segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Importam-se de repetir?... (7)

“O maior atributo do actual Governo é a originalidade. Depois de, há dias, o ministro das Obras Públicas ter finalmente explicado a serventia do TGV (transformar Lisboa na praia de Madrid), agora a nova ministra do Trabalho ilumina-nos com uma previsão certeira sobre o desemprego, "um problema que", cito, "provavelmente vai continuar a subir antes de descer". Note-se que, até à erupção da dr.ª Helena André, a polémica em volta do tema imperava. Entre o caos opinativo, havia palpites de que o desemprego estagnaria, ou jamais voltaria a descer, ou desceria às terças e quintas, subiria às segundas e quartas e descansaria às sextas, de modo a passar o fim-de-semana em casa. Felizmente, a dr.ª Helena não entra em tolices e opta pela lógica irrefutável, que merece bis: o desemprego "provavelmente vai continuar a subir antes de descer". É verdade que a ministra não arrisca uma data para a inversão da tendência, logo a descida poderá ocorrer depois de amanhã ou em 2025. Enquanto isso, a governante sugere que dediquemos aos números do desemprego "um olhar refrescado". Amavelmente, a dr.ª Helena deixa a interpretação da directiva oftalmológica ao nosso cuidado. Podemos, por exemplo, calar as lamechices e começar a invejar a situação dos 11 por cento de ociosos, os quais dispõem enfim de tempo livre para a reflexão existencial ou a bricolage. Podemos achar positivo que ainda haja 89 por cento da população activa com ocupação. E podemos largar as comparações face à generalidade dos países da UE e comparar os dados nacionais com os da Serra Leoa. Só os ministros que temos não se comparam. Nem os 600 mil desempregados "oficiais" com as incontáveis hordas não registadas ou distraídas pela prestigiada "formação" proporcionada pelo Governo, cuja extravagância já subiu o que tinha a subir antes de se estatelar ao comprido.”
Alberto Gonçalves no Diário de Notícias

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

"No teu poema" - Mafalda Arnauth

De novo a voz de Mafalda Arnauth, desta vez num poema de José Luís Tinoco.

"No teu poema Existe um verso em branco e sem medida Um corpo que respira, um céu aberto Janela debruçada para a vida. No teu poema Existe a dor calada lá no fundo O passo da coragem em casa escura E aberta, uma varanda para o Mundo. Existe a noite O riso e a voz refeita à luz do dia A festa da Senhora da Agonia E o cansaço do corpo que adormece em cama fria. Existe um rio A sina de quem nasce fraco ou forte O risco, a raiva, a luta de quem cai ou que resiste Que vence ou adormece antes da morte. No teu poema Existe o grito e o eco da metralha A dor que sei de cor mas não recito E os sonos inquietos de quem falha. No teu poema Existe um cantochão alentejano A rua e o pregão de uma varina E um barco assoprado a todo o pano. Existe a noite O canto em vozes juntas, vozes certas Canção de uma só letra e um só destino a embarcar No cais da nova nau das descobertas. Existe um rio A sina de quem nasce fraco, ou forte O risco, a raiva e a luta de quem cai ou que resiste Que vence ou adormece antes da morte." No teu poema Existe a esperança acesa atrás do muro Existe tudo mais que ainda me escapa E um verso em branco à espera... do futuro…

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Ainda o acordo de (falta de) princípios…

"O acordo a que o Governo chegou com alguns sindicatos deu lugar a um coro de regozijo pela “pacificação das escolas”. Assim falaram governantes, alguns parlamentares, jornalistas, colunistas e sindicalistas. E se tirassem uma semana sabática e fossem às escolas? Veriam a revolta e a estupefacção dos que, respondendo aos apelos dos sindicatos, não entregaram objectivos individuais, não pediram aulas assistidas nem se candidataram às menções de “muito bom” e “excelente” e por isso ficaram para trás. Veriam discórdia a cada canto, desconfiança crescente, raiva pelas injustiças não sanadas e pelo oportunismo premiado, cansaço acumulado, competição malsã nascente, desilusão e desmotivação generalizadas. Chamam a isto pacificação? Quem ignore os antecedentes do conflito entre os professores e o Governo e leia o acordo conclui que as razões da discórdia se circunscreviam a carreira e salários. E não circunscreviam. Os professores reclamaram contra a degradação do ensino e defenderam a autoridade, a dignidade e a independência intelectual indispensáveis ao exercício sério da sua profissão. Sócrates e Maria de Lurdes Rodrigues instilaram na sociedade uma inveja social contra os professores. Este acordo oferece argumentos a quem queira, maliciosamente, fomentá-la. Nos extremos das 14 horas de clausura na 5 de Outubro estão dois textos. Um, de partida, anteriormente rejeitado; outro, de chegada, agora celebrado. Li e comparei os dois. Para lá das loas, os factos são estes: ao bom jeito dos burocratas de serviço, foi o preâmbulo o pedaço mais alterado; clarificou-se, a meu ver de forma redundante, que a educação especial fica inclusa nas cláusulas do acordo; os sindicatos subscreveram o atestado de menoridade às instituições de ensino superior, que a prova de ingresso titula, a troco de meia dúzia de indigentes dispensas; a conseguida eleição de três membros para a Comissão de Coordenação da Avaliação (de entre um grupo que o director nomeia), a promessa de que o ministério promoverá acções de formação concretas (que despreza miseravelmente o direito daqueles que prefeririam acções de formação abstractas) e a nomeação de um representante da direcção regional respectiva para apreciar eventuais recursos de classificação (estou mesmo a ver como o Senhor se vai empenhar na defesa do súbdito) emprestam algum humor ao conservadorismo da coisa; a possibilidade de renúncia a tarefas, por parte dos possuidores de especialização funcional, e a alusão à tendencial formação especializada do relator serviram para disfarçar que mais de três quartos das contrapropostas da Fenprof não foram aceites e para encher a coluna das mudanças, num cenário de quase tudo ficar na mesma (o toque erudito do acordo é-lhe conferido pelo espírito de Falconeri, que lhe subjaz); e o resto é uma complicada teia contabilística de índices, vagas e quotas, que parte significativa dos professores irá descobrindo com esgares amarelos (o cromatismo clássico não se aplica à complexidade desta caldeirada rosa, laranja e vermelha). A iniquidade, a mediocridade técnica, a burocracia insustentável e a consequente inaplicabilidade de um modelo de classificação do desempenho (é de classificação e não de avaliação que se trata) foram publicamente patentes ao longo de três anos de conflito. Estipula o acordo, já apodado como o mais importante dos últimos 20 anos, pasme-se, mudanças substanciais? Não! Mas o mais pernicioso está agora aceite. Cairá essa excrescência artificial que dividia em duas uma carreira que, pela sua própria natureza, só pode ser única. Mas foram ampliados os estrangulamentos que dela derivavam. A prova de ingresso, classificada sempre (antes e após o acordo, volte-se a pasmar) como algo sem sentido, foi igualmente aceite, repito. E as quotas, que ontem impediam categoricamente qualquer entendimento, foram engolidas sem indigestão. Os professores mais ousados, os que mais se expuseram pessoalmente para defender o que todos reclamavam, foram abandonados, feridos, no campo de batalha. A sua generosidade e o seu exemplo determinantes foram irrelevantes no cotejo com o pragmatismo, que não conhece moral nem ética. Os ciclos de dois anos e as mesmíssimas dimensões da classificação garantem a eternização de uma burocracia impraticável. Um terço dos professores jamais chegará ao topo (não invoquem probabilidades teóricas; por elas eu também posso ganhar o Nobel da paz). A progressão é agora claramente mais lenta que em 2006 e nenhuma simulação teórica o disfarça. A política e o sindicalismo ajoelharam perante o altar do comércio dos interesses pequenos e imediatos. É deprimente como saldo! O Governo reconheceu, no texto do acordo, que o estatuto e a avaliação em análise desqualificaram a escola pública, são entraves ao cumprimento da missão da escola e remetem para segundo plano o trabalho com os alunos (se lerem com atenção, verão que está lá). Não é espantoso que, dito isto, os acordantes prossigam no mesmo caminho? Ou ensandeceram? Mais coisa, menos coisa, dos resultados até agora conhecidos, teremos 700 professores “excelentes”, 18.000 “muito bons”, 78.000 “bons” e “300” regulares. Foi por isto que se destruiu a harmonia nas escolas e se vilipendiaram os professores?"
Santana Castilho, professor do ensino superior, no “Público” de hoje

