“O eng. Sócrates considera demonstrado que não houve irregularidades no licenciamento ambiental do Freeport. Eu considero curiosa a forma como um instituto subsidiário do Ministério do Ambiente por ele chefiado recusou, em 1999 ou 2000, a construção de um cemitério municipal na zona que acabaria arrasada pelo outlet, dado que a construção "contrariava o espírito" (embora favorecesse os espíritos) da zona e "provocaria o aumento da densidade humana".
O eng. Sócrates declara que as conclusões da Procuradoria-Geral no processo Freeport provam a "enormidade das calúnias" lançadas sobre a sua pessoa. Ou, digo eu, a razoabilidade das acusações lançadas sobre a Procuradoria-Geral, a qual, segundo os jornais, obstou a que os procuradores do Ministério Público sequer interrogassem o eng. Sócrates.
O eng. Sócrates acha "extraordinário que ainda haja quem pretenda ver" na declaração dele "um exercício de vitimização artificial". Eu não acho.
O eng. Sócrates espera que esta seja a última vez que fala no assunto. Embora sem convicção, eu também.
Não é por o eng. Sócrates aguentar as sucessivas "cabalas" que teimam em manchar o seu excelentíssimo nome que se explica a respectiva sobrevivência política. Pelo contrário, ele sobrevive justamente à custa das "cabalas", cuja curiosa inconsequência judicial alimenta a aura de perseguido que tão bem explora. Da Independente ao Freeport, com passagem pela Cova da Beira, pelo apartamento lisboeta e pelos projectos da Guarda, a história dos mandatos do eng. Sócrates resume-se à história das trapalhadas que o perseguem.
Infelizmente, as trapalhadas prejudicam a contemplação do resto, e o resto é a prodigiosa inaptidão do senhor primeiro-ministro para o cargo que ocupa. Sem as insinuações do Freeport e imbróglios afins e sem a "vitimização artificial" que se lhes seguiu, seriam flagrantes o desgraçado saldo político, económico e social destes cinco anos e meio e a horrífica factura deixada aos anos que virão. Assim, um número cada vez menor mas ainda significativo de cidadãos olha o eng. Sócrates e vê nele um resistente, o resistente à infâmia que finge ser e não o resistente à realidade que de facto é.”
Alberto Gonçalves, no Diário de Notícias de ontem