segunda-feira, 28 de março de 2011

"O golfe como desígnio nacional"

“A intenção do Governo de reduzir para 6% a taxa do IVA sobre a prática do golfe é um orgulho para os golfistas e uma vergonha para os sindicalistas. Um grupo de pessoas com fraca organização colectiva, sem recurso a manifestações nem presença na mesa da concertação social, consegue ser mais eficaz na satisfação das suas justas aspirações do que a CGTP e a UGT juntas. O fenómeno volta também a indicar uma relação preocupante entre a contestação social bem sucedida e o uso de calças ridículas: depois de manifestantes dos anos 70, com as suas calças à boca-de-sino, terem obtido conquistas sociais importantes, os golfistas conseguem agora o seu lugar na história da luta reivindicativa. Parece evidente que os trabalhadores de hoje só não gozam de melhores condições de vida porque Carvalho da Silva não tem a argúcia de comparecer nas manifestações de pijama. Além dos golfistas, o Governo também está de parabéns. É verdade que cedeu a um grupo social, mas soube fazê-lo enviando um sinal à sociedade: em Portugal, o golfe é um desporto cada vez mais barato, e ser pobre é um desporto cada vez mais caro. A mensagem do Governo é clara: "Portugueses, não sejam pobres." É tão caro ser pobre em Portugal, com todas as medidas que o Governo tem tomado para taxar a pobreza, que só por teimosia um grupo cada vez mais alargado de pessoas se mantém pobre. Por preguiça ou burrice não levam a sério o esforço que o Governo tem feito, através de cargas fiscais e outras penalizações, para desencorajar quem insiste em ter má qualidade de vida e premiar quem tem boa qualidade de vida. Quem vive melhor paga menos impostos e tem mais benefícios, mas nem assim os portugueses percebem que devem passar a viver melhor. É incrível. A argumentação do Governo é, além do mais, impossível de rebater: o golfe constitui uma importante alavanca do turismo. Há inúmeros cidadãos estrangeiros que procuram o nosso país para praticar o desporto. Mas, depois de terem gasto vários milhares de euros em tacos, viagens e hotéis, se os obrigam a pagar uma taxa de 23%, igual à dos refrigerantes e das latas de conserva, pegam no seu equipamento e vão jogar para países em que o IVA não lhes dê cabo do parco orçamento que têm para alimentação, saúde e jacto privado. Quem persiste em viver com dificuldades, envergonhando-se a si mesmo e ao País, e continua a queixar-se dos impostos sobre bens importantes, deve pensar no modo como pode contribuir para o turismo em Portugal. Aglomerem-se nas imediações dos campos de golfe e convençam os jogadores a beber leite achocolatado e iogurtes. Em princípio, o IVA dos produtos que eles consomem baixa imediatamente de 23 para 6 por cento. Não falha.”
Ricardo Araújo Pereira, na “Visão” da passada quinta-feira

domingo, 27 de março de 2011

O monstro ainda (sobre)vive?

Depois de, na passada quinta-feira, PCP e BE terem anunciado que votariam favoravelmente o Projecto de Lei apresentado pelo PSD que revogava os artigos do ECD referentes à ADD (e consequentemente revogava o correspondente Decreto Regulamentar (n.º 2/2010)), repristinando as normas da Avaliação do Estatuto anterior à era Socrática (concretamente o Decreto-Lei n.º 1/98), eis que uma reviravolta ocorrida na reunião tripartida, da manhã de sexta-feira, levou a uma alteração no Projecto de Lei do PSD aproximando-o da proposta inicial do PCP. Este Projecto, que a Assembleia da República transformou em lei, com os votos favoráveis de todos os partidos da oposição (PSD, CDS, BE, PCP e Verdes) excepto o deputado do PSD, Pacheco Pereira, que votou contra, ao lado do PS, é de aplicabilidade bem mais confusa que a proposta inicial do PSD e de constitucionalidade, no mínimo duvidosa (de que se vão tentar aproveitar as “altas” hipocrisias socialistas). A lei agora aprovada não revoga as referências à ADD plasmadas no actual ECD, deduzindo-se por isso que todos os deputados da oposição concordam com os princípios ali enunciados, nomeadamente: que há obrigatoriedade da observação de aulas para progredir aos 3.º e 5.º escalões (alínea a) do n.º 3 do artigo 37.º); que a regulamentação do sistema de avaliação do desempenho é definida por decreto regulamentar (n.º 4 do artigo 40.º); e que o resultado final da avaliação é expresso nas menções de “excelente”, “muito bom”, “bom”, “regular” e “insuficiente” (n.º 2 do artigo 46.º). Concordando com isto, torna-se pertinente perguntar porque é que o decreto regulamentar supra, agora revogado, foi substituído por um Despacho (o 4913-B/2010) que (sendo de 18 de Março (o ECD é de 23 de Junho)) estabelece que a “avaliação” se concretiza pela apreciação de um documento de auto-avaliação, na sequência da qual será atribuída ao docente uma menção que poderá ser de “insuficiente”, “bom” ou “muito bom”? A conformidade era verde, vieram os deputados e comeram-na.
Apache, Março de 2011

quinta-feira, 24 de março de 2011

A actual ADD deverá cair amanhã na Assembleia da República

A avaliação do desempenho docente (ADD), tal como a conhecemos, da era do Sr. Sousa, deverá cair menos de 48 horas depois da queda do “artista” de Vilar de Maçada. Serão discutidos e votados, amanhã na Assembleia da República (AR), três Projectos de Lei (um do PCP, outro do BE e outro do PSD) que a serem aprovados ditam o fim da actual ADD, sendo que o projecto apresentado pelo PSD conta com os votos favoráveis (já anunciados) do PCP e do Bloco de Esquerda, prevendo-se assim a sua aprovação, a menos que o CDS se juntasse ao PS e votasse contra o diploma. Situação improvável, diga-se. Serão ainda discutidos (amanhã na AR) dois Projectos de Resolução (um do PSD e outro do CDS) sobre a dita ADD.
Apache, Março de 2011

quarta-feira, 23 de março de 2011

A Europa deles

“Em 1962, fui viver para uma ilha, a Grã-Bretanha, situada dentro ou perto da Europa. Apaixonei-me logo pela civilização europeia, de que Portugal parecia estar, há séculos, arredado. Em 1986, quando Portugal aderiu à CEE, aprovei o gesto de forma incondicional. Mas o entusiasmo não durou. Não tardei a reparar que a União Europeia produzia subsídios para os agricultores, cotas para o pescado e regras sobre lâmpadas, mas não europeus. Nesta organização, o poder é detido pelo Conselho da Europa, um somatório de interesses nacionais, e pela Comissão, uma casta que não responde perante ninguém. Regiamente pagos, os seus funcionários querem estar bem instalados. No ano passado, decidiram construir uma nova sede para o Conselho, com 40.000 metros quadrados, a qual custará uma fortuna. Por seu lado, o Parlamento é um clube itinerante onde apenas se debatem coisas menores, pelo que não espanta que os seus membros se vinguem, entretendo-se a pensar na forma de melhorar a vidinha. Como não há uma ligação real entre eles e os eleitores, fazem o que lhes passa pela cabeça. Num momento de crise como aquele que atravessamos, não encontraram nada melhor do que proceder a um aumento generalizado das despesas correntes (dos 22 eurodeputados portugueses, só Miguel Portas votou contra). Além dos chorudos vencimentos que recebem, usufruem de 300 euros de ajudas de custo diárias quando estão em Bruxelas e Estrasburgo, têm direito a bilhete de avião de ida e volta em 1ª classe para o país de origem (os serviços só compram passagens em turística quando recebem ordens expressas nesse sentido). Nem o mais ínfimo pormenor foi deixado ao acaso. O percurso entre a casa e o aeroporto – e vice-versa – é pago pela instituição, sendo o respectivo montante calculado em quilómetros. No corrente ano, para a contratação de «assistentes» (muitos deles familiares sem habilitações para o exercício das tarefas exigidas) passarão a dispor de uma verba mensal de 21.200 euros, ou seja, mais 3.000 do que em 2010. Não admira que a proposta do Orçamento para o corrente ano inclua, na rubrica «recursos dos deputados», um aumento de 27 milhões de euros(...)”
Maria Filomena Mónica, no “Expresso” de sábado passado