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Uma luz no escuro

“Na investigação climática e na sua modelação, devemos reconhecer que lidamos com um sistema caótico, não-linear e que, portanto, não é possível prever como será o clima futuro, a longo prazo.” Lê-se na página 774 do 3º Relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), 2001. Assinam, pelo Grupo de Trabalho I: Y. Ding, D. J. Griggs, M. Noguer, P.J. Van Der Linden, X. Dai, K. Maskell e C. A. Johnson [Tradução minha]

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Olívia costureira versus Olívia patroa

Não sei se ainda recordam a célebre rábula interpretada por Ivone Silva. Mas sei que a paródia à pequena empresária e sindicalista (quem diz empresária diz governante) se tem transformado, por artes mágicas da política à portuguesa, em sucessivos casos reais. Seguem (apenas) alguns dos casos mais mediáticos… Há 4 anos, uma das ex-fundadoras do Sindicato de professores do Norte (SPN), a educadora de infância Margarida Moreira era nomeada Directora Regional de Educação do Norte, tendo o seu mandato (que terminou com o de Maria de Lurdes Rodrigues) ficado célebre (entre outras idiotices) pelos textos dos seus despachos. O Secretário de Estado Adjunto e da Educação, Jorge Pedreira, um dos braços direitos de Lurdes Rodrigues, foi dirigente do Sindicato Nacional do Ensino Superior (SneSup). A actual Ministra do Trabalho e da Solidariedade Social, Maria Helena André, foi dirigente sindical, tendo ocupado o cargo de Secretária-Geral Adjunta da Confederação Europeia de Sindicatos. No entanto, o caso mais obtuso é provavelmente o de António Saraiva, que no passado dia 7 foi eleito Presidente da Confederação da Indústria Portuguesa (CIP). Natural de Ervidel, uma pequena aldeia alentejana, António Saraiva arranjou emprego na Lisnave (nos anos setenta) tendo-se destacado na liderança da Comissão de Trabalhadores da empresa, de onde viria a sair para estudar engenharia mecânica no Instituto Superior Técnico. Curso que nunca completaria. Em 1987 regressou à empresa, agora como director comercial. Pouco tempo depois ingressou na Metalúrgica Luso-Italiana (conhecida sobretudo pela sua marca de torneiras Zenite) tendo-se tornado rapidamente administrador-delegado. Dez anos após a chegada à empresa, António Saraiva já era o seu único proprietário. Pouco tempo depois de se ter assumido como empresário liderou a Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins, de Portugal, que lhe abriu as portas para a direcção da CIP. Desde 2002 ocupava o cargo de vice-presidente desta confederação. Agora, com o término de mandato de Francisco Van Zeller, António Saraiva foi eleito em lista única, por consensual proposta da direcção, para o cargo de “patrão dos patrões” do qual tomará posse no próximo dia 21. P.S. A quem pretender recordar o “sketch” acima mencionado, Olívia costureira/Olívia patroa (com recomendação de especial cuidado com todos os feijões-frades deste país) deixo o vídeo do dito.

Apache, Janeiro de 2010

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

A demagogia é a nova pedagogia

“Em entrevista à «Sábado», o americano Nicholas G. Carr defende que as crianças não deveriam sequer se aproximar de um computador. A tese não é nova nem exclusiva de Carr, que em 2008 publicou na «Atlantic» o célebre ensaio «Is Google Making Us Stupid?». O divertido, se formos masoquistas, é que a quantidade recente de literatura alusiva à influência nociva da Internet no desenvolvimento dos petizes não impede demagogos de actuar no sentido exactamente inverso. Os demagogos indígenas, então, tentam tudo para que ninguém passe dois minutos longe da «rede». Um estudo da «Anacom» informa que quase todos os beneficiários do «Magalhães» já tinham computador e banda larga em casa. Descuido? Não parece. Se os avisos de Carr e muitos outros se confirmarem e a exposição à Internet arruinar as capacidades de apreensão, concentração e crítica, está-se a fabricar gerações de sujeitos incapazes de questionar seja quem for e capazes de financiar seja o que for, incluindo as causas da própria acefalia. Eleitores ideais, portanto.”
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias” da passada quinta-feira (7 de Janeiro)

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Jobs for the boys

[Imagem surripiada do blogue “We have kaos in the garden”]
Pouco depois de Maria Isabel Vilar, a nova Ministra da Educação assinar, com a larga maioria dos sindicatos de professores (sem que os docentes tenham sido tidos nem achados) um vergonhoso “acordo”, a ex-detentora da pasta, Maria de Lurdes Rodrigues era nomeada por José Sócrates para o cargo de Presidente do Conselho Executivo da Fundação Luso-Americana para o desenvolvimento. Ao que consta, a anarquista com especialização técnica em colagem de selos, toma posse a 1 de Maio próximo. Na política portuguesa, a inteligência ou a competência são valores acessórios, os tachinhos sempre foram atribuídos por razões que à razão escapam.
Apache, Janeiro de 2009

