quarta-feira, 5 de outubro de 2011

O que é o ‘eduquês’?

No seu blogue, o professor Ramiro Marques explica, de forma simples mas (ou talvez por isso) muito eficaz, o que é o ‘eduquês’. Vale a pena ler:
“O ‘eduquês’ é uma ideologia pedagógica parida no ventre da esquerda pós-moderna com adeptos à esquerda e à direita. Expressa-se numa retórica que faz da mudança permanente a missão da escola.
Alimenta-se da suspeição a tudo o que possa ser conotado com a escola tradicional, vista pelos ideólogos do ‘eduquês’ como repressiva, castradora e elitista. Afirma-se em oposição a ela. Deixa-se contaminar pelas ‘ecotretas’ e pela "religião do clima". Manifesta uma crença quase religiosa no poder que as tecnologias têm de transformar o ensino. Agarra-se a tudo o que é novidade pedagógica e quanto mais exótica e improvável a novidade maior a militância com que é acriticamente defendida.
O ‘eduquês’ é uma forma de acriticismo pedagógico. Esgota-se na forma, anula o conteúdo. Desvia o professor das funções letivas, esmaga-o com tarefas que estão a montante e a jusante do processo de instrução: reuniões para preparar planos, reuniões para fazer planos, reuniões para avaliar os resultados dos planos e relatórios para dar conta da avaliação dos planos.
O ‘eduquês’ é uma forma de burocracia pedagógica que alimenta e se alimenta da complexidade. Gosta de siglas, usa uma linguagem hermética, incorpora estrangeirismos e exprime-se num discurso redondo.
Em vez de valorizar o processo de transmissão do conhecimento científico, centra-se na manipulação política dele. Alimenta-se de uma cultura de ressentimento contra os padrões culturais e as tradições do Ocidente. Valoriza o exótico, o que nos é distante e o que não é nosso. Faz da escola um instrumento de engenharia social em nome de uma igualdade fabricada que esmaga o mérito e desconfia da excelência. Padece de 10 pecados mortais:
1. Concepção instrumental da educação: "aprender a aprender", "aptidão para o pensamento crítico", "aptidões metacognitivas", "aprendizagem permanente".
2. Desenvolvimentalismo romântico: "escola centrada na criança", "diferenças individuais dos alunos", "ensinar competências e não os conteúdos".
3. Pedagogia naturalista: "construtivismo", "aprendizagem por descoberta", "aprendizagem holística", "método de projecto", "currículo em espiral", "aprendizagem temática".
4. Antipatia pelo ensino de conteúdos: "os factos não contam tanto como a compreensão", "os factos ficam desactualizados", "menos é mais", "aprendizagem para a compreensão".
5. A desvalorização dos padrões culturais tidos como relativos e subjectivos, portanto irrelevantes.
6. Crítica do uso da memória e recusa das actividades de repetição, tidas como não significativas, portanto inúteis.
7. Defesa da ideia falsa de que as crianças só compreendem o que lhes está próximo e o que é concreto e manipulável.
8. Primazia à componente lúdica e recreativa por oposição à valorização do esforço na aprendizagem.
9. Redução da aprendizagem a um processo construtivista que diminui a função de transmissão dos conteúdos.
10. Visão anti-intelectualista da cultura e da educação.”
Apache, Outubro de 2011

sábado, 1 de outubro de 2011

“Bolos para o IPCC/ONU, morte para os africanos”

Num comentário ao artigo intitulado “Comida para todos”, da autoria de Olivier de Schutter, Relator Especial da ONU para o direito à alimentação, publicado a 11 de Abril de 2011 no Jornal de Negócios, o professor Igor Khmelinskii (Físico, de formação académica) da Universidade do Algarve escreve, no seu blogue “Clima Virtual vs Real”:
«O autor dedica a maior parte do artigo à apresentação das medidas, que embora façam todo o sentido, dificilmente seriam implementadas pelos países da G20, em benefício das nações pobres, pois as próprias G20 sofrem as consequências da crise financeira e das desastrosas políticas ambientais e energéticas que estão a implementar, não dispondo por isso de possibilidade de ajudar as nações pobres.
Por outro lado, o autor mostra uma incompetência profissional surpreendente para quem é supostamente um perito na matéria, passo a citar:
"... No futuro, espera-se que as alterações climáticas conduzam a mais choques na oferta..." Falso. As mudanças climáticas são periódicas, razão pela qual o clima do futuro não será diferente do clima de um passado não tão longínquo como isso.
“... Mas a agricultura também é uma grande culpada pelas mudanças climáticas, responsável por 33% de todas as emissões de gás com efeito de estufa..."
Falso. Não são os gases com efeito de estufa que provocam as mudanças climáticas, mas sim as alterações de actividade solar, sendo estas também periódicas.
Entretanto, em nada nos surpreende a publicação deste artigo no JN, bem conhecido pela propaganda desenfreada de ideologia misantrópica de eco-terrorismo, dirigido tanto contra as nações pobres, como contra as nações desenvolvidas e ricas.
Ora o autor não consegue perceber que o dióxido de carbono atmosférico beneficia a agricultura, aumentando os rendimentos sem quaisquer gastos adicionais, razão pela qual precisamos de mas CO2 na atmosfera. Por outro lado, não precisamos de reduzir as emissões de CO2 nem de qualquer outro gás com efeito de estufa, pois as suas consequências climáticas negativas existem apenas nas mentes delirantes dos peritos climáticos do IPCC/ONU e nos seus modelos de um sistema climático virtual, inteiramente ilusórios e enganadores, que nada têm a ver com a nossa realidade.»
Bem-vindo ao mundo real (também chamado: “dos cépticos”), professor.
Apache, Outubro de 2011

