domingo, 18 de setembro de 2011

Disparates à moda da OCDE

«Hoje voltou à baila a questão das Novas Oportunidades e voltaram a falar governantes anteriores (não seria melhor haver um período de nojo?). O tema foi propiciado pela notícia de que no Relatório da OCDE "Education at Glance 2011" Portugal aparece, com 96%, em 1.º lugar de entre os países analisados no que respeita à taxa de finalização do secundário (o indicador que faz notícia é o A2). Como se calcula? Divide-se o número de diplomas passados a quem quer que seja do 12º ano pelo número de jovens com 17 anos. Ora acontece que cerca de um terço (34%) são diplomas a pessoas maiores de 25 anos das Novas Oportunidades passados, como se sabe, de qualquer maneira. Poderiam até ser mais e a nossa taxa de sucesso ultrapassar alegremente os 100%. Foi precisamente de 34% o nosso aumento relativamente a 2008, isto é, a taxa de sucesso normal no secundário não teve praticamente nenhuma variação. Isso dever-nos-ia fazer reflectir um pouco. Não há caso de nenhum outro país com 34% de diplomas passados de qualquer maneira a quem quer que seja. E isso dever-nos-ia também fazer reflectir um pouco. O relatório traduz o nome da iniciativa política do governo anterior para "New Opportunities". Mas, de facto, a expressão portuguesa não tem tradução possível, porque lá fora ninguém faz o mesmo.»
Professor Carlos Fiolhais, na passada terça-feira, no blogue “De Rerum Natura”

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Em jeito de (primeiro) balanço (2)

“Confesso que nos primeiros dias do Governo aguardava com expectativa os anúncios de diminuição da despesa pública. Agora aguardo-os com pavor. De cada vez que um ministro ameaça reduzir os gastos do Estado acaba a aumentar os gastos do contribuinte com o Estado. Há dias, Vítor Gaspar prometeu "cortes brutais" e apresentou um reforço dos impostos (na electricidade e no gás). O primeiro item ficou mais uma vez adiado para um futuro vago, afinal o nosso. Corre por aí que as sumidades que nos tutelam precisam de tempo. Desgraçadamente, não temos nenhum. Perdemos seis anos a ver as sumidades precedentes arruinarem o país com frontalidade. Não convinha ver as sumidades actuais prolongarem dissimuladamente a ruína.”
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias”

domingo, 11 de setembro de 2011

Em jeito de (primeiro) balanço (1)

“Que temos, dois meses depois? Pensões e salários violentamente tributados, dividendos e transferências para os offshore isentadas. Dez por cento do PIB nas mãos dos 25 mais ricos, cujo património aumentou 17,8 por cento. Impostos e mais impostos, que juraram não subir e de que se serviram para correr com o outro. Aumentos brutais do que é básico, da saúde aos transportes, passando pela electricidade e gás. Venda em saldo do BPN, sem direito sequer a saber os critérios da escolha da proposta mais barata, depois de todos nós termos subsidiado com 2.400 milhões de euros, pelo menos, vigaristas, donos e falsos depositantes. Afã para vender a água que beberemos no futuro. Quinhentas nomeações para a máquina do Estado, cuja obesidade reprovavam. Abolição da gravata. Espionagem barata com muito, mesmo muito, por esclarecer. Descoberta de um caixote de facturas não contabilizadas no esconso de um instituto em vias de fusão. Início da recuperação do TGV, antes esconjurado. Promessa de bandeirinhas nacionais em tudo o que se exporte. Um presidente que se entretém no Facebook, cobardia colectiva e mais uma peregrinação reverencial à Europa, que o primeiro-ministro inicia hoje. A tesouraria do Estado necessitou da troika. Mas o país dispensava o repetido discurso de gratidão subserviente de Pedro Passos Coelho. Aquilo a que ele chama ajuda é um negócio atípico. Atípico pelos juros invulgarmente altíssimos e atípico por o prestamista se imiscuir violentamente na vida do devedor, a ponto de ter tornado o Governo de um país com mais de 800 anos de história, outrora independente, num grémio administrativo de aplicação do acordo com a troika. (…)”
Santana Castilho, no “Público” de 31 de Agosto

terça-feira, 6 de setembro de 2011

E se alguém sugerisse mais um imposto?

O bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, sugeriu a criação de um imposto sobre a comida-rápida (“fast-food”) e aquilo que denominou de “dezenas de variedades de outro lixo alimentar” (o que quer que isso signifique no linguajar do senhor doutor), imposto esse que serviria para financiar o Serviço Nacional de Saúde compensando os cortes previstos.
Diz ele que “um duplo cheeseburger e um pacote de batatas fritas equivalem a 2200 calorias e é preciso uma maratona” para queimar estas calorias.
Ponto 1- Duas mil e duzentas calorias são uma quantidade ínfima de energia. Calculando a minha Taxa Metabólica Basal (quantidade de energia necessária para, em repouso, manter as funções básicas do organismo) pela fórmula sugerida pela Organização Mundial de Saúde obtenho o valor de um milhão novecentos e oitenta e uma mil calorias, pelo que, as 2200 calorias que refere são queimadas em um minuto e trinta e seis segundos, de sesta. Claro que, provavelmente, quando o douto cavalheiro refere 2200 calorias na realidade pretende dizer 2200 quilocalorias (que é o mesmo que dois milhões e duzentas mil calorias).
Ponto 2- Dando, portanto, como adquirido que José Manuel Silva quis dizer que “um duplo cheeseburguer e um pacote de batatas fritas equivalem a 2200 quilocalorias”, vejo-me na obrigação de corrigir o exagero que cometeu. Ao consultarmos a tabela de nutrientes fornecida pela McDonald´s (revista há cerca de 15 dias), somando as 440 quilocalorias de um duplo cheeseburguer com as 500 quilocalorias de um pacote de batatas fritas grande (230 se o pacote for pequeno) chegamos a 940 quilocalorias. Menos de metade do propalado pelo doutor. Mesmo considerando que o senhor Silva se referia a um menu completo, acrescido de sobremesa, temos mais 310 quilocalorias de uma coca-cola grande (150 se for pequena) e mais 230 quilocalorias de um gelado (grande) de caramelo, o que perfaz um total de 1480 quilocalorias (no caso de estarmos perante um menu pequeno acrescido de sobremesa, o total é de 970 quilocalorias). Lembro ao senhor doutor que, mesmo nos restaurantes de comida-rápida há sopas, saladas, águas e bebidas “lighht”, à medida de quem, mesmo para usar o cérebro, denota relevante preguiça.
Ponto 3- O doutor Silva acha que se é possível ingerir muitas calorias por pouco dinheiro o melhor é o Estado colocar mais um imposto para que a comida fique mais cara. A sua máxima parece ser: antes passar fome que comer barato.
Imaginemos, por absurdo, que um outro douto, do “calibre” do senhor José Manuel Silva, sugeria um imposto extraordinário (que funcionaria como uma espécie de Taxa Moderadora) a incidir sobre as idiotices ditas em público por titulares de cargos de relevo. Qual seria o resultado? O Estado dispunha de fonte adicional de receita, o senhor bastonário (e muitos outros “eruditos”) veria o fisco penhorar-lhes as peúgas.
Apache, Setembro de 2011

