O “Acordo de Princípios para a Revisão do Estatuto da Carreira Docente e do Modelo de Avaliação dos Professores dos Ensinos Básicos e Secundário e dos Educadores de Infância” agora assinado entre o ministério da Educação e algumas estruturas sindicais, entre as quais a Fenprof e a FNE, que, entre outros efeitos deletérios, também serviu para desfazer uma importante unidade sindical na luta contra as políticas educativas erradas dos governos de Sócrates, não passa de um novo “memorando de entendimento” que colide, quer com uma parte substantiva das reivindicações que os professores afirmaram, escola a escola e nas ruas, forçando a agenda sindical e resistindo à prepotência e às medidas absurdas da anterior equipa ministerial, quer com o essencial daquilo que os sindicatos afirmaram e defenderam nestes dois últimos anos.
Genericamente considerado, o acordo traduz a validação, por parte dos sindicatos, de quase todos os pilares que sustentavam as medidas que Maria de Lurdes Rodrigues procurou impor e que os professores rejeitam incondicionalmente e que os sindicatos reputavam de inaceitáveis. Referimo-nos, em concreto, ao seguinte:
- manutenção da prova de ingresso na carreira, apesar de os professores contratados e entretanto avaliados serem dispensados da mesma;
- manutenção de um sistema de quotas aplicado ao ensino, num momento em que a sua rejeição é transversal a todos os partidos da oposição, maioritários no Parlamento;
- manutenção, quase intacta, do modelo de avaliação de Maria de Lurdes Rodrigues, massivamente recusado pelos professores.
São de vária ordem as razões que nos levam a rejeitar um acordo que em nada beneficia os professores e que demonstram a imprudência com que alguns sindicatos tratam a representação dos docentes e a facilidade com que abdicam das suas reivindicações nucleares (das 31 exigências da Fenprof para assinar o acordo, a esmagadora maioria não foi acolhida):
1) a transição para a nova estrutura da carreira docente é penalizadora para os professores, uma vez que a sua grande maioria regride no seu posicionamento e demorará muito mais tempo a atingir o topo da carreira;
2) o tempo de serviço de dois anos e meio extorquido aos professores não foi reposto;
3) não foi abolida a prova de ingresso para quem quer leccionar pela primeira vez, depois de uma certificação universitária e do respectivo estágio com orientações pedagógicas e científicas;
4) prevalece o sistema de quotas e a contingentação administrativa de vagas, por meras razões economicistas (quando o Estado esbanja dinheiro em futilidades, em Bancos e em escritórios de advogados) que nada têm a ver com reconhecimento do mérito, condenando a maioria dos professores a uma permanência de sete anos em alguns escalões;
5) em termos de estrutura da carreira docente, substituiu-se um filtro no acesso a professor titular por dois estrangulamentos no acesso aos 5º e 7º escalões;
6) o modelo de avaliação de Maria de Lurdes Rodrigues é viabilizado quase intocado, com uma porta escancarada para a sua versão “complex” e que, estamos certos, a maioria dos professores irá transpor, candidatando-se às menções de “muito bom” e de “excelente” (num ciclo avaliativo de dois anos estaremos a falar de cerca 120 mil professores que vão requerer meio milhão de aulas assistidas, o que é uma barbaridade que paralisará as escolas);
7) na sequência do número anterior, os princípios agora aprovados no quadro do modelo de avaliação, mantêm todos os dispositivos que fomentaram, nas escolas, a competitividade doentia, a barafunda e a burocracia, nomeadamente os ciclos de dois anos com avaliação em permanência de todos, a decisão individual de definir objectivos individuais e de requerer aulas assistidas, a proliferação e o entrecruzar de Comissões de Avaliação e Relatores ou, ainda, as dimensões de avaliação consideradas e o contributo em aberto de cada docente para as mesmas, abrindo caminho às disputas de tralha, papelada e projectos folclóricos. A confluência de tudo isto arruinará o ambiente e a cooperação nas escolas e dificultará o investimento dos professores na sua função de ensinar, passando cada um a estar mais focado na sua própria avaliação;
8 ) aceitam-se, e reforçam-se, as consequências decorrentes do 1º ciclo de avaliação em termos de progressão, validando-se uma avaliação que os sindicatos qualificaram de “farsa” e de “faz de conta”, além de que os docentes foram incentivados pelos sindicatos a não entregarem os objectivos individuais e a não viabilizarem o modelo integral através da candidatura ao “muito bom” ou ao “excelente”, sendo agora retaliados por essa ousadia, nomeadamente os professores dos 4º e 6º escalões que não estariam sujeitos ao sistema de vagas para os 5º e 7º escalões, assim como os do 10º escalão que se vêem, hoje, impedidos de aceder ao 11º escalão;
9) as implicações anti-democráticas que o novo modelo de gestão terá na constituição da Comissão de Coordenação de Avaliação, promovendo o aparecimento dos apaniguados do(a) director(a), retirará transparência, imparcialidade e seriedade ao processo de avaliação.
Permitimo-nos afirmar, sem qualquer ambiguidade e com toda a frontalidade, que não podemos deixar de lamentar a imagem enganadora que os sindicatos passaram para a opinião pública, ao fazerem da discussão do estatuto da carreira docente e do modelo de avaliação, uma mera questão de quotas e contingentes de vagas, que em nada condizem com a postura que a classe docente sempre manteve ao longo destes anos de luta, onde as suas reivindicações foram sempre além das questões salariais, preocupando-se, isso sim, com questões de exigência, seriedade, transparência, justiça e qualidade da escola pública, onde se integrava, sobretudo, a exigência de acabar com o modelo de avaliação em vigor, algo que os sindicatos desrespeitaram em absoluto.
Um capital de contestação e de concomitante força negocial foi completamente decapitado e desperdiçado por representantes que demonstraram não estar à altura do respeito que lhes deviam ter merecido a mobilização e os imensos sacrifícios de que os professores deram provas ao longo destes quatro anos.
Os Movimentos Independentes de Professores admitem desencadear, em breve, a construção de uma grande Convergência de Contestação às medidas que os professores continuam a rejeitar neste acordo (e pela defesa de outras que ficaram ausentes), procurando reunir na mesma os sindicatos que não assinaram o acordo, os professores que se destacaram na blogosfera e núcleos de professores, organizados escola a escola.
Contem connosco, porque isto não pode ficar assim!