

“Em vez de frequentar licenciaturas inúteis ou de fingir que frequentam licenciaturas inúteis, os jovens pragmáticos vão directamente ao assunto e inscrevem-se na Universidade de Verão do PSD. À superfície, a brincadeira não diverge muito dos acampamentos do Bloco de Esquerda, tirando as tendas, a iconografia "revolucionária", o haxixe consumido pelos participantes e o estado geral de alucinação da maioria dos oradores. No fundo, porém, ambas as iniciativas visam o mesmo: produzir políticos de carreira. É verdade que o grau de implantação do PSD e a rotatividade das respectivas direcções auguram uma carreira mais promissora do que a rígida pequenez do Bloco, mas o ponto não é esse.
O ponto é a existência de centenas (ou milhares?) de meninos e de meninas capazes de trocar os prazeres da idade e da estação por uma semana de clausura, a ouvir oradores de gabarito diverso, a estabelecer os contactos "certos" e, sobretudo, a preparar o seu futuro. Não importa muito se o fazem por fanatismo ideológico ou cinismo: o facto é que o fazem, e isso só nos deve angustiar.
Não sou de mitificar as lideranças políticas já reformadas, que à distância parecem sempre melhores do que na realidade foram. Em contrapartida, não me custa nada lamentar a monumental pelintrice das lideranças actualmente em funções. Mal por mal, antigamente ainda passava pelas cúpulas partidárias o ocasional portador de um percurso profissional realmente exterior aos partidos e à influência dos partidos. Hoje, não. Se retirarmos a política aos políticos de agora, ficamos com uma multidão de rematadas e disciplinadas nulidades sem serventia no mundo real excepto, talvez, no sector da arrumação de automóveis.
Dizer que o problema do país são os maus políticos é tão redundante quanto sugerir que Haydn tinha jeito para a música: os políticos são maus porque nunca souberam ser outra coisa, sobretudo uma coisa sujeita a responsabilidades e que tomasse decisões sem envolver o dinheiro alheio. É por isso que, na sua franqueza, as universidades (e os acampamentos) de Verão chocam um bocadinho, embora um bocadinho menos do que a disseminada ilusão de que compete a essa gente aperfeiçoar as nossas vidas. Contas feitas, a única aptidão de tais espécimes é a criação de emprego: o deles.”
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias”

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Dos exames...

“Duas palavrinhas:

Duas palavrinhas para iniciar a conversa: ouvi parte de um recente Fórum TSF sobre exames, em que era convidado o professor Carlos Fiolhais — a introduzir o tema, entrevistado por telefone. Tinha de sair (justamente para os exames…) e apanhei aqui o resto do Fórum, no De Rerum Natura. Fórum, comentários, desabafos — a coisa toda.

Sou professor em exercício e já ando há 40 anos nestas andanças; também fui aluno — 27 anos de escolaridade variada até aos meus 37 anos de idade — ainda sou quando calha, e já tive tempo para amadurecer ideias, porque ruminei sobre o assunto.

Matéria remoída:

A última frase que ouvi ao jornalista da TSF antes de abrir o debate, e de eu sair de casa, foi a seguinte: «Faz sentido ser mais exigente? Ou corremos o risco de, às tantas, estarmos apenas a preparar os alunos para os exames sem lhes dar uma formação mais global? Retomando aquela metáfora do futebol: ensinamos a marcar penáltis, não os ensinamos a jogar em equipa.»

Depois, começou a dança.

Primeira reacção que tive: os exames não são uma marcação de penáltis. O professor Carlos Fiolhais foi aceitando a comparação com o futebol com alguma reserva, dando-lhe o valor que merece a tentação, provocada pela simultaneidade do campeonato europeu. Mas percebeu a fragilidade de alguns paralelos, frisando que não se tratava bem da mesma coisa.

De facto, o erro de partida assenta numa crença bastante popular na seguinte ideia: o conhecimento é algo complexo, profundo, construído. O exame é um acaso, uma superficialidade, uma simplificação. E os alunos são treináveis para o momento, sem passar pela permanência.

Nada mais falso! Devo explicar o seguinte: tenho dado, durante a minha vida profissional, essencialmente, três disciplinas: Desenho, História da Arte e Geometria Descritiva. Diria que a primeira, a artística, é muito vocacional — embora seja passível de aprendizagem por qualquer pessoa normal; a segunda, é da área das humanidades; a última, é uma linguagem de representação gráfica de base matemática. Três áreas muito diferentes, por conseguinte.

Tive alunos em situação de exame nas três disciplinas. E garanto-lhe, caro Leitor, que, após 40 anos de ensino, não faço a menor ideia do que é «treinar um aluno só para o exame».