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Que pobreza de cenário

Às treze horas e onze minutos, do dia 25 de Agosto de 2011, no Primeiro Jornal, da Sic Notícias, a jornalista Cândida Pinto relata, em directo, deitada no chão do terraço do Hotel Coríntia, em Tripoli, um tiroteio, a ocorrer junto ao hotel onde se encontram os jornalistas. O vídeo está (por enquanto) disponível aqui. Às treze horas e dezasseis minutos, do mesmo dia, igualmente em directo, no mesmo terraço de hotel, atrás do mesmo arbusto, o enviado da RTP à Líbia, Paulo Dentinho relata o mesmo suposto ataque, alegadamente perpetrado por forças leais a Kadhafi. O vídeo do Jornal da Tarde está (para já) disponível aqui. Alguém dispara contra o hotel onde estão alojados os jornalistas, não identifica qualquer alvo, gasta munições apenas porque lhe apetece. É comum vermos, nas notícias, populares dispararem para o ar, em actos alegadamente festivos. Não são militares, não sabem quanto custa uma “brincadeira” destas.
Neste caso, diz-se que os pretensos militares disparam contra o hotel e os jornalistas expõem-se (alegada e) irresponsavelmente ao perigo. “Montam” o cenário e entram e saem de cena, uns após outros, debaixo de fogo “real”. Fazem-no como se de um palco de teatro se tratasse. Os tempos são de crise, o cenário é pobre, o “romance” é de cordel, mas podiam ter tirado dali a garrafa de água. Ou seria o patrocínio?
Apache, Setembro de 2011

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

De erro em erro

«O dr. Passos Coelho jurou há um mês que o Governo não gozaria de férias para que, cito, "o essencial das decisões a aplicar possam ser aplicadas". Descontado o erro de concordância, resta o erro da previsão: o Governo entrou de férias. O dr. Passos Coelho anunciou as suas no Facebook, presumindo, talvez acertadamente, que os cidadãos não têm mais o que fazer do que brincar nas ditas redes sociais. O dr. Passos Coelho não se limitou ao anúncio, mas publicou no Facebook toda uma mensagem "oficial", intitulada "Uma pequena reflexão de Verão" e destinada às "Caras amigas e amigos".
Descontado o erro de concordância, resta o uso aparentemente aleatório de iniciais maiúsculas. O dr. Passos Coelho refere o "nosso Grande Desafio como nação e como povo" como se o "Grande Desafio" fosse uma entidade autónoma e reconhecida no notário, refere a "Sociedade Portuguesa" como se o conceito beneficiasse de estatuto formal e refere "que a instabilidade no sistema Financeiro Europeu e Americano são travões para um percurso já de si cheio de sacrifícios", como se de facto não soubesse escrever.
Descontado o erro de concordância, resta o tom simultaneamente épico e vazio da pequena reflexão. A pensar no Algarve, o Dr. Passos Coelho espraia-se por clichés grandiloquentes, desde "Este é o momento!" até "olhar o futuro com confiança e optimismo", passando por "somos um povo de vencedores que nos agigantamos perante as maiores adversidades".
Descontado o erro de concordância, resta a sensação de que tudo isto já havia sido dito e de que o oposto de tudo isto já havia sido feito. Inevitavelmente, o fervor nacionalista irrompe sempre que a nação rasteja: se olharmos o futuro, aquilo que vemos a agigantar-se é o desastre, destino que dificilmente será evitado por um primeiro-ministro débil na palavra e nas palavras. Para cúmulo, meia dúzia de semanas bastaram para que, à semelhança do velho, o novo poder tomasse cada dissidência à conta de manifestação anti-patriótica, pressuposto que, a ser respeitado, faria que ainda fôssemos castelhanos.»
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias” de 11 de Agosto

terça-feira, 23 de agosto de 2011

“Um neoliberal é isto, Álvaro!” (2)

«HanusheK, economista da Educação por quem Nuno Crato tem grande apreço e trouxe recentemente a Portugal, foi dos primeiros a apontar a “falta de incentivos mercantis” (Journal of Human Resources, Junho de 1979) quando analisava a eficiência em Educação. Atente-se bem à semântica da expressão, não descuidada num académico com a responsabilidade dele. Mercantil é um adjectivo que se refere ao comércio, à mercancia, coisa bem afastada do objecto da Educação, suponho eu. Se tomarmos o vocábulo em sentido figurado, diz-se daqueles que perseguem só ganhos materiais, que são interesseiros e meros especuladores. A génese da avaliação do desempenho pode ser facilmente compreendida por quem a estude a partir da segunda metade do século passado, quando tomou relevância a preocupação política e económica de analisar em detalhe os custos de produção do serviço público de Educação. Por o ter feito, por a ter abordado na prática, em experiências e projectos de natureza educacional e empresarial, compreendo-a bem, rejeito-a como panaceia para a melhoria da qualidade da Educação e lamento que os professores e a sociedade em geral a aceitem como os crentes aceitam os dogmas, isto é, com reverência sacra. A avaliação do desempenho tornou-se um instrumento de uma concepção tecnocrática de gestão. A prática de modelos estereotipados para a realizar está estudada e reprovada pelo balanço dos resultados. Assim, a grande alteração que ficou por fazer foi desistir dela. O processo deveria ser indissociável da avaliação do desempenho de cada escola, depois de alterar radicalmente o modelo de gestão vigente. É estúpido avaliar com as mesmas referências e medidas o que é radicalmente diferente. É estúpido impor a todos o mesmo processo. É estúpido confundir a Educação com a actividade mercantil. Sei que incorro na fúria de muitos. Mas é o que penso e o que considero essencial. Tudo o mais é acessório, embora relevante, por ser tomado por essencial. Posto isto, vejamos, então, o acessório. Isenta-se da avaliação cerca de um terço dos docentes em exercício. Esperta malha. Calam-se muitos. Reduz-se o número de aulas a observar e, com isso, custos enormes e logística disforme. Pouco importa que se recupere, implicitamente, o conceito de professores titulares e que vá às urtigas o rigor do ministro e o que resta da coerência do seu discurso. Quotas viram percentis. Boa jogada! É mais erudito, ou não fora o ministro um mestre em Estatística e o secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar um anterior defensor da avaliação de Maria de Lurdes Rodrigues. E neste ambiente em que todos começam a fazer de conta que não foram o que foram e não disseram o que disseram, faz de conta que as quotas desapareceram. Como reclamavam os sindicatos. Se assinarem rápido o papel, substituam “acordo”, de má memória, por um sinónimo. “Ajuste directo” ou “conúbio” seria perfeito e adequado aos tempos!» Se afastarem a espuma, encontram o mesmo disfarce ideológico, que visa condicionar a independência intelectual e profissional do exercício da docência: pela precarização da profissão (fala Crato de assistir os “novos” isentando os “velhos”, ignorando que muitos dos “novos” têm 10, 15 e até mais anos de exercício); pela proletarização da profissão; pela persistência da desconfiança militante na classe; pelo refinamento dos padrões de desempenho, como se professor fosse sapateiro (sem desprimor para com tal ofício). Também isto, Álvaro de Vancouver, o ajudará a saber o que é um neoliberal.
Santana Castilho, no “Público” de 17 de Agosto

domingo, 21 de agosto de 2011

“Um neoliberal é isto, Álvaro!” (1)