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Buraco argumentativo

Quando o “buraco” da Madeira é a melhor desculpa que arranjam para justificar a “cratera” continental, torna-se escandalosamente evidente o “elevado” QI dos nossos governantes.
Apache, Setembro de 2011

sábado, 24 de setembro de 2011

“Desculpe o auê”

Valter Lemos (por favor, não comecem já a rir) escreve (ou provavelmente alguém por ele) hoje, no Expresso, em defesa do Programa Novas Oportunidades, projecto que maquinou com Luís Capucha e que o actual Ministro da Educação, Nuno Crato, mandou avaliar. Por esta altura estão os hipotéticos leitores a sentirem uma certa urticária antevendo que me preparo para comentar o texto atribuído ao ex-Secretário de Estado da Educação. Vamos lá a ter calma e a respirar fundo… Ok! Agora pensem lá se faz algum sentido comentar textos de quem ainda não aprendeu a argumentar?
Bom, agora que os hipotéticos leitores estão mais descansados, resta-me deixar um pequeno conselho que, talvez, uma alma caridosa possa fazer chegar ao senhor doutor por Boston: Valter, o conceito de “ciúme social” (não é que não soe bem para título de uma música pimba mas) deixará de te fazer sentido no dia em que aprenderes a pentear-te e a escolher as peúgas.
Apache, Setembro de 2011

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

A frase da semana

“O Dr. Seguro (…) promete estatismo a um país arrasado pelo estatismo assumido do seu partido e hoje governado pelo estatismo envergonhado dos partidos ditos à direita.”
Alberto Gonçalves, no Diário de Notícias

domingo, 18 de setembro de 2011

Disparates à moda da OCDE

«Hoje voltou à baila a questão das Novas Oportunidades e voltaram a falar governantes anteriores (não seria melhor haver um período de nojo?). O tema foi propiciado pela notícia de que no Relatório da OCDE "Education at Glance 2011" Portugal aparece, com 96%, em 1.º lugar de entre os países analisados no que respeita à taxa de finalização do secundário (o indicador que faz notícia é o A2). Como se calcula? Divide-se o número de diplomas passados a quem quer que seja do 12º ano pelo número de jovens com 17 anos. Ora acontece que cerca de um terço (34%) são diplomas a pessoas maiores de 25 anos das Novas Oportunidades passados, como se sabe, de qualquer maneira. Poderiam até ser mais e a nossa taxa de sucesso ultrapassar alegremente os 100%. Foi precisamente de 34% o nosso aumento relativamente a 2008, isto é, a taxa de sucesso normal no secundário não teve praticamente nenhuma variação. Isso dever-nos-ia fazer reflectir um pouco. Não há caso de nenhum outro país com 34% de diplomas passados de qualquer maneira a quem quer que seja. E isso dever-nos-ia também fazer reflectir um pouco. O relatório traduz o nome da iniciativa política do governo anterior para "New Opportunities". Mas, de facto, a expressão portuguesa não tem tradução possível, porque lá fora ninguém faz o mesmo.»
Professor Carlos Fiolhais, na passada terça-feira, no blogue “De Rerum Natura”

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Em jeito de (primeiro) balanço (2)

“Confesso que nos primeiros dias do Governo aguardava com expectativa os anúncios de diminuição da despesa pública. Agora aguardo-os com pavor. De cada vez que um ministro ameaça reduzir os gastos do Estado acaba a aumentar os gastos do contribuinte com o Estado. Há dias, Vítor Gaspar prometeu "cortes brutais" e apresentou um reforço dos impostos (na electricidade e no gás). O primeiro item ficou mais uma vez adiado para um futuro vago, afinal o nosso. Corre por aí que as sumidades que nos tutelam precisam de tempo. Desgraçadamente, não temos nenhum. Perdemos seis anos a ver as sumidades precedentes arruinarem o país com frontalidade. Não convinha ver as sumidades actuais prolongarem dissimuladamente a ruína.”
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias”

domingo, 11 de setembro de 2011

Em jeito de (primeiro) balanço (1)

“Que temos, dois meses depois? Pensões e salários violentamente tributados, dividendos e transferências para os offshore isentadas. Dez por cento do PIB nas mãos dos 25 mais ricos, cujo património aumentou 17,8 por cento. Impostos e mais impostos, que juraram não subir e de que se serviram para correr com o outro. Aumentos brutais do que é básico, da saúde aos transportes, passando pela electricidade e gás. Venda em saldo do BPN, sem direito sequer a saber os critérios da escolha da proposta mais barata, depois de todos nós termos subsidiado com 2.400 milhões de euros, pelo menos, vigaristas, donos e falsos depositantes. Afã para vender a água que beberemos no futuro. Quinhentas nomeações para a máquina do Estado, cuja obesidade reprovavam. Abolição da gravata. Espionagem barata com muito, mesmo muito, por esclarecer. Descoberta de um caixote de facturas não contabilizadas no esconso de um instituto em vias de fusão. Início da recuperação do TGV, antes esconjurado. Promessa de bandeirinhas nacionais em tudo o que se exporte. Um presidente que se entretém no Facebook, cobardia colectiva e mais uma peregrinação reverencial à Europa, que o primeiro-ministro inicia hoje. A tesouraria do Estado necessitou da troika. Mas o país dispensava o repetido discurso de gratidão subserviente de Pedro Passos Coelho. Aquilo a que ele chama ajuda é um negócio atípico. Atípico pelos juros invulgarmente altíssimos e atípico por o prestamista se imiscuir violentamente na vida do devedor, a ponto de ter tornado o Governo de um país com mais de 800 anos de história, outrora independente, num grémio administrativo de aplicação do acordo com a troika. (…)”
Santana Castilho, no “Público” de 31 de Agosto

terça-feira, 6 de setembro de 2011

E se alguém sugerisse mais um imposto?

O bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, sugeriu a criação de um imposto sobre a comida-rápida (“fast-food”) e aquilo que denominou de “dezenas de variedades de outro lixo alimentar” (o que quer que isso signifique no linguajar do senhor doutor), imposto esse que serviria para financiar o Serviço Nacional de Saúde compensando os cortes previstos.
Diz ele que “um duplo cheeseburger e um pacote de batatas fritas equivalem a 2200 calorias e é preciso uma maratona” para queimar estas calorias.
Ponto 1- Duas mil e duzentas calorias são uma quantidade ínfima de energia. Calculando a minha Taxa Metabólica Basal (quantidade de energia necessária para, em repouso, manter as funções básicas do organismo) pela fórmula sugerida pela Organização Mundial de Saúde obtenho o valor de um milhão novecentos e oitenta e uma mil calorias, pelo que, as 2200 calorias que refere são queimadas em um minuto e trinta e seis segundos, de sesta. Claro que, provavelmente, quando o douto cavalheiro refere 2200 calorias na realidade pretende dizer 2200 quilocalorias (que é o mesmo que dois milhões e duzentas mil calorias).
Ponto 2- Dando, portanto, como adquirido que José Manuel Silva quis dizer que “um duplo cheeseburguer e um pacote de batatas fritas equivalem a 2200 quilocalorias”, vejo-me na obrigação de corrigir o exagero que cometeu. Ao consultarmos a tabela de nutrientes fornecida pela McDonald´s (revista há cerca de 15 dias), somando as 440 quilocalorias de um duplo cheeseburguer com as 500 quilocalorias de um pacote de batatas fritas grande (230 se o pacote for pequeno) chegamos a 940 quilocalorias. Menos de metade do propalado pelo doutor. Mesmo considerando que o senhor Silva se referia a um menu completo, acrescido de sobremesa, temos mais 310 quilocalorias de uma coca-cola grande (150 se for pequena) e mais 230 quilocalorias de um gelado (grande) de caramelo, o que perfaz um total de 1480 quilocalorias (no caso de estarmos perante um menu pequeno acrescido de sobremesa, o total é de 970 quilocalorias). Lembro ao senhor doutor que, mesmo nos restaurantes de comida-rápida há sopas, saladas, águas e bebidas “lighht”, à medida de quem, mesmo para usar o cérebro, denota relevante preguiça.
Ponto 3- O doutor Silva acha que se é possível ingerir muitas calorias por pouco dinheiro o melhor é o Estado colocar mais um imposto para que a comida fique mais cara. A sua máxima parece ser: antes passar fome que comer barato.
Imaginemos, por absurdo, que um outro douto, do “calibre” do senhor José Manuel Silva, sugeria um imposto extraordinário (que funcionaria como uma espécie de Taxa Moderadora) a incidir sobre as idiotices ditas em público por titulares de cargos de relevo. Qual seria o resultado? O Estado dispunha de fonte adicional de receita, o senhor bastonário (e muitos outros “eruditos”) veria o fisco penhorar-lhes as peúgas.
Apache, Setembro de 2011

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Que pobreza de cenário

Às treze horas e onze minutos, do dia 25 de Agosto de 2011, no Primeiro Jornal, da Sic Notícias, a jornalista Cândida Pinto relata, em directo, deitada no chão do terraço do Hotel Coríntia, em Tripoli, um tiroteio, a ocorrer junto ao hotel onde se encontram os jornalistas. O vídeo está (por enquanto) disponível aqui. Às treze horas e dezasseis minutos, do mesmo dia, igualmente em directo, no mesmo terraço de hotel, atrás do mesmo arbusto, o enviado da RTP à Líbia, Paulo Dentinho relata o mesmo suposto ataque, alegadamente perpetrado por forças leais a Kadhafi. O vídeo do Jornal da Tarde está (para já) disponível aqui. Alguém dispara contra o hotel onde estão alojados os jornalistas, não identifica qualquer alvo, gasta munições apenas porque lhe apetece. É comum vermos, nas notícias, populares dispararem para o ar, em actos alegadamente festivos. Não são militares, não sabem quanto custa uma “brincadeira” destas.
Neste caso, diz-se que os pretensos militares disparam contra o hotel e os jornalistas expõem-se (alegada e) irresponsavelmente ao perigo. “Montam” o cenário e entram e saem de cena, uns após outros, debaixo de fogo “real”. Fazem-no como se de um palco de teatro se tratasse. Os tempos são de crise, o cenário é pobre, o “romance” é de cordel, mas podiam ter tirado dali a garrafa de água. Ou seria o patrocínio?
Apache, Setembro de 2011

