terça-feira, 9 de novembro de 2010

Do “Magalhães” ao automóvel

“Em entrevista ao Jornal de Negócios, o antigo deputado socialista Henrique Neto afirmou que a direcção do PS "é uma máfia com experiência na maçonaria", que o Governo favorece a corrupção, que o primeiro-ministro está "no topo da pirâmide dos que dão cabo disto" e que é "um aldrabão" e "um vendedor de automóveis". Como é possível que tais declarações tenham beneficiado da mais completa impunidade? Confesso-me sobretudo chocado face à ausência de um protesto formal dos vendedores de automóveis.”
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias”

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

“Ao Salvamento! Mercados e crianças, primeiro.”

“A entrevista que Cavaco Silva deu esta semana ao Expresso é a todos os títulos, surpreendente. Em primeiro lugar, é surpreendente que tenha sido Cavaco a dá-la, em vez de Marcelo Rebelo de Sousa. Pessoalmente, prefiro saber pela boca do professor Marcelo aquilo que o Presidente da República pensa e faz. Como se viu no caso do anúncio da candidatura à presidência, o professor Marcelo é mais rápido, mais claro e mais sucinto do que Cavaco a fornecer informações sobre Cavaco. Percebe-se mal, por isso, a opção do Expresso: entrevistar Cavaco Silva quando se quer saber a opinião de Cavaco Silva é, simplesmente, mau jornalismo. No entanto, há que admitir que o Presidente se esforçou por falar de si mesmo como Marcelo Rebelo de Sousa falaria: com aquele tipo de elogios que amesquinham. Disse Cavaco: "Sou o único Presidente que não dissolveu a assembleia, pois prezo a estabilidade." Ou seja, Cavaco dirigiu a si mesmo um louvor que parece mesmo uma injúria. Qual dos leitores está grato ao Presidente pela soberba estabilidade em que vive? Imagino o elevadíssimo número de portugueses que estão em casa a pensar: "Bom, acabo de ficar desempregado e, tendo em conta o brutal aumento do custo de vida, o subsídio não me chega para sustentar a família. Mas sempre fico com mais tempo para apreciar esta magnífica estabilidade que o Sr. Presidente da República me tem proporcionado." No fundo, gabar-se de ser o único que não dissolveu a assembleia equivale a dizer: "Reparem que eu não fiz nada. Escusam de agradecer." Marcelo não teria sido mais perverso. De resto, Cavaco Silva partilha as preocupações de toda a gente que não vai sentir na pele os efeitos da nova política de austeridade: é importante que o PSD viabilize rapidamente o orçamento, para que o orçamento possa começar a inviabilizar a nossa vida. Ainda sou do tempo em que os orçamentos tinham por objectivo facilitar a vida dos cidadãos. Agora, trata-se de facilitar a vida a essa entidade misteriosa que se chama "os mercados". Antigamente, os eleitores votavam nos seus representantes e estes, em retribuição, definiam um orçamento que servisse as aspirações dos eleitores. Agora, há que agradar aos mercados, o que torna o trabalho dos deputados mais complexo, até porque os mercados são mais exigentes que os eleitores. E mais poderosos. Os mercados são uma espécie de bicho feroz cujo aspecto ninguém conhece ao certo. A única coisa que sabemos acerca dos mercados é que levam a mal se os portugueses não passarem a pagar mais pelo leite. E sabemos também que são uma entidade colectiva, o que assusta mais. Não temos de agradar apenas a um mercado, mas sim a uma pluralidade de mercados. Os mercados atacam em grupo, como os gangues. Mas são menos meigos e levam-nos mais dinheiro.”
Ricardo Araújo Pereira, na “Visão” da passada quinta-feira