«1- O Álvaro, que veio do Canadá para pôr a economia do país na ordem, disse na Assembleia da República que não sabia o que era um neoliberal. Agostinho Lopes ensinou-o assim: “…É alguém que tem três axiomas com que justifica tudo: globalização, revolução científica e técnica e competitividade. É alguém que tem três mandamentos sagrados: privatizações, liberalização dos mercados e desregulamentação dos mecanismos de orientação económica. E tem um único instrumento como variável de ajustamento dos desequilíbrios: o preço do trabalho …”. A lição dada ao Álvaro, se complementada com a compulsão para aumentar impostos e taxas, faz uma bela síntese da actividade do Governo até agora. 2- O ministro das Finanças também precisa de uma lição que o esclareça sobre o que é uma conferência de imprensa. Convocada uma, que se supunha para anunciar os cortes na despesa, proibiu as perguntas e prendou-nos com mais aumentos, agora na electricidade e no gás. A subserviência à troika deixou à dita a missão soberana de, finalmente, esclarecer os indígenas sobre o desvio colossal, a solver com mais confiscos colossais. Aproveitando a inércia, Passos Coelho foi lesto no “Pontal”: preparem-se que vem aí muito mais e, por favor, não estrebuchem, porque o inferno espreita. Quanto ao corte na despesa, é esperar até Outubro. Antes, Passos tem que ultimar a oferta do BPN a Isabel dos Santos e companhia, resolver o bónus da TSU e escolher quem vai abocanhar a TAP, a RTP, os CTT, as Águas de Portugal e um naco da CGD, tudo a preço de saldo e em nome do inferno que espreita. 3- Para os que ainda tinham dúvidas, chegou a definitiva dissipação: a regulamentação da avaliação do desempenho dos professores, agora apresentada, é tão-só o “Simplex 3” do modelo de Maria de Lurdes Rodrigues, que sucede ao Simplex 2 de Isabel Alçada. Definitivamente, há uma nota que sobressai, por maior que seja a esperteza para a dissimular: continuar a política que privilegia a diminuição do preço do trabalho.»
Santana Castilho, no “Público” de 17 de Agosto

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Foi-se mais um moscardo mas o excremento, senhores…

Na passada segunda-feira, o Secretário de Estado do Emprego, Pedro Silva Martins, e a Secretária de Estado do Ensino Básico e Secundário, Isabel Leite, reuniram com o Presidente da Agência Nacional para a Qualificação (ANQ), Luís Capucha, tendo-lhe comunicado que não seria renovada a sua comissão de serviço, não sendo, portanto, reconduzido no cargo. Recorde-se que a ANQ é a entidade responsável pelo Programa Novas Oportunidades (NO) e que no passado dia 16 de Maio (em plena campanha eleitoral) Pedro Passos Coelho se havia referido ao programa como sendo “uma mega produção que mais não fez do que estar a atribuir um crédito e uma credenciação à ignorância e isso não serve a ninguém”. Convém, a bem da qualidade do ensino, que todo o trabalho desenvolvido pela ANQ seja avaliado por uma entidade independente e que seja feita uma reforma profunda nas (NO). Como o Professor Paulo Guinote bem retratou, num texto que aqui repliquei [e do qual destaco este excerto: “a dupla (…) que eu designaria por Capucha-Lemos connection e que, fugindo à esfera mais restrita da tutela da Educação, conseguiu, com um pé dentro e outro fora do ME, criar um feudo com um poder imenso que se prepara para continuar, verdadeiramente, a revolucionar os percursos escolares dos portugueses, construindo sucesso a todo o custo, mesmo que seja cilindrando tudo o que se lhes oponha. (…) O que se está a passar é a contaminação completa do Ensino Secundário pelo espírito NO, depois do Básico ter sido modelado à imagem das teorias do direito ao sucesso que Lemos debitou desde o início dos anos 90, na altura a partir do Instituto de Inovação Educacional e que Capucha abraçou como sendo o mecanismo ideal para um teórico nivelamento social, que nega ser pela bitola baixa, que nenhum estudo comprova ter funcionado como fomentador de qualquer mobilidade socioprofissional. (…) Ambos querem transformar o sistema educativo público numa imensa rede de certificação, com 110% de sucesso garantido à nascença. Movendo-se numa pouco discreta sombra, num claro-escuro que não oculta a vaidade e presunção, a Capucha-Lemos connection constitui-se como o verdadeiro soviete revolucionário da Educação Nacional. Temei… porque esta é uma forma de terror educacional… ”] Luís Capucha (Presidente da ANQ) e Valter Lemos (primeiro, como Secretário de Estado da Educação, depois, com Secretário de Estado do Emprego, nos dois anteriores governos) construíram um tal monte de esterco que, uma vez posto a rolar, tudo tem conspurcado à sua passagem, pelo que, não basta (como parece ir acontecer com a Avaliação do Desempenho Docente) terem-se afastado os moscardos (em actos de mera substituição de boys em cargos nomeação política) impõem-se que se comecem (urgentemente) a remover os excrementos.
Apache, Agosto de 2011