domingo, 10 de janeiro de 2010

Comunicado conjunto dos movimentos de professores: APEDE, MUP e PROMOVA

O “Acordo de Princípios para a Revisão do Estatuto da Carreira Docente e do Modelo de Avaliação dos Professores dos Ensinos Básicos e Secundário e dos Educadores de Infância” agora assinado entre o ministério da Educação e algumas estruturas sindicais, entre as quais a Fenprof e a FNE, que, entre outros efeitos deletérios, também serviu para desfazer uma importante unidade sindical na luta contra as políticas educativas erradas dos governos de Sócrates, não passa de um novo “memorando de entendimento” que colide, quer com uma parte substantiva das reivindicações que os professores afirmaram, escola a escola e nas ruas, forçando a agenda sindical e resistindo à prepotência e às medidas absurdas da anterior equipa ministerial, quer com o essencial daquilo que os sindicatos afirmaram e defenderam nestes dois últimos anos. Genericamente considerado, o acordo traduz a validação, por parte dos sindicatos, de quase todos os pilares que sustentavam as medidas que Maria de Lurdes Rodrigues procurou impor e que os professores rejeitam incondicionalmente e que os sindicatos reputavam de inaceitáveis. Referimo-nos, em concreto, ao seguinte: - manutenção da prova de ingresso na carreira, apesar de os professores contratados e entretanto avaliados serem dispensados da mesma; - manutenção de um sistema de quotas aplicado ao ensino, num momento em que a sua rejeição é transversal a todos os partidos da oposição, maioritários no Parlamento; - manutenção, quase intacta, do modelo de avaliação de Maria de Lurdes Rodrigues, massivamente recusado pelos professores. São de vária ordem as razões que nos levam a rejeitar um acordo que em nada beneficia os professores e que demonstram a imprudência com que alguns sindicatos tratam a representação dos docentes e a facilidade com que abdicam das suas reivindicações nucleares (das 31 exigências da Fenprof para assinar o acordo, a esmagadora maioria não foi acolhida): 1) a transição para a nova estrutura da carreira docente é penalizadora para os professores, uma vez que a sua grande maioria regride no seu posicionamento e demorará muito mais tempo a atingir o topo da carreira; 2) o tempo de serviço de dois anos e meio extorquido aos professores não foi reposto; 3) não foi abolida a prova de ingresso para quem quer leccionar pela primeira vez, depois de uma certificação universitária e do respectivo estágio com orientações pedagógicas e científicas; 4) prevalece o sistema de quotas e a contingentação administrativa de vagas, por meras razões economicistas (quando o Estado esbanja dinheiro em futilidades, em Bancos e em escritórios de advogados) que nada têm a ver com reconhecimento do mérito, condenando a maioria dos professores a uma permanência de sete anos em alguns escalões; 5) em termos de estrutura da carreira docente, substituiu-se um filtro no acesso a professor titular por dois estrangulamentos no acesso aos 5º e 7º escalões; 6) o modelo de avaliação de Maria de Lurdes Rodrigues é viabilizado quase intocado, com uma porta escancarada para a sua versão “complex” e que, estamos certos, a maioria dos professores irá transpor, candidatando-se às menções de “muito bom” e de “excelente” (num ciclo avaliativo de dois anos estaremos a falar de cerca 120 mil professores que vão requerer meio milhão de aulas assistidas, o que é uma barbaridade que paralisará as escolas); 7) na sequência do número anterior, os princípios agora aprovados no quadro do modelo de avaliação, mantêm todos os dispositivos que fomentaram, nas escolas, a competitividade doentia, a barafunda e a burocracia, nomeadamente os ciclos de dois anos com avaliação em permanência de todos, a decisão individual de definir objectivos individuais e de requerer aulas assistidas, a proliferação e o entrecruzar de Comissões de Avaliação e Relatores ou, ainda, as dimensões de avaliação consideradas e o contributo em aberto de cada docente para as mesmas, abrindo caminho às disputas de tralha, papelada e projectos folclóricos. A confluência de tudo isto arruinará o ambiente e a cooperação nas escolas e dificultará o investimento dos professores na sua função de ensinar, passando cada um a estar mais focado na sua própria avaliação; 8 ) aceitam-se, e reforçam-se, as consequências decorrentes do 1º ciclo de avaliação em termos de progressão, validando-se uma avaliação que os sindicatos qualificaram de “farsa” e de “faz de conta”, além de que os docentes foram incentivados pelos sindicatos a não entregarem os objectivos individuais e a não viabilizarem o modelo integral através da candidatura ao “muito bom” ou ao “excelente”, sendo agora retaliados por essa ousadia, nomeadamente os professores dos 4º e 6º escalões que não estariam sujeitos ao sistema de vagas para os 5º e 7º escalões, assim como os do 10º escalão que se vêem, hoje, impedidos de aceder ao 11º escalão; 9) as implicações anti-democráticas que o novo modelo de gestão terá na constituição da Comissão de Coordenação de Avaliação, promovendo o aparecimento dos apaniguados do(a) director(a), retirará transparência, imparcialidade e seriedade ao processo de avaliação. Permitimo-nos afirmar, sem qualquer ambiguidade e com toda a frontalidade, que não podemos deixar de lamentar a imagem enganadora que os sindicatos passaram para a opinião pública, ao fazerem da discussão do estatuto da carreira docente e do modelo de avaliação, uma mera questão de quotas e contingentes de vagas, que em nada condizem com a postura que a classe docente sempre manteve ao longo destes anos de luta, onde as suas reivindicações foram sempre além das questões salariais, preocupando-se, isso sim, com questões de exigência, seriedade, transparência, justiça e qualidade da escola pública, onde se integrava, sobretudo, a exigência de acabar com o modelo de avaliação em vigor, algo que os sindicatos desrespeitaram em absoluto. Um capital de contestação e de concomitante força negocial foi completamente decapitado e desperdiçado por representantes que demonstraram não estar à altura do respeito que lhes deviam ter merecido a mobilização e os imensos sacrifícios de que os professores deram provas ao longo destes quatro anos. Os Movimentos Independentes de Professores admitem desencadear, em breve, a construção de uma grande Convergência de Contestação às medidas que os professores continuam a rejeitar neste acordo (e pela defesa de outras que ficaram ausentes), procurando reunir na mesma os sindicatos que não assinaram o acordo, os professores que se destacaram na blogosfera e núcleos de professores, organizados escola a escola. Contem connosco, porque isto não pode ficar assim!

sábado, 9 de janeiro de 2010

O casamento gay… Perdão, o acordo de princípios…

O Ministério da Educação e os principais sindicatos de professores assinaram na madrugada passada, ao fim de catorze horas de reunião (sim, leram bem, 14 horas; e querem-nos convencer que não estão loucos) um acordo de 12 páginas a que deram o nome pomposo de “Acordo de princípios”. Esclareço já hipotéticos leitores que pensam que vou escrever um longo texto, que não será assim. Há aquele velho ditado que diz que, quanto mais se mexe em resíduos sólidos orgânicos mais estes libertam hidrocarbonetos aromáticos voláteis de odor intenso, portanto não remexerei muito. Apenas alguns tópicos, breves: O actual Estatuto da Carreira Docente vedava o acesso aos 3 escalões mais altos da carreira a dois terços dos docentes, por via de quotas administrativas. O acordo agora assinado prevê duas restrições à progressão, uma limita a 50% dos candidatos avaliados com a classificação de “bom”, após completarem o tempo de serviço necessário, bem como a respectiva formação, a passagem, em cada ano, do 4º para o 5º escalão, a outra, limita a 33% dos candidatos que preencham idênticos requisitos, a passagem do 6º para o 7º escalão. Isto, até 2013, a partir daí logo se verá, talvez valha tudo, incluindo arrancar olhos; Na segunda metade de 2002, com oito anos de serviço, avaliados com a menção de “satisfaz” (a equivalente ao actual “bom”) atingi o então 5º escalão de uma carreira com 10 (faltando-me 18 anos (se todos fossem avaliados com “satisfaz” para atingir o topo da carreira, o que aconteceria ao fim de 26 anos), hoje, passados quase 7 anos e meio (avaliados com “satisfaz” e “bom”) estou (e ao que parece, por via deste acordo assim deveria permanecer) no segundo escalão de uma carreira que continua com 10 escalões (mantendo o mesmo índice de vencimento que em 2002) e na perspectiva de, se obter sempre “bom” na avaliação de desempenho, realizar as formações necessárias, e ter muita sorte com as vagas, poder atingir o topo da carreira daqui a 26 anos (ou seja, com mais de 41 de serviço). Se as coisas não correrem muito bem no que respeita a vagas, mesmo que sempre classificado com “bom”, o topo da carreira poderá ter de esperar até aos 47 ou 48 anos de serviço; Entretanto, por via do novo acordo, a avaliação de desempenho vai ficar mais ou menos como até aqui, o professor enfia umas tretas quaisquer num dossier (perdão, portefólio), ou então compra um no mercado negro, realiza umas acções de formação em “eduquês” ou “magalhanês”, entrega um relatório crítico a dizer que fez isto aquilo e mais aqueloutro e que é excelente, um colega eventualmente tão competente como ele, ou talvez não, vai assistir a duas aulas por ano e larga uns “bitaites” mal amanhados sobre elas e já está. Uma avaliação que distingue o mérito e premeia os excelentes (5% determinados pelos iluminados) e os muito bons (25%), em detrimento dessa corja de inúteis que são apenas bons, aos quais o Governo (e pelos vistos) os sindicatos recusarão sempre um ordenado digno e equivalente aos dos outros licenciados empregados pelo Estado. É preciso poupar dinheiro para enterrar no BPN, no BPP, no TGV, no novo aeroporto em muitas auto-estradas novas e no mais que as taras de cada ilustre rosa, laranja, azul ou vermelho assim determinar, em vez de andar a gastá-lo nesse inúteis preguiçosos e bem pagos que constituem a classe docente (não dirigente sindical). Basicamente, o que tínhamos, em termos de progressão na carreira e avaliação era muito mau, mas não faz mal, finalmente os nossos governantes, uma vez mais com a conivência dos nossos representantes acordaram algo pior. É todo um mundo novo que desfila perante os nossos olhos e ouvidos incrédulos. O que se conclui duma análise detalhada deste demencial “acordo de princípios” é que Governo e sindicatos subscritores concordam em mandar para o lixo os mais elementares princípios de um estado de direito democrático, tais como os da justiça, da igualdade, da proporcionalidade, da boa-fé da administração, etc. Mas como eu disse que não remexia muito, antes que feda demais, vou ficar por aqui. Oito de Janeiro fica para a história como o dia em que os gays acordaram um casamento de princípios.
Apache, Janeiro de 2009

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Diz que é uma espécie de “negociação”