domingo, 7 de novembro de 2010

From Russia with love

«Medidas draconianas foram tomadas, esta semana, em Portugal pelo Governo “Socialista” (apenas no nome) de José Sócrates, É mais um caso de um Governo de direita/centro-direita, a pedir aos portugueses para fazer sacrifícios, um apelo repetido vezes sem conta a uma nação trabalhadora e há muito sofredora, que aos poucos se vai afundando no pântano da miséria. E não se pense que é por eles serem portugueses. Vá ao Luxemburgo, que lidera todos os indicadores socioeconómicos, e verificará que doze por cento da população é portuguesa, gente que construiu um Império que se estendeu por quatro continentes e que controlou a linha de costa desde Ceuta, no Atlântico, por aí abaixo, contornando o Cabo da Boa Esperança, a costa Este de África, no Oceano Índico, o Mar Arábico, o Golfo Pérsico, a costa Ocidental da Índia e o Sri Lanka. Esta semana, o Primeiro-Ministro Sócrates lançou mais uma onda de pacotes de austeridade, cortando salários e aumentando o IVA, mais medidas cosméticas tomadas em ambiente de laboratório político, por académicos arrogantes desprovidos de qualquer contacto com o mundo real, que encontram suporte na elite política portuguesa do PSD/PS, arre-burrinhos da política que têm atormentado o país desde a Revolução de Abril de 1974. O objectivo? Reduzir o défice. Porquê? Porque a União Europeia assim o diz. Mas é só a União Europeia? Não, não é. O maravilhoso sistema para dentro do qual a União Europeia se deixou sugar é aquele em que as ’Agências de Rating’: Fitch, Moody’s e Standard and Poor´s, sedeadas nos Estados Unidos (onde haveria de ser?) controlam virtual e fisicamente as políticas fiscais e económicas dos estados membros da União, através da atribuição de notações de crédito. Com amigos como Bruxelas e estas agências, quem é que precisa de inimigos? Sejamos honestos, a União Europeia é o resultado de um pacto forjado por uma França amedrontada por uma terrífica Alemanha, depois das tropas desta terem marchado pelo seu território três vezes em setenta anos, tomando Paris com relativa facilidade, não uma mas duas vezes e, por uma Alemanha astuta e ansiosa por se reinventar após os anos de pesadelo com Hitler. A França tem a agricultura, a Alemanha tem os mercados para a sua indústria. E Portugal? Olhem para as marcas dos carros novos (que parecem ser imunes a cortes) conduzidos por motoristas particulares, transportando exércitos de assessores, e observem de que país eles vêm. Não, não são Peugeot, Citroen ou Renault. São Mercedes e BMW. Topo de gama, claro. Os sucessivos Governos, formados pelos dois principais partidos, PSD (Sociais Democratas de direita) e PS (Socialistas de centro-direita) têm sistematicamente mandado os interesses de Portugal pelo esgoto abaixo, destruindo a sua agricultura (há agricultores portugueses que são pagos para não produzirem), indústria (que desapareceu) e pescas (com arrastões espanhóis a pescar em águas portuguesas), em troca de quê? O que é que as contrapartidas negociadas renderam, para além da total aniquilação de qualquer possibilidade de criação de emprego e riqueza numa base sustentável? Aníbal Cavaco Silva, agora Presidente, anteriormente Primeiro-Ministro durante uma década, entre 1985 e 1995, anos em que milhares de milhões em fundos estruturais e de desenvolvimento, da União Europeia, foram postos nas suas mãos, é um excelente exemplo de um dos melhores políticos portugueses. Eleito fundamentalmente por ser considerado “sério” e “honesto” (em terra de cegos quem tem um olho é Rei), como se isso fossem razões suficientes para eleger um líder (em Portugal são) e, como se a maioria dos restantes políticos fossem um monte de sanguessugas inúteis e parasitas (que na realidade são), ele é o pai do défice português e o campeão dos gastos públicos. A sua “política do betão” foi bem concebida, mas como habitualmente mal planeada, resultado de um inapto, descoordenado e por vezes inexistente, departamento de planeamento do território, vergado, como é habitual, a interesses que sugam o país e o seu povo. Grande parte dos fundos europeus foi canalizada para a construção de pontes e auto-estradas para abrir o país, facilitando o transporte interno e permitindo a construção de parque industriais em cidades do interior, para atrair populações costeiras (onde uma larga maioria actualmente reside) de volta às origens. O que se verificou, porém, foi que as pessoas passaram a ter meios para continuar a fugir do interior e chegar ainda mais depressa à costa. Os parques industriais nunca se preencheram totalmente e as indústrias que se ergueram, em muitos casos já fecharam. Uma larga percentagem do dinheiro dos contribuintes europeus vaporizou-se em esquemas e empresas fantasma. Foram comprados Ferraris. Foram organizadas caçadas ao javali, em Espanha. Foram remodeladas casas particulares. E o Governo de Cavaco Silva, no seu primeiro mandato, ficou sentado na retaguarda, a observar, enquanto o dinheiro era desperdiçado. No segundo mandato, Aníbal Cavaco Silva ficou na sombra a presenciar o descontrolo do seu próprio Governo. Mais tarde tentou desesperadamente distanciar-se do seu próprio partido. E ele é um dos melhores. Depois de Cavaco Silva veio o bem-intencionado e humanitário António Guterres (PS), um excelente Alto-Comissário para os Refugiados e candidato perfeito a Secretário-Geral das Nações Unidas, mas um autêntico buraco negro em termos de gestão financeira. Foi seguido pelo excelente diplomata mas abominável Primeiro-Ministro, José Barroso (PSD), (agora Presidente da Comissão Europeia) que com os seus discursos criou mais problemas que aqueles que resolveu, passando a batata quente a Pedro Santana Lopes que, basicamente, nunca teve oportunidade de governar, daí resultando dois mandatos sinistros, oh horror dos horrores, de José Sócrates, um competente Ministro do Ambiente, mas… As medidas de austeridade apresentadas por este… cavalheiro… são o resultado da sua inaptidão como Primeiro-Ministro na fulgurante última crise mundial do capitalismo (aquela em que os líderes mundiais apareceram, de um dia para o outro, com três biliões de dólares para salvar banqueiros irresponsáveis, enquanto nada era feito para pagar pensões, cuidados de saúde ou educação, decentes). E tal como os seus antecessores, José Sócrates demonstra uma ausência de inteligência emocional, ao permitir que os seus ministros implementem e apliquem políticas de laboratório que já se revelaram ser contra-producentes. Este jornal entrevistou 100 funcionários públicos cujos salários vão ser reduzidos. Aqui vão os resultados: 94 pessoas escolheram a opção: “eles vão cortar o meu salário em 5%, por isso, vou trabalhar menos”; 5 funcionários optaram por: “eles vão cortar o meu salário em 5%, por isso, vou tentar aposentar-me mais cedo, mudar de emprego ou sair do país”; 1 entrevistado escolheu a opção: “concordo com este sacrifício”. Um por cento. Quanto ao aumento de impostos, a primeira reacção será a da economia se encolher ainda mais à medida que as pessoas fazem pequenas reduções no consumo, que multiplicadas por dez milhões de portugueses afectarão o emprego e empurrarão a economia de volta à recessão. O idiota, avançado mental, que sonhou com estes esquemas prevê resultados num pedaço de papel, de onde eles nunca irão sair. É verdade que estas medidas são um sinal claro, dado às agências de rating, de que o Governo está disposto a tomar medidas fortes, mas à custa, como sempre, do povo português. (…)»
Timothy Bancroft-Hinchey, na versão em língua inglesa, do "Pravda" [Tradução minha]

sábado, 6 de novembro de 2010

Como disse?

Guilherme da Fonseca, ex-conselheiro do Tribunal Constitucional e antigo dirigente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, citado pelo jornal Público, de hoje, terá afirmado que não há inconstitucionalidade na redução salarial dos funcionários públicos, isso só aconteceria se a medida pusesse em causa a sobrevivência das pessoas. Quero acreditar que o senhor juiz-conselheiro está de boa saúde mental e foi mal citado pelo jornal Público, pois caso o não tivesse sido, teria de sugerir ao Senhor Teixeira que o senhor Guilherme passasse a receber do Estado apenas o valor equivalente à pensão mínima de sobrevivência, afinal é de sobrevivência que estamos a falar. Ou não?
Apache, Novembro de 2010

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Notícias do hospício (2)