sábado, 30 de julho de 2011

Escabeche

“Se eu mandasse, toda a gente era autarca uma vez na vida. Infelizmente, como os mandatos autárquicos chegam a durar 40 anos, nem toda a gente teria uma esperança de vida que lhe permitisse aguardar a sua vez. Mas parece-me evidente que a gestão de uma autarquia rejuvenesce. Aponto como exemplo Fernando Ruas, presidente não só da Câmara de Viseu como também da associação de municípios, e que, aos 62 anos, não tem ainda um único cabelo branco. Há qualquer coisa no trabalho autárquico que protege a saúde de quem o executa. Creio que é a absoluta ausência de preocupações. O autarca, em princípio, sabe que não há nada que o apanhe. Se fizer falcatruas, em princípio não é condenado. Mas, se for condenado, mais depressa é reeleito. Se for reeleito, não pode ir preso. Mas, se for preso, foge para o Brasil. O destino do autarca oscila entre o poder perpétuo e o turismo tropical. São ‘minimonarquias’ que podem ser interrompidas por ‘miniexílios’ dourados. Além disso, a actividade autárquica é isenta de stresse, como pôde voltar a constatar-se esta semana: todo o País está absorvido pelos problemas do desemprego, da crise da dívida, do décimo terceiro mês e da bancarrota, mas a Câmara Municipal do Fundão não deixa que essas pequenas preocupações a afectem, e tem tempo para tratar dos grandes assuntos. E decidiu processar a organização do concurso gastronómico 7 Maravilhas por uma infracção culinária. Ao que parece, a perdiz de escabeche, que a edilidade do Fundão garante ser originária de Alpedrinha, vai apresentar-se a concurso como se fosse - e peço ao leitor que contenha a revolta e a indignação - de Idanha-a-Nova. Assim que a Câmara do Fundão percebeu que ia ser espoliada da perdiz de escabeche entrou em acção e fez, aliás apropriadamente, um escabeche. De acordo com o Expresso, a Câmara ameaça "accionar todos os meios legais que se encontrem disponíveis e se afigurem necessários e pertinentes". Sossega-me saber que, de acordo com este comunicado, a Câmara não pretende accionar meios legais que não se encontrem disponíveis. Já não é mau. Mas a intenção de recorrer a todos os disponíveis faz antever uma batalha legal longa e violenta: quem tenha vagar para ir à procura, encontra, na legislação portuguesa, uma vastíssima gama de meios apropriados para a defesa das vítimas da deslocalização dos pratos de caça. O Código Civil dedica dois capítulos a este flagelo, e há uma subsecção que regulamenta em especial os escabeches. O perpetrador do crime que se cuide. O ‘desperdizamento’ da Câmara do Fundão não passará impune.”
Ricardo Araújo Pereira, na “Visão” da passada quinta-feira

quarta-feira, 27 de julho de 2011

A Rússia deu vida ao monstro concebido no Japão, agora ambos querem matá-lo

Em finais de Maio passado, a Rússia, o Japão e o Canadá anunciaram que não participariam na segunda ronda de negociações para a “renovação” do Protocolo de Quito, tratado que surge na sequência da patética teoria do aquecimento global antropogénico (rebaptizado, à medida que as temperaturas médias globais baixavam e os cenários catastrofistas não ocorriam, de alterações climáticas antropogénicas) e que impunha reduções nas emissões de gases com alegado “efeito de estufa” limitando o desenvolvimento económico de muitos dos países signatários. Recordo que o Protocolo de Quioto (assim conhecido por ter sido naquela cidade japonesa que, após conclusão do texto, ficou aberto para assinaturas a 11 de Dezembro de 1997) foi ratificado a 15 de Março de 1999, entrando em vigor a 16 de Fevereiro de 2005, depois de a Rússia o ter ratificado em Novembro de 2004. O Protocolo, que os Estados Unidos nunca ratificaram (apesar do seu ex-vice-presidente Al Gore ter sido um dos seus mentores) carecia, para vigorar, de ser ratificado por países que, no seu conjunto representassem mais de 50% das emissões de “gases com efeito de estufa”, o que aconteceu, precisamente, com a ratificação da Rússia que elevou a quota dos signatários para 55%. Na sequência do escândalo conhecido por “climategate” e consequente desacreditação pública da algaraviada designada por “ciência climática”, as opiniões públicas de vários países (e muitos conselheiros políticos, económicos e científicos) começaram a questionar a utilidade do dito protocolo. As consequências disso estão agora à vista. Rússia, Japão e Canadá (aparentemente) vão ficar fora do “novo acordo” e os Estados Unidos anunciaram que não pretendem alterar a sua posição (permanecendo fora). Assim, a quota de emissões dos signatários do Protocolo cai de 55% para 20%. O golpe dado, no ridículo protocolo, foi de tal forma importante que o ‘verdinho’ Yvo de Boer, ex-secretário executivo da Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas, se viu obrigado a vir a público transmitir a mórbida notícia: “O espírito do Protocolo de Quioto desapareceu. O seu corpo tem vindo a ser, artificialmente, mantido vivo e alguns dos seus órgãos talvez possam vir a ser transplantados. Mas temos que admitir que o Protocolo de Quioto está morto.” Infelizmente, para a Ciência, teorias como a do “aquecimento global antropogénico”, ou a do “buraco do ozono causado pelos clorofluorcarbonetos” (de que resultou o Protocolo de Montreal), só para citar as mais populares (e lesivas do progresso económico e social da humanidade) continuam ainda vivas (apesar de moribundas). Se um dia estas “casinhas de palha” ruírem todas, o nome da Ciência fica em muito “maus lençóis”. Aguardemos os próximos episódios destas ficções.
Apache, Julho de 2011

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Um Programa em “politiquês” de e para “fraquinhos no discernimento”

«Mesmo que já se tenham passado uns tempos sobre a respectiva divulgação, confesso ainda não ter opinião sobre as medidas incluídas no programa do Governo. Por enquanto, continuo abismado com o idioma em que as medidas foram escritas. É verdade que houve ligeiros progressos face ao programa do Governo anterior. É também verdade que, dado o analfabetismo terminal de que esse documento padecia, isso não significa muito. Assim por alto, temos o vocabulário encaracolado, inventado ou apenas ridículo. "Âmbito", se quisermos citar um exemplo clássico de parolice, aparece 30 vezes. "Ao nível" aparece 17 vezes. "Em termos de", 5 vezes. "Nomeadamente", 22 vezes. "De excelência", 5 vezes. "Optimizar" ou "optimização", 12 vezes. "Sustentabilidade", 34 vezes. "Implementar" ou "implementação" 34 vezes. "Contratualização", 7 vezes. "Agilizar", 9 vezes. "Reafectar", uma vez. A seguir, temos os indispensáveis estrangeirismos: "cluster" (10 menções), "outsourcing" (2), "start-ups" (1) e I&D (10). Nas frases, há as campeãs da redundância ("O valor incomensurável da dignidade da pessoa humana"), há conceitos herméticos ("atlas desportivo interactivo e actualizado"), há aspirações patetas ("Construir cadeias de valor de suporte ao tecido empresarial do cluster (a montante e a jusante)"), há trechos mancos ("E o Governo assume igualmente que esta dimensão de articulação entre áreas cujo inter-relacionamento é determinante o incremento da segurança estará sempre no centro das suas preocupações") e há sonhos hiperbólicos ("Eleger o ensino do português como âncora da política da diáspora"). A âncora é dispensável: a julgar pelas citações acima, já seria óptimo que, em lugar de o lançar ao fundo, alguém aprendesse português suficiente para passar nos pífios exames do liceu e, de caminho, redigir cento e tal páginas em língua de gente. Não é por nada, mas custa acreditar que sujeitos incapazes de alinhavar umas ideias conseguirão passar as ideias à prática e, como se impõe, reformar o país. Resta que a turbulência externa talvez torne o programa do Governo inconsequente e que a falta de vontade interna talvez mate o programa à nascença. Dos males, o menor.»
Alberto Gonçalves, no Diário de Notícias