segunda-feira, 21 de março de 2011

Retrato do Rato

“O mais desacreditado e descredibilizado primeiro-ministro da nossa história pós 25 de Abril ainda não compreendeu que é ele próprio a parte maior do problema e que com ele não há solução possível para o país. Sócrates é politicamente um homem irresponsável que não tem escrúpulo em arrastar Portugal para o desastre, desde que isso seja do seu interesse pessoal. Invariavelmente foi assim que Sócrates procedeu ao longo dos seis anos que leva de poder. E é curioso verificar que dentro do PS também não existem homens de têmpera. Ninguém é capaz de corporizar uma alternativa, ninguém é capaz de se dispor ao debate e de se submeter a escrutínio. Se exceptuarmos as pouquíssimas vozes que, publicamente, assumem a crítica ao líder, todos os putativos sucessores estão à espera que Sócrates caia de putrefacção. Quem assim se comporta não pode aspirar vir a recolher a futura confiança dos portugueses.”
Mário Carneiro, professor, autor do blogue “O estado da educação”

quarta-feira, 16 de março de 2011

Aquecimento versus arrefecimento

Tenho vindo a demonstrar, em vários textos aqui publicados, que a hipótese de um aquecimento simultâneo, significativo, de todo o planeta, não tem sustentação científica (apesar das insistentes manipulações dos valores das temperaturas, perpetradas por certos “artistas”). Se causado pelas emissões humanas de dióxido de carbono, então, é simplesmente ridículo. Não é em vão que inúmeros cientistas têm tecido duras críticas a teoria, tal como, por exemplo, o Físico Zbigniew Jaworowski que lhe chama “o maior escândalo científico do nosso tempo”. Mas o mais extravagante da caquéctica hipótese é a ideia de que se existisse um aquecimento significativo, de uma qualquer zona do Globo, isso traria aos locais (tantos animais como plantas) mais prejuízos que benefícios. Já em artigo anterior tinha citado a Petição do Oregon, assinada por mais de 31 mil licenciados, mestres e doutores, em “Ciências Exactas”, onde se afirma que “há substancial evidência científica de que um aumento do dióxido de carbono atmosférico produz efeitos benéficos acrescidos ao ambiente natural, favorecendo as plantas e os animais, da Terra.” Da análise do gelo da Antárctica concluiu-se que um aumento significativo (sem manipulação de dados) do dióxido de carbono atmosférico só ocorre após um longo período de aquecimento expressivo dessa mesma atmosfera (mais de 800 anos), e é aceite pela generalidade dos cientistas das áreas da Química e da Física (sublinho cientistas) que tal aquecimento, e posterior aumento das concentrações de dióxido de carbono atmosférico, se existisse, favoreceria as plantas e os animais. É frequente a comunicação social insistir nas vítimas das ondas de calor, quase ignorando, ou no mínimo limitando, as informações referentes às vítimas do frio, que são em número (habitualmente) muito superior. A provar este facto de que para nós, humanos, um aquecimento significativo da atmosfera traria evidentes benefícios, deixo um gráfico retirado da tese de mestrado em Geografia (pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa) de José Manuel Alexandre Marques, o qual apresenta a mortalidade média, em cada mês, em Portugal (dados recolhidos entre 1987 e 2001). O gráfico mostra uma mortalidade significativamente maior nos meses frios de Inverno (bem acima da média anual do período em estudo) contrastante com valores muito inferiores à média nos meses de Verão.

[Clique na imagem para a ampliar]

Quanto aos outros animais, de novo a título de exemplo, deixo esta notícia da CNN, que dá conta de um fim-de-semana particularmente frio, no México, que matou 65 animais de um Jardim Zoológico. Finalmente no que se refere às plantas, basta pensarmos que se constroem estufas (com “atmosferas” enriquecidas em dióxido de carbono e vapor de água) para as alimentar melhor e proteger das agruras das baixas temperaturas, potenciando assim o seu crescimento.

Apache, Março de 2011

segunda-feira, 14 de março de 2011

Geração à rasca – The day after

“(…) Há anos, há décadas, que venho a alertar para o facto de a correlação entre educação e desenvolvimento não ser uma relação causal. É mentira que mais ensino conduza necessariamente a uma economia mais dinâmica. Quem duvide disto, deve ler a obra que, em 2002, Alison Wolf publicou, Does Education Matter?. O consenso oficial é exactamente o oposto, ou seja, para os nossos políticos, quanto mais "educação", melhor. Não admira que as expectativas dos pais tenham crescido. Até ao dia em que, entre o espanto e a indignação, viram que, apesar de terem um diploma, os seus filhos não arranjavam trabalho. No dia 5 deste mês, The Economist publicou um gráfico no qual Portugal vem à cabeça. A coisa era tão extraordinária que me debrucei sobre ele gulosamente. Eis o que descobri: entre 2000 e 2007, relativamente ao grupo etário correspondente, Portugal teve a percentagem mais elevada de estudantes pós-graduados do mundo. Durante a última década, o número de doutorandos quadruplicou, ultrapassando países como a Suécia, a Inglaterra e os EUA. Parece exaltante, mas não é. Através da Fundação da Ciência e Tecnologia, a União Europeia tem vindo estimular uma política expansionista do ensino pós-graduado, o que a faz distribuir bolsas de estudo a gente que, à partida, qualquer docente com dois dedos de testa seria capaz de prever que nunca acabará o doutoramento. É verdade que filhos de sapateiros deixaram de ser sapateiros e as filhas das criadas de servir de ser empregadas domésticas, uma realidade positiva. Mas a qualidade da educação não deveria ter sido, como foi, sacrificada. Os promotores da manifestação de ontem são todos licenciados em Relações Internacionais. Isto habilita-os a quê? Alguém se deu ao trabalho de olhar o conteúdo destes cursos? Os docentes que os regem sabem do que falam? Duvido. (…)”
Maria Filomena Mónica no jornal “Público”, de ontem

sábado, 12 de março de 2011

Geração à rasca ou geração embusteada?

“Neste dia só se pode falar de educação. Porque os jovens que hoje tencionam sair à rua para protestar contra um mundo onde hoje não têm lugar precisam de saber como foram enganados e, mais precisamente, por quem. Foram enganados pelos governos de Portugal, desde um homem nefasto que se chamava Veiga Simão (e que, segundo ele, “democratizou” o ensino no tempo de Marcelo Caetano) até a Isabel Alçada e ao inefável Sócrates, passando por cada um dos discípulos do sobredito Veiga (Vítor Crespo, Roberto Carneiro e Marçal Grilo) e por dezenas de senhores que em trinta anos mandaram na economia e que pediram insistentemente mão-de-obra “qualificada”, como se na mão-de-obra “qualificada” estivesse o fundamento de todo o progresso. Não está e há muito tempo que é público e notório que não está. Um país não enriquece porque se educa. Pelo contrário, na maior parte dos casos, trata de se educar, quando enriqueceu. Basta pensar, por exemplo, que nunca ninguém promoveu a literacia por um motivo primariamente económico. Os judeus ensinavam a ler as crianças para que elas lessem o Talmude. Os protestantes, incluindo os da Inglaterra e da Escócia) para que elas lessem a Bíblia. Os prussianos para que lessem ordens de batalha (daí o mito universal de que a escola ganhara a guerra franco-prussiana). E os próprios franceses encheram a França de escolas, não para a “desenvolver” (nem sabiam o que isso era), mas para arrancar a população às trevas do catolicismo. O Sul da Europa ficou à parte deste esforço, porque na Igreja se falava latim e os pais queriam os filhos para trabalhar. A tecnologia moderna convenceu infelizmente algumas pessoas de cabeça fraca que uma licenciatura (ou um grau académico superior) abria as portas para um emprego estável e para uma vida de classe média. Claro que a frequência de uma universidade é um bem em si mesmo. Só que já não é a garantia de nada. Em economias como a americana, há emprego para pessoas com altas qualificações (não forçosamente técnicas) e para pessoas com baixas qualificações. No meio há muito pouco emprego e muito mal pago. A informática eliminou milhões de lugares e a “deslocalização” do trabalho, outros milhões. Para o que ficou o equivalente ao 12.º ano chega e, às vezes, sobra. Os jovens deste 11 de Março são vítimas de um Estado que lhes mentiu e que os roubou e agora, quando eles se queixam, responde, como o Sr. Sócrates, com o silêncio ou com insultos.”
Vasco Polido Valente, no jornal "Público", de hoje

sexta-feira, 11 de março de 2011

Foi há 7 anos...