Foi aprovado na generalidade, na passada quarta-feira, com os votos favoráveis do PS e a abstenção da sua filial PS(D), o Orçamento de Estado para 2011. O país imaginário já pode respirar fundo e dormir descansado, o Estado (ou melhor, o Governo em seu nome) vai deixar de cumprir, de forma unilateral, os contratos de trabalho estabelecidos com os seus empregados (comummente designados por funcionários públicos), nomeadamente reduzindo-lhes o vencimento (assim o permitam os potenciais míopes do Palácio Ratton) mas impondo que estes (os trabalhadores) cumpram as suas obrigações contratuais. Os ministérios da Educação e da Saúde sofrerão cortes avultados. Simultaneamente, o Estado continuará a esbanjar fortunas em publicidade, viaturas de luxo, ‘gadgets’ informáticos e despesas de representação astronómicas; quer de governantes, quer de gestores de empresas públicas que continuarão a ser pagos principescamente. O Estado manterá também em funcionamento milhares de institutos públicos e parcerias público-privadas que garantam o sumiço de incontáveis milhões e mantenham o emprego a inúmeros burocratas e homens de mão do partido e da filial. As obras públicas, megalómanas e desnecessárias, continuarão planeadas. Se a incompetência dos gestores levar algum banco privado à falência, pode também descansar o dito país, o Estado continuará empenhado em esbanjar milhares de milhões para o “salvar”. Podem sossegar os economistas e demais papagaios do regime, que proliferam nos órgãos de comunicação social, o Orçamento de Estado está aprovado, o Governo pode continuar a contrair dívidas colossais junto da banca internacional e a hipotecar, ainda mais, o futuro do país. As pequenas e médias empresas nacionais continuarão a acelerar rumo ao abismo, assim o garante a recessão que: os cortes salariais, o aumento de impostos e das contribuições para a Segurança Social e, a perda de apoios sociais, determinados por este orçamento, impõe. Com o beneplácito dos dois maiores partidos nacionais, o país prosseguirá em 2011 o caminho do retrocesso civilizacional que os últimos governos lhe impuseram. Exultemos sofregamente. Como diria um licenciado domingueiro por uma qualquer universidade independente: “tudo está bem quando acaba mal”. Nada de novo, aqui, “debaixo” do Sol.
Apache, Novembro de 2010

domingo, 31 de outubro de 2010

Light side

Há sorrisos, olhares, cumplicidades que, mesmo sendo breves, dão mais sentido à noção de eternidade.
Apache, Outubro de 2010

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

E não podemos extingui-los?

«Em época de proclamado aperto nas contas públicas, a reacção de quem de direito é a esperada: espatifar as contas públicas tanto quanto possível. Pela parte que lhe toca, a administração local subiu o endividamento em 23% (dados de 2009), façanha que o Dr. Fernando Ruas garante não só não ser "preocupante" como totalmente legal e "um acto de gestão igual a outro qualquer". Por acaso, salvo raríssimas excepções, não há memória de "actos de gestão" autárquicos, legais ou ilegais, que conduzam à diminuição do défice. Mas esse peculiar estilo de restrição orçamental não é exclusivo dos chefes paroquiais. No Estado em geral, a despesa subiu 2% nos primeiros nove meses do ano, se comparada a idêntico período do ano passado. O ministro das Finanças explicou que isso é bom, já que o crescimento homólogo entre Janeiro e Setembro foi menor do que o crescimento homólogo registado entre Janeiro e Julho. Em português: o descontrolo continua, mas é um pedacinho menor do que chegou a ser. Como se consegue? Como consegue manter-se, com relativo crédito, um discurso de austeridade e uma prática exactamente oposta? Não é fácil. Ou se calhar até é. Primeiro, precisa-se de talento, o peculiar tipo de talento que ergue os governantes indígenas aos lugares que merecidamente ocupam. Depois basta uma parcela significativa do eleitorado pronta a acreditar nas mais extravagantes patranhas. Veja-se, a propósito do Orçamento, o exemplo dos organismos estatais. A proposta do PS prevê a extinção de 50 entidades do género e os devotos aplaudem o empenho do Governo na causa da poupança. Não importa que os 50 referidos abrigos das clientelas constituam uma fracção microscópica das incontáveis fundações, institutos, serviços, agências, empresas municipais e tortumelos similares. Nem importa que a supressão de umas siglas se limite a transferir as clientelas de um gabinete para o gabinete ao lado. Sobretudo não importa que alguns dos organismos a encerrar em 2011 nem sequer existam ou, de acordo com decretos anteriores, não devessem existir. A história saiu aqui no DN, que detectou, por alto, nove divertidos casos assim. Um deles é o dos Serviços Sociais do Ministério da Justiça, teoricamente abolidos em 2008. Outro é o do Hospital Condes de Castro Guimarães, fechado desde Fevereiro. Outro ainda é o do Observatório das Políticas Locais da Educação, que supostamente deixou de observar durante o corrente ano. O meu preferido é a Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental (?), infelizmente falecida em Maio passado. Isto apenas dá razão aos que criticam o Governo por ter sido pouco ambicioso nos cortes. Se o objectivo era acabar com instituições imaginárias ou extintas, não custava nada anunciar o fim de cinco mil em vez de 50, incluindo a Mocidade Portuguesa, a Liga de Amigos da URSS e o Centro de Contemplação Aplicada das Lontras do Baixo Vouga (CCALBV). O País ficaria rendido a tamanho exercício de contenção, e o PS saltaria nas sondagens dos 35% para os 45%. No mínimo.»
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias”

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Notícias do hospício

Num país onde o Governo enterrou, há (apenas) alguns meses, largos milhares de milhões de euros em dois bancos falidos (BPN e BPP); num país onde uma agência governamental (ANQ) gasta dezenas de milhões de euros a certificar com o 12.º ano, analfabetos funcionais; num país onde as escolas secundárias estão a ser dadas (sob o pretexto de precisarem de obras de recuperação) a uma empresa maioritariamente privada (a Parque Escolar), onde o Governo investiu alguns milhares de milhões de euros em obras, em vários casos desnecessárias; num país onde nos últimos anos largas dezenas de milhões de euros foram gastas a distribuir computadores portáteis, a crianças de seis anos que não sabem ler nem escrever; num país em que o Primeiro-Ministro gasta, anualmente, 63 mil euros em flores e mais de 220 mil euros em telemóvel; os dois principais partidos políticos concordam que o Governo roube (via Orçamento de Estado) entre 3,5 a 10% no vencimento dos funcionários públicos (que estão entre os mais mal pagos da União Europeia) e corte brutalmente as despesas (também elas das mais baixas da Europa) com o “estado social” (nomeadamente abonos de família) apesar de sermos um dos países europeus com maior percentagem de pobres. Este é o mesmo Governo que (com o beneplácito do maior partido da oposição) permite que os seus paus-mandados beneficiem de mordomias obscenas, em empresas de capitais públicos ou mistos (públicos/privados) como por exemplo (e muitos mais haveria): Ascenso Simões (administrador da ERSE) que aufere mais de 188 mil euros (anuais), além de carro de serviço; Filipe Baptista (administrador da ANACOM) que recebe mais de 198 mil euros (por ano) além de viatura de serviço; ou, o caso mais flagrante, Fernando Gomes (administrador da GALP) que leva (anualmente) para casa, 529 mil euros de vencimento, acrescidos de prémios, Planos de Poupança Reforma e subsídios de renda de casa e de deslocação. O problema deste país já não se limita à nudez do rei. O problema é que a corte é maioritariamente constituída por alucinados, liderados por verdadeiros inimputáveis.
Apache, Outubro de 2010

domingo, 24 de outubro de 2010

“I love you música portuguesa”