"Amanhã terá lugar uma derradeira ronda de reuniões para que Ministério da Educação e sindicatos cheguem a acordo sobre as alterações ao estatuto da carreira docente e à avaliação do desempenho, que dele emana. Será mais uma tentativa falhada, num processo condenado desde o início. Assim previ e afirmei, em sucessivos artigos deste jornal, porque conheço os actores e o sistema. Retomo uma pergunta que então formulei: que sentido faria conceder qualquer benefício de dúvida a uma ministra que acabara de afirmar publicamente dar o seu inteiro apoio às políticas educativas seguidas por Sócrates e que as mesmas seriam para prosseguir e aprofundar? Recordo o que então afirmei sobre Isabel Alçada: que não tinha identidade política; que melosa e sorridente, fora recrutada para desempenhar o papel de mero “factotum” de políticas alheias. Calados os arautos do optimismo e do pragmatismo, que mostra a realidade? Que o que se propõe aos professores agora é pior do que tinham: em vez de um estrangulamento, oferecem-lhe três; estreitaram ainda mais a fresta por onde se pode chegar ao topo da carreira; e branquearam o cortejo de barbaridades que caracteriza o chamado primeiro ciclo de avaliação. O fim da avaliação do desempenho numa organização cooperativa, como deve ser qualquer escola, é a melhoria do desempenho. Neste recente processo, o secretário de Estado Alexandre Ventura confessou publicamente que eram económicas as questões condicionantes e impostas pelo Ministério das Finanças. Apenas poderão ter ficado surpreendidos os distraídos, já que Sócrates procurou, desde o primeiro momento, construir uma escola de pouco custo e a “tempo inteiro”, que funcione como uma empresa, sujeita a fortes relações hierárquicas (daí os professores titulares e os directores), com professores proletarizados sujeitos a mecanismos burocráticos de controlo, sem autonomia intelectual e pedagógica, com horários dilatados e salários reduzidos (para tal contribui a abundância de oferta face ao fecho de escolas, a reclassificação de jovens com necessidades educativas especiais, a entrada no mercado das tradicionais empresas intermediárias - novas oportunidades, inglês e outras actividades não curriculares – e a desregulação dos concursos nacionais de colocação). Esta política, errada, reconhece-se noutras áreas cruciais da governação e tem gerado desemprego, penúria económica, desmembramento da coesão social da nação, aumento das desigualdades entre pobres e ricos (patente, entre outros indicadores incontornáveis, na escandalosa diminuição da parcela do produto interno bruto que remunera o trabalho, enquanto não deixa de crescer a que remunera o capital) e corrupção galopante. O presidente da República fez, a propósito da tradicional mensagem de fim de ano, um diagnóstico que facilmente será acompanhado pelos portugueses esclarecidos. Mas a medida que propõe, asséptica como é costume, poderá ser desastrosa, se vier a ser entendida pela oposição como necessidade de cedência à teimosia de Sócrates, incapaz de governar em minoria. Se as políticas deram maus resultados e estão erradas, é preciso mudá-las. Essa foi a missão que os eleitores outorgaram à Assembleia da República nas últimas eleições. É por isso que a Assembleia da República terá que retomar em mãos a questão da avaliação dos professores, da qual não deveria ter abdicado, como é agora patente. Chamemos-lhe Isabel. Tem 14 anos e meio de profissão. Congelamento também contabilizado, garante-me esta professora que as alterações legislativas lhe roubaram 6 anos e meio de serviço. É duro, sobretudo se somado à perspectiva de ficar «ad eternum» retida no mesmo índice, ainda que a avaliação do desempenho a classifique com “bom”. Quando discutimos economia, admito que a relatividade dos fenómenos torna irrelevante, num contexto, aquilo que é enorme noutro. Mas não podemos ignorar que para o cidadão anónimo as referências dominantes são as suas próprias dificuldades. É por nisso que a Isabel do nosso exemplo não aceita que, depois de lhe roubarem 6 anos e meio de serviço, lhe venham agora dizer que o país só se salva se ela marcar passo no mesmo escalão por tempo indeterminado, quem sabe se para o resto da carreira. Porque ao lado vê o vórtice de 1400 milhões do BPN, que ela própria irá pagar. Porque não entende as mãos largas que dispensaram de concurso transparente os milhões gastos em ajustes directos. Porque sendo contra a oportunidade do TGV, tem cultura suficiente para perceber como a vida dos filhos e dos netos sairá prejudicada pelos caprichos megalómanos dos mesmos que lhe dizem que o congelamento é o seu fado. Porque teima que são imorais os lucros indecentes dos bancos só pagarem 13 por cento de IRC. Porque não lhe parece razoável pagar uma gasolina e uma electricidade das mais caras da Europa, quando os respectivos monopólios continuam com lucros de escândalo. E como se isso não bastasse, ela, Isabel congelada e roubada, ainda paga a uma entidade reguladora que autoriza o aumento da tarifa eléctrica em ano de inflação nula. É por isso que a Isabel desta crónica olha agora para a Assembleia da República. É por isso que a Isabel desta crónica acompanha o diagnóstico mas não aprova o prognóstico do Presidente da República."
Santana Castilho, no “Público” de ontem