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Segunda cavadela, segunda minhoca

No dia 2 de Abril passado (dois meses antes das eleições) o Vice-Presidente do PSD, Diogo Leite Campos, explicava, em entrevista ao “i” que o PSD, caso viesse a formar Governo, não aumentaria os impostos, acrescentando que a actual carga fiscal “é a maior de sempre em Portugal”, constituindo um “inadmissível disparate”. Confrontado pelos jornalistas com o facto do líder do seu partido, Pedro Passos Coelho, ter dito que, porque não conhecia a verdadeira situação das contas do país não poderia garantir que não aumentaria impostos, apenas afiançava que se tal acontecesse seriam impostos sobre o consumo e não sobre o rendimento, Diogo Campos disse que se tratava de um problema de comunicação. Em conferência de imprensa, dada na passada quinta-feira, Victor Gaspar, Ministro das Finanças do actual Governo, confirmou o que já antes havia sido anunciado. O Governo (liderado pelo PSD) vai mesmo aumentar os impostos (através da criação de uma “sobretaxa extraordinária, em sede de IRS” sobre o Subsídio de Natal) e esse aumento incide sobre o trabalho e não sobre o consumo. Constata-se assim que, tal como preconizava Diogo Leite Campos, o PSD tem mesmo um problema de comunicação, e grave, pois nem o seu Presidente nem o seu Vice-Presidente conseguiram comunicar devidamente (mesmo dizendo coisas diferentes) com os portugueses sobre o que realmente pretendiam fazer caso chegassem ao poder. Ou isso ou em vez de um grave problema de comunicação, o PSD tem mentirosos a mais e nesse caso será de perguntar (imitando certo personagem): Sócrates, em Portugal, quantos são, quantos são? Entretanto, Victor Gaspar, na mesma conferência de imprensa, anunciou igualmente que 65% dos agregados familiares não vão pagar o imposto extraordinário, que é mais ou menos o mesmo que dizer que 65% dos portugueses não vão pagar o novo imposto. Poder-se-ia pensar que os “isentos” são os mais desfavorecidos (até porque para o imposto não vai contribuir quem aufere, mensalmente, um vencimento igual ou inferior ao ordenado mínimo nacional) mas não é bem assim, quem habitualmente foge ao IRS continuará a fazê-lo e, portanto, a “sobretaxa” não se lhe aplica, e quem vive de rendimentos de capitais também não contribuirá. Além de não perceber porque é que um Governo que se diz “de direita” combate o défice por via do aumento da receita e não através da redução da despesa, também não percebo porque é que ninguém, neste Governo, percebeu que a melhor maneira de aumentar as receitas era através do aumento do IVA, primeiro porque Passos Coelho não tinha afastado (antes das eleições) a hipótese dum aumento de impostos sobre o consumo, depois porque esta é a única forma de todos contribuírem, já que rendimentos do trabalho nem todos têm mas consumir todos consomem e, provavelmente, (em valor) na proporção dos seus rendimentos.
Apache, Julho de 2011

sexta-feira, 8 de julho de 2011

"Este é o melhor governo das últimas três semanas"

“De um modo geral, as pessoas olham com desconfiança para os políticos e com alguma admiração para os comentadores políticos. Por outro lado, olham com alguma admiração para os futebolistas e com desconfiança para os comentadores de futebol. As pessoas, como sempre, estão erradas. Se alguma coisa distingue os comentadores de política dos de futebol é que os de futebol são melhores. A principal marca dessa superioridade é esta: os comentadores políticos recorrem muitas vezes a metáforas do mundo do futebol para explicar a política, mas os comentadores de futebol teriam justa repugnância em utilizar o jargão político para explicar uma coisa pura e bonita como é o futebol. Além disso, há nos comentadores de futebol uma humildade que os eleva. Jorge Baptista pode criticar Cristiano Ronaldo, mas não ousa acreditar que faria melhor do que ele no campo. Em contraponto, qualquer editor de política que ponha em causa as opções de determinado primeiro-ministro não esconde que, lá no fundo, acredita que seria um chefe de Governo mais competente. A ingenuidade dos comentadores de política, que contrasta com a frieza experiente dos comentadores de futebol, vem ao de cima em momentos como este. A formação de um novo Governo tem dividido as opiniões: certos comentadores crêem que há razões para ter esperança porque as escolhas de Passos Coelho foram boas, outros acham que não há motivo para festa porque as escolhas de Passos Coelho foram más. Uma vez mais, estão todos errados. Este Governo não vai fracassar apesar das boas escolhas ou por causa das más escolhas. Este Governo vai fracassar porque é um Governo. E, ainda por cima, é um Governo de Portugal. São logo duas circunstâncias funestas. No futebol, compreende-se mal que haja euforia antes do início do campeonato. Na política, não se compreende de todo que haja euforia antes do início de uma legislatura. Ao menos, no fim de um campeonato, haverá sempre um campeão. No fim de uma legislatura só tem havido ressentimento e desilusão. E, sendo o mesmo tipo de ressentimento, custa a perceber de que modo é que continua a gerar euforia. Dou um exemplo: neste momento, há comentadores que depositam grande esperança no novo Governo de coligação entre PSD e CDS. No entanto, da última vez que PSD e CDS se juntaram para governar, o eleitorado ficou tão satisfeito que, na primeira oportunidade que teve, deu uma maioria absoluta a José Sócrates. PSD e CDS foram tão maus que fizeram Sócrates parecer excelente. Depois, Sócrates foi tão mau que fez PSD e CDS parecerem salvadores. Há comentadores políticos que ainda caem nesta esparrela. Rui Santos nunca cairia. Claro que há dois ou três aspectos positivos no novo Governo. O primeiro é que o partido que venceu as eleições está em minoria no Governo. Em 12 ministros tem 5, contando com Passos Coelho. Pode ser uma inovação interessante. O segundo é que, com a nomeação para primeiro-ministro, Passos Coelho conseguiu finalmente obter um emprego sem ser numa empresa administrada por Ângelo Correia. Aqui está o que pode ser uma inspiração para os desempregados. Com tempo, esforço e sorte, podem arranjar um emprego sem cunhas. Basta que, quando concorrerem a determinado posto de trabalho, o outro candidato ao lugar seja José Sócrates.”
Ricardo Araújo Pereira, na “Visão” da semana passada