«Temo não saber inglês suficiente para compreender a música portuguesa. Não quero parecer velho, mas ainda sou do tempo em que a música portuguesa era cantada em português. Lembro-me bem dessa altura em que um aspirante a cantor conseguia pegar numa guitarra sem começar a verter as suas canções para uma língua que os turistas entendessem. Era estranho, claro. Gente portuguesa a exprimir-se em português sempre me fez confusão. Trata-se de um idioma bastante limitado, que restringe as possibilidades de expressão dos seus falantes, e portanto não admira que haja quem se veja forçado a recorrer à língua inglesa quando se trata de transmitir pensamentos realmente sofisticados, tais como "I love you, baby", "Please forgive me, baby", "Don't break my heart, baby" ou "Yeah, baby, you are my baby". Não posso, no entanto, deixar de notar que ainda há um longo caminho para percorrer. Neste momento, os artistas portugueses que cantam em inglês ainda estão condenados a dar entrevistas em português. Como é evidente, fazem falta jornais portugueses escritos em língua inglesa - ou, pelo menos, jornais portugueses que, embora fazendo perguntas em português (se querem mesmo insistir nesse capricho), permitam que as respostas possam ser dadas em inglês. Caso contrário, prosseguirá esta violência desumana que consiste em forçar cidadãos a exprimirem-se na sua própria língua. Creio que há um ou dois artigos na Declaração Universal dos Direitos Humanos que censuram essa prática. Felizmente, nem tudo joga contra os músicos portugueses que cantam em inglês. Por coincidência, a língua na qual eles se sentem mais à vontade é falada internacionalmente. Isso pode evitar-lhes embaraços parecidos com os que sempre afligiram os músicos portugueses com mais projecção lá fora. Todos nos lembramos dos concertos da Amália, sistematicamente interrompidos por espectadores que diziam: "Amália, what are you doing? Please sing in english! We don't understand you!" Para não falar do caso dos Madredeus, obrigados a tornar as suas letras mais acessíveis ao público estrangeiro ("À porta, I love you baby, daquela igreja, I miss you baby, vai um grande corrupio"). O meu único receio é que este desamor à língua portuguesa, e a ideia de que ela pode prejudicar o nosso ofício, tenham deflagrado no mundo da música e se propaguem a outras profissões. Que, por exemplo, um número considerável de canalizadores decida passar a consertar torneiras em inglês, para facilitar uma eventual carreira internacional, ou apenas porque tem mais estilo. "Let me unclog your toilet baby!" Enfim, não é o tipo de conversa que gostaria de ter com um canalizador. Embora reconheça que a frase talvez desse uma excelente música portuguesa.»
Ricardo Araújo Pereira, na “Visão” da passada quinta-feira

terça-feira, 19 de outubro de 2010

As patuscadas dos ‘boys’ patuscos

«Uma coisa é a miséria, outra coisa é o miserabilismo. Durante uma semana, o "portal" governamental Base rivalizou em visitantes com as mais populares páginas eróticas. Obviamente, não foi por exibir os membros do Executivo em pelota. O que aparecia despido no Base eram os gastos das entidades públicas em eventos "oficiais", o tipo de informação que excita jornalistas, "bloggers" impertinentes, políticos da oposição e anónimos ressentidos. O sucesso do Base, entretanto rasurado a bem do pudor, é igualmente o reflexo do nosso provincianismo ou de uma "visão simplória", para usar a expressão de um vulto do governo regional dos Açores, que consumiu (o governo, não o vulto) 196 mil euros em festa com bar aberto numa discoteca de Lisboa. O facto de se encontrar na penúria não implica que o Estado desça à indignidade. Uma farra com bebidas a expensas de cada um não seria uma farra, mas uma manifestação de sovinice e uma vergonha. E o mesmo acontece com os restantes "excessos" que despertam os queixumes de certa plebe. A plebe considera excessivo que, por exemplo, a Autoridade Nacional de Comunicações invista 150 mil euros no seu 20.º aniversário, embora não explique como é possível cantar-se decentemente o Parabéns a Você sem convites requintados (12 mil euros), uma organização capaz (60 mil euros), um espaço decente (75 mil euros) e um vídeo encomendado às irreverentes Produções Fictícias (8 mil euros). A plebe também não explica como se realiza o importantíssimo espectáculo que consagrou as Maravilhas Naturais de Portugal por menos de 1,55 milhões de euros. Talvez o principal alvo da referida visão simplória tenha sido a celebração dos 160 anos da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos. Condenar uma instituição assim vetusta por, entre diversos e essenciais festejos (220 mil euros), se aliviar de meros 73 mil euros num repasto (fora deslocações e estadias dos comensais) é demagogia barata. Tão barata quanto o repasto, o qual, segundo li, juntou 900 pessoas. A aritmética básica prova que o jantar saiu pela ninharia de 81 euros e uns trocos por cabeça. E que, dividida pelos milhões de contribuintes que a DGCI delicadamente serve, a conta não pesou a ninguém. É tempo de dizer basta. Aos resmungos e às invejas, claro. Se começarmos a vasculhar o sector público e a questionar a legitimidade de simples patuscadas, acabaremos a questionar os aumentos de salários a gestores exímios, as nomeações repentinas de excelentes assessores e compinchas para cargos de chefia, o endividamento das esforçadas autarquias, as honradas empresas municipais, as frotas automóveis e até os 63 mil euros de arranjos florais de que o primeiro-ministro, compreensivelmente, não abdica. Por outras palavras, acabaremos a questionar a essência do Estado. É o velho problema da mudança de mentalidades. Não chega que os portugueses comuns aceitem um Orçamento de rigor unilateral e se sacrifiquem pelos seus representantes: é fundamental que, um belo dia, o façam com gosto ou, no jargão corrente, com sentido de responsabilidade. Quando esse dia vier, haverá motivo para comemorações e, suspeito, farta jantarada, com serviço de "catering", lista restrita e despesa não. O Estado somos todos, ainda que apenas alguns se divirtam.»
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias”

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Carteiristas hiperactivos

Apache, Outubro de 2010

Para que quer um palhaço quando pode ter um gatuno?

