No passado dia 11 de Outubro, José Calçada, Presidente do Sindicato dos Inspectores da Educação e do Ensino, dirigia-se assim aos colegas:
«O militar prussiano do século XIX Carl von Clausewitz, na sua famosa obra “Da guerra”, ensinou-nos que “a guerra é a continuação da política por outros meios” – permitindo-nos assim compreender que, de modo simétrico, a política pode ser a continuação de uma guerra por outros meios. É inevitavelmente esta terrível compreensão que acode à nossa inteligência e à nossa emoção no momento em que somos confrontados com as últimas medidas tomadas pelo Governo, integradas no chamado PEC III, configurando o mais violento ataque até agora desferido contra a Administração Pública. O roubo, a rapina, a espoliação exercida sobre todos nós, funcionários públicos, a prática do quero-posso-e-mando, à revelia do Estado de direito democrático ou da figura do Estado-enquanto-pessoa-de-bem, a violação dos princípios da segurança jurídica e da irredutibilidade/intangibilidade dos vencimentos, constitucionalmente garantidos – tudo isto se assume, objectivamente, como uma política enquadradora de uma guerra contra os funcionários. Em termos da redução salarial que nos é imposta, e que nos faz recuar para posições de há alguns anos atrás, a maioria dos Inspectores é brutalmente atingida com cortes de 8,65% – equivalentes a cerca de menos €300 (trezentos euros) por mês, num vencimento bruto de €3447 –, cortes que nem sequer se destinam a uma duração limitada no tempo, antes se assumem como permanentes, isto é, concretizam novos patamares salariais decididos unilateralmente, sem audição das organizações representativas dos trabalhadores, como obriga, na circunstância, a Constituição da República. Mas os cortes não se ficam por aqui… Numa área que é por inerência relevante na operacionalização do trabalho inspectivo, as ajudas de custo são reduzidas em 20% e os subsídios de transporte em 15% – e, sabendo como umas e outros se encontravam já em níveis insuportáveis para os Inspectores, os serviços acabarão por desaguar na indigência e na paralisia. Esta autêntica blitzkrieg nem o SIADAP poupa – o que constitui uma ironia, num processo pensado para poupar –, ficando suspensos prémios e progressões na carreira. As pensões de aposentação foram congeladas – e, desde já, os colegas que venham a aposentar-se no decurso da vigência destas medidas governamentais verão os valores das suas pensões severamente atingidos. Isto é: ninguém escapa, excepto aqueles para quem escorre o dinheiro que nos é espremido! Em termos de economia, as coisas funcionam como vasos comunicantes: quando o dinheiro é comprimido num lado, ele não desaparece, limita-se a escapar para algum outro lado. Trata-se do b-a-bá da economia, nenhum de nós precisa de fazedores de opinião para entendermos isto. A tese, que o Governo quer fazer passar, de que esta guerra à função pública é “inevitável” por “inexistência de alternativas” – é absolutamente falsa, quer económica, quer política, quer socialmente. Esta guerra é uma opção do governo, a favor de uns e contra outros. Há outras saídas para combater o défice do Estado, sem com isso sacrificar os que sempre são sacrificados, lutando contra o desemprego e promovendo o desenvolvimento do país. Não é preciso destruir os salários e as pensões, sendo que não é neles que se encontra a raiz da actual “crise”, nem foram eles que provocaram o défice orçamental de 15 mil milhões de euros (€15.000.000.000). Na verdade, em 1975, as remunerações, sem incluir as contribuições sociais, representavam 59% do PIB – ao passo que em 2009 representam apenas 34%! Hoje, estamos num país onde quase três milhões de pessoas vivem com menos de 10 euros por dia e cerca de 250.000 com menos de 5 euros; ou, de outro modo, 2.000.000 vivem abaixo do limiar da pobreza e outros 2.000.000 também aí se situariam se lhes fossem retirados os apoios sociais. No entanto, se olharmos para o-outro-lado-do-país, o Estado sabe que poderia arrecadar pelo menos mais €500.000.000 através da aplicação à banca e aos grandes grupos económicos de uma taxa efectiva de IRC de 25%; que poderia arrecadar pelo menos mais €135.000.000 através de um novo imposto sobre as transacções em bolsa; que, finalmente, deveria concretizar um imposto sobre as transferências financeiras para offshores e paraísos fiscais, cerca de €2.200.000.000, base 2009. Estaríamos a falar de um acréscimo da receita fiscal anual, global, no valor de €2.835.000.000. (Para já não falarmos na tributação dos que apostam na economia paralela e clandestina, a qual significará hoje um mínimo de 20% do PIB real). Isto, claro, se o Governo olhasse também para o-outro-lado-do-país – e não apenas para os funcionários públicos… Como claramente se demonstra, estas medidas do Governo, para além de injustas e socialmente desequilibradas, não são nem “inevitáveis”, nem consequência de “ausência de alternativa”. Por tudo isto – naturalmente que em conjunto com outras forças sindicais – vamos lutar contra elas, em todos os planos legal e constitucionalmente admissíveis. Desde já, fazendo aqui um apelo muito forte para a participação de todos nós, Inspectores, na Greve Geral convocada pela CGTP e pela UGT para o próximo dia 24 de Novembro. Não podemos ficar de braços cruzados ou em simples conversa-de-café. É preciso dizer “Não!”, é preciso dizer “Basta!” – é fundamental estarmos todos na Greve Geral! É como temos afirmado nos Fóruns do nosso Sindicato: “Quando se luta, nem sempre se ganha; quando não se luta, perde-se sempre”. Estas são, sem dúvida, lutas prolongadas, e são-no sempre que no presente, e pelo presente, não perdemos a perspectiva do futuro – e falamos de lutas que podem assumir muitas formas. O nosso Sindicato, por exemplo, está em contacto com outras forças sindicais, nomeadamente com o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público e com a FENPROF, com vista ao estudo da hipótese de impugnação judicial da Lei do Orçamento do Estado para 2011, caso ela venha a ser aprovada na Assembleia da República com os previstos cortes salariais para a Administração Pública. Uma coisa há que não podemos fazer, nem ninguém compreenderia que fizéssemos: ficarmos quietos.»