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

De erro em erro

«O dr. Passos Coelho jurou há um mês que o Governo não gozaria de férias para que, cito, "o essencial das decisões a aplicar possam ser aplicadas". Descontado o erro de concordância, resta o erro da previsão: o Governo entrou de férias. O dr. Passos Coelho anunciou as suas no Facebook, presumindo, talvez acertadamente, que os cidadãos não têm mais o que fazer do que brincar nas ditas redes sociais. O dr. Passos Coelho não se limitou ao anúncio, mas publicou no Facebook toda uma mensagem "oficial", intitulada "Uma pequena reflexão de Verão" e destinada às "Caras amigas e amigos".
Descontado o erro de concordância, resta o uso aparentemente aleatório de iniciais maiúsculas. O dr. Passos Coelho refere o "nosso Grande Desafio como nação e como povo" como se o "Grande Desafio" fosse uma entidade autónoma e reconhecida no notário, refere a "Sociedade Portuguesa" como se o conceito beneficiasse de estatuto formal e refere "que a instabilidade no sistema Financeiro Europeu e Americano são travões para um percurso já de si cheio de sacrifícios", como se de facto não soubesse escrever.
Descontado o erro de concordância, resta o tom simultaneamente épico e vazio da pequena reflexão. A pensar no Algarve, o Dr. Passos Coelho espraia-se por clichés grandiloquentes, desde "Este é o momento!" até "olhar o futuro com confiança e optimismo", passando por "somos um povo de vencedores que nos agigantamos perante as maiores adversidades".
Descontado o erro de concordância, resta a sensação de que tudo isto já havia sido dito e de que o oposto de tudo isto já havia sido feito. Inevitavelmente, o fervor nacionalista irrompe sempre que a nação rasteja: se olharmos o futuro, aquilo que vemos a agigantar-se é o desastre, destino que dificilmente será evitado por um primeiro-ministro débil na palavra e nas palavras. Para cúmulo, meia dúzia de semanas bastaram para que, à semelhança do velho, o novo poder tomasse cada dissidência à conta de manifestação anti-patriótica, pressuposto que, a ser respeitado, faria que ainda fôssemos castelhanos.»
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias” de 11 de Agosto

terça-feira, 23 de agosto de 2011

“Um neoliberal é isto, Álvaro!” (2)

«HanusheK, economista da Educação por quem Nuno Crato tem grande apreço e trouxe recentemente a Portugal, foi dos primeiros a apontar a “falta de incentivos mercantis” (Journal of Human Resources, Junho de 1979) quando analisava a eficiência em Educação. Atente-se bem à semântica da expressão, não descuidada num académico com a responsabilidade dele. Mercantil é um adjectivo que se refere ao comércio, à mercancia, coisa bem afastada do objecto da Educação, suponho eu. Se tomarmos o vocábulo em sentido figurado, diz-se daqueles que perseguem só ganhos materiais, que são interesseiros e meros especuladores. A génese da avaliação do desempenho pode ser facilmente compreendida por quem a estude a partir da segunda metade do século passado, quando tomou relevância a preocupação política e económica de analisar em detalhe os custos de produção do serviço público de Educação. Por o ter feito, por a ter abordado na prática, em experiências e projectos de natureza educacional e empresarial, compreendo-a bem, rejeito-a como panaceia para a melhoria da qualidade da Educação e lamento que os professores e a sociedade em geral a aceitem como os crentes aceitam os dogmas, isto é, com reverência sacra. A avaliação do desempenho tornou-se um instrumento de uma concepção tecnocrática de gestão. A prática de modelos estereotipados para a realizar está estudada e reprovada pelo balanço dos resultados. Assim, a grande alteração que ficou por fazer foi desistir dela. O processo deveria ser indissociável da avaliação do desempenho de cada escola, depois de alterar radicalmente o modelo de gestão vigente. É estúpido avaliar com as mesmas referências e medidas o que é radicalmente diferente. É estúpido impor a todos o mesmo processo. É estúpido confundir a Educação com a actividade mercantil. Sei que incorro na fúria de muitos. Mas é o que penso e o que considero essencial. Tudo o mais é acessório, embora relevante, por ser tomado por essencial. Posto isto, vejamos, então, o acessório. Isenta-se da avaliação cerca de um terço dos docentes em exercício. Esperta malha. Calam-se muitos. Reduz-se o número de aulas a observar e, com isso, custos enormes e logística disforme. Pouco importa que se recupere, implicitamente, o conceito de professores titulares e que vá às urtigas o rigor do ministro e o que resta da coerência do seu discurso. Quotas viram percentis. Boa jogada! É mais erudito, ou não fora o ministro um mestre em Estatística e o secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar um anterior defensor da avaliação de Maria de Lurdes Rodrigues. E neste ambiente em que todos começam a fazer de conta que não foram o que foram e não disseram o que disseram, faz de conta que as quotas desapareceram. Como reclamavam os sindicatos. Se assinarem rápido o papel, substituam “acordo”, de má memória, por um sinónimo. “Ajuste directo” ou “conúbio” seria perfeito e adequado aos tempos!» Se afastarem a espuma, encontram o mesmo disfarce ideológico, que visa condicionar a independência intelectual e profissional do exercício da docência: pela precarização da profissão (fala Crato de assistir os “novos” isentando os “velhos”, ignorando que muitos dos “novos” têm 10, 15 e até mais anos de exercício); pela proletarização da profissão; pela persistência da desconfiança militante na classe; pelo refinamento dos padrões de desempenho, como se professor fosse sapateiro (sem desprimor para com tal ofício). Também isto, Álvaro de Vancouver, o ajudará a saber o que é um neoliberal.
Santana Castilho, no “Público” de 17 de Agosto

domingo, 21 de agosto de 2011

“Um neoliberal é isto, Álvaro!” (1)