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Primeira cavadela, primeira minhoca

“Todos os portugueses sabem que, excepto pelas costas, não se diz mal dos amigos e conhecidos. Felizmente, devo ter uma costela estrangeira e não me sinto obrigado à regra. Quando o novo secretário de Estado da Cultura, pessoa inteligente e óptima companhia, se estreia na função a prometer que o Acordo Ortográfico (AO) será "implementado" em 2012 nos "documentos oficiais e nas escolas" dado ser "um caminho sem retorno", eu gostaria de lembrar ao Francisco José Viegas que caminhos sem retorno também eram, ou são, o TGV, o aeroporto de Alcochete, a bancarrota, a gripe suína e o declínio do Belenenses. O trabalho de um governante consiste, suponho, em tentar contrariar as desgraças ditas inevitáveis. Aceitá-las de braços caídos tende um bocadinho para o fácil e talvez não justifique o salário. Ainda por cima, às vezes sai mais caro, em esforço e em dinheiro, aceitar as desgraças ditas inevitáveis do que impedi-las. Na questão do AO, por exemplo, parece-me menos complicado deixar as coisas como estão do que proceder à inutilização de toneladas de papel e à revisão de gigabytes de informação "virtual" em nome de um compromisso pateta e de enigmática serventia. Vasco Graça Moura, aqui no DN, já aludiu ao prejuízo material que o AO implica, ao tornar obsoletos manuais escolares, dicionários e livros em geral. Se o objectivo do Governo eleito fosse torrar fortunas em disparates, a "implementação" do AO viria a calhar. Sucede que o momento é, ou assim nos garantem, de austeridade, por isso dói ver aumentos de impostos contrabalançados por desperdícios quantitativamente pequenos e simbolicamente desmesurados. Pior que tudo, além de tonto nos princípios e dispendioso nos meios, o AO é horroroso nos fins.”
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Carta aberta a Nuno Crato

“O senhor ministro, na tomada de posse, pediu "uns dias para aterrar". Inteiramente justo, se for sua intenção fazer a limpeza dos estábulos de Augias, dos detritos de seis anos de caos e incompetência no Ministério da Educação. Era também nossa intenção - nem só de luta vive o homem - aguardar calmamente as primeiras decisões da sua equipa. Porém, parece que alguns gabinetes do (agora seu) ministério acharam que era chegada a altura de redobrar de actividade. Foi o caso da Direcção-Geral dos Recursos Humanos da Educação (DGRHE), que, precisamente na véspera da tomada de posse, decidiu bombardear as escolas com mais uma das suas célebres aplicações informáticas, no caso relativa à Avaliação do Desempenho Docente (ADD). O mais avisado teria sido - face ao compromisso de acabar com a actual ADD, assumido diversas vezes pelos partidos do actual governo, e em particular pelo PSD - que a DGRHE aguardasse as decisões do novo ministro. E (porque não?) aproveitasse a pausa para tentar compreender como foi possível que anteriores aplicações informáticas tivessem calculado para professores diferentes, mas com pontuações idênticas nos parâmetros de avaliação, Bons de 7 e Bons de 9. Sabia disto, professor Nuno Crato? Que terá motivado a impaciência deste organismo, co-autor de tantas das malfeitorias dos últimos anos, a começar pelo concurso de professores titulares? Dirão alguns que foi ditada pela necessidade de mostrar serviço, com medo de serem reenviados para as escolas. Cremos que não... Parece-nos mais uma tentativa de colocar a nova equipa perante factos consumados. Esperemos é que não seja uma forma pouco subtil de vincar que bem podem mudar os governos e os ministros, mas quem realmente define as políticas educativas não se encontra sujeito ao voto popular. Não conhecemos em pormenor as suas ideias para a avaliação dos professores, embora saibamos que defende que esta deve ser externa (precisamente o oposto da actual) e incidir no trabalho com os alunos (a actual mede acima de tudo o relacionamento interpessoal entre os docentes e os órgãos de gestão). No que respeita à avaliação dos alunos, assunto em relação ao qual conhecemos melhor as suas opiniões, tem dito repetidamente que lhe falta seriedade, que os exames actuais não são fiáveis e que, para poderem ser credíveis, deveria ser uma entidade independente a fazê-los, e não o próprio ministério, por estar ele próprio (interesse directo) a ser avaliado pelos exames que elabora. Não nos parece que necessite que lhe avivem a memória - o intenso debate que culminou na revogação parlamentar, se teve um grande mérito, foi revelar a natureza kafkiana (o adjectivo é de Passos Coelho) do modelo - sobre os motivos por que a ADD herdada do governo anterior carece em absoluto de fiabilidade, de credibilidade e de isenção. Que é tão pouco séria que foi sempre preocupação dos legisladores impedir que se divulgassem as classificações, dada a inexistência de qualquer relação entre estas e o mérito do avaliado. Se o processo não for travado, o que se vai ver nas escolas durante o próximo mês é o preenchimento atabalhoado de dezenas ou centenas de folhas (com fotos à mistura, de iniciativas mais ou menos folclóricas) contendo as chamadas evidências que (mesmo sendo genuínas) pouco ou nada terão a ver com o trabalho, os conhecimentos e a dedicação de cada professor à aprendizagem dos seus alunos. Sem exagero, o mais tosco e menos bem conseguido dos exames do ensino básico será cem vezes mais fiável que este modelo de avaliação de professores. Também não nos parece que o senhor ministro (nem ninguém) aceitasse um sistema de ingresso no ensino superior em que a classificação de acesso fosse atribuída... pelo delegado de turma. Pois bem, a distribuição de papéis entre avaliados e avaliadores na actual ADD traduz uma situação que é, em traços largos, precisamente idêntica a esta caricatura. Posto isto, o senhor ministro apenas tem dois caminhos à sua frente. Um deles é permitir que esta ADD seja finalizada e produza consequências irreversíveis na carreira e nos concursos de professores e outras, não menos perversas, no ambiente escolar, na motivação da classe docente e na promoção do mérito. O segundo, sem dúvida menos cómodo e que lhe trará alguns amargos de boca com os burocratas do seu pelouro, é cortar de vez com o passado e dar início a um novo tipo de relacionamento com os professores, pautado pela exigência, mas também pela confiança. Porque, e disso não temos a menor dúvida, a decisão que agora tomar sobre a ADD vai ser a verdadeira pedra-de-toque do seu futuro desempenho à frente do Ministério da Educação.”
Professores da Escola Secundária com 3.º ciclo de Henrique Medina, Esposende [no "i" de hoje]