«O povo brasileiro foi às urnas e elegeu um palhaço para o Parlamento. "Que sorte. Só um?", pergunta o leitor. Pronto. Está visto que o leitor é dado à demagogia. Pois bem, comigo não conta para esse tipo de brincadeira. Não tenho nada contra a demagogia, note-se. Mas nem toda a demagogia tem aquela qualidade que eu exijo às manipulações e aos logros. Há a demagogia bonita e sensata, que compara os deputados com gatunos e outros profissionais da mesma área de actividade, e há a demagogia disparatada, que estabelece um paralelo absurdo entre deputados e palhaços. Sem querer ser corporativista, creio que os palhaços não merecem o desaforo. A generalidade dos analistas políticos brasileiros tem dito que a eleição de Tiririca deve ser vista como o resultado de um voto de protesto. Já que o Parlamento brasileiro é um circo, terá raciocinado o povo, vamos eleger um palhaço. A ser verdade, o povo raciocinou de um modo extremamente preconceituoso. Desde quando, numa democracia, há ofícios que não devem ter lugar num parlamento - a não ser por brincadeira? Que têm um canalizador, um electricista e um gestor de empresas que os recomende mais para desempenharem o cargo de deputado do que um palhaço? No que toca a profissões, creio que a democracia não deve discriminar. Pessoalmente, acredito que até advogados devem poder ser eleitos sem remorso dos eleitores. Não, o prestígio social de determinada profissão não tem qualquer influência na capacidade dos titulares de cargos públicos. É preciso não saber como governam os engenheiros para pensar que a eleição de um palhaço pode provocar sarilhos divertidos que ponham em causa o bom funcionamento do sistema. Não é possível saber ao certo até que ponto o que se diz do deputado Tiririca corresponde à verdade ou não passa de um conjunto de calúnias destinadas a apoucar um desgraçado. Uma das acusações que lhe fizeram foi a de que não saberia ler nem escrever. É velha e conhecida a estratégia de atacar a falta de habilitações literárias dos candidatos, e Tiririca, certamente por inexperiência, não teve a audácia de apresentar um diploma, mesmo que tivesse sido obtido, por exemplo, num domingo - o que daria, aliás, uma boa piada. Mas, de facto, a suspeita de que Tiririca não lê é legítima. Pelo menos, sabemos que não lê a imprensa portuguesa. Se o fizesse, perceberia que o seu slogan não faz sentido: "Vota Tiririca, pior do que está não fica." Bastava-lhe ter lido uma ou duas notícias de um jornal português para perceber que é perfeitamente possível um país ficar pior do que o Brasil está neste momento.»
Ricardo Araújo Pereira, na “Visão” de ontem

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Olhando o PEC III

No passado dia 11 de Outubro, José Calçada, Presidente do Sindicato dos Inspectores da Educação e do Ensino, dirigia-se assim aos colegas: «O militar prussiano do século XIX Carl von Clausewitz, na sua famosa obra “Da guerra”, ensinou-nos que “a guerra é a continuação da política por outros meios” – permitindo-nos assim compreender que, de modo simétrico, a política pode ser a continuação de uma guerra por outros meios. É inevitavelmente esta terrível compreensão que acode à nossa inteligência e à nossa emoção no momento em que somos confrontados com as últimas medidas tomadas pelo Governo, integradas no chamado PEC III, configurando o mais violento ataque até agora desferido contra a Administração Pública. O roubo, a rapina, a espoliação exercida sobre todos nós, funcionários públicos, a prática do quero-posso-e-mando, à revelia do Estado de direito democrático ou da figura do Estado-enquanto-pessoa-de-bem, a violação dos princípios da segurança jurídica e da irredutibilidade/intangibilidade dos vencimentos, constitucionalmente garantidos – tudo isto se assume, objectivamente, como uma política enquadradora de uma guerra contra os funcionários. Em termos da redução salarial que nos é imposta, e que nos faz recuar para posições de há alguns anos atrás, a maioria dos Inspectores é brutalmente atingida com cortes de 8,65% – equivalentes a cerca de menos €300 (trezentos euros) por mês, num vencimento bruto de €3447 –, cortes que nem sequer se destinam a uma duração limitada no tempo, antes se assumem como permanentes, isto é, concretizam novos patamares salariais decididos unilateralmente, sem audição das organizações representativas dos trabalhadores, como obriga, na circunstância, a Constituição da República. Mas os cortes não se ficam por aqui… Numa área que é por inerência relevante na operacionalização do trabalho inspectivo, as ajudas de custo são reduzidas em 20% e os subsídios de transporte em 15% – e, sabendo como umas e outros se encontravam já em níveis insuportáveis para os Inspectores, os serviços acabarão por desaguar na indigência e na paralisia. Esta autêntica blitzkrieg nem o SIADAP poupa – o que constitui uma ironia, num processo pensado para poupar –, ficando suspensos prémios e progressões na carreira. As pensões de aposentação foram congeladas – e, desde já, os colegas que venham a aposentar-se no decurso da vigência destas medidas governamentais verão os valores das suas pensões severamente atingidos. Isto é: ninguém escapa, excepto aqueles para quem escorre o dinheiro que nos é espremido! Em termos de economia, as coisas funcionam como vasos comunicantes: quando o dinheiro é comprimido num lado, ele não desaparece, limita-se a escapar para algum outro lado. Trata-se do b-a-bá da economia, nenhum de nós precisa de fazedores de opinião para entendermos isto. A tese, que o Governo quer fazer passar, de que esta guerra à função pública é “inevitável” por “inexistência de alternativas” – é absolutamente falsa, quer económica, quer política, quer socialmente. Esta guerra é uma opção do governo, a favor de uns e contra outros. Há outras saídas para combater o défice do Estado, sem com isso sacrificar os que sempre são sacrificados, lutando contra o desemprego e promovendo o desenvolvimento do país. Não é preciso destruir os salários e as pensões, sendo que não é neles que se encontra a raiz da actual “crise”, nem foram eles que provocaram o défice orçamental de 15 mil milhões de euros (€15.000.000.000). Na verdade, em 1975, as remunerações, sem incluir as contribuições sociais, representavam 59% do PIB – ao passo que em 2009 representam apenas 34%! Hoje, estamos num país onde quase três milhões de pessoas vivem com menos de 10 euros por dia e cerca de 250.000 com menos de 5 euros; ou, de outro modo, 2.000.000 vivem abaixo do limiar da pobreza e outros 2.000.000 também aí se situariam se lhes fossem retirados os apoios sociais. No entanto, se olharmos para o-outro-lado-do-país, o Estado sabe que poderia arrecadar pelo menos mais €500.000.000 através da aplicação à banca e aos grandes grupos económicos de uma taxa efectiva de IRC de 25%; que poderia arrecadar pelo menos mais €135.000.000 através de um novo imposto sobre as transacções em bolsa; que, finalmente, deveria concretizar um imposto sobre as transferências financeiras para offshores e paraísos fiscais, cerca de €2.200.000.000, base 2009. Estaríamos a falar de um acréscimo da receita fiscal anual, global, no valor de €2.835.000.000. (Para já não falarmos na tributação dos que apostam na economia paralela e clandestina, a qual significará hoje um mínimo de 20% do PIB real). Isto, claro, se o Governo olhasse também para o-outro-lado-do-país – e não apenas para os funcionários públicos… Como claramente se demonstra, estas medidas do Governo, para além de injustas e socialmente desequilibradas, não são nem “inevitáveis”, nem consequência de “ausência de alternativa”. Por tudo isto – naturalmente que em conjunto com outras forças sindicais – vamos lutar contra elas, em todos os planos legal e constitucionalmente admissíveis. Desde já, fazendo aqui um apelo muito forte para a participação de todos nós, Inspectores, na Greve Geral convocada pela CGTP e pela UGT para o próximo dia 24 de Novembro. Não podemos ficar de braços cruzados ou em simples conversa-de-café. É preciso dizer “Não!”, é preciso dizer “Basta!” – é fundamental estarmos todos na Greve Geral! É como temos afirmado nos Fóruns do nosso Sindicato: “Quando se luta, nem sempre se ganha; quando não se luta, perde-se sempre”. Estas são, sem dúvida, lutas prolongadas, e são-no sempre que no presente, e pelo presente, não perdemos a perspectiva do futuro – e falamos de lutas que podem assumir muitas formas. O nosso Sindicato, por exemplo, está em contacto com outras forças sindicais, nomeadamente com o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público e com a FENPROF, com vista ao estudo da hipótese de impugnação judicial da Lei do Orçamento do Estado para 2011, caso ela venha a ser aprovada na Assembleia da República com os previstos cortes salariais para a Administração Pública. Uma coisa há que não podemos fazer, nem ninguém compreenderia que fizéssemos: ficarmos quietos.»