«1- O Álvaro, que veio do Canadá para pôr a economia do país na ordem, disse na Assembleia da República que não sabia o que era um neoliberal. Agostinho Lopes ensinou-o assim: “…É alguém que tem três axiomas com que justifica tudo: globalização, revolução científica e técnica e competitividade. É alguém que tem três mandamentos sagrados: privatizações, liberalização dos mercados e desregulamentação dos mecanismos de orientação económica. E tem um único instrumento como variável de ajustamento dos desequilíbrios: o preço do trabalho …”. A lição dada ao Álvaro, se complementada com a compulsão para aumentar impostos e taxas, faz uma bela síntese da actividade do Governo até agora. 2- O ministro das Finanças também precisa de uma lição que o esclareça sobre o que é uma conferência de imprensa. Convocada uma, que se supunha para anunciar os cortes na despesa, proibiu as perguntas e prendou-nos com mais aumentos, agora na electricidade e no gás. A subserviência à troika deixou à dita a missão soberana de, finalmente, esclarecer os indígenas sobre o desvio colossal, a solver com mais confiscos colossais. Aproveitando a inércia, Passos Coelho foi lesto no “Pontal”: preparem-se que vem aí muito mais e, por favor, não estrebuchem, porque o inferno espreita. Quanto ao corte na despesa, é esperar até Outubro. Antes, Passos tem que ultimar a oferta do BPN a Isabel dos Santos e companhia, resolver o bónus da TSU e escolher quem vai abocanhar a TAP, a RTP, os CTT, as Águas de Portugal e um naco da CGD, tudo a preço de saldo e em nome do inferno que espreita. 3- Para os que ainda tinham dúvidas, chegou a definitiva dissipação: a regulamentação da avaliação do desempenho dos professores, agora apresentada, é tão-só o “Simplex 3” do modelo de Maria de Lurdes Rodrigues, que sucede ao Simplex 2 de Isabel Alçada. Definitivamente, há uma nota que sobressai, por maior que seja a esperteza para a dissimular: continuar a política que privilegia a diminuição do preço do trabalho.»
Santana Castilho, no “Público” de 17 de Agosto

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Foi-se mais um moscardo mas o excremento, senhores…

Na passada segunda-feira, o Secretário de Estado do Emprego, Pedro Silva Martins, e a Secretária de Estado do Ensino Básico e Secundário, Isabel Leite, reuniram com o Presidente da Agência Nacional para a Qualificação (ANQ), Luís Capucha, tendo-lhe comunicado que não seria renovada a sua comissão de serviço, não sendo, portanto, reconduzido no cargo. Recorde-se que a ANQ é a entidade responsável pelo Programa Novas Oportunidades (NO) e que no passado dia 16 de Maio (em plena campanha eleitoral) Pedro Passos Coelho se havia referido ao programa como sendo “uma mega produção que mais não fez do que estar a atribuir um crédito e uma credenciação à ignorância e isso não serve a ninguém”. Convém, a bem da qualidade do ensino, que todo o trabalho desenvolvido pela ANQ seja avaliado por uma entidade independente e que seja feita uma reforma profunda nas (NO). Como o Professor Paulo Guinote bem retratou, num texto que aqui repliquei [e do qual destaco este excerto: “a dupla (…) que eu designaria por Capucha-Lemos connection e que, fugindo à esfera mais restrita da tutela da Educação, conseguiu, com um pé dentro e outro fora do ME, criar um feudo com um poder imenso que se prepara para continuar, verdadeiramente, a revolucionar os percursos escolares dos portugueses, construindo sucesso a todo o custo, mesmo que seja cilindrando tudo o que se lhes oponha. (…) O que se está a passar é a contaminação completa do Ensino Secundário pelo espírito NO, depois do Básico ter sido modelado à imagem das teorias do direito ao sucesso que Lemos debitou desde o início dos anos 90, na altura a partir do Instituto de Inovação Educacional e que Capucha abraçou como sendo o mecanismo ideal para um teórico nivelamento social, que nega ser pela bitola baixa, que nenhum estudo comprova ter funcionado como fomentador de qualquer mobilidade socioprofissional. (…) Ambos querem transformar o sistema educativo público numa imensa rede de certificação, com 110% de sucesso garantido à nascença. Movendo-se numa pouco discreta sombra, num claro-escuro que não oculta a vaidade e presunção, a Capucha-Lemos connection constitui-se como o verdadeiro soviete revolucionário da Educação Nacional. Temei… porque esta é uma forma de terror educacional… ”] Luís Capucha (Presidente da ANQ) e Valter Lemos (primeiro, como Secretário de Estado da Educação, depois, com Secretário de Estado do Emprego, nos dois anteriores governos) construíram um tal monte de esterco que, uma vez posto a rolar, tudo tem conspurcado à sua passagem, pelo que, não basta (como parece ir acontecer com a Avaliação do Desempenho Docente) terem-se afastado os moscardos (em actos de mera substituição de boys em cargos nomeação política) impõem-se que se comecem (urgentemente) a remover os excrementos.
Apache, Agosto de 2011