“Os serviços secretos portugueses comunicaram aos congéneres espanhóis, em Fevereiro de 2004, uma informação colhida pelo SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), segundo a qual iria dar-se um atentado da Al-Qaeda em Madrid, no dia 11 de Março - como aconteceu. Ao que o "T&Q" apurou, de fonte conhecedora do caso, a "dica" foi dada a dois inspectores do SEF por imigrantes romenos, duas a três semanas antes dos atentados que vieram a ocorrer em quatro estações de comboio em Madrid. Os inspectores, que transportaram os romenos por via aérea, na sequência de um processo de expulsão para o país de origem, ouviram, com espanto, a informação e - segundo a mesma fonte - tomaram-na a sério. A garantia de que estava em preparação um atentado em Espanha para aquele dia fora transmitida aos romenos por marroquinos que tinham estado detidos em Portugal na mesma prisão - a cumprir pena por crimes aqui praticados - e que com eles conviveram por alguns meses. Durante a viagem de avião, com escala em Amesterdão, Holanda, os romenos contaram que os marroquinos diziam que se estava a preparar um atentado em Madrid, previsto para 11 de Março de 2004. Os romenos tê-lo-ão transmitido em jeito de satisfação e de vingança por terem sido expulsos do nosso país, e em tom de quem sabia do que falava, como quem diz: "Primeiro vai ser Espanha, mas qualquer dia chega a vossa hora!". Ao que o "T&Q" apurou, a informação terá sido comunicada, dias depois, à "secreta" espanhola - o Centro Nacional de Inteligência (CNI) - pelos serviços de "inteligência" portugueses, coordenados pelo Gabinete Coordenador de Segurança (GCS). Os serviços de informação portugueses, continua a mesma fonte, desconhecem qual o crédito que os espanhóis deram à informação, a qual, embora não indicasse o local exacto das explosões, se revelou "estranhamente precisa" quanto à data e à cidade, a capital espanhola.”
Texto assinado por Filipe Branco, publicado no jornal “Tal e Qual” de 10 de Março de 2006

quarta-feira, 9 de março de 2011

O sobressalto da Bela Adormecida

A propósito do discurso do contorcionista Cavaco Silva, na tomada de posse (do segundo mandato) como Presidente da República…
“Quem era presidente em 2008 quando os professores andaram pelas ruas a tentar fazer ouvir a sua voz, sem letargia nenhuma? É nesta parte que me apetece recorrer aos palavrões, mas sempre com respeito pela dignidade presidencial. «A nossa sociedade não pode continuar adormecida perante os desafios que o futuro lhe coloca. É necessário que um sobressalto cívico faça despertar os Portugueses para a necessidade de uma sociedade civil forte, dinâmica e, sobretudo, mais autónoma perante os poderes públicos. O País terá muito a ganhar se os Portugueses, associados das mais diversas formas, participarem mais activamente na vida colectiva, afirmando os seus direitos e deveres de cidadania e fazendo chegar a sua voz aos decisores políticos. Este novo civismo da exigência deve construir-se, acima de tudo, como um civismo de independência face ao Estado. (…) É altura dos Portugueses despertarem da letargia em que têm vivido e perceberem claramente que só uma grande mobilização da sociedade civil permitirá garantir um rumo de futuro para a legítima ambição de nos aproximarmos do nível de desenvolvimento dos países mais avançados da União Europeia.» O problema com Cavaco Silva é que para ele – e para outros, não é caso único, pois à esquerda há parecido - há bons e maus sobressaltos, más e boas letargias. Se forem colégios privados geridos pela Igreja a queixarem-se, ele acha o sobressalto muito bom, mas se forem os professores das escolas públicas a queixarem-se, já é mais pela letargia. À maior mobilização de sempre de uma classe profissional, o presidente Cavaco Silva respondeu inaugurando obras do governo, qual secretário de Estado, com a ministra Maria de Lurdes Rodrigues pelo braço. A um sobressalto cívico ímpar na nossa história recente, respondeu com uma colagem total ao status quo. Fez umas declarações esotéricas, fez-se de falso orelhão e esteve do lado da domesticação do protesto. Será que foi a assustada lembrança do buzinão? E é aqui que a porcaria se retorce sempre toda e não apenas o rabo. Ou há moralidade ou se sobressaltam todos…”
Paulo Guinote, do blogue “A Educação do meu Umbigo”

sexta-feira, 4 de março de 2011

Felizmente há oposição

Toda a gente sabe que, em Portugal, todos os actos executivos do Governo se podem resumir a um único, fazer merda. Assim sendo, não faz qualquer sentido que, após seis anos, o Governo de Sócrates tenha, finalmente, tido uma boa ideia em termos de Educação, materializada no Decreto-Lei n.º 18/2011, de 2 de Fevereiro, que poria fim à Área de Projecto no ensino Básico, ao par pedagógico (leccionação simultânea por dois professores) de Educação Visual e Tecnológica (disciplina do 2.º Ciclo) e permitia às escolas optarem por aulas de 45 ou 90 minutos (em vez da actual obrigatoriedade dos 90 minutos). Acabar com uma Área Curricular Não Disciplinar que além de caríssima (na maioria dos casos) não serve para mais do que “pintar” umas cartolinas? Colocar apenas um professor a leccionar Educação Visual e Tecnológica, quando todos sabemos que se somos visualmente educados somos uns malcriados tecnológicos e vice-versa? Aulas de 45 minutos… e os meninos brincavam e dormiam, quando? Está tudo parvo? A oposição tem razão, não é aceitável que um Governo (qualquer que ele seja) não cumpra a sua função, e se o não faz, deve ser a oposição a emendar-lhe a mão. Onde é que já se viu um Governo (ainda para mais este) com uma ideia decente. Assim, e em coerência com as anteriores decisões do Governo, a oposição, com os votos favoráveis do PSD, BE e CDU, e com a abstenção do CDS, decidiu manter o estado nauseabundo a que, em termos de Educação, o Governo nos habituou. Perdão, decidiu votar favoravelmente a cessação de vigência do supra citado Decreto-Lei.
Apache, Março de 2011