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Dos tempos… e da Ordem

Um texto brilhante de José Luís Sarmento, autor do blogue “As minhas leituras”, cuja abrangência vai muito além, em minha opinião, da necessidade de criação de uma Ordem dos Professores.
“O Estado tem o monopólio da coacção. Todos, ou quase todos, lho reconhecemos. Não decorre daqui que tenha o monopólio da legitimidade, como é frequente ver afirmado na blogosfera, nos «media» e nas declarações dos políticos. Nenhum dos grandes pensadores da Democracia reconhece ao Estado este monopólio, nem ele está consagrado na Constituição da República Portuguesa (ou, que eu saiba, em qualquer Constituição de qualquer país democrático). Vital Moreira sabe isto melhor que ninguém. Quando afirmou, a propósito da luta dos professores, que o Governo é que define o bem comum, traiu a probidade intelectual e académica a que estava obrigado em troca da migalha de poder político de que agora desfruta no Parlamento Europeu. Não é preciso um grande esforço da imaginação para dar exemplo de legitimidades que não cabem ao Estado. Desde logo, a que decorre da realidade dos factos. Quando a Assembleia legislativa do Texas votou a proposta de atribuir a «pi» o valor de 3,0 (foi derrotada), não estava a exercer um poder legítimo, pese embora o sufrágio que a elegeu: a vontade expressa das maiorias eleitorais nunca é um cheque em branco, confere antes um mandato que tem o seu conteúdo e os seus limites. Legítima, sim, seria a acção de um matemático texano que continuasse, a despeito da lei e ainda que sozinho, a procurar mais casas decimais para o valor de "pi"; ou a de um engenheiro texano que definisse este valor até à casa decimal correspondente ao grau de exactidão exigida pelo trabalho que tivesse entre mãos. A Assembleia Legislativa podia achar necessário para o bem comum facilitar deste modo o ensino da geometria nas escolas; mas o engenheiro sabe que a construção correcta duma escada em caracol também está no âmbito do interesse geral. Este conflito de legitimidades é o tema principal de «Nineteen Eighty-Four». A personagem principal pensa que tem o direito de acreditar que dois mais dois são quatro; o Estado reivindica para si o direito de fazer os seus súbditos acreditar - e exige-lhes que sejam sinceros nesta crença - que dois mais dois são três, ou cinco, ou seja o que for que mais lhe convenha de momento. Na vida real, nenhum Estado, dispense ele ou não as formalidades do processo democrático, tem esta legitimidade. Tanto Winston Smith como o engenheiro acima postulado têm razão, mesmo que a afirmem contra todos os outros. Outra legitimidade que não pertence ao Estado é a que decorre dos direitos de associação e de expressão. Se os cidadãos se associam, ou se pronunciam sobre as políticas dos governos, é para produzir efeitos na comunidade - ou seja, para exercer um poder que todos os Estados democráticos reconhecem explicitamente, nas suas Constituições, como legítimo. A atitude dum governante que diz implicitamente aos governados "falem para aí à vontade, manifestem-se no número que quiserem, mas não esperem que alguém os ouça" é uma subversão da Constituição e uma perversão da Democracia. Há, também, as várias legitimidades profissionais. Tem que as haver: um médico, um engenheiro, um professor exercem actividades que se repercutem directamente na vida e no bem-estar dos seus concidadãos. Ou seja, têm poder; e o que legitima este poder é a autoridade que lhes advém do saber. Este poder confere-lhes responsabilidades específicas que exigem uma medida correspondente de legitimidade, e esta não lhes pode ser conferida pelos protocolos da democracia formal. O sufrágio eleitoral, que é o mais importante destes protocolos, não tem a virtude mágica de tornar os eleitos especialistas em tudo. Os eleitores podem conferir aos políticos um mandato que lhes permita determinar o que é uma boa prática clínica ou pedagógica, mas não lhes podem conferir o conhecimento especializado necessário a que esta definição seja técnica e cientificamente correcta e redunde efectivamente na realização do maior bem do maior número. Em matérias para as quais sejam relevantes conhecimentos especializados, a decisão não se fundamenta apenas na legitimidade política «stricto sensu», mas também na convergência desta com legitimidades doutra ordem (ainda que a legitimidade política deva prevalecer; mas uma legitimidade política que não reconheça outras legitimidades depressa deixa de prevalecer e acaba por se auto-destruir). É esta convergência que tem estado em causa no discurso político e mediático da última década. A confusão, propositada ou não, entre estado democrático e sociedade democrática é a base da qual se parte para o ataque às "corporações", apresentadas repetidamente à opinião pública como grémios de privilegiados, obsessivamente focados na protecção dos seus interesses particulares em detrimento do bem comum e teimosamente opostos ao progresso e à mudança. Este discurso provém sobretudo da classe política e das agremiações patronais, que são também corporações, mas que, por qualquer razão que nunca é explicada, não têm esse nome nem declaram outros interesses que não sejam os do cidadão comum. Esta dicotomia entre as corporações diabólicas, por um lado, e por outro as corporações angélicas releva, como é evidente, do mais puro populismo. Todas as corporações defendem, legitimamente, os interesses dos seus membros; mas por outro lado todas elas têm a sua visão do bem comum e as suas propostas sobre a melhor maneira de o prosseguir. O interesse próprio da corporação dos políticos está em obter para os seus membros o monopólio da legitimidade; o interesse próprio da corporação patronal está em obter o máximo de poder político. Em ambos os casos a estratégia passa necessariamente por uma guerra a todas as instituições da sociedade civil que não estejam dependentes da elite política e empresarial e não defendam os seus interesses. Entre as corporações angélicas a que não se dá o nome de corporações, há que referir uma terceira: a dos economistas, ou melhor, a dos economistas duma certa tendência, que são quase os únicos que têm acesso aos «mass media» e aos corredores do poder. O seu papel na guerra do Estado contra a Sociedade parece ser convencer-nos de que a verdadeira prosperidade consiste em ganharmos cada vez menos trabalhando cada vez mais; que a verdadeira igualdade está na desigualdade extrema; e que a elite dominante não é uma elite, mas sim parte um grupo, ligeiramente mais bem-sucedido, de gente igualzinha a nós. É assim que vemos a elite da política e dos negócios a usar um discurso anti-elitista como justificação moral da sua guerra contra a sociedade. A verdadeira elite não são eles, por mais que vivam no luxo e no consumo conspícuo: são todos aqueles cujo trabalho, cujo estudo e cujo esforço visaram outros fins - pessoais e sociais - que não os da estrita e imediata utilidade económica, e que, apesar desta inadmissível heterodoxia, ousam exigem ver reconhecido e recompensado o mérito atinente ao seu trabalho, estudo e esforço. Deste anti-elitismo populista - Thomas Frank, no seu livro «One Market Under God», chama-lhe "populismo de mercado" - o salto é muito curto para o anti-intelectualismo, um anti-intelectualismo tanto mais eficaz quanto tem raízes profundas na mentalidade portuguesa, que respeita muito pouco a autoridade de quem sabe mas se inclina até tocar com a testa no chão perante o domínio de quem manda. É este o caldo de cultura em que se têm desenvolvido as nossas políticas educativas nos últimos trinta anos. Os resultados estão à vista de todos e prejudicam todos. É por isso que o País - leia-se, a sociedade civil portuguesa - tem absoluta necessidade duma Ordem dos Professores, que em termos de utilidade pública tem uma importância só equiparável à Ordem dos Médicos. É claro que uma Ordem dos Professores defenderá - legitimamente, diga-se já - o interesse dos professores em verem melhorado o seu estatuto social e profissional. Mas defenderá também o interesse das escolas, que é dar o mundo a compreender às novas gerações e não imbecilizá-las, como o poder político as quer obrigar a fazer. E será uma arma a acrescentar às outras de que a sociedade civil já dispõe para limitar o poder totalitário da plutocracia que a oprime.”
Apache, Janeiro de 2010

sábado, 2 de janeiro de 2010

Gostaram, querem mais? Lambuzem-se!

“Em tempo de balanços, eu, pecador, me confesso. Pelas reacções exacerbadas de algumas criaturas que regularmente escrevem em blogues ou enviam uns comentários enxofrados para a redacção do Diário de Notícias, apercebo-me de que sou um sujeito de um reaccionarismo sem remédio, indigno de se exprimir em letra de forma, devendo até ser silenciado de vez neste jornal diário cujas quartas-feiras me obstino em conspurcar. Para evitar o alvoroço destas contundências assim eriçadas em prol do saneamento sumário de quem tão mal opina, não me valeu de nada ter procurado agir com alguma moderação hebdomadária, usando de prudente e edulcorado estilo e pagando o preço de alguma insinceridade própria. Porque eu, reconheço, nem sempre tenho sido cem por cento sincero na minha funesta execrabilidade. Por vezes, se acaso estava a pensar na "choldra" do venerando Afonso da Maia, mais me valia ter tido a coragem de falar logo em "canalha". E podia muito bem louvar-me em Guerra Junqueiro para falar de "um povo imbecilizado e resignado (…) que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem de onde vem, nem onde está, nem para onde vai". Depois, não foi lá muito brilhante só me terem ocorrido termos como "fraude", "traquibérnia" e outros sarcasmos de congruente quilate, sempre que ouvi o Governo, apaniguados e adjacentes a asnear, ou a dizer e a prometer mundos e fundos enterrando-nos cada vez mais, ou sempre que os vi meter os pés pelas mãos e as mãos pelos pés, sem vergonha nem contenção, fosse no Parlamento, fosse perante as magistraturas, fosse na comunicação social. O que eu devia era ter aplaudido essa vilanagem, ao menos por assumir a única transparência de ser tão igual a si mesma que já não engana nem convence ninguém. E além disso, de pouco me valeu sustentar, em nome da mais elementar profilaxia e em obediência a um correspondente imperativo de higiene política, que o Governo devia ser derrubado o mais depressa possível. Tudo isso é tão óbvio que eu não precisava de recorrer a uma formulação tão radicalmente fracturante que só serviu para carregar as visagens ofendidas de umas tantas harpias que para aí crocitam exultantes de socialismo, de par com baratas tontas e demais almas satisfeitas com o status quo. Entretanto, ponderei. Fiz mal em convencer-me de que era mais do que tempo de o Presidente da República dar um pontapé nos fundilhos do Primeiro-ministro. Afinal, isso é o que o Primeiro-ministro mais deseja e tenta provocar todos os dias. Passei a alimentar a fundada expectativa de que Cavaco Silva não embarque em provocações e pantominas, mas sem deixar de manter o homem ao alcance da biqueira. «Just in case.» Devo ainda reconhecer que não me valeu de nada ter afirmado que o Governo não valia a ponta de um chavelho e que Portugal se estava a tornar numa fossa nauseabunda, e muito menos ter tido a tentação de qualificar o estado a que isto chegou com uma comum palavra de cinco letras. Abstive-me desse vezo plebeu por meras questões de sensibilidade pituitária. Poderei sempre usar o eufemismo menos fétido de que o país está na perda. Mas o certo é que cominei aos interessados que se besuntassem indiscriminadamente e não atentei em que o verbo reflexo "besuntar-se" pode ter conotações desagradáveis de chafurdação excrementícia, embora eu apenas tivesse em mente uma substância mais propriamente vaselínica, apontando ao massajar das ventas estanhadas com qualquer unguento benfazejo para aformoseamento, tanto dos rostos e das cútis, como das políticas hipócritas, dos erros crassos, das batotas escandalosas e das corrupções mal disfarçadas. Em tempos de palinódia, há que abandonar essa ideia primária de besuntação e pedir desculpa aos mais alérgicos por não o ter feito mais cedo. Afinal, o sucesso de um cronista faz-se de complacências discretas com a mundanal trepidação… E assim, no começo de um novo ano fremente de promessas radiosas e de monumentais aldrabices e falhanços concomitantes, parece-me preferível transpor daquele plano superficial e epidérmico para outro, mais gustativo e entranhável. E passo a dizer: Com que então votaram nessa gente? Quiseram elegê-los? Gostam do resultado? Pois agora lambuzem-se!”
Vasco Graça Moura, no “Diário de Notícias” de 30 de Dezembro

