“Aqui há uns tempos, os iluminados do Ministério da Educação decidiram que o passo que faltava na estrada dourada do progresso era a distribuição de computadores. Com um passe de mágica - financiado pelos contribuintes, claro está - transformaram todas as criancinhas da escola primária em orgulhosos proprietários de «personal computers». A igualdade material era o elemento que faltava para o sucesso trans-classista. O estado intervinha com uma prenda azul, e permitia que todos pudessem ser o Steve Jobs lá da rua.
A bem da verdade, a tentação não foi exclusivamente portuguesa. Outros países aderiram ao mesmo raciocínio fácil: «distribuem-se computadores, brotam bons resultados». Entretanto, os factos vieram estragar esta utopia tecnológica. Recentemente, dois economistas de universidades americanas publicaram um estudo sobre o impacto dos computadores nos resultados escolares, focando-se em particular na Roménia. Conclusões? Miúdos que mexem em computadores ganham jeito para... mexer em computadores (ganham especialmente jeito para jogos, acrescente-se). Mas, atenção, as técnicas informáticas são apenas isso: técnicas. Se não souber escrever, se não souber raciocinar, um miúdo de 10 anos não sairá da cepa torta mesmo que seja o campeão mundial do «PowerPoint».
Pior: o estudo indica que as crianças mais desfavorecidas, em regra com pais menos escolarizados, saem pior do experimentalismo educacional. No caso romeno, tiveram piores notas a matemática e à língua materna, agravando ainda mais o fosso que já as separava dos meninos de classe média.
Com tudo isto, é de esperar que o Ministério da Educação tire a devida lição: experimentar com crianças em idade escolar é profundamente errado, e pode arruinar-lhes o futuro. Se uma criança não souber calcular um troco simples, não vai ser o computador a tratar disso por ela. O computador é uma «técnica», um «instrumento» que está a jusante. A montante está a «essência»: os conhecimentos, a capacidade de escrever, o raciocínio matemático. O «Magalhães» e afins são fraudes pedagógicas, porque metem o carro à frente dos bois.”
Henrique Raposo, no “Expresso” da semana passada