Porquê? Porque isso não é possível: de facto, o conhecimento é complexo, profundo e construído, de modo que o ensino tem de transmitir todas essas qualidades. O exame limita-se a verificar se o ensino foi eficaz, e se a aprendizagem correspondeu.

3 pontos:

1. Nós (os portugueses) pensamos que há grandes sortes e grandes azares na vida, e que nos exames os deuses jogam aos dados. Isto é patente nos comentários no Fórum que ouvi e li, e é corrente nos debates sobre educação. Porquê? Porque é voz corrente que para tudo o que vale a pena na vida há truques, atalhos, golpes.

Realidade crua — e dura: para exames, não há. A única forma de preparar gente para exame, é dar a matéria toda, insistir no que é fundamental (leia-se: estruturante), e insistir na seriedade do estudo e do trabalho dos discentes. E rever, e tornar atrás, e voltar a dar a mesmíssima matéria, para de novo provocar os cérebros a meditar nas mesmas questões, mas numa nova perspectiva: de revisita, de revisão, de redescoberta — tal qual como se conhecem os meandros de uma cidade: a pouco e pouco, mas com muito passeio, muita insistência, até a ter (quase) conquistada, perspectiva a perspectiva, aroma a aroma, restaurante a restaurante. Acho esta comparação melhor que a do futebol.

2. Nós (os portugueses) pensamos que há nervos, e que há stress, e brancas, e que é possível que alguém saiba imenso e faça um exame miserável. Porquê? Porque temos um ensino extraordinariamente maternal, protector, que infantiliza e, portanto, diminui e fragiliza os alunos. Ora um aluno que sabe a matéria — toda a matéria — pode ter uma ou outra surpresa em exame. Como num teste. Ou como na vida. Mas funciona, porque sabe a matéria — toda a matéria. Uns pontos melhor, outros pior, sabe. Não porque tenha estado a ser soprado por um preparador de exames, ou por três directas nas vésperas: apenas porque anda a estudar aquilo há dois, há três anos.

Se um estudante disser que sabia tudo e depois, com os nervos, teve uma branca e foi-se abaixo, uma de duas coisas se passa: o estudante não se preparou (e engana-se ou mente com os dentes todos que tem), ou o estudante tem, de facto, um problema grave de ansiedade paralisante que tem de ser visto por um médico (situação preocupante, que não deve ocorrer apenas em situação de prestação de contas escolares).

3. Nós (os portugueses) pensamos que há a matéria para exame (aahrgh!) e os outros saberes (hmmm!…). Porquê? Porque jornais, cientistas da educação, redes sociais, TV, taxistas, políticos, comentadores, mães e pais sortidos, colegas da bicha da caixa de supermercado, sociólogos, oradores de café, tudo quanto é fazedor e desfazedor de opinião — incluindo um número de profissionais do ensino — foram martelados, nos últimos 20 ou 30 anos, com um refrão: «há más e boas matérias, há aquilo que se marra e há coisas mais sérias» (pode cantar com a musiquinha «Quem tem medo do Lobo Mau?»).

De facto, o saber acumulado por séculos de ensino diz-nos o seguinte: lidar com conteúdos propicia competências; trabalhar sozinho fornece concentração; o trabalho de grupo é interessante nalgumas actividades, perfeitamente dispensável noutras — pelo que deve ser, singelamente, adequado —; tudo aquilo que não é praticado é esquecido (até andar a pé); e tudo isto é perfeitamente natural, de modo que saber a matéria para exame é estruturante, e é essa estrutura que parece apoiar os outros saberes. (Porque é que a expressão me irrita? Porque é saloia: é de gente que pouco sabe, armada aos cágados. Confesso: também isto são outros saberes…)

Ponto final:

Solução fácil: tomem-se todos aqueles (professores, sobretudo) que dizem que é possível treinar alunos ignorantes para fazer só o exame, e dêem-se-lhes turmas. Para eles aplicarem as suas teorias, e os meninos terem notas capitais. Vão ver o brilharete que fazemos nas estatísticas da OCDE!

Solução custosa: tratemos de fazer exames decentes (muitos, são-no!), e de verificar se tudo está a correr bem — os docentes a ensinar, os discentes a aprender. É, de momento, a única forma conhecida de verificar se o ensino de Vila Real de Santo António equivale ao de Abrantes ou ao de Viana do Castelo, e se todos são consistentes.

