O Diogo, do blogue “Um homem das cidades”, no comentário deixado no texto anterior, pergunta-me qual é o problema de simplificar a escrita do Português de Portugal, unificando-o à escrita usada no Brasil. Como a resposta é demasiado longa para um simples comentário e, porque o desabafo que constitui o texto anterior não é muito rico em argumentos, resolvi responder em forma de novo ‘post’.
Para começar, convém lembrarmo-nos que o Acordo é de 1990, época em que o poder instituído ainda apoiava medíocres vulgares, pois não tinham sido descobertos os “talentos” destes supra-sumos da mediocridade política que (salvo raras excepções) compõem o executivo actual. O Primata que veste Armani não é responsável directo pela negociação do Acordo e só passados mais de 5 anos de liderança governativa arranjou coragem para o impor, pela força, coisa que habitualmente tem feito (com maior ousadia) com tantas outras aberrações à História e à Cultura portuguesas (impostas por norma jurídica), acto típico da personagem pantafaçuda que faz questão de encarnar.
Quanto à questão da “unificação à escrita brasileira”, que o Diogo evoca, afigura-se-me tarefa quase impossível (e no actual momento, ridícula) porque as duas línguas foram evoluindo e divergindo e hoje são significativamente diferentes. Além do mais (chamem-lhe nacionalismo se quiserem, porque não?) Portugal levou a sua Língua e Cultura ao Brasil, pelo que, o Português do Brasil é um derivado do Português. Com o tempo (e sobretudo com a independência) o Português do Brasil seguiu o seu caminho próprio, ganhando a sua identidade, não fazendo agora sentido que a Língua da ex-colónia venha a ser (parcialmente) adoptada pela mais velha (e das mais ricas culturalmente) nação da Europa. Parece-me, no mínimo, risível que o país que difundiu a Língua adopte alguns dos “vícios” de quem a ela se teve de adaptar. Evolução natural da língua é uma coisa (o Português, como qualquer Língua, tem evoluído ao longo dos séculos) tentativa de aculturação forçada é outra.
O Acordo, que afasta o Português das Línguas Românicas de onde é originário, não traz benefício algum ao Português do Brasil e transforma certas frases em Português (de Portugal) numa língua para “fraquinhos no discernimento”.
Acresce que, o Inglês (de Inglaterra) é diferente do Inglês dos Estados Unidos, o Castelhano (de Espanha) é diferente do “Espanhol” da América do Sul, etc., porque é que haveríamos de ter um único Português?
Quanto à questão da simplificação, onde é que ela está? Na abolição de “meia-dúzia” de consoantes ditas “mudas” (sendo que, na realidade são quase todas "semi-mudas" ou mais correctamente "semi-articuladas")? E o facto de consoantes “não mudas” passarem a facultativas, na escrita, não gera confusão e raia o grotesco?
Toda a gente fala da alegada vantagem em deixar de escrever o “c” de “acção” ou o “p” de asséptico”, por exemplo, o que de facto, vai disfarçar um pouco a iliteracia da maioria dos nossos alunos do Secundário e mesmo de alguns Universitários. Mas o acordo é bem mais do que isto. Com ele, passam a facultativas (na escrita) consoantes que não se pronunciando no Português do Brasil lêem-se e falam-se em Português. Por exemplo, o “c” de “facto” não se escreve nem se pronuncia no Brasil, com o Acordo pode escrever-se ou não, em Portugal, mas terá “obrigatoriamente” que se pronunciar, pois não é “mudo”. E, se por decreto se podem alterar as normas da escrita, não se pode alterar a Cultura de um povo. No Brasil (um facto) diz-se “fato”, que em Portugal é uma peça de vestuário a que os brasileiros chamam “terno”, que por sua vez, em Português, como substantivo, tem significado idêntico a “trio” e, como adjectivo, significa “meigo”. Com o Acordo poder-se-á escrever “fato” ou “facto” mas em Portugal terá sempre que se ler “facto”, situação que é capaz de não ser facilmente explicável aos alunos em início de escolarização. Muitos outros exemplos como este (em que a grafia passa a admitir as duas formas mas a fonia, obviamente, não) se podem citar. É o caso do “p” de corrupção ou de Egípcio, do “g” de amígdala, do “m” de indemnizar, de amnistia ou de amnésia, do “t” de aritmética ou de arritmia, do “c” de seccionar, de “contacto” de fricção, etc., pois nenhum Português diz “corrução”, “Egício”, “amídala”, “indenizar”, “anistia”, e por aí adiante.
A insistência numa aproximação das duas línguas, em tão larga escala, não faz sentido porque são milhares, as palavras, (e largas centenas, as expressões) muito vulgares numa cultura e simplesmente inexistentes, ou com significados muito diferentes, na outra. Aliás, o Brasil usou um argumento deste tipo para justificar o facto de nunca ter rectificado o Acordo Ortográfico assinado em 1945.
Ainda mais ridícula, que a “queda” das consoantes “não mudas”, é a “queda” de alguns hífens nuns tempos verbais e a sua manutenção (aleatória) noutros. Por exemplo, “hás-de”, perde o hífen (passa a “hás de”) mas, “hão-nos”, mantém-no. Será isto “simplificação”?
O desaparecimento de alguns assentos altera o tempo verbal de algumas frases. Por exemplo: “ontem passámos um bom bocado” passa a poder escrever-se: “ontem passamos um bom bocado”. Ora, “passamos” é presente e “ontem” remete-nos para o passado, portanto, a nova grafia (que torna “passámos” e “passamos” homógrafas) resulta numa frase de inteligibilidade muito reduzida.
Algumas das novas regras gramaticais são simplesmente hilariantes, por exemplo, em “moinho”, a divisão silábica passa a ser mo-in-ho.
Em minha (modesta) opinião, este Acordo faz parte de um plano há muito iniciado, de desprestígio da escola e dos valores culturais de cada nação, em movimento cada vez mais acelerado rumo à estupidificação massiva, objectivo permanente na Agenda dos líderes (na sombra). Como escrevi no texto anterior, não tendo sido assinado na era dos “socretinos”, este Acordo é, por macabra ironia do destino, o retrato cuspido do “engenheiro” domingueiro que faz aquelas figuras caquécticas a fingir que fala Inglês ou Espanhol, na “estranja”, por orgulho saloio, ou pior, vergonha da sua Língua e quiçá da Pátria, que continuamente se empenha em destruir.
Apache, Janeiro de 2011