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Dom Vara I – O Humilde

“O povo não aprende. A notícia de que Armando Vara passou à frente dos pacientes de um centro de saúde de modo a obter um atestado suscitou o inevitável, e repugnante, populismo das massas. Por toda a parte, repetiram-se, por tique ou inércia, as habituais lengalengas sobre o descaramento de uma casta de privilegiados. Eu, que não tenho qualquer simpatia pelo sr. Vara, só consegui ver no episódio humildade. Em primeiro lugar, os privilegiados a sério têm médicos ao seu dispor a tempo inteiro, regiamente pagos para lhes providenciar os diagnósticos, as curas e, lá está, os atestados de que necessitam. O dr. Vara recorre a clínicos do contingente geral, sabe Deus com que riscos para a sua saúde. Em segundo lugar, os privilegiados a sério contam com serviçais para lhes fazerem os recados. O administrador Vara faz os recados pessoalmente, comprometendo a sua atarefada agenda nestas minudências. Em terceiro lugar, quando não arranjam alternativa, os privilegiados a sério visitam hospitais particulares. O eng. Vara resigna-se aos serviços públicos, expondo-se inclementemente aos vírus, bactérias e populares que os frequentam. Em quarto lugar, os privilegiados a sério possuem jactos privados. O prof. Vara explicou a urgência no atendimento com a pressa de apanhar um mero avião comercial, o transporte dos simples. Em quinto lugar, os privilegiados a sério não dão satisfações a ninguém. A inquebrável ética do banqueiro Vara obriga-o a justificar as ausências, do emprego ou das sessões do "Face Oculta", mediante documento adequado. Em sexto lugar, os privilegiados a sério não expõem as maleitas à populaça. A rapidez com que a médica do centro de saúde rabiscou o atestado do arquitecto Vara prova que este não teme exibir a sua debilidade e, além disso, prova que o homem está realmente doente. Tenhamos respeito por quem sofre e por quem, mesmo em sofrimento, anda num evidente corrupio. A produtividade pátria seria outra se a ralé imitasse o exemplo de Sua Santidade Vara I, em lugar de ocupar o ócio nos centros de saúde, a aguardar preguiçosamente a sua vez.”
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias”

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

“Maldiciência”

Por vezes, colegas que leccionam outras disciplinas, perguntam-me porque é que a Física e Química A (FQ-A), disciplina leccionada no 10.º e no 11.º Ano, específica do curso de Ciências e Tecnologias tem, desde há largos anos, consecutivamente, a pior média dos Exames Nacionais. Uma resposta completa seria demasiado longa para este espaço e, provavelmente maçadora para muitos dos leitores, pelo que, opto por uma análise relativamente superficial. O problema tem origem no 7.º Ano de escolaridade (no Básico, a disciplina chama-se Ciências Físico-Químicas (CFQ)), ano em que se inicia (formalmente) o estudo das duas Ciências mais exactas do currículo: Física e Química. No 7.º ano, a esmagadora maioria dos alunos (com 12 ou 13 anos) não tem maturidade, sobretudo ao nível do raciocínio abstracto, nem pré-requisitos para enfrentar CFQ. Apesar disso, a parte inicial do ano é passada a abordar conteúdos de Astronomia, muitos dos quais já tratados repetidamente noutros anos de escolaridade e noutras disciplinas. Parte significativa da componente de Química limita-se à apresentação de materiais de laboratório, à classificação das substâncias e à realização de actividades experimentais básicas. A maioria dos alunos consegue obter classificação positiva sem dificuldade e fica com uma ideia de facilidade da disciplina que, de facto, não corresponde à realidade. No 8.º ano, com o aumento do grau de dificuldade começam, normalmente, a surgir mais notas negativas, mas como o programa é relativamente curto (por comparação com os outros anos) e o Ministério pressiona para se reduzir o insucesso “de qualquer maneira”, lá se vão repetindo exaustivamente as matérias e cumulativamente vai-se baixando o nível de exigência, e os miúdos avançam para o 9.º Ano. Convém notar que nestes dois anos (7.º e 8.º) a disciplina é leccionada uma vez por semana, numa aula de 90 minutos. [P.S. Façam favor de parar de rir que o assunto é sério.] No 9.º ano, apesar de a disciplina passar (na maioria das escolas) a ser leccionada duas vezes por semana (90 + 45 minutos), o programa é demasiado extenso, o que obriga a leccionar a correr, mesmo os conceitos fundamentais. A divergência face à Matemática, que por esta altura ainda não leccionou conceitos essências a CFQ, aumenta, por comparação com anos anteriores. Muitos alunos evidenciam dificuldades no raciocínio abstracto e no lógico-dedutivo; têm dificuldades em interpretar gráficos e tabelas; e poucos são os que conseguem converter diferentes unidades de medida (ou mesmo múltiplos e submúltiplos da mesma unidade) ou resolver equações (ainda que) do 1.º grau. Só com muita “água benta” se consegue que o insucesso não dispare. Chegados ao Secundário (10.º Ano) encontram programas extensíssimos, mas pior do que isso, uma disciplina que obriga a saber interpretar enunciados e gráficos, a equacionar problemas e a resolver equações. Poucos são os alunos que têm “bagagem” a Português e a Matemática para enfrentar FQ-A. As notas de frequência são fortemente inflacionadas pelas notas dos relatórios (muitas vezes “fingidos”) das actividades práticas, pelas notas dos trabalhos de pesquisa e pelas notas das atitudes em sala de aula, fazendo com que alunos com 7 ou 8 valores na média dos testes acabem com 10 ou 11 valores na média final ponderada. No 11.º ano o grau de dificuldade da disciplina aumenta e a falta de pré-requisitos a Matemática e a Português torna-se, em muitos casos, gritante (note-se que não estou a culpar os professores destas áreas, limito-me a constatar factos); o programa mantém-se extensíssimo e aparecem os Testes Intermédios, da responsabilidade do GAVE, que incluem matéria leccionada nos dois anos (10º.º e 11.º). Os alunos, habituados a testes que abordam conteúdos que cabem (em não mais que) numa centena de páginas do manual, vêem-se agora na necessidade de estudar dois manuais para cada um destes testes. No final do ano, apesar das médias dos testes serem muito baixas, a nota positiva obtida no 10.º Ano, as classificações obtidas nos relatórios e nos trabalhos de pesquisa (tantas vezes copiados da Internet ou feitos com a ajuda do explicador) e as classificações obtidas com as atitudes em aula (apesar de tudo medianas, na generalidade), empurram as médias ponderadas para os 9 (há espera do favorzinho do professor) ou dez valores e o aluno segue para Exame Nacional, que abarca conteúdos de 4 manuais (2 de cada ano). Os exames são, regra geral mal elaborados, com enunciados dúbios e quase sempre com erros científicos grosseiros; perguntas de exame, “abertas”, aparecem depois com critérios extremamente fechados e, nas reuniões de correctores para aferição de critérios, a maioria dos docentes (faz o mesmo que em relação ao vergonhoso modelo de avaliação) “assobia para o ar”. A agravar tudo isto, o uso autorizado da calculadora gráfica, com a memória carregada de cábulas, e o fornecimento de formulário nos Exames, passa a ideia a muitos de que a disciplina "não dá trabalho". Se juntarmos a tudo isto manuais escolares com erros e (alguns) professores oriundos de Escolas Superiores de Educação, de cursos “via ensino”, sem preparação científica suficiente, bem como ausência de acções de formação gratuitas e de qualidade, talvez compreendamos o estado lastimável a que as “ciências exactas” chegaram. Mas não faz mal, que ninguém se mace, os vendedores de “ecobolas”, de substitutos dos clorofluorcarbonetos, de “créditos de carbono” e de “cascas de alho”, agradecem.
Apache, Fevereiro de 2011

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

“Um teatro de sombras”