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

domingo, 27 de dezembro de 2009

PIEC (Processo de Imbecilização Em Curso)

"Há um plano para imbecilizar as novas gerações? Há sim. E esse plano tem sido desenhado e aplicado pelo Banco Mundial, OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico], Comissão Europeia, Governo, ministros da educação, DGIDC [Direcção-Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular], IGE [Inspecção-Geral da educação], DRE [Direcções Regionais de Educação], escolas e departamentos de educação e editoras de manuais escolares. O plano persegue dois objectivos: tornar a educação pública mais barata e fornecer mão-de-obra dócil, conformada e ignorante para uma economia centrada em serviços rotineiros, com pouco valor e sem nenhuma criatividade. No mercado mundial globalizado, é esse o papel que cabe a Portugal no concerto das Nações. As escolas e os departamentos de educação colaboram de duas formas: baixando os níveis de exigência à entrada dos cursos de formação de professores e oferecendo curricula carregados de generalidades e transdisciplinaridades vazias de conteúdos. Ganham espaço nos planos de estudos coisas como estas: matemática criativa, matemática contextual, matemática para a vida, estudo da comunidade e outras irrelevâncias. O Governo e os ministros da educação colaboram no plano afogando os professores em burocracia com o objectivo de impedir que eles pensem, façam autoformação científica e esqueçam a sua missão: transmitir a herança científica, artística, tecnológica e humanista às novas gerações. Em nome da defesa de uma falsa inovação educativa, as escolas são afogadas em constante legislação e permanentes reformas curriculares. Cada nova reforma introduz mais confusão e cria obstáculos ao cumprimento da missão do professor. As editoras de manuais escolares colaboram no plano pondo no mercado livros de textos cheios de bonecos e com um nível de aprofundamento dos conteúdos cada vez mais baixo. Em vez dos manuais serem repositórios de conteúdos apresentados de forma rigorosa e didacticamente apropriada ao nível etário dos alunos, são monumentos ao eduquês, à novilíngua e à imbecilidade. A IGE, a DGIDC e as DRE colaboram no plano impondo planos de recuperação e de acompanhamento e respectivos relatórios que, regra geral, não passam de repositórios do eduquês acompanhados de mentiras piedosas sobre a recuperação de alunos que necessitariam de abordagens mais directivas e ambientes escolares menos relaxados."
Ramiro Marques do blogue “ProfBlog”

sábado, 26 de dezembro de 2009

"O Palhaço"

"O palhaço compra empresas de alta tecnologia em Porto Rico por milhões, vende-as em Marrocos por uma caixa de robalos e fica com o troco. E diz que não fez nada. O palhaço compra acções não cotadas e num ano consegue que rendam 147,5 por cento. E acha bem. O palhaço escuta as conversas dos outros e diz que está a ser escutado. O palhaço é um mentiroso. O palhaço quer sempre maiorias. Absolutas. O palhaço é absoluto. O palhaço é quem nos faz abster. Ou votar em branco. Ou escrever no boletim de voto que não gostamos de palhaços. O palhaço coloca notícias nos jornais. O palhaço torna-nos descrentes. Um palhaço é igual a outro palhaço. E a outro. E são iguais entre si. O palhaço mete medo. Porque está em todo o lado. E ataca sempre que pode. E ataca sempre que o mandam. Sempre às escondidas. Seja a dar pontapés nas costas de agricultores de milho transgénico seja a desviar as atenções para os ruídos de fundo. Seja a instaurar processos. Seja a arquivar processos. Porque o palhaço é só ruído de fundo. Pagam-lhe para ser isso com fundos públicos. E ele vende-se por isso. Por qualquer preço. O palhaço é cobarde. É um cobarde impiedoso. É sempre desalmado quando espuma ofensas ou quando tapa a cara e ataca agricultores. Depois diz que não fez nada. Ou pede desculpa. O palhaço não tem vergonha. O palhaço está em comissões que tiram conclusões. Depois diz que não concluiu. E esconde-se atrás dos outros vociferando insultos. O palhaço porta-se como um labrego no Parlamento, como um boçal nos conselhos de administração e é grosseiro nas entrevistas. O palhaço está nas escolas a ensinar palhaçadas. E nos tribunais. Também. O palhaço não tem género. Por isso, para ele, o género não conta. Tem o género que o mandam ter. Ou que lhe convém. Por isso pode casar com qualquer género. E fingir que tem género. Ou que não o tem. O palhaço faz mal orçamentos. E depois rectifica-os. E diz que não dá dinheiro para desvarios. E depois dá. Porque o mandaram dar. E o palhaço cumpre. E o palhaço nacionaliza bancos e fica com o dinheiro dos depositantes. Mas deixa depositantes na rua. Sem dinheiro. A fazerem figura de palhaços pobres. O palhaço rouba. Dinheiro público. E quando se vê que roubou, quer que se diga que não roubou. Quer que se finja que não se viu nada. Depois diz que quem viu o insulta. Porque viu o que não devia ver. O palhaço é ruído de fundo que há-de acabar como todo o mal. Mas antes ainda vai viabilizar orçamentos e centros comerciais em cima de reservas da natureza, ocupar bancos e construir comboios que ninguém quer. Vai destruir estádios que construiu e que afinal ninguém queria. E vai fazer muito barulho com as suas pandeiretas digitais saracoteando-se em palhaçadas por comissões parlamentares, comarcas, ordens, jornais, gabinetes e presidências, conselhos e igrejas, escolas e asilos, roubando e violando porque acha que o pode fazer. Porque acha que é regimental e normal agredir violar e roubar. E com isto o palhaço tem vindo a crescer e a ocupar espaço e a perder cada vez mais vergonha. O palhaço é inimputável. Porque não lhe tem acontecido nada desde que conseguiu uma passagem administrativa ou aprendeu o inglês dos técnicos e se tornou político. Este é o país do palhaço. Nós é que estamos a mais. E continuaremos a mais enquanto o deixarmos cá estar. A escolha é simples. Ou nós, ou o palhaço."
Mário Crespo, no “Jornal de Notícias” do passado dia 14

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

E se o Natal não fosse um (só) dia?

Vou ali, já venho...
Enquanto isso, Feliz Natal!
Apache, Dezembro de 2009

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Serviu para alguma coisa.