sábado, 25 de junho de 2011

E contra factos…

A 14 de Abril de 2010, o professor de Economia, Álvaro Santos Pereira, escrevia assim, no seu blogue “Desmitos”: “Nos últimos dias, a "campanha" eleitoral tem sido constituída por um rol de "factos" que só servem para distrair os(as) portugueses(as) daquilo que realmente é essencial. E o que é essencial são os factos. E os factos são indesmentíveis. Não há argumentos que resistam aos arrasadores factos que este governo nos lega. E para quem não sabe, e como demonstro no meu novo livro, os factos que realmente interessam são os seguintes: 1) Na última década, Portugal teve o pior crescimento económico dos últimos 90 anos; 2) Temos a pior dívida pública (em % do PIB) dos últimos 160 anos. A dívida pública este ano vai rondar os 100% do PIB; 3) Esta dívida pública histórica não inclui as dívidas das empresas públicas (mais 25% do PIB nacional); 4) Esta dívida pública sem precedentes não inclui os 60 mil milhões de euros das PPPs (35% do PIB adicionais), que foram utilizadas pelos nossos governantes para fazer obra (auto-estradas, hospitais, etc.) enquanto se adiava o seu pagamento para os próximos governos e as gerações futuras. As escolas também foram construídas a crédito; 5) Temos a pior taxa de desemprego dos últimos 90 anos (desde que há registos). Em 2005, a taxa de desemprego era de 6,6%. Em 2011, a taxa de desemprego chegou aos 11,1% e continua a aumentar; 6) Temos 620 mil desempregados, dos quais mais de 300 mil estão desempregados há mais de 12 meses; 7) Temos a maior dívida externa dos últimos 120 anos; 8) A nossa dívida externa bruta é quase 8 vezes maior do que as nossas exportações; 9) Estamos no top 10 dos países mais endividados do mundo em praticamente todos os indicadores possíveis; 10) A nossa dívida externa bruta em 1995 era inferior a 40% do PIB. Hoje é de 230% do PIB; 11) A nossa dívida externa líquida em 1995 era de 10% do PIB. Hoje é de quase 110% do PIB; 12) As dívidas das famílias são cerca de 100% do PIB e 135% do rendimento disponível; 13) As dívidas das empresas são equivalentes a 150% do PIB; 14) Cerca de 50% de todo endividamento nacional deve-se, directa ou indirectamente, ao nosso Estado; 15) Temos a segunda maior vaga de emigração dos últimos 160 anos; 16) Temos a segunda maior fuga de cérebros de toda a OCDE; 17) Temos a pior taxa de poupança dos últimos 50 anos; 18) Nos últimos 10 anos, tivemos défices da balança corrente que rondaram entre os 8% e os 10% do PIB; 19) Há 1,6 milhões de casos pendentes nos tribunais civis. Em 1995, havia 630 mil. Portugal é ainda um dos países que mais gasta com os tribunais por habitante na Europa; 20) Temos a terceira pior taxa de abandono escolar de toda a OCDE (só melhor do que o México e a Turquia); 21) Temos um Estado desproporcionado para o nosso país, um Estado cujo peso já ultrapassa os 50% do PIB; 22) As entidades e organismos públicos contam-se aos milhares. Há 349 Institutos Públicos, 87 Direcções Regionais, 68 Direcções-Gerais, 25 Estruturas de Missões, 100 Estruturas Atípicas, 10 Entidades Administrativas Independentes, 2 Forças de Segurança, 8 entidades e sub-entidades das Forças Armadas, 3 Entidades Empresariais regionais, 6 Gabinetes, 1 Gabinete do Primeiro Ministro, 16 Gabinetes de Ministros, 38 Gabinetes de Secretários de Estado, 15 Gabinetes dos Secretários Regionais, 2 Gabinetes do Presidente Regional, 2 Gabinetes da Vice-Presidência dos Governos Regionais, 18 Governos Civis, 2 Áreas Metropolitanas, 9 Inspecções Regionais, 16 Inspecções-Gerais, 31 Órgãos Consultivos, 350 Órgãos Independentes (tribunais e afins), 17 Secretarias-Gerais, 17 Serviços de Apoio, 2 Gabinetes dos Representantes da República nas regiões autónomas, e ainda 308 Câmaras Municipais, 4260 Juntas de Freguesias. Há ainda as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, e as Comunidades Inter-Municipais. Nos últimos anos, nada foi feito para cortar neste Estado omnipresente e despesista, mas já se cortaram salários, já se subiram impostos, já se reduziram pensões e já se impuseram vários pacotes de austeridade aos portugueses. O Estado tem ficado imune à austeridade. Isto não é política. São factos. Factos que andámos a negar durante anos até chegarmos a esta lamentável situação. (…)” Hoje, Álvaro Santos Pereira é Ministro da Economia e do Emprego, do XIX Governo Constitucional e, dele os portugueses esperam pacientemente (ainda que a paciência não seja um recurso ilimitado) que comece a “enterrar o estrume” que os anteriores governantes deixaram por aí. Sob pena de (ao não o fazer) correr o risco de ver a “E. coli” desvalorizar-lhe os apregoados “tomates”.
Apache, Junho de 2011

quarta-feira, 22 de junho de 2011

“Mais palpites sobre o Governo”

«Mal se conheceu a composição do novo Governo, resmas de comentadores e "politólogos" (?) precipitaram-se rumo às televisões para distribuir, presume-se que de borla, palpites sobre a matéria. A certa altura, a coisa lembrou um concurso de "misses", no qual o jornalista de serviço lançava o nome de um ministro e os jurados, desculpem, os comentadores presentes avaliavam, com base no conhecimento de causa ou na fezada, os respectivos méritos. A competência técnica era a prova em vestido de noite. O peso político equivalia à prova em fato de banho, e foi naturalmente aqui que as críticas se espevitaram. Ao que percebi, a maioria dos comentadores concede prioridade ao referido peso político, no pressuposto de que uma vida dedicada à carreira partidária habilita melhor um sujeito a mandar nos semelhantes. Já a parte técnica, ou "tecnocrática", é olhada de viés: numa curiosa inclinação que explica a nossa História recente e não só, a "inteligência" pátria não gosta de quem sabe fazer contas. Eu, por acaso ou mania, gosto. Prefiro governantes movidos por uma racionalidade comezinha e séria a governantes repletos de "visões", "missões" e "desígnios", típicas camuflagens da inépcia ou da fraude. Assim, arrisco-me a expandir a imensa lista de conjecturas e digo que me parecem bem entregues as pastas das Finanças e da Economia. Parece-me razoavelmente entregue a pasta da Saúde. Parece-me uma bênção, eventualmente tardia, que, por uma vez, a pasta da Educação tenha ido parar ao mais público e lúcido adversário do estado comatoso e entre comas a que a dita desceu. Quatro nomeações decentes (ou óptimas), quatro "independentes". No lado oposto, vejo com certa reserva a opção para a Justiça, menos pelas capacidades profissionais de Paula Teixeira Pinto do que pelas imediatas manifestações de simpatia do bastonário da Ordem dos Advogados e desse vulto inclassificável chamado Boaventura de (não esquecer o "de") Sousa Santos. E suspeito que a designação de um "orgânico" da estirpe de Miguel Relvas para liderar a reforma administrativa é indício de que não se pretende reformar administração nenhuma. Porém, mesmo que se estenda o benefício da dúvida ao Executivo inteiro e se acredite que ali há vontade de cumprir as imposições decretadas pela 'troika', seria absurdo considerar que tal disposição representa meio caminho andado. No máximo, é um décimo, talvez um centésimo do caminho. Será também preciso aliar à vontade o talento. E acrescentar ao talento uma eficácia literalmente extraordinária. E ignorar os sindicatos, as corporações, os lóbis, a "rua" e a genética resistência do português médio à mudança. E transformar este caldo de improdutividade num país susceptível de atrair o investimento exterior. E etc. Do que depende do Governo, a tarefa é dificílima. Do que não depende do Governo, mas da tragédia grega, da paciência alemã e da sorte em geral, a tarefa parece impossível. Resta-nos esperar, embora de pé: sentados chegámos a isto.»
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias”