No «nosso grande teatro de sombras foi à cena no Centro de Congressos da Alfândega, no Porto, sob a epígrafe “Os Colaboracionistas Protestam”. Na tela iluminada o título foi diferente: I Encontro Nacional de Dirigentes de Escolas Públicas. As sombras representaram quatro cenas das trevas das escolas: a recorrente avaliação do desempenho dos docentes, o garrote que aperta a preparação do próximo ano lectivo, a dita ou desdita (consoante a perspectiva dos protagonistas) dos agrupamentos escolares e os novos procedimentos reguladores dos contratos públicos. Dos anúncios feitos ao acto, na imprensa, pelo presidente da novel Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas, retirei frases fortes, que cito: “…a avaliação de docentes está a contribuir para uma grande instabilidade nas escolas…”; “…pretendemos exigir ao Ministério da Educação que se promova uma discussão séria sobre o processo de avaliação de docentes, que não é justo nem exequível…”; “...poupar em tempo de crise é fundamental, mas em nome dessa poupança não se pode destruir a escola pública…”; “…há uma grande angústia sobre a possibilidade de se perderem entre 25 a 30 por cento dos recursos humanos das escolas no próximo ano lectivo…”; “…queremos fazer uma chamada de atenção ao Ministério da Educação e também à opinião pública sobre os riscos que corre a Educação…”. Nesta representação glosaram-se os temas propostos e exploraram-se as deixas do senhor presidente. Mas, quando cansado de tantos protestos sem consequências, um boneco saiu de trás da tela e veio à frente propor que se demitissem do elenco das sombras, só três votaram a favor. Os restantes, cerca de 200, ficaram fiéis ao guião do grande teatro das sombras. Não aguentaram a luz. Fim pífio. O modelo de avaliação do desempenho dos professores é tecnicamente uma nulidade e politicamente um desastre. Introduziu nas escolas tarefas burocráticas e administrativas que representam, estimo, 40% do tempo activo dos docentes. Só o cumprimento da observação de aulas significa o sacrifício de um grande número de horários completos dos professores eventualmente mais qualificados. A sua lógica substituiu o clima cooperativo, que deve nortear o corpo docente de uma escola, por um espírito de competição malsã. A versão actual supõe (despacho nº 16034/2010 da Ministra da Educação, D.R. nº 206, II Série, de 22 de Outubro) 4 dimensões de actuação dos docentes, desdobradas em 11 domínios operacionais. Estes 11 domínios desagregam-se, por sua vez, em 39 indicadores, referidos a 5 níveis, cada um deles com múltiplos descritores, num total, pasme-se, de 72. Nenhuma inteligência sã suporta a permanência de tamanho monstro. Mas vai para três anos que toda uma comunidade docente é manipulada atrás da tela. E o que é duro de assumir é que tamanha tragédia só permanece em cena porque grande número de actores reescreve sadicamente nas escolas os guiões oficiais, numa psicótica fusão entre abusadores e abusados, entre personagens e actores, entre professores e burocratas.»
Parte de um texto de Santana Castilho, Professor do Ensino Superior, no “Público” do passado dia 16

domingo, 20 de fevereiro de 2011

"A fraude global"

«Em 19 de Dezembro passado, o actual mayor de Londres, Bóris Johnson, publicou no "The Telegraph" um artigo com o surpreendente título "O homem que repetidamente vence o Instituto de Meteorologia no seu próprio jogo". Referia-se ao meteorologista Piers Corbyn, um astrofísico que, sem dispor dos poderosos meios computacionais do Met Office, tinha conseguido prever, já em Maio de 2010, que o próximo Inverno seria muito rigoroso, talvez o mais frio em 100 anos, enquanto o Met Office falhava rotundamente ao profetizar, ainda em Novembro, um Inverno ameno, com temperaturas de um grau a um grau e meio acima da média. Como salienta o mayor de Londres, as previsões correctas de Piers Corbyn não se ficavam por aqui. Há muito que este cientista vinha envergonhando o Met Office ao acertar na maioria das suas previsões meteorológicas, para mais baseando-se unicamente na observação dos dados respeitantes à actividade solar! De facto, Piers Corbyn despreza por inteiro a influência do dióxido de carbono e presta atenção principalmente à interacção das partículas emitidas pelo Sol com as camadas superiores da atmosfera do nosso planeta. Com efeito, há fortes razões para não acreditar nas teses do global warming (aquecimento global), propaladas por Al Gore, pelo IPCC e pelos alarmistas seus seguidores. Uma teoria que se suporta, de forma obsessiva, num componente residual da atmosfera (o teor em volume do dióxido de carbono é inferior a 0,04%...) para justificar quer as ondas de calor quer as vagas de frio, arrisca-se a não ser uma teoria, mas sim um embuste. No entanto, apesar das provas em contrário e, não obstante o escândalo 'Climategate', que em finais de 2009 veio revelar uma série de fraudes praticadas pelos mais destacados (pseudo) cientistas desta teoria, não se pense que é fácil erradicá-la. Uma teoria que alimenta um dos mais insidiosos ataques à economia dos Estados Unidos apenas pode subsistir se for patrocinada por um poderoso adversário. Esse adversário existe e chama-se socialismo, a ideologia política com maior implantação no mundo ocidental e visceralmente avessa ao livre pensamento e à liberdade de expressão vigentes nos Estados Unidos e países anglo-saxónicos, nos quais, apesar de igualmente implantada, tem muito menor sucesso. Por isso não surpreende que o socialismo tenha adoptado o ‘global warming’ como uma das suas bandeiras. Uma tese com aura científica, que procura comprometer o sucesso económico dos Estados Unidos, que tem o poder de amedrontar as populações, assim permitindo condicionar a vida e as decisões dos cidadãos, que serve de pretexto para negociatas com as energias renováveis e para o infame comércio de direitos de emissão de dióxido de carbono, faz o pleno para os socialistas. Dificilmente prescindirão de tal recurso. Nos países de cultura latina, sobretudo em Portugal, o forte condicionamento da comunicação social pela ideologia socialista leva a que seja dado muitíssimo mais relevo a artigos e notícias em sentido favorável à teoria do ‘global warming’ do que a trabalhos e eventos em sentido contrário, cuja divulgação apenas preenche uma ligeira quota, para não se poder dizer que não existe. Parece que os portugueses não têm direito a saber que no mundo exterior, sobretudo nos países anglo-saxónicos, as teses do aquecimento global são alvo de permanentes e bem fundamentadas críticas oriundas de cientistas internacionalmente reconhecidos.»
Jorge Pacheco de Oliveira, Engenheiro Electrotécnico, no “Expresso” de ontem
Apesar de não subscrever a associação que Pacheco de Oliveira estabelece, entre socialismo e teoria do aquecimento global (que reúne adeptos em todos os quadrantes políticos) entendo que no estado de letargia actual, que permite que este tipo de teorias (no mínimo, grotescas) sobreviva com a alegada chancela da “ciência”, qualquer denúncia em prol da verdade científica é bem-vinda.
Apache, Fevereiro de 2011