“Haja esperança. Acredite-se ou não na lenda do «aquecimento global», as notícias do fracasso da Cimeira de Copenhaga são altamente exageradas. Ao menos conseguiu-se que alguns dos «activistas» que foram à Dinamarca observar o evento (e destruir as zonas envolventes) cortassem o cabelo. Parece que a medida ocorreu em protesto contra a falta de um acordo entre os líderes presentes. Não importa. Importa que, no seu afã contestatário, os militantes do ambiente também costumam contestar os procedimentos da higiene básica, o que lhes confere, digamos, um ambiente pouco asseado. Por isso, rapar cabeças que constituem o sonho de lêndeas e derivados é, além de alternativa à violência, uma atitude coerente com a defesa de um mundo mais limpo, afinal o autêntico objectivo desta Cimeira. Se houver outra, caso o mundo não acabe entretanto, é possível que os activistas aumentem o nível de protesto e enfim tomem banho integral.”
Alberto Gonçalves, no "Diário de Notícias" do passado sábado.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

"Cavalo à solta" - Mafalda Arnauth

Um poema de Fernando Tordo, na voz de Mafalda Arnauth

"Minha laranja amarga e doce, meu poema Feito de gomos de saudade, minha pena Pesada e leve, secreta e pura Minha passagem para o breve, breve Instante da loucura. Minha ousadia, meu galope, minha rédea Meu potro doido, minha chama, minha réstia De luz intensa, de voz aberta Minha denuncia do que pensa Do que sente a gente certa. Em ti respiro, em ti, eu provo Por ti consigo esta força que de novo Em ti persigo, em ti percorro Cavalo à solta pela margem do teu corpo. Minha alegria, minha amargura Minha coragem de correr contra a ternura. Minha laranja amarga e doce, minha espada Poema feito de dois gumes, tudo ou nada Por ti renego, por ti aceito Este corcel que não sossega À desfilada no meu peito. Por isso digo canção, castigo Amêndoa, travo, corpo, alma, amante, amigo Por isso canto, por isso digo Alpendre, casa, cama, arca do meu trigo. Minha alegria, minha amargura Minha coragem de correr contra a ternura Minha ousadia, minha aventura Minha coragem de correr contra a ternura Minha alegria, minha aventura Minha coragem de correr contra a ternura."

sábado, 19 de dezembro de 2009

Para quê meias-palavras? “Não existe aquecimento global!”

É desta forma peremptória que, em entrevista concedida ao portal UOL (Universo Online) no passado dia 11 deste mês, o conceituado meteorologista brasileiro, Luiz Carlos Molion, representante da América do Sul na Organização Meteorológica Mundial, põe (para usar uma expressão brasileira) “a boca no trombone”, deixando algumas respostas muito inconvenientes à propaganda pseudo-científica do alegado “aquecimento global” antropogénico. Aqui fica (em versão - português de Portugal) a totalidade da entrevista. "UOL: Enquanto todos os países discutem formas de reduzir a emissão de gases na atmosfera, para conter o aquecimento global, o senhor afirma que a Terra está a arrefecer. Porquê? Luiz Carlos Molion: Estas variações climáticas não são cíclicas, mas são repetitivas. O certo é que quem comanda o clima global não é o CO2. Pelo contrário! Ele é uma resposta. Isso já foi mostrado por várias experiências. Se não é o CO2, o que controla o clima? O Sol, que é a fonte principal de energia para todo o sistema climático. E há um período de 90 anos, aproximadamente, em que ele passa da actividade máxima para a mínima. Registos da actividade solar, da época de Galileu, mostram que, por exemplo, o Sol esteve em baixa actividade em 1820, de novo no final do século XIX e no início do século XX. Agora o Sol deve repetir esse ciclo, passando os próximos 22, 24 anos, com baixa actividade. UOL: Isso vai diminuir a temperatura da Terra? Molion: Vai diminuir a radiação que chega e isso vai contribuir para diminuir a temperatura global. Mas há outro factor interno que vai reduzir a temperatura global: os oceanos e a grande quantidade de calor armazenada neles. Hoje em dia, existem bóias que têm a capacidade de mergulhar até 2.000 metros de profundidade e se deslocarem com as correntes. Elas vão registando a temperatura e a salinidade, e fazem uma amostragem. Essas bóias indicam que os oceanos estão a perder calor. Como eles constituem 71% da superfície terrestre, claro que têm um papel importante no clima da Terra. O [oceano] Pacífico representa 35% da superfície, e ele tem dado mostras de que está a arrefecer desde 1999, 2000. Da última vez que ele ficou mais frio na região tropical foi entre 1947 e 1976. Portanto, permaneceu 30 anos a arrefecer. UOL: Esse arrefecimento vai-se repetir, então, nos próximos anos? Molion: Naquela época houve uma redução das temperaturas, e houve a coincidência da Segunda Guerra Mundial, quando a globalização começou a sério. Para produzir, os países tinham que consumir mais petróleo e carvão, e as emissões de dióxido de carbono intensificaram-se. Mas durante 30 anos houve um arrefecimento e falava-se até de uma nova era glacial. Depois, por coincidência, na segunda metade de 1976 o oceano aqueceu e houve um aumento da temperatura. Surgiram então umas pessoas - algumas das que falavam da nova era glacial - que disseram que estava a ocorrer um aquecimento e que o homem era responsável por isso. UOL: O senhor diz que o Pacífico arrefeceu, mas as temperaturas médias Terra estão mais altas, segundo a maioria dos estudos apresentados. Molion: Depende de como se medem. UOL: Mede-se de forma errada, hoje? Molion: Não é um problema de medir, em si, mas os dados das estações meteorológicas estão a ser enviesados, infelizmente, para mostrar que há aquecimento. UOL: O senhor está a afirmar que estão a direccionar os dados? Molion: Sim. Há umas seis semanas, hackers entraram nos computadores da Universidade de East Anglia, na Inglaterra, que é o braço direito do IPCC [Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas], e descarregaram mais de mil e-mails. Alguns deles são comprometedores. Manipularam uma série de dados para que estes, ao invés de mostrarem um arrefecimento, mostrassem um aquecimento. UOL: Então o senhor garante existir uma manipulação? Molion: Se você não quiser usar um termo tão forte, podemos dizer que os dados são ajustados para mostrar um aquecimento, que não é verdadeiro. UOL: Se há tantos dados técnicos, porquê esta discussão do aquecimento global? Os governos têm conhecimento disto ou eles também são enganados? Molion: Essa é a grande dúvida. Na verdade, o aquecimento global já não é um assunto científico, embora alguns cientistas se tenham envolvido nele. Ele passou a ser uma plataforma política e económica. Da maneira como vejo a questão, reduzir as emissões é reduzir a produção de energia eléctrica, que é a base do desenvolvimento em qualquer lugar do mundo. Como existem países que têm a sua matriz de produção assente nos combustíveis fósseis, não há forma de diminuir a produção de energia eléctrica sem reduzir a produção industrial. UOL: Isso reflectir-se-ia mais nos países ricos ou pobres? Molion: O efeito maior seria nos países em desenvolvimento, certamente. Os desenvolvidos já têm alguma estabilidade produtiva e podem reduzir marginalmente a produção de electricidade, por exemplo, melhorando o rendimento dos aparelhos eléctricos. Mas o aumento populacional vai exigir maior consumo. Se a minha visão estiver correcta, os países fora dos trópicos vão sofrer um arrefecimento global. E vão ter que consumir mais energia para não morrer de frio. E isso atinge todos os países desenvolvidos. UOL: O senhor, então, contesta qualquer influência do homem nas mudanças de temperatura da Terra? Molion: Os fluxos naturais dos oceanos, os vulcões e a vegetação somam 200 mil milhões de toneladas de CO2 emitido, por ano. A incerteza que temos, deste número, é da ordem dos 40 mil milhões. O homem lança na atmosfera, anualmente, cerca de 6 mil milhões de toneladas, portanto as emissões humanas representam cerca de 3% das emissões totais. Se nesta conferência conseguissem reduzir as emissões humanas para metade, o que são 3 mil milhões de toneladas, por comparação com 200 mil milhões? Não vai mudar absolutamente nada no clima. UOL: O senhor defende, então, que o Brasil não deveria assinar este novo protocolo? Molion: Dos quatro do bloco do BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), o Brasil é o único que aceita as coisas, que “abana o rabo” a estas questões. A Rússia “não está nem aí”, a China vai fingir que assina qualquer coisa. No Brasil, a maior parte das nossas emissões vêm de queimadas, o que significa a destruição das florestas. Tomara que dessa conferência saia alguma coisa boa para reduzir a destruição das nossas florestas. UOL: Mas a redução de emissões não traria nenhum benefício à humanidade? Molion: A comunicação social fez do CO2 o vilão, dizendo que é um poluente, e não é. Ele é o gás da vida. Está provado que quando você aumenta o CO2, a produção das plantas aumenta. Eu concordo que combustíveis fósseis lancem poluentes. Não por causa do CO2, mas por causa de outros constituintes residuais, como o enxofre, por exemplo. Quando liberado, o enxofre combina-se com a humidade do ar e transforma-se em gotículas de ácido sulfúrico que as pessoas inalam, advindo daí problemas pulmonares. UOL: Se não há mecanismos capazes de medir a temperatura média da Terra, como é que o senhor prova que a temperatura está a baixar? Molion: Nós vemos esse arrefecimento, com invernos mais frios, geadas mais fortes, mais tardias e mais antecipadas. Veja o que aconteceu este ano no Canadá. Eles plantaram em Abril, como sempre o fizeram, e a 10 de Junho houve uma geada severa que matou tudo, obrigando-os a replantar. Mas era o fim da Primavera, início do Verão, e deveria estar calor. O Brasil sofre o mesmo problema. Em 1947, a última vez que passamos por uma situação destas, a frequência de geadas foi tão grande que acabou com a plantação de café, no Paraná. UOL: E quanto ao derretimento dos glaciares? Molion: Essa afirmação é fantasiosa. Na realidade, o que derrete é gelo flutuante. Ele não aumenta o nível do mar. UOL: Mas o mar não está a subir? Molion: Não está. Há uma foto feita por exploradores da Austrália em 1841 de uma marca onde estava o nível do mar, e hoje o mar está no mesmo nível. Existem alguns lugares onde o mar avança e outros onde ele recua, mas isto não está relacionado com a temperatura global. UOL: O senhor viu algum avanço com o Protocolo de Quioto? Molion: Nenhum. Entre 2002 e 2008, propunham-se a reduzir em 5,2% as emissões e até agora as emissões têm continuado a aumentar. Na Europa não houve qualquer redução. O assunto tomou conta dos discursos dos políticos que querem ser amigos do ambiente e ao mesmo tempo fazer crer que os países subdesenvolvidos ou emergentes vão contribuir para um aquecimento. Considero isto, uma atitude neocolonialista. UOL: O que a convenção de Copenhaga poderia discutir de útil para o meio ambiente? Molion: Seguramente não seriam as emissões de CO2. O dióxido de carbono não controla o clima. O que poderia ser discutido seria: como melhorar as previsões de eventos, como: grandes tempestades, furacões ou secas; e tentar encontrar formas de adaptação do ser humano a estas situações; ou como produzir plantas que se adaptem ao sertão nordestino, com menor necessidade de água. E assim, conseguir reduzir as desigualdades sociais do mundo. UOL: O senhor sente-se uma voz solitária neste discurso contra o aquecimento global? Molion: Aqui no Brasil há algumas, e é crescente o número de pessoas contra a teoria do aquecimento global. O que posso dizer é que sou pioneiro. Um problema é que quem não é favorável à teoria sofre retaliações, vê os seus projectos reprovados e os seus artigos não são aceites para publicação. No entanto, eles [governantes] estão a prejudicar a Nação e a sociedade, não a minha pessoa." E por cá? Exceptuando os Engenheiros Rui Moura, José Delgado Domingos e Jorge Pacheco de Oliveira, o Professor João Corte-Real, e o Matemático Jorge Buesco, a rapaziada das universidades anda afónica e com o seu silêncio vai permitindo que esta palhaçada continue a infestar os livros de Física e Química do Ensino Secundário e vários livros habitualmente recomendados, no Superior. Até quando?
Apache, Dezembro de 2009