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

A importância de se chamar… Calisto?

«“Se abrissem a cantina da Assembleia da República à noite, eu ia lá jantar. Eu e muitos outros deputados da província. Quase não temos dinheiro para comer.” Foi com esta pungente imagem de representantes da nação a mendigar uma malga de sopa que o deputado Ricardo Gonçalves chamou a atenção para o flagelo da pobreza que grassa entre os deputados, que “são de longe os mais atingidos na carteira” pelos cortes salariais da função pública. Só faltou confessar que às vezes tem de dormir numa paragem de autocarro, coberto de jornais. O que explicaria a falta de fluência e informação. Compreende-se que uma pessoa não goste de ler o cobertor que vai usar à noite. É inegável que os deputados vivem com dificuldades. E não é de agora. Por exemplo, quando há tempos protestaram contra a proibição de desdobramento de um bilhete de 1.ª classe em dois de classe económica, já era pelos apertos económicos que enfrentavam. Queriam o desdobramento não para viajarem acompanhados, mas para poderem comer duas refeições no avião. O que um esfomeado não faz por comida... Há deputados que aproveitam as viagens para se abastecerem de pacotinhos de ‘cacauetes’. São os “esquilos de São Bento”, que armazenam frutos secos para os meses de Inverno. Esta carestia que afecta os deputados tem sido fonte de mal-entendidos. Sempre que um deles dorme uma sesta no plenário e o apodamos de madraço, é possível que ele dormite não por preguiça, mas por fraqueza. Não é inacção, é inanição. Há quantos dias não comerá uma refeição decente? O que explica porque é que o almoço anual de homenagem a Pinto da Costa é sempre muito concorrido: não é falta de vergonha na cara, é falta de açúcar no sangue. Por isso quero gabar aqui a honestidade de Ricardo Gonçalves. Podia recorrer a expedientes, como o seu colega Ricardo Rodrigues, que anda no gamanço, mas não lhe conheço um único episódio de furto. Aliás, não lhe conheço quase nada, admito. Só tinha ouvido falar dele quando Maria José Nogueira Pinto lhe chamou “palhaço”, por causa de uns apartes que fazia durante as intervenções de outros deputados. Informação que agora sei incompleta, claro. Palhaço, sim, mas pobre. O palhaço pobre é, de todos os elementos que compõem uma trupe, um dos meus favoritos. Mais simpático do que o fanfarrão e extremamente pálido palhaço rico, só perde em predilecção para o urso que anda num monociclo. Na altura do incidente, lembro-me de ter ficado a pensar na razão da animosidade entre Ricardo Gonçalves e Nogueira Pinto. Agora, percebo. Nogueira Pinto tinha sido provedora da Santa Casa da Misericórdia e num momento de penúria de Gonçalves deve ter-lhe recusado caridade. Seja como for, Ricardo Gonçalves chamou a atenção para a vida difícil que os deputados "da província" enfrentam na capital. Um problema antigo, que mereceu a reflexão de Camilo Castelo Branco no romance A Queda de Um Anjo. Ali descreve como Calisto Elói de Silos e Benevides de Barbuda, morgado da Agra de Freimas, eleito deputado às cortes, vem de Miranda para se desgraçar em Lisboa. O que acontece ao apaixonar-se por mulheres mais sofisticadas do que a sua mulher e prima Teodora Barbuda de Figueiroa. Ricardo Gonçalves é só mais um da longa lista de deputados rústicos arruinados pelos seus órgãos vitais. Calisto Elói foi traído pelo coração, Ricardo Gonçalves subjugado pelo estômago. O primeiro perdia-se pela curva de um pezinho de donzela, o segundo por um prato de pezinhos de coentrada. Se Camilo fosse vivo, talvez escrevesse uma sequela, dedicada à larica de Ricardo Gonçalves. Chamar-se-ia “A Queda de Um Papo d’ Anjo”. Mas o mais provável é que não tivesse interesse.»
José Diogo Quintela, no suplemento “Pública” do jornal “Público”, de ontem

domingo, 10 de outubro de 2010

A maravilha certificadora queima milhões em publicidade

Há sensivelmente um ano, tinha alertado para o facto de a Agência Nacional para a Qualificação (ANQ) criada para promover, coordenar e acompanhar a implementação do Programa Novas Oportunidades estar a gastar rios de dinheiro em publicidade. Agora, volvido mais um ano, e quando os governantes insistem em propagar a alegada crise e cortam a torto e a direito naquilo que na sua debilidade de discernimento são os privilégios da classe média, não é demais lembrar que em pouco mais de dois anos, a ANQ queimou mais de 13,6 milhões de euros (quase todos) em publicidade [Fonte: base de dados de ajustes directos] a uma iniciativa que pouco mais é que a passagem de certificados de competências a quem tem conhecimentos quase nulos na generalidade das matérias académicas.
Apache, Outubro de 2010

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

A importância de ser...