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

De novo a Avaliação do Desempenho Docente

Num momento em que proliferam, de novo, as tomadas de posição de várias escolas e departamentos contra a aberração que constitui (à semelhança do anterior) o modelo de avaliação docente resultante do acordo entre o Ministério da Educação e os principais sindicatos representativos da classe, não podia, pela clareza e pertinência do texto, deixar de publicar este conjunto de questões irrespondíveis, que o Departamento de Ciências Sociais e Humanas da Escola Secundária de Amora colocou ao Director, em forma de requerimento. “Exmo. Sr. Director da Escola Secundária com 3.º Ciclo do Ensino Básico de Amora Após cinco meses de trabalho de análise do conteúdo dos documentos legais relativos à avaliação do desempenho docente, os professores do Departamento de Ciências Sociais e Humanas da Escola Secundária com 3.º Ciclo do Ensino Básico de Amora vêem-se confrontados com obstáculos que ainda não conseguiram ultrapassar e que se lhes afiguram impeditivos da salvaguarda do direito de todos os professores a uma avaliação justa, séria e credível.
1. O primeiro grave obstáculo diz respeito à falta de formação para o exercício da função de professor relator. Há três anos que os professores reivindicam essa formação como condição necessária para o cumprimento credível dessa função. O Conselho Científico para a Avaliação dos Professores recomendou formalmente que essa formação teria de ser de média e de longa duração, ministrada por instituições do ensino superior. Esta formação é necessária não apenas para os professores relatores poderem exercer com credibilidade a sua função, como é fundamental para que os professores avaliados possam reconhecer neles essa mesma credibilidade. Este é um obstáculo que ainda não conseguimos ultrapassar. 2. O segundo obstáculo, provavelmente derivado do primeiro, prende-se com a objectiva impossibilidade de resolução dos problemas técnicos que a execução prática do modelo de avaliação suscita. Desses problemas técnicos damos, de seguida, alguns exemplos e requeremos os respectivos esclarecimentos.
1.º Problema. Indicador: «Reconhecimento do dever de promoção do desenvolvimento integral de cada aluno». O descritor, dos níveis «Excelente» e «Muito Bom», correspondente a este indicador é o seguinte: «Revela profundo comprometimento na promoção do desenvolvimento integral do aluno». Requeremos os seguintes esclarecimentos: — De que modo é fiável avaliar se um professor está «comprometido na promoção do desenvolvimento integral de um aluno»? — Com duas ou três aulas observadas, de que modo pode ser avaliado, com um mínimo de fiabilidade, o comprometimento do professor no desenvolvimento integral de «cada» aluno (conforme enuncia o indicador)? — Relativamente aos professores que não têm aulas observadas como deve ser realizada, de modo fiável, essa avaliação? — De que modo fiável se determina a fronteira entre estar profundamente comprometido e estar apenas comprometido? Segundo que critérios se avalia o grau de profundidade de um comprometimento? — Quais são os critérios que permitem estabelecer a fronteira que separa o desenvolvimento integral do desenvolvimento não integral de um aluno, e que critérios permitem aferir a respectiva promoção desse desenvolvimento?
2.º Problema. Indicador: «Responsabilidade na valorização dos diferentes saberes e culturas dos alunos.» Este indicador, inexplicavelmente, não tem ligação com nenhum dos treze descritores existentes. Requeremos os seguintes esclarecimentos: — Que critérios fiáveis permitem aferir se um professor valoriza os diferentes saberes e culturas dos alunos? — Quando se pretende a valorização dos diferentes saberes e culturas dos alunos isso significa que todos os saberes e culturas devem ser igualmente valorizados, independentemente dos valores que essas culturas defendam? Se não forem igualmente valorizados, que critérios devem presidir à sua diferenciação? — Como se deve avaliar, sem aulas observadas, se um professor valoriza ou não valoriza os saberes e as culturas dos seus alunos?
3.º Problema Descritor: «O docente demonstra claramente que reflecte e se envolve consistentemente na construção do conhecimento profissional e no seu uso na melhoria das práticas.» (Nível «Excelente») Requeremos os seguintes esclarecimentos: — Como se deve proceder à distinção entre uma demonstração clara e uma demonstração não clara? Existem demonstrações não claras? De que características se revestem? — Como se define, em termos comportamentais, uma «envolvência consistente»? — Como se determina, de modo fiável e observável, a fronteira entre uma envolvência consistente e uma envolvência não consistente?
4.º Problema Descritor: «Revela um profundo comprometimento na promoção do desenvolvimento integral do aluno e investe na qualidade das suas aprendizagens.» (Níveis «Excelente» e «Muito Bom»). Descritor: «Revela comprometimento na promoção do desenvolvimento integral do aluno e na qualidade das suas aprendizagens.» (Nível «Bom»). A diferença entre os níveis «Excelente» e «Muito Bom» e o nível «Bom» reside exclusivamente na ausência, neste último, dos termos «profundo» e «investe», Requeremos o seguinte esclarecimento: — Entre um profundo comprometimento e um comprometimento que não seja profundo como deve ser medida a diferença? Isto é, que comportamentos configuram um profundo comprometimento, e que comportamentos configuram um comprometimento não profundo?
5.º Problema Descritor: «Participa no trabalho colaborativo e nos projectos da escola com alguma regularidade.» (Nível «Bom») Requeremos os seguintes esclarecimentos: — No contexto específico da «participação no trabalho colaborativo e nos projectos da escola», como se mede a regularidade no trabalho colaborativo? Aquele que participa no trabalho colaborativo com «regularidade» é aquele que colabora todos os meses, todas as semanas, algumas vezes por semana, todos os dias? Como se mensura, enquanto comportamento, a participação com «regularidade», no trabalho colaborativo? — O quantificador existencial «alguma» (regularidade), presente neste descritor, remete para uma indeterminação. Como deve ser medida essa indeterminação?
6.º Problema Descritor: «O docente demonstra alguma preocupação com a qualidade das suas práticas [...]» (Nível «Regular»). Descritor: «Revela alguma preocupação com as aprendizagens dos alunos [...]» (Nível «Regular»). Constata-se que ambos os descritores enunciam um estado de espírito: «preocupação». Requeremos os seguintes esclarecimentos: — Como se mensura um estado de espírito? Que critérios operativos devem ser utilizados para medir um estado de espírito? — Também neste descritor se encontra o quantificador existencial «alguma», que nos remete para uma indeterminação. Como é possível avaliar através de um quantificador indeterminado? Como é possível avaliar através de um quantificador indeterminado um estado de espírito?
7.º Problema Esta dimensão é composta por quatro domínios, sendo que dois desses domínios são avaliados apenas nos casos em que os professores têm aulas observadas. Todavia, existem descritores que sobrepõem domínios avaliáveis em situação de aula observada com domínios que são avaliados sem aulas observadas. Isto é, sobrepõem o domínio «preparar/organizar actividades lectivas» com o domínio «realizar actividades lectivas» (por exemplo, 4.º e 6.º descritores do nível «Excelente»). Requeremos o seguinte esclarecimento: — Nestes casos, como deve ser operacionalizada a avaliação?
8.º Problema Indicador: «Comunicação com rigor e sentido do interlocutor». Requeremos os seguintes esclarecimentos: — Que significado deve ser atribuído à expressão: «Comunicação [...] com sentido do interlocutor»? — Em termos avaliativos, qual a operacionalização que deve ser dada a este enunciado?
9.º Problema Descritor: «Constitui uma referência para o desempenho dos colegas com quem trabalha». Inexplicavelmente, este descritor não tem relação com qualquer um dos catorze indicadores. Requeremos os seguintes esclarecimentos: — Como deve ser contextualizado, em termos avaliativos, um descritor sem indicador? — Quais são os critérios que permitem avaliar, de modo fiável, se um professor é uma «referência»? — Neste caso concreto, o descritor enuncia que o professor deve ser uma referência, mas não indica «em quê»? Da ausência de especificação da referência deve inferir-se que o professor deve ser uma referência na totalidade dos catorze indicadores? Sendo assim, como se operacionaliza essa avaliação? Se não se refere a todos os indicadores, refere-se a quantos e a quais?
10.º Problema Descritor: «O docente evidencia elevado conhecimento científico, pedagógico e didáctico inerente à disciplina/área curricular.» Requeremos o seguinte esclarecimento: — O que se entende por «elevado conhecimento científico»? Qual a fronteira entre um conhecimento científico elevado e um conhecimento científico não elevado? — De que forma é que os professores podem revelar possuir «elevado conhecimento científico»? — Existem dois modos de se evidenciar ser detentor de conhecimento científico: através de texto escrito e através de texto oral. A nível oral: não sendo a aula (do ensino básico ou do ensino secundário) um local adequado para a apresentação de profundas exposições nem para demonstrações científicas que permitam aquilatar da elevação de um conhecimento, como pode/deve ser avaliado o elevado conhecimento científico de um professor? A nível escrito: que textos escritos deve o professor elaborar para demonstrar o seu «elevado conhecimento científico»? Escrever livros? Redigir ensaios? Publicar artigos em revistas da especialidade? Fazer um trabalho sobre uma determinada matéria? — Quem é detentor de autoridade e de credibilidade científica para avaliar o elevado conhecimento científico de alguém? — Do ponto de vista formal, para que o processo não seja a priori descredibilizado, o avaliador terá de possuir uma habilitação académica superior ao avaliado — tanto mais que será chamado a avaliar do elevado nível de conhecimento científico do seu avaliado. Todavia não é isto que se passa. Como se ultrapassa este problema?
11.º Problema Descritor: «Planifica com rigor, integrando de forma coerente e inovadora propostas de actividades, meios, recursos e tipos de avaliação das aprendizagens.» Em contexto pedagógico, a inovação, além de não ser um fim em si mesmo, muitas vezes, não é sequer um meio. Em contexto pedagógico, os problemas não só não têm de ser resolvidos de modo inovador como, em muitos casos, não devem ser resolvidos de modo inovador. Devem ser resolvidos de modo adequado a cada aluno, e esse modo adequado pode não ter nada de inovador. Assim, requeremos o seguinte esclarecimento: — Em termos de avaliação do desempenho do professor, como deve ser resolvido este problema (o descritor determinar uma prática e a pedagogia e o interesse do aluno determinarem outra)?
12.º Problema Descritor: «Planifica de forma adequada» A adequação de uma planificação só é susceptível de ser avaliada a posteriori. Só depois de aplicada é que o professor saberá se a planificação foi adequada, e, muitas vezes, não o consegue saber imediatamente após aplicação, e, outras vezes, nunca o virá a saber, com a certeza que gostaria de saber. Sendo assim, aquilo que poderá ser objecto de uma avaliação a priori (que é disto que se trata no presente descritor, porque são outros os descritores que abordam a prática) será apenas o carácter presumivelmente adequado da mesma, tendo em atenção as características da turma. Ou seja, o que será susceptível de ser avaliado é a fundamentação que o professor apresenta para optar por determinada planificação, e não por outra, em função do conhecimento dos seus alunos. Todavia, o professor relator não conhece a turma (não conhece rigorosamente nada, nos casos em que não observa aulas; e pouco mais que nada conhece, nos casos em que observa duas ou três aulas, conforme está previsto). Isto é, o professor relator não tem condições para avaliar se é adequada ou presumivelmente adequada a planificação elaborada pelo professor avaliado, por desconhecimento dos alunos aos quais ela se destina. Requeremos o seguinte esclarecimento: — Tendo presente esta impossibilidade, como deve ser feita a avaliação?
13.º Problema Descritor: «Promove consistentemente a articulação com outras disciplinas e áreas curriculares e a planificação conjunta com pares.» (Nível Excelente) É sabido que alguns advérbios avaliativos são de objectivação particularmente difícil ou mesmo impossível. É o caso do advérbio «consistentemente», presente neste descritor. Deste modo requeremos os seguintes esclarecimentos: — De que modo é possível determinar a fronteira entre uma promoção consistente e uma promoção não consistente? — Que critérios deve o avaliador utilizar para definir essa fronteira? — Se não definir essa fronteira, como poderá o professor relator avaliar o nível em que se situa o desempenho do professor avaliado?
14.º Problema O descritor do nível «Excelente» enuncia: «Concebe e aplica estratégias de ensino adequadas às necessidades dos alunos e comunica com rigor e elevada eficácia.» Por sua vez, o descritor do nível «Muito Bom» diz: «Concebe e aplica estratégias de ensino adequadas às necessidades dos alunos e comunica com rigor e eficácia.» Constata-se, nestes dois descritores, que a diferença entre um professor «Excelente» e um professor «Muito Bom» reside no facto de um comunicar com «elevada eficácia» e o outro comunicar apenas com «eficácia». Isto pressupõe afirmar que é possível determinar, com clareza, a diferença entre uma eficácia «elevada» e um eficácia «não elevada». Deste modo, requeremos os seguintes esclarecimentos: — Como se determina a fronteira entre uma comunicação realizada com «elevada eficácia» e uma comunicação realizada com uma eficácia não elevada? — Quais são os instrumentos avaliativos que possibilitam a medição da eficácia?
15.º Problema A primeira parte do quarto descritor do nível «Bom» enuncia: «Procura adequar as estratégias de ensino às necessidades dos alunos [...]» A primeira parte do descritor do nível «Regular» diz: «Implementa estratégias de ensino nem sempre adequadas às necessidades dos alunos [...]» «Procurar adequar as estratégias» significa que o professor tenta implementar estratégias adequadas, o que comporta a possibilidade de não conseguir implementar estratégias adequadas. Apesar disso, segundo o descritor, este desempenho situa-se no nível «Bom». Todavia, um professor que efectivamente implemente estratégias de ensino adequadas, ainda que nem sempre o faça, é penalizado e classificado como «Regular». Requeremos o seguinte esclarecimento: — Um professor que implemente estratégias de ensino adequadas, ainda que nem sempre o consiga deve ser penalizado relativamente a um outro que apenas procura adequar as estratégias, mas que pode não conseguir implementá-las?
Acabámos de referir exemplos de problemas relativos às duas primeiras dimensões dos Padrões de Desempenho. Todavia, problemas desta natureza repetem-se nas restantes dimensões. Estamos, deste modo, confrontados com a dificuldade de ultrapassar estes obstáculos e estes problemas. Problemas que, enquanto não esclarecidos, objectivamente nos impedem de prosseguir os trabalhos relativos ao processo avaliativo. A seriedade profissional a que estamos obrigados exige que requeiramos junto de V. Exa., ou de quem V. Exa. considerar dever endereçar, estes imprescindíveis esclarecimentos. Amora, 15 de Fevereiro de 2011” Surripiado do blogue "O estado da educação e do resto", depois de confirmação telefónica da sua autenticidade.
Apache, Fevereiro de 2011