sábado, 18 de junho de 2011

Novas figuras ou os figurões habituais?

Ficou ontem (parcialmente) conhecido o elenco do novo Governo que, numa análise muito superficial, apresenta dois aspectos positivos: várias caras novas, quer em termos de experiência governativa quer em termos de idade, e uma certa tendência para “fugir um pouco do centro”. Gente nova tem, provavelmente, vontade de fazer e como pior que o que antes foi feito é quase impossível, agrada-me que (neste momento) se tente fazer; a probabilidade de sair algo (ainda que minimamente) melhor deixa uma réstia de esperança ao país. Uma tendência para divergir de um “centrão” incompetente e acima de tudo decadente, também me agrada. Contrariamente à maioria que parece preocupar-se (ainda e sempre) com questiúnculas ideológicas é-me (no estado em que nos encontramos, quase) indiferente que se vire à direita ou à esquerda desde que se procure a saída deste imenso pântano onde de momento estamos atolados, e não apenas por culpa dos dois últimos governos do sr. 'inginheiro', pois os seus antecessores pouco (ou nada) de positivo conseguiram. Ao olhar para as “novas” figuras (e alguns “velhos figurões”) que nos foram ontem apresentadas sou tentado a depositar alguma esperança nos independentes (pessoas que pelos currículos que possuem, me parecem meritórias) e na “menina” do CDS (a quem saiu a fava do Ambiente) que tão bem esteve em alguns debates televisivos. Não tenho ilusões nenhumas relativamente a Paulo Portas ou a Miguel Relvas mas era quase inevitável que Passos Coelho cedesse a alguns “homens do(s) aparelho(s) partidário(s)”. Aguardemos calmamente a lista de Secretários de Estado para manter acesa uma ténue “luz ao fundo do túnel” ou, como dizem os brasileiros, “cair na real”. Especificamente quanto ao Ministro da Educação, só dois nomes se perfilavam, à partida, capazes de atirar uma “pedrada no charco”: Santana Castilho e Nuno Crato. Foi este último o escolhido de Passos Coelho. Neste texto com pouco mais de dois anos expressei a minha opinião sobre Nuno Crato, mantenho integralmente o que aí escrevi. Discordo do Nuno Crato em matéria de avaliação de professores, acho que acredita demasiado nas virtudes de possíveis avaliadores externos, parece esquecer-se que o cancro “eduquês” já tem metástases, tanto na IGE como em inúmeras universidades (além das escolas superiores de educação, já a necessitarem de cuidados paliativos). Estou convencido que, para muitos professores nos quais me incluo, se Nuno Crato conseguir alterar um terço de tudo quanto criticou publicamente no Ministério da Educação da era socrática, será o melhor Ministro da Educação dos últimos 20 anos (no mínimo). Esperamos para saber quais são os nomes dos Secretários de Estado para sabermos se vai haver equipa capaz de, em vez de declarar guerra aos professores (como fez Maria de Lurdes Rodrigues) optar por varrer o lixo que há longos anos infesta (quase até ao tecto) os “longos” corredores do Ministério. Reservo no entanto algum pessimismo: não sei se há aterro sanitário que comporte tanto lixo e coragem política para consistentemente ir varrendo. P.S. Declaração de interesses: não votei PSD nem CDS.
Apache, Junho de 2011

quinta-feira, 16 de junho de 2011

As Nuvens de Aristófanes

“Deve ser a isto que os especialistas chamam a admirável intemporalidade dos clássicos. Uma peça de Aristófanes, escrita há uns 25 séculos, parece um decalque da actual vida portuguesa. Como é óbvio, trata-se de uma comédia. Claro que esta feliz coincidência pode dever-se menos à habilidade de Aristófanes para se manter actual e mais à habilidade de Portugal para se manter atrasado. Mas, seja o talento do retratista ou do retratado, não deixa de ser notável. Na peça ‘Nuvens’, um homem chamado Estrepsíades está cheio de dívidas e cercado por credores. Resolve então recorrer a Sócrates. O objectivo é aprender a argumentar com o famoso filósofo e, através de falácias, demonstrar aos credores que uma dívida não é, na verdade, uma dívida. Em Aristófanes, Sócrates é um charlatão. Excepto na opinião de um pequeno grupo de apaniguados, é um troca-tintas. Um impostor. Um pequeno bandido, digamos. Este é, talvez, o ponto em que a peça se afasta mais da nossa realidade - declaração que faço imbuído do mais profundo amor à verdade e também para evitar processos judiciais. Mas, tirando esta discrepância flagrante e grotesca, tudo na história faz lembrar o Portugal do século XXI. Estrepsíades representa os portugueses (especialmente aqueles portugueses, ainda não especificados, que se endividaram em 78 mil milhões de euros), os credores são os credores, e Sócrates é Sócrates. O facto de a peça decorrer na Grécia - que é, neste momento, o país mais parecido com Portugal - também ajuda. Todos os que acreditam nas capacidades proféticas da literatura devem, no entanto, desiludir-se. Não será a peça de Aristófanes a mostrar-nos o futuro. Como toda a gente que aposta em Sócrates para lhe resolver o problema das dívidas, Estrepsíades tem um grande dissabor, e fica ainda pior do que estava. Infelizmente, a peça acaba exactamente nesse ponto. Vemos Estrepsíades vingar-se de Sócrates, é verdade. Mas o que acontece à vida de Estrepsíades depois de castigar Sócrates? Não sabemos. Aristófanes não diz. Talvez porque, como todas as comédias, a peça tenta ocupar-se apenas das coisas que dão vontade de rir. Quando a tragédia a sério começa, cai o pano.”
Ricardo Araújo Pereira, hoje, na ‘Visão’