«À saída do número cosmopolita que foi a conferência do nosso Primeiro na Universidade de Columbia, NY, sobre renováveis e variáveis, o ex-ministro Manuel Pinho, à saída da primeira fila, deu uma mini-entrevista à Lusa; foi reproduzida no "Público" e no "DN". Prefiro atribuir a pieguice e puerilidade da notícia a um subtexto irónico de jornalista de agência, caso contrário tratar-se-ia de jornalismo grotesco. Dá-nos conta de como "foi importante ser ministro cinco anos mas agora estou a adorar a minha vida em Nova Iorque". E continua por aí: o gabinete na Universidade de Columbia, onde é professor visitante, ou visiting professor em inglês técnico, tem uma óptima vista do oitavo andar sobre a zona norte de Manhattan. Os americanos são muito frugais nos hábitos e existe igualdade de tratamento social, ao contrário dos países da Europa do sul ("are you talking to me?"). Uma garrafa de vinho decente custa menos de 20 dólares. Levanta-se às 5 da matina para preparar as aulas. E teve a surpresa de ser convidado para ser docente do mestrado de renováveis pelo reitor da Universidade de Columbia, que lhe telefonou sem mais nem ontem no dia dos anos. Quer vir para NY? E foi. Uma vida adorável. Único problema: "Alguém tinha posto o seu telemóvel pessoal no silêncio e não encontrava uma forma de sair desta opção para pôr um toque bem audível no aparelho, numa altura em que já contabilizava seis chamadas não atendidas" (fim de citação). Como este país do sul da Europa não é constituído por parolos e como uma boa parte desses espertalhões também adorasse viver em NY, o ex-ministro Pinho recebeu uma carrada de comentários online: jocosos, odiosos e sérios com algumas verdades à mistura, devidamente noticiadas e que eu, como tantos parolos sulistas, não li. Juro que acreditei que o ex-ministro tinha mesmo sido convidado dada a sua proverbial esperteza em renováveis. E de renováveis também não percebo nada, pago-as, com o resto dos parolos, na factura da EDP. De resto, toda a gente acha que são muito boas para a saúde e o ambiente. O pior é que, curiosa de uns tantos comentários, fui pesquisar na Net, e pesquisando fui parar a uns blogues onde a discussão sobre renováveis e o seu custo me pareceu cientificamente descrita por gente que percebia do assunto; e onde fiquei a saber como é que o ex-ministro foi parar a NY. A EDP pagou. No "Jornal de Negócios online", uma notícia assinada por Helena Garrido deu-nos conta disso, a 13 de Agosto de 2010. A EDP fez uma doação de montante desconhecido à SIPA (School of International and Public Affairs) de Columbia, e criou um mestrado, um semestre em NY, uma cidade adorável, e um semestre no ISCTE em Lisboa, menos adorável, mas encantadora para estrangeiros e com vinho a menos de 20 dólares já que falamos nisso. Longe de mim comparar o meu desconhecimento do tema das renováveis com o know-how de Pinho nesta súbita especialidade sua, mas fiquei a saber, ao cabo de horas de pesquisa, que a factura desta nova forma de energia nos custa agora 700 milhões de euros. A ERSE, Entidade Reguladora Serviços Energéticos, descobriu uma coisa chamado défice tarifário, mais de 2000 milhões de euros, que tem de ser abatido em 2010 em 129 milhões de euros (notícia da TSF online). Neste défice tarifário, que ninguém sabe o que é exactamente, incluem-se os "custos das renováveis". E como vamos pagar o défice? Mais um euro nas nossas facturas em 2010; multiplicado por milhões é adorável. O preço do petróleo diminuiu e continuamos a pagar a electricidade cara. O consumo também diminuiu, adivinhem porquê: não há dinheiro dos parolos para pagar a fatura. A discussão fica interessante quando percebemos o logro das renováveis. Não como conceito mas modo de aplicação em Portugal. Descobri que a EDP Renováveis vende à EDP com lucro fabuloso e a EDP vende ao consumidor com mais lucro. Descobri que essa energia custa três a seis cêntimos a ser produzida e nós pagamos 17 cêntimos. Descobri que a EDP ultrapassou o máximo razoável de potência eólica instalada e que a exportação rendeu menos do que o custo; e descobri que o Sr. Primeiro-ministro, outro especialista de renováveis, instalou em S. Bento uma T. Urban, turbina eólica do INETI, que desde Novembro de 2007 teria produzido 8 Watt por hora, o que daria para alimentar uma lâmpada de poupança. Verdade ou mentira? A discussão é científica e mereceria ser investigada. Para sabermos quem são e o que são a chamada "máfia do vento" (promotores das eólicas, governantes, autarcas que recebem uma comissão) como lhes chama um ‘bloguer’ com formação na área e que é a favor das eólicas. Vou argumentar à Durão Barroso (não haverá aeroporto enquanto houver uma criança com fome): enquanto houver um velho que morra de frio no inverno, não deveria haver mestrados em NY nem Sócrates em inglês técnico. Temos de ter hábitos frugais. E cortar no vinho.»
Clara Ferreira Alves, na revista “Única” do “Expresso” do passado sábado

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

“O mistério dos 400 milhões de euros desaparecidos”