sábado, 30 de julho de 2011

Escabeche

“Se eu mandasse, toda a gente era autarca uma vez na vida. Infelizmente, como os mandatos autárquicos chegam a durar 40 anos, nem toda a gente teria uma esperança de vida que lhe permitisse aguardar a sua vez. Mas parece-me evidente que a gestão de uma autarquia rejuvenesce. Aponto como exemplo Fernando Ruas, presidente não só da Câmara de Viseu como também da associação de municípios, e que, aos 62 anos, não tem ainda um único cabelo branco. Há qualquer coisa no trabalho autárquico que protege a saúde de quem o executa. Creio que é a absoluta ausência de preocupações. O autarca, em princípio, sabe que não há nada que o apanhe. Se fizer falcatruas, em princípio não é condenado. Mas, se for condenado, mais depressa é reeleito. Se for reeleito, não pode ir preso. Mas, se for preso, foge para o Brasil. O destino do autarca oscila entre o poder perpétuo e o turismo tropical. São ‘minimonarquias’ que podem ser interrompidas por ‘miniexílios’ dourados. Além disso, a actividade autárquica é isenta de stresse, como pôde voltar a constatar-se esta semana: todo o País está absorvido pelos problemas do desemprego, da crise da dívida, do décimo terceiro mês e da bancarrota, mas a Câmara Municipal do Fundão não deixa que essas pequenas preocupações a afectem, e tem tempo para tratar dos grandes assuntos. E decidiu processar a organização do concurso gastronómico 7 Maravilhas por uma infracção culinária. Ao que parece, a perdiz de escabeche, que a edilidade do Fundão garante ser originária de Alpedrinha, vai apresentar-se a concurso como se fosse - e peço ao leitor que contenha a revolta e a indignação - de Idanha-a-Nova. Assim que a Câmara do Fundão percebeu que ia ser espoliada da perdiz de escabeche entrou em acção e fez, aliás apropriadamente, um escabeche. De acordo com o Expresso, a Câmara ameaça "accionar todos os meios legais que se encontrem disponíveis e se afigurem necessários e pertinentes". Sossega-me saber que, de acordo com este comunicado, a Câmara não pretende accionar meios legais que não se encontrem disponíveis. Já não é mau. Mas a intenção de recorrer a todos os disponíveis faz antever uma batalha legal longa e violenta: quem tenha vagar para ir à procura, encontra, na legislação portuguesa, uma vastíssima gama de meios apropriados para a defesa das vítimas da deslocalização dos pratos de caça. O Código Civil dedica dois capítulos a este flagelo, e há uma subsecção que regulamenta em especial os escabeches. O perpetrador do crime que se cuide. O ‘desperdizamento’ da Câmara do Fundão não passará impune.”
Ricardo Araújo Pereira, na “Visão” da passada quinta-feira

quarta-feira, 27 de julho de 2011

A Rússia deu vida ao monstro concebido no Japão, agora ambos querem matá-lo

Em finais de Maio passado, a Rússia, o Japão e o Canadá anunciaram que não participariam na segunda ronda de negociações para a “renovação” do Protocolo de Quito, tratado que surge na sequência da patética teoria do aquecimento global antropogénico (rebaptizado, à medida que as temperaturas médias globais baixavam e os cenários catastrofistas não ocorriam, de alterações climáticas antropogénicas) e que impunha reduções nas emissões de gases com alegado “efeito de estufa” limitando o desenvolvimento económico de muitos dos países signatários. Recordo que o Protocolo de Quioto (assim conhecido por ter sido naquela cidade japonesa que, após conclusão do texto, ficou aberto para assinaturas a 11 de Dezembro de 1997) foi ratificado a 15 de Março de 1999, entrando em vigor a 16 de Fevereiro de 2005, depois de a Rússia o ter ratificado em Novembro de 2004. O Protocolo, que os Estados Unidos nunca ratificaram (apesar do seu ex-vice-presidente Al Gore ter sido um dos seus mentores) carecia, para vigorar, de ser ratificado por países que, no seu conjunto representassem mais de 50% das emissões de “gases com efeito de estufa”, o que aconteceu, precisamente, com a ratificação da Rússia que elevou a quota dos signatários para 55%. Na sequência do escândalo conhecido por “climategate” e consequente desacreditação pública da algaraviada designada por “ciência climática”, as opiniões públicas de vários países (e muitos conselheiros políticos, económicos e científicos) começaram a questionar a utilidade do dito protocolo. As consequências disso estão agora à vista. Rússia, Japão e Canadá (aparentemente) vão ficar fora do “novo acordo” e os Estados Unidos anunciaram que não pretendem alterar a sua posição (permanecendo fora). Assim, a quota de emissões dos signatários do Protocolo cai de 55% para 20%. O golpe dado, no ridículo protocolo, foi de tal forma importante que o ‘verdinho’ Yvo de Boer, ex-secretário executivo da Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas, se viu obrigado a vir a público transmitir a mórbida notícia: “O espírito do Protocolo de Quioto desapareceu. O seu corpo tem vindo a ser, artificialmente, mantido vivo e alguns dos seus órgãos talvez possam vir a ser transplantados. Mas temos que admitir que o Protocolo de Quioto está morto.” Infelizmente, para a Ciência, teorias como a do “aquecimento global antropogénico”, ou a do “buraco do ozono causado pelos clorofluorcarbonetos” (de que resultou o Protocolo de Montreal), só para citar as mais populares (e lesivas do progresso económico e social da humanidade) continuam ainda vivas (apesar de moribundas). Se um dia estas “casinhas de palha” ruírem todas, o nome da Ciência fica em muito “maus lençóis”. Aguardemos os próximos episódios destas ficções.
Apache, Julho de 2011