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Balanço da década

“O primeiro facto saliente acerca da década que agora termina é a resistência que oferece a quem pretenda referir-se a ela. Os anos sessenta são fáceis de designar, assim como os anos setenta ou oitenta, mas "os anos zero" é uma expressão que está ainda à espera de ser cunhada - talvez por ser estranha e, além do mais, imprecisa. Acabamos, portanto, de viver dez anos que não conseguimos denominar. Há males que vêm por bem: quanto menos nos lembrarmos destes dez anos, melhor. Não pode dizer-se que tenha sido uma década memorável. Foram dez anos que começaram, aliás, sob o signo da desilusão: o mundo não acabou no ano 2000, o que frustrou de igual modo os bruxos e aquela gente apreciadora dos grandes eventos. Os americanos bem tentaram, elegendo George Bush logo no primeiro ano da década, e deve reconhecer-se ele fez um esforço notável, mas, como em quase tudo o resto, fracassou. Outra desilusão, talvez maior ainda, foi provocada pelos escritores de ficção científica. Anos e anos a escreverem sobre o século XXI, que afinal é igualzinho ao século XX mas com mais telemóveis. O tamanho do nosso crânio não aumentou, não vestimos todos de igual, não viajamos em naves. O futuro chegou e, não há como negá-lo, é aborrecido. Não só não viajamos em naves como passou a ser mais difícil viajar de avião. As viagens aéreas, que a ficção científica previa cada vez mais sofisticadas e rápidas, por causa dos atentados de 11 de Setembro de 2001 tornaram-se bastante mais lentas e rudimentares. Em lugar de homens do futuro que entram em naves rodeados de fumo e munidos de aparelhos altamente tecnológicos, somos homens do passado que entram nos aviões descalços, sem o cinto das calças e impedidos de levar até uma garrafa de água. Entretanto, nem tudo são más notícias: a justiça portuguesa aproximou-se do nível da justiça internacional. Não, evidentemente, por ser ter tornado mais rápida, mas porque a justiça internacional se tornou vagarosa. Milosevic e Pinochet foram julgados por crimes contra a humanidade, tendo falecido antes de conhecerem o veredicto. Se pensarmos que Pinochet morreu com 91 anos, o processo Casa Pia deixa de parecer tão demorado, embora tenha ocupado sete anos desta década e ameace ocupar vários da próxima. Após a intervenção americana no Iraque, Saddam Hussein foi democraticamente executado por um grupo de alegres convivas. Pareceu apropriado que, tendo a guerra sido feita a pretexto de armas de destruição maciça imaginárias, a democracia imposta fosse, também ela, pouco mais que uma fantasia. O enforcamento foi filmado pelo telemóvel de um dos carrascos e colocado no YouTube. Foi dos filmes mais vistos do ano, juntamente com um em que dois gatinhos brincam com um novelo. Na internet, o aparecimento das redes Hi5, Facebook, Orkut e Twitter, entre outras, permitem que pessoas com pouco jeito para fazer amigos na vida real consigam fazê-los no computador, e que as pessoas com pouco jeito para fazer amigos na vida real e no computador critiquem duramente este tipo de rede. O aparecimento da Wikipedia, uma enciclopédia feita por gente que não domina especialmente qualquer área do saber, deu ao cidadão comum a satisfação de sentir que os seus conhecimentos são, muitas vezes, superiores aos dos enciclopedistas. Nas entradas da Wikipedia que utilizei para fazer este balanço da década, o ano de 2003 tem mais datas referentes a aspectos relacionados com os concorrentes do concurso Operação Triunfo do que, por exemplo, aos aspectos da economia mundial. Um negro foi eleito pela primeira vez presidente da Harvard Law Review. Um negro candidatou-se pela primeira vez à presidência dos Estados Unidos. Um negro venceu pela primeira vez as eleições americanas. Infelizmente, foi sempre o mesmo negro. Continuamos sem saber bem se os Estados Unidos e o mundo resolveram parar de discriminar os negros ou só este em particular. Em Portugal, José Sócrates foi eleito pela primeira vez a 20 de Fevereiro de 2005 e começou desde essa data a vestir cada vez melhor e a governar cada vez pior. No entanto, uma vez que sucedeu a Pedro Santana Lopes, durante uns meses chegou mesmo a parecer um bom primeiro-ministro. Nos primeiros cinco minutos do mandato, o nome de José Sócrates não apareceu associado a qualquer escândalo. No futebol, num certo sentido a década foi dominada por Portugal: José Mourinho emergiu como o melhor treinador da actualidade e Cristiano Ronaldo sagrou-se melhor jogador do mundo. Os portugueses impõem-se cada vez mais no futebol mundial e cada vez menos na selecção nacional. E, até agora, foi mais ou menos isto que se passou. Mas tenho esperança de que, nos 15 dias que lhe sobram, a década ainda consiga dar a volta por cima.”
Ricardo Araújo Pereira, na “Visão” de ontem.