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Quem cala consente!

«“Que patifes, as pessoas honestas” é uma citação atribuída ao escritor francês Émile Zola, que me revisita sempre que vejo os políticos justificarem com o manto diáfano da legalidade comportamentos que a ética e a moral rejeitam. E é ainda Zola que volta quando a incoerência desperta o meu desejo de falar, para não ser tomado por cúmplice. Foi duplamente incoerente o apelo ao respeito e à valorização dos professores que Cavaco Silva fez há dias em Paredes de Coura. Incoerente quando confrontado com o passado recente e incoerente face ao que tem acontecido no decurso da própria campanha eleitoral. Em 2008 e 2009, os professores foram continuamente vexados sem que o Presidente da República usasse a decantada magistratura de influência para temperar o destempero. E foi directa e repetidas vezes solicitado a fazê-lo. Por omissão e acção suportou e promoveu políticas que desvalorizaram e desrespeitaram como nunca os professores e promulgou sem titubear legislação injusta e perniciosa para a educação dos jovens portugueses. Alguma ridícula e imprópria de um país civilizado, como aqui denunciei em artigo de 11.9.06. Já em plena campanha, Cavaco Silva disse num dia que jamais o viram ou veriam intrometer-se no que só ao Governo competia para, dias volvidos, aí intervir, com uma contundência surpreendente, a propósito dos cortes impostos ao ensino privado. Mas voltou a esconder-se atrás do silêncio conivente, agora que é a escola pública o alvo de acometidas sem critério e os professores voltam a ser tratados, aos milhares, como simples trastes descartáveis. Imaginemos que o modelo surreal para avaliar professores se estendia a outras profissões da esfera pública. Que diria Cavaco Silva? Teríamos, por exemplo, juízes relatores a assistirem a três julgamentos por ano de juízes não relatores, com verificação de todos os passos processuais conducentes à sentença e análise detalhada do acórdão que a suportou. Teríamos médicos relatores a assistirem a três consultas por ano dos médicos de família não relatores; a verificarem todos os diagnósticos, todas as estratégias terapêuticas e todas as prescrições feitas a todos os doentes. Imaginemos que os juízes teriam que estabelecer, ano após ano, objectivos, tipo: número de arguidos a julgar, percentagem a condenar e contingente a inocentar. O mesmo para os médicos: doentes a ver, a declarar não doentes, a tratar directamente ou a enviar para outras especialidades, devidamente seriadas e previstas antes do decurso das observações clínicas. Imaginemos que o retorno ao crime por parte dos criminosos já julgados penalizaria os juízes; que a morte dos pacientes penalizaria os médicos, mesmo que a doença não tivesse cura. Imaginemos, ainda, que o modelo se mantinha o mesmo para os juízes dos tribunais cíveis, criminais, fiscais ou de família e indistinto para os otorrinolaringologistas, neurologistas ou ortopedistas. Imaginemos, agora, que um psiquiatra podia ser o relator e observador para fins classificativos do estomatologista ou do cirurgião cardíaco. Imaginemos, por fim, que os prémios prometidos para os melhores assim encontrados estavam suspensos por falta de meios e as progressões nas respectivas carreiras congeladas. Imaginemos que toda esta loucura kafkiana deixava milhares de doentes por curar (missão dos médicos) e muitos cidadãos por julgar (missão dos juízes). A sociedade revoltava-se e os profissionais não cumpririam. Mas este modelo, aplicado aos professores, está a deixá-los sem tempo para ensinar os alunos (missão dos professores), com a complacência de parte da sociedade e o aplauso de outra parte. E os professores cumprem. E Cavaco Silva sempre calou. Ultrapassámos os limites do tolerável e do suportável. Ontem, o estudo acompanhado e a área-projecto eram indispensáveis e causa de sucesso. Hoje acabaram. Ontem, exigiram-se às escolas, planos de acção. Hoje ordenam que os atirem ao lixo. Ontem Sócrates elogiou os directores. Hoje reduz-lhe o salário e esfrangalha-lhes as equipas e os propósitos com que se candidataram e foram eleitos. Ontem puseram dois professores nas aulas de EVT em nome da segurança e da pedagogia activa. Hoje dizem que tais conceitos são impróprios. Ontem sacralizava-se a escola a tempo inteiro. Hoje assinam o óbito do desporto escolar e exterminam as actividades extracurriculares. Ontem criaram a Parque Escolar para banquetear clientelas e desorçamentar 3 mil milhões de dívidas. Hoje deixaram as escolas sem dinheiro para manter o luxo pacóvio das construções ou sequer pagar as rendas aos novos senhores feudais. Ontem pagaram a formação de milhares de professores. Hoje despedem-nos sem critério, igualmente aos milhares. Os portugueses politicamente mais esclarecidos poderão divergir na especialidade, mas certamente acordarão na generalidade: os 36 anos da escola democrática são marcados pela permanente instabilidade e pelo infeliz desconcerto político sobre o que é verdadeiramente importante num sistema de ensino. Durante estes 36 anos vivemos em constante cortejo de reformas e mudanças, ao sabor dos improvisos de dezenas de ministros, quando deveríamos ter sido capazes de estabelecer um pacto mínimo nacional de entendimento acerca do que é estruturante e incontornável para formar cidadãos livres. Sobre tudo isto, o silêncio de Cavaco Silva é preocupante e obviamente cúmplice.»
Santana Castilho, Professor do ensino superior, no jornal "Público" do passado dia 19 de Janeiro