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Um Programa em “politiquês” de e para “fraquinhos no discernimento”

«Mesmo que já se tenham passado uns tempos sobre a respectiva divulgação, confesso ainda não ter opinião sobre as medidas incluídas no programa do Governo. Por enquanto, continuo abismado com o idioma em que as medidas foram escritas. É verdade que houve ligeiros progressos face ao programa do Governo anterior. É também verdade que, dado o analfabetismo terminal de que esse documento padecia, isso não significa muito. Assim por alto, temos o vocabulário encaracolado, inventado ou apenas ridículo. "Âmbito", se quisermos citar um exemplo clássico de parolice, aparece 30 vezes. "Ao nível" aparece 17 vezes. "Em termos de", 5 vezes. "Nomeadamente", 22 vezes. "De excelência", 5 vezes. "Optimizar" ou "optimização", 12 vezes. "Sustentabilidade", 34 vezes. "Implementar" ou "implementação" 34 vezes. "Contratualização", 7 vezes. "Agilizar", 9 vezes. "Reafectar", uma vez. A seguir, temos os indispensáveis estrangeirismos: "cluster" (10 menções), "outsourcing" (2), "start-ups" (1) e I&D (10). Nas frases, há as campeãs da redundância ("O valor incomensurável da dignidade da pessoa humana"), há conceitos herméticos ("atlas desportivo interactivo e actualizado"), há aspirações patetas ("Construir cadeias de valor de suporte ao tecido empresarial do cluster (a montante e a jusante)"), há trechos mancos ("E o Governo assume igualmente que esta dimensão de articulação entre áreas cujo inter-relacionamento é determinante o incremento da segurança estará sempre no centro das suas preocupações") e há sonhos hiperbólicos ("Eleger o ensino do português como âncora da política da diáspora"). A âncora é dispensável: a julgar pelas citações acima, já seria óptimo que, em lugar de o lançar ao fundo, alguém aprendesse português suficiente para passar nos pífios exames do liceu e, de caminho, redigir cento e tal páginas em língua de gente. Não é por nada, mas custa acreditar que sujeitos incapazes de alinhavar umas ideias conseguirão passar as ideias à prática e, como se impõe, reformar o país. Resta que a turbulência externa talvez torne o programa do Governo inconsequente e que a falta de vontade interna talvez mate o programa à nascença. Dos males, o menor.»
Alberto Gonçalves, no Diário de Notícias

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Segunda cavadela, segunda minhoca

No dia 2 de Abril passado (dois meses antes das eleições) o Vice-Presidente do PSD, Diogo Leite Campos, explicava, em entrevista ao “i” que o PSD, caso viesse a formar Governo, não aumentaria os impostos, acrescentando que a actual carga fiscal “é a maior de sempre em Portugal”, constituindo um “inadmissível disparate”. Confrontado pelos jornalistas com o facto do líder do seu partido, Pedro Passos Coelho, ter dito que, porque não conhecia a verdadeira situação das contas do país não poderia garantir que não aumentaria impostos, apenas afiançava que se tal acontecesse seriam impostos sobre o consumo e não sobre o rendimento, Diogo Campos disse que se tratava de um problema de comunicação. Em conferência de imprensa, dada na passada quinta-feira, Victor Gaspar, Ministro das Finanças do actual Governo, confirmou o que já antes havia sido anunciado. O Governo (liderado pelo PSD) vai mesmo aumentar os impostos (através da criação de uma “sobretaxa extraordinária, em sede de IRS” sobre o Subsídio de Natal) e esse aumento incide sobre o trabalho e não sobre o consumo. Constata-se assim que, tal como preconizava Diogo Leite Campos, o PSD tem mesmo um problema de comunicação, e grave, pois nem o seu Presidente nem o seu Vice-Presidente conseguiram comunicar devidamente (mesmo dizendo coisas diferentes) com os portugueses sobre o que realmente pretendiam fazer caso chegassem ao poder. Ou isso ou em vez de um grave problema de comunicação, o PSD tem mentirosos a mais e nesse caso será de perguntar (imitando certo personagem): Sócrates, em Portugal, quantos são, quantos são? Entretanto, Victor Gaspar, na mesma conferência de imprensa, anunciou igualmente que 65% dos agregados familiares não vão pagar o imposto extraordinário, que é mais ou menos o mesmo que dizer que 65% dos portugueses não vão pagar o novo imposto. Poder-se-ia pensar que os “isentos” são os mais desfavorecidos (até porque para o imposto não vai contribuir quem aufere, mensalmente, um vencimento igual ou inferior ao ordenado mínimo nacional) mas não é bem assim, quem habitualmente foge ao IRS continuará a fazê-lo e, portanto, a “sobretaxa” não se lhe aplica, e quem vive de rendimentos de capitais também não contribuirá. Além de não perceber porque é que um Governo que se diz “de direita” combate o défice por via do aumento da receita e não através da redução da despesa, também não percebo porque é que ninguém, neste Governo, percebeu que a melhor maneira de aumentar as receitas era através do aumento do IVA, primeiro porque Passos Coelho não tinha afastado (antes das eleições) a hipótese dum aumento de impostos sobre o consumo, depois porque esta é a única forma de todos contribuírem, já que rendimentos do trabalho nem todos têm mas consumir todos consomem e, provavelmente, (em valor) na proporção dos seus rendimentos.
Apache, Julho de 2011

sexta-feira, 8 de julho de 2011

"Este é o melhor governo das últimas três semanas"