Os meninos preparados e minimamente cumpridores vão —surpreendentemente — passar; e com orgulho, tanto quanto me lembro das minhas próprias provas — já que nunca fui grande espingarda como aluno: nem sempre oleado, encravava, às vezes…”
António Mouzinho, no blogue “De Rerum Natura

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Frase do dia

"O parlamento português converteu-se no maior antro de tráfico de influências do país. São muitos os deputados que utilizam o cargo público para fins privados, ao serviço das empresas com que colaboram."
Paulo Morais, no Correio da Manhã de ontem

sexta-feira, 18 de maio de 2012

O preço da fraude

O Ministro da Educação e Ciência, Nuno Crato, anunciou hoje que o programa Novas Oportunidades custou cerca de mil e oitocentos milhões de euros.
O facto admite dois comentários antagónicos:
Dado o elevado número de adultos que aderiram à iniciativa, se se optasse pela qualificação dos mesmos, melhorando e acrescentando conhecimentos, provavelmente, ter-se-ia gasto mais dinheiro;
Constatando-se que a iniciativa (além da propaganda política que lhe está associada) mais não pretendia que a mera distribuição de certificados a eito, era perfeitamente possível, com apenas três ou quatro centenas de milhar de euros imprimir e distribuir os certificados, inclusive em papel de melhor qualidade. Mas até pelo papel e aspecto gráfico do certificado se percebeu que a iniciativa interditara palavra qualidade.
Um estudo estatístico sobre o impacto da iniciativa [fundamentalmente sobre o processo de RVCC (Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências)] encomendado ao Instituto Superior Técnico, que incide nas dimensões: empregabilidade; probabilidade de encontrar um emprego; e remunerações foi (também) hoje tornado público e está disponível aqui.
O estudo, que compara dois grupos de adultos, um de participantes em processo de RVCC e outro, de controlo, constituído por não participantes conclui que:
“Os participantes em processos RVCC são, em média, mais novos e entraram mais cedo no mercado de trabalho, quando comparados com os não participantes. Têm também uma maior probabilidade de estar desempregados e de experimentarem durações de desemprego mais longas (…)”;
“Os participantes recebem, em média, remunerações inferiores às que auferem os não participantes. A evolução das remunerações ao longo dos anos mostra que o grupo de participantes detém características que levaram à perda de rendimento real (…)”;
“(…) os processos RVCC Profissionais melhoram a empregabilidade, em particular para os homens. Os RVCC Escolares têm algum impacto positivo na probabilidade de encontrar um emprego, apenas no caso de participantes que frequentaram, em complemento, Formações Modulares Certificadas (…)”;
“A generalidade dos resultados obtidos indica que os RVCC não têm impacto na evolução das remunerações do trabalho.”
Apache, Maio de 2012

domingo, 6 de maio de 2012

Esbulho à portuguesa

“Primeiro, Vítor Gaspar tirou dinheiro aos trabalhadores. Depois, tirou aos reformados. A seguir, tirou aos consumidores em geral. Agora, tirou ao ministro da Economia. Ora até que enfim, uma medida justa. Creio que o Ministro das Finanças encontrou finalmente um rumo: confiscar verbas aos colegas de Governo. Se Vítor Gaspar também tivesse tomado conta do orçamento de Miguel Relvas, talvez tivéssemos poupado aqueles 12 mil euros que o ministro-adjunto gastou a imprimir 100 exemplares do programa do Governo.
O modo como Gaspar se apoderou dos dinheiros do QREN, que eram até aí responsabilidade do Álvaro, envergonha o povo português. Todos nos lembramos do escabeche que os trabalhadores fizeram por terem ficado sem os subsídios de férias e de Natal, no valor de meia dúzia de tostões. Já o Álvaro fica sem 2,5 mil milhões de euros e limita-se a amuar um bocadinho. Não organizou manifestações, não pintou cartazes, não gritou palavras de ordem. Por razões patrióticas, não se permitiu mais do que um ligeiro melindre. É verdade que o Álvaro tem algum traquejo nisto de ser espoliado, uma vez que Paulo Portas já lhe tinha tirado a diplomacia económica, Miguel Relvas tinha-lhe ficado com o emprego jovem e António Borges tinha-lhe abarbatado as privatizações e as PPP. Mas, ainda assim, continua a ser notável a dignidade com que ele se deixa esbulhar. Sobretudo porque se percebe muito bem o destino que aguarda o Álvaro: os outros ministros têm um orçamento, o da Economia terá uma mesada. Todos os meses, Vítor Gaspar entregará ao Álvaro uma pequena soma, com a indicação de não gastar tudo em guloseimas. É mais uma medida de contenção de despesas e racionalização de custos: não tendo Portugal uma economia, acaba por não se justificar que tenha um Ministério da Economia. É interessante constatar que a única economia que funciona bem em Portugal é a economia paralela - curiosamente, aquela que os economistas não definem nem programam. (…)”
Ricardo Araújo Pereira, na “Visão” de 15 de Março de 2012