sábado, 12 de fevereiro de 2011

“Português Técnico” (agora) por Alexandra Marques

No ofício OFC-DGIDC/2011/2 enviado esta semana às escolas, a senhora Directora-Geral (da Direcção-Geral da Inovação e Desenvolvimento Curricular), Educadora Maria Alexandra Castanheira Rufino Marques escreve, no ponto 2, alínea b), o seguinte: “O PIT incide sobre a(s) disciplina(s) em que o aluno no momento em que ultrapassa esse limite pela 1.ª vez nessa(s) disciplina(s) nos restantes ciclos do ensino básico e do ensino secundário.” Ao ler o texto da senhora educadora recordei outra, igualmente ilustre, educadora de infância, também alta dirigente do Ministério da Educação, no caso a (há época) Directora Regional de Educação do Norte, Margarida Moreira, que escreveu num certo ofício: "O pagamento dos Magalhães, nos casos em que a isso os pais sejam obrigados, estão a receber informação por sms devendo, em todas, constar a entidade 11023" e num outro: “Os perigos de intempérie, inusitados em alguns concelhos, estão circunscritos, no momento, à segurança na estrada dos nossos alunos (gelo).” É certo que o uso desta novilíngua tem um lado positivo, pois sempre que um colega está com um ar enfadado podemos recomendar-lhe a leitura de um ofício destes. Mas às vezes, na Sala de Professores, ouço colegas a questionarem-se sobre quantos destes espécimes ocuparão altos cargos neste Governo do “engenheiro domingueiro” e receio que possam não estar cardiovascularmente preparados para saberem a resposta. P.S. Aos mais sensíveis convém dizermos que Alexandra Marques é o alter-ego de Margarida Moreira.
Apache, Fevereiro de 2011

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Do Acordo “horto-gráfico”… (2)

Ainda a propósito do (des)acordo ortográfico, Vasco Graça Moura, uma das personalidades mediáticas que mais se tem manifestado publicamente contra este escabroso cozinhado, esteve no programa da RTP1, “Bom dia, Portugal” e, como é seu hábito, não poupou críticas ao dito. Reproduzo aqui as palavras do escritor… “Devo dizer que considero o acordo ortográfico um chorrilho de asneiras, absolutamente incompatível com a dignidade da língua portuguesa e da identidade do nosso país, não por qualquer espécie de nacionalismo exacerbado, mas porque o acordo é completamente desajustado à maneira como nós falamos a nossa própria língua, e quando digo nós não digo apenas os portugueses de Portugal, digo os que falam português em Angola, em Moçambique, na Guiné-Bissau, em Cabo Verde, em São Tomé e até em Timor. O acordo vem desfigurar a maneira de pronunciar, e instaurar a mais perigosa confusão para a ortografia. É mesmo o contrário da ortografia. Este combate nem é inglório nem é em vão. Porque o acordo não pode entrar em vigor. Basta dizer o seguinte. O acordo é internacional. Para um acordo internacional entrar em vigor é necessário que seja ratificado por todos os países que o subscrevem. Não aconteceu ainda. É completamente inválido o protocolo modificativo, que prevê que apenas três países subscrevam e ratifiquem, para depois se aplicar aos restantes. Não estando o acordo em vigor no plano internacional, também não pode estar no plano nacional. Primeira questão. Segunda questão, mesmo que estivesse, um pressuposto da aplicação do acordo é a existência de um vocabulário ortográfico comum, o que quer dizer dos sete países que subscreveram o acordo. Não existe. Sem esse vocabulário ortográfico, não pode ser aplicado.” “(…) Se amanhã a facultatividade for a regra, quer dizer que você pode escrever uma palavra com ‘p’ mudo ou ‘c’ mudo e eu posso escrevê-la sem eles, e valem as duas formas. Desapareceu a ortografia, a maneira correcta de escrever, para ficar tudo «à vontade do freguês». Considero perigoso, porque o acordo tem critérios divergentes e imprecisos, e portanto impede que haja formulações padrão, que permitam escrever tudo da mesma maneira. O Professor António Emiliano demonstrou que há palavras que, com o acordo, se podem escrever de quatro a trinta e duas maneiras diferentes. Então onde está a unidade ortográfica? Quer-se evitar um divórcio entre a grafia brasileira e a grafia portuguesa, e vai-se instaurar, muito pior que um divórcio, o caos total na maneira de escrever a nossa língua? E acha natural que se suponha que eu tenha que saber como se pronuncia a minha língua no Brasil, por exemplo, para saber como a hei-de escrever? Porque tem de se saber onde é que se pronuncia o ‘p’ e o ‘c’, nas várias formas ditas cultas de português (também ninguém sabe o que é uma forma culta, no sentido em que o acordo a refere), tenho de saber como se fala a minha língua num país estrangeiro para poder escrever a minha própria língua?” “(…) As vogais, no Brasil, são abertas, e em Portugal tendem para o emudecimento. Por isso, quando estão lá um ‘p’ ou um ‘c’ ditos mudos (impropriamente chamadas consoantes mudas) estão lá porque têm uma função, que é a de abrir a vogal que as antecede. Isto é absolutamente fundamental. Se há irresponsáveis políticos (de que eu exceptuo, neste momento, a Ministra da Educação, que, apesar de tudo, tem tido o cuidado de protelar [a aplicação]) que não prestam atenção a isto, nem sequer deviam ter cargos políticos. Isto é um crime contra a língua portuguesa, e sendo um crime contra a língua portuguesa é um crime contra a identidade nacional."
Apache, Fevereiro de 2011