“Tornou-se um falso dado adquirido na coreografia retórica em torno do défice, do aumento da despesa pública e daqueles a quem é útil apontar o dedo como causa da desgraça fabricada por incompetente governação. Embora o valor possa ter tido origem na máquina comunicacional do governo, rapidamente foi adoptado como bom por ‘experts’ da oposição para fazer passar a mensagem: o acordo entre o Ministério da Educação e os sindicatos de professores foi desastroso para as finanças públicas porque acarretou um encargo adicional de 400 milhões de euros. A falsidade é de tal maneira evidente, e desmontá-la é tão óbvio, que é trágico como consegue continuar a ser reproduzida, desde gente que demonstra a sua incapacidade técnica ou então a sua extrema credulidade, isto para não falar em outros casos que já raiam o foro do delírio patológico. Comecemos pelos números. De acordo com os números mais recentes, existirão cerca de 115 000 professores nos quadros do ME. Segundo quem diz que sabe, o acordo feito em Janeiro (atenção que o acordo foi para o ECD, nem sequer foi directamente sobre o modelo de avaliação, sendo que a estrutura da carreira impede progressões automáticas em dois níveis) teria implicado o tal encargo suplementar de 400 milhões de euros. Não vou prender-me sequer com a demonstração, ao nível micro, da falsidade da alegada progressão automática de todos os docentes. Vou apenas pela tentativa de desmontagem dos números. Mesmo que todos os professores tivessem progredido em função do acordo - o que já de si é totalmente falso -, cada professor teria direito a receber mais 3500 euros este ano, o que implicaria um acréscimo bruto de 250 euros mensais. Consultando qualquer tabela salarial percebe-se que a maioria das transições acontece abaixo dos 200 euros e algumas rondam apenas os 100 euros ilíquidos. Logo, gostaria de saber que contas foram feitas, pois a generalidade dos professores que subiram de escalão o fez por ter completado mais do que o tempo suficiente para transitar e outros que ainda nem progrediram, sendo que isso já estava previsto no OE para 2010. Mas há ainda a cronologia. E essa ainda é mais gritante na forma como desmente o que é afirmado. O acordo ME/sindicatos foi assinado em Janeiro de 2010. Quando PS e PSD acordaram o pacote de austeridade em Maio já se sabia qual o efeito desse acordo, que directamente era quase irrelevante, pois, como referi atrás, as progressões em virtude da avaliação de 2007-09 já estavam previstas no OE e as decorrentes da apreciação curricular intermédia são uma minoria. Logo, qualquer derrapagem entre Maio e Setembro não pode ser assacada a qualquer acordo com os professores, mas a uma de duas hipóteses principais: mistificação voluntária dos números em Maio ou pura incompetência técnica da equipa das Finanças. É como a história dos submarinos... já se sabe há muito o que custam. Qualquer derrapagem da despesa pública desde Maio, cuja origem o Governo não desvenda, não pode de modo algum ser atirada para as costas largas dos professores, por ser absolutamente inverosímil. Que o Governo, o maior partido da oposição e a miríade de opinadores e especialistas-satélite se prestem a repetir essa falsidade em público é uma absoluta vergonha. O que está em causa é que desde final de 2009, quando o PSD apoiou o Governo na não suspensão do modelo de avaliação, as progressões suspensas desde 2005 tinham de ser desbloqueadas para os professores avaliados e em condições há muito para progredir. E isso é anterior a qualquer acordo. Era bom que todos, sindicatos incluídos, o declarassem, a bem da verdade dos factos.”
Paulo Guinote, Professor do 2.º CEB, Doutorado em História da Educação, no “Público” da passada terça-feira

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

"A república e os bananas"

«A 5 de Outubro de 1910 um bando de rústicos hasteou uma bandeira na varanda da Câmara de Lisboa e implantou, como se implanta um dente, a República. As baixas foram mínimas, e isso já incluindo os dois líderes revoltosos mortos horas antes por malucos (no caso do almirante Reis, tratou-se de suicídio). A resistência do regime anterior, atarantado, caduco e fatalmente "aberto", foi residual. O interesse do povo foi quase nulo. A bandeira em causa foi a do Partido Republicano, que contava com a simpatia de uns poucos milhares de lisboetas e o desprezo do resto do País. O País caiu assim, feito fruta, nas mãos dos rústicos, que se achavam iluminados por frequentar o Rossio e terem ouvido uns delírios em francês. Mesmo por comparação com os desvarios precedentes, estava inaugurada uma época de caos económico, totalitarismo político, perseguições religiosas e ideológicas, discriminação cívica, atentados regulares e geral atraso de vida. E imensa retórica progressista. A deposição da monarquia significou a troca do privilégio de classe pelo privilégio da falta dela, o que não sendo tão mau quanto soa não é tão bom quanto a propaganda oficial jura. A 5 de Outubro de 2010, o regime em vigor festejou, com tiques devotos, o centenário desse encantador período. Humor negro? Quem dera. Os senhores que hoje mandam nisto celebram a ascensão da I República porque, em larga medida, essa é a sua ascensão. O mofo jacobino e maçónico que tomou conta de Portugal há cem anos é o mofo que desde então sempre nos regeu, com uma longa interrupção para o mofo seminarista, igualmente conhecido por Estado Novo. Se entretanto Portugal mudou muito, quase nada se deveu ao esforço próprio. Nas últimas décadas, as dádivas e o crédito alheios emprestaram-nos o verniz de "modernidade" que disfarçou, mas não impediu, a falência iminente, a corrupção genética e a aversão à autonomia dos cidadãos. Os cidadãos, diga-se, também não ajudam, visto que assistem a tudo com a indiferença de há um século. Excepto quando lhes dá ou retira o amparo, as pessoas não pensam que o Estado e o poder sejam assunto seu. No fundo, e com relativa razão, habituaram-se a pensar que são assunto "deles". E "eles" festejam: a desgraça a que, perante a apatia geral e a impunidade, nos conduziram.»
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias”

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

O execrado

“Fora a gente sem nome que fez do PS um modo de vida, não há ninguém na política ou no jornalismo que se atreva a justificar o primeiro-ministro, José Sócrates. Não me lembro - excepto em ditadura - de nenhum homem público tão profundamente execrado. O desprezo e a hostilidade variam de tom e pretexto, mas Sócrates conseguiu unir Portugal inteiro contra ele. E não só por causa do PEC III, que infalivelmente nos levará à miséria (embora isso também conte). O que o cidadão comum detesta é a pessoa: a pessoa que ele exibe no Parlamento e no país. (...)”
Vasco Pulido Valente, no “Público” de ontem

domingo, 3 de outubro de 2010

Mais um seguidor do inimputável rosa

Depois de Sócrates ter anunciado (através do PEC III) mais um roubo às classes média e baixa, com ênfase nos funcionários públicos, o actual presidente da CIP, António Saraiva, ex-trabalhador da Lisnave e ex-sindicalista da UGT, aproveitou para mostrar de que é feito um oportunista sem escrúpulos, dizendo que em relação ao privado, "nalguns sectores de actividade expostos à concorrência internacional, deveriam produzir-se alguns cortes salariais". Claro que de gente com duas caras (como o feijão frade) se espera quase tudo, o que por vezes surge inesperadamente é esta distinta lata de vir a público, com o ar mais inimputável deste mundo, defender o incumprimento do Código do Trabalho.
Apache, Outubro de 2010