“De um modo geral, as pessoas olham com desconfiança para os políticos e com alguma admiração para os comentadores políticos. Por outro lado, olham com alguma admiração para os futebolistas e com desconfiança para os comentadores de futebol. As pessoas, como sempre, estão erradas. Se alguma coisa distingue os comentadores de política dos de futebol é que os de futebol são melhores. A principal marca dessa superioridade é esta: os comentadores políticos recorrem muitas vezes a metáforas do mundo do futebol para explicar a política, mas os comentadores de futebol teriam justa repugnância em utilizar o jargão político para explicar uma coisa pura e bonita como é o futebol. Além disso, há nos comentadores de futebol uma humildade que os eleva. Jorge Baptista pode criticar Cristiano Ronaldo, mas não ousa acreditar que faria melhor do que ele no campo. Em contraponto, qualquer editor de política que ponha em causa as opções de determinado primeiro-ministro não esconde que, lá no fundo, acredita que seria um chefe de Governo mais competente. A ingenuidade dos comentadores de política, que contrasta com a frieza experiente dos comentadores de futebol, vem ao de cima em momentos como este. A formação de um novo Governo tem dividido as opiniões: certos comentadores crêem que há razões para ter esperança porque as escolhas de Passos Coelho foram boas, outros acham que não há motivo para festa porque as escolhas de Passos Coelho foram más. Uma vez mais, estão todos errados. Este Governo não vai fracassar apesar das boas escolhas ou por causa das más escolhas. Este Governo vai fracassar porque é um Governo. E, ainda por cima, é um Governo de Portugal. São logo duas circunstâncias funestas. No futebol, compreende-se mal que haja euforia antes do início do campeonato. Na política, não se compreende de todo que haja euforia antes do início de uma legislatura. Ao menos, no fim de um campeonato, haverá sempre um campeão. No fim de uma legislatura só tem havido ressentimento e desilusão. E, sendo o mesmo tipo de ressentimento, custa a perceber de que modo é que continua a gerar euforia. Dou um exemplo: neste momento, há comentadores que depositam grande esperança no novo Governo de coligação entre PSD e CDS. No entanto, da última vez que PSD e CDS se juntaram para governar, o eleitorado ficou tão satisfeito que, na primeira oportunidade que teve, deu uma maioria absoluta a José Sócrates. PSD e CDS foram tão maus que fizeram Sócrates parecer excelente. Depois, Sócrates foi tão mau que fez PSD e CDS parecerem salvadores. Há comentadores políticos que ainda caem nesta esparrela. Rui Santos nunca cairia. Claro que há dois ou três aspectos positivos no novo Governo. O primeiro é que o partido que venceu as eleições está em minoria no Governo. Em 12 ministros tem 5, contando com Passos Coelho. Pode ser uma inovação interessante. O segundo é que, com a nomeação para primeiro-ministro, Passos Coelho conseguiu finalmente obter um emprego sem ser numa empresa administrada por Ângelo Correia. Aqui está o que pode ser uma inspiração para os desempregados. Com tempo, esforço e sorte, podem arranjar um emprego sem cunhas. Basta que, quando concorrerem a determinado posto de trabalho, o outro candidato ao lugar seja José Sócrates.”
Ricardo Araújo Pereira, na “Visão” da semana passada

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Primeira cavadela, primeira minhoca

“Todos os portugueses sabem que, excepto pelas costas, não se diz mal dos amigos e conhecidos. Felizmente, devo ter uma costela estrangeira e não me sinto obrigado à regra. Quando o novo secretário de Estado da Cultura, pessoa inteligente e óptima companhia, se estreia na função a prometer que o Acordo Ortográfico (AO) será "implementado" em 2012 nos "documentos oficiais e nas escolas" dado ser "um caminho sem retorno", eu gostaria de lembrar ao Francisco José Viegas que caminhos sem retorno também eram, ou são, o TGV, o aeroporto de Alcochete, a bancarrota, a gripe suína e o declínio do Belenenses. O trabalho de um governante consiste, suponho, em tentar contrariar as desgraças ditas inevitáveis. Aceitá-las de braços caídos tende um bocadinho para o fácil e talvez não justifique o salário. Ainda por cima, às vezes sai mais caro, em esforço e em dinheiro, aceitar as desgraças ditas inevitáveis do que impedi-las. Na questão do AO, por exemplo, parece-me menos complicado deixar as coisas como estão do que proceder à inutilização de toneladas de papel e à revisão de gigabytes de informação "virtual" em nome de um compromisso pateta e de enigmática serventia. Vasco Graça Moura, aqui no DN, já aludiu ao prejuízo material que o AO implica, ao tornar obsoletos manuais escolares, dicionários e livros em geral. Se o objectivo do Governo eleito fosse torrar fortunas em disparates, a "implementação" do AO viria a calhar. Sucede que o momento é, ou assim nos garantem, de austeridade, por isso dói ver aumentos de impostos contrabalançados por desperdícios quantitativamente pequenos e simbolicamente desmesurados. Pior que tudo, além de tonto nos princípios e dispendioso nos meios, o AO é horroroso nos fins.”
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias