segunda-feira, 16 de agosto de 2010

O “Magalhães”, a fraude pedagógica

“Aqui há uns tempos, os iluminados do Ministério da Educação decidiram que o passo que faltava na estrada dourada do progresso era a distribuição de computadores. Com um passe de mágica - financiado pelos contribuintes, claro está - transformaram todas as criancinhas da escola primária em orgulhosos proprietários de «personal computers». A igualdade material era o elemento que faltava para o sucesso trans-classista. O estado intervinha com uma prenda azul, e permitia que todos pudessem ser o Steve Jobs lá da rua. A bem da verdade, a tentação não foi exclusivamente portuguesa. Outros países aderiram ao mesmo raciocínio fácil: «distribuem-se computadores, brotam bons resultados». Entretanto, os factos vieram estragar esta utopia tecnológica. Recentemente, dois economistas de universidades americanas publicaram um estudo sobre o impacto dos computadores nos resultados escolares, focando-se em particular na Roménia. Conclusões? Miúdos que mexem em computadores ganham jeito para... mexer em computadores (ganham especialmente jeito para jogos, acrescente-se). Mas, atenção, as técnicas informáticas são apenas isso: técnicas. Se não souber escrever, se não souber raciocinar, um miúdo de 10 anos não sairá da cepa torta mesmo que seja o campeão mundial do «PowerPoint». Pior: o estudo indica que as crianças mais desfavorecidas, em regra com pais menos escolarizados, saem pior do experimentalismo educacional. No caso romeno, tiveram piores notas a matemática e à língua materna, agravando ainda mais o fosso que já as separava dos meninos de classe média. Com tudo isto, é de esperar que o Ministério da Educação tire a devida lição: experimentar com crianças em idade escolar é profundamente errado, e pode arruinar-lhes o futuro. Se uma criança não souber calcular um troco simples, não vai ser o computador a tratar disso por ela. O computador é uma «técnica», um «instrumento» que está a jusante. A montante está a «essência»: os conhecimentos, a capacidade de escrever, o raciocínio matemático. O «Magalhães» e afins são fraudes pedagógicas, porque metem o carro à frente dos bois.”
Henrique Raposo, no “Expresso” da semana passada

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Nós por cá, todos bem…

“Recentemente, ficámos a saber, através do primeiro estudo epidemiológico nacional de Saúde Mental, que Portugal é o país da Europa com a maior prevalência de doenças mentais na população. No último ano, um em cada cinco portugueses sofreu de uma doença psiquiátrica (23%) e quase metade (43%) já teve uma destas perturbações durante a vida. Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque assisto com impotência a uma sociedade perturbada e doente em que violência, urdida nos jogos e na televisão, faz parte da ração diária das crianças e adolescentes. Neste redil de insanidade, vejo jovens infantilizados incapazes de construírem um projecto de vida, escravos dos seus insaciáveis desejos e adulados por pais que satisfazem todos os seus caprichos, expiando uma culpa muitas vezes imaginária. Na escola, estes jovens adquiriram um estatuto de semideus, pois todos terão de fazer um esforço sobrenatural para lhes imprimirem a vontade de adquirir conhecimentos, ainda que estes não o desejem. É natural que assim seja, dado que a actual sociedade os inebria de direitos, criando-lhes a ilusão absurda de que podem ser mestres de si próprios. Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque, nos últimos quinze anos, o divórcio quintuplicou, alcançando 60 divórcios por cada 100 casamentos (dados de 2008). As crises conjugais são também um reflexo das crises sociais. Se não houver vínculos estáveis entre seres humanos não existe uma sociedade forte, capaz de criar empresas sólidas e fomentar a prosperidade. Enquanto o legislador se entretém maquinalmente a produzir leis que entronizam o divórcio sem culpa, deparo-me com mulheres compungidas, reféns do estado de alma dos ex-cônjuges para lhes garantirem o pagamento da miserável pensão de alimentos. Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque se torna cada vez mais difícil, para quem tem filhos, conciliar o trabalho e a família. Nas empresas, os directores insanos consideram que a presença prolongada no trabalho é sinónimo de maior compromisso e produtividade. Portanto é fácil perceber que, para quem perde cerca de três horas nas deslocações diárias entre o trabalho, a escola e a casa, seja difícil ter tempo para os filhos. Recordo o rosto de uma mãe marejado de lágrimas e com o coração dilacerado por andar tão cansada que quase se tornou impossível brincar com o seu filho de três anos. Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque a taxa de desemprego em Portugal afecta mais de meio milhão de cidadãos. Tenho presenciado muitos casos de homens e mulheres que, humilhados pela falta de trabalho, se sentem rendidos e impotentes perante a maldição da pobreza. Observo as suas mãos, calejadas pelo trabalho manual, tornadas inúteis, segurando um papel encardido da Segurança Social. Interessa-me a saúde mental dos portugueses porque é difícil aceitar que alguém sobreviva dignamente com pouco mais de 600 euros por mês, enquanto outros, sem mérito e trabalho, se dedicam impunemente à actividade da pilhagem do erário público. Fito com assombro e complacência os olhos de revolta daqueles que estão cansados de escutar repetidamente que é necessário fazer mais sacrifícios quando já há muito foram dizimados pela praga da miséria. Finalmente, interessa-me a saúde mental de alguns portugueses com responsabilidades governativas porque se dedicam obsessivamente aos números e às estatísticas esquecendo que a sociedade é feita de pessoas. Entretanto, com a sua displicência e inépcia, construíram um mecanismo oleado que vai inexoravelmente triturando as mentes sãs de um povo, criando condições sociais que favorecem uma decadência neuronal colectiva, multiplicando, deste modo, as doenças mentais. E hesito em prescrever antidepressivos e ansiolíticos a quem tem o estômago vazio e a cabeça cheia de promessas de uma justiça que se há-de concretizar; e luto contra o demónio do desespero, mas sinto uma inquietação culposa diante destes rostos que me visitam diariamente.”
Pedro Afonso, Médico psiquiatra, no “Público” do passado dia 21 de Junho de 2010

sábado, 31 de julho de 2010

O «subvivente»

“O eng. Sócrates considera demonstrado que não houve irregularidades no licenciamento ambiental do Freeport. Eu considero curiosa a forma como um instituto subsidiário do Ministério do Ambiente por ele chefiado recusou, em 1999 ou 2000, a construção de um cemitério municipal na zona que acabaria arrasada pelo outlet, dado que a construção "contrariava o espírito" (embora favorecesse os espíritos) da zona e "provocaria o aumento da densidade humana". O eng. Sócrates declara que as conclusões da Procuradoria-Geral no processo Freeport provam a "enormidade das calúnias" lançadas sobre a sua pessoa. Ou, digo eu, a razoabilidade das acusações lançadas sobre a Procuradoria-Geral, a qual, segundo os jornais, obstou a que os procuradores do Ministério Público sequer interrogassem o eng. Sócrates. O eng. Sócrates acha "extraordinário que ainda haja quem pretenda ver" na declaração dele "um exercício de vitimização artificial". Eu não acho. O eng. Sócrates espera que esta seja a última vez que fala no assunto. Embora sem convicção, eu também. Não é por o eng. Sócrates aguentar as sucessivas "cabalas" que teimam em manchar o seu excelentíssimo nome que se explica a respectiva sobrevivência política. Pelo contrário, ele sobrevive justamente à custa das "cabalas", cuja curiosa inconsequência judicial alimenta a aura de perseguido que tão bem explora. Da Independente ao Freeport, com passagem pela Cova da Beira, pelo apartamento lisboeta e pelos projectos da Guarda, a história dos mandatos do eng. Sócrates resume-se à história das trapalhadas que o perseguem. Infelizmente, as trapalhadas prejudicam a contemplação do resto, e o resto é a prodigiosa inaptidão do senhor primeiro-ministro para o cargo que ocupa. Sem as insinuações do Freeport e imbróglios afins e sem a "vitimização artificial" que se lhes seguiu, seriam flagrantes o desgraçado saldo político, económico e social destes cinco anos e meio e a horrífica factura deixada aos anos que virão. Assim, um número cada vez menor mas ainda significativo de cidadãos olha o eng. Sócrates e vê nele um resistente, o resistente à infâmia que finge ser e não o resistente à realidade que de facto é.”
Alberto Gonçalves, no Diário de Notícias de ontem

segunda-feira, 19 de julho de 2010

“- Foge cão que te fazem Barão! – Para onde, se me fazem Visconde?”

A propósito do programa “Novas Oportunidades” e do seu mais que previsível alargamento generalizado ao Ensino Superior, Universitário, Público (convém não esquecermos: as Escolas Superiores de Educação, a cirurgicamente extinta Universidade Independente, o Processo de Bolonha, etc., só para citar os casos mais óbvios) escrevia em tempos, no “Diário de Coimbra”, Rui Baptista, adaptando à circunstância Almeida Garrett: “- Foge gato que te dão o bacharelato! - Para que lado, se me fazem licenciado?” Acrescentando eu – É indiferente, pois no primeiro cruzamento oferecem-te o doutoramento!
Apache, Julho de 2010

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Taras e manias (3)

Ernâni Lopes, ex-ministro das finanças, acha que a solução para a crise que ele e os amigos ajudaram a forjar, passa por reduzir em 15 a 20% os ordenados da função pública. Esta é a mesma ave-rara que em 2005 defendeu a redução de um terço dos funcionários públicos, no 3º país com menos funcionários públicos da União Europeia. É curioso que pela cabecinha dos nossos actuais e antigos dirigentes políticos, a redução da despesa não passe por cortar nos brinquedos caros (e absolutamente desnecessários) dos governantes, como o TGV ou o Novo Aeroporto de Lisboa, não passe sequer por reduzir o número e os vencimentos obscenos dos “fraquinhos no discernimento” (Rui Pedro, Zeinal, Mexia e outros) que o Governo coloca à frente de empresas com capitais parcialmente públicos, sanguessugas maiores do regime. É igualmente curioso que não se lembre de reduzir as despesas do Estado fiscalizando quem parasita em torno dos subsídios sem deles ter efectiva necessidade; que não se lembrem de parar com os milhões esbanjados em fetiches como o Plano Tecnológico e as obras da Parque Escolar (em muitos casos, desnecessárias). É ainda curioso que (quase) ninguém se lembre de pôr fim aos subsídios escandalosos às energias (ditas) alternativas (como a solar, a eólica ou a maré-motriz) várias vezes mais caras que as energias convencionais e que sobrevivem apenas graças ao milhões que o Estado lá enterra. É em suma curioso que pela cabecinha dos sem-escrúpulos que nos conduziram à actual situação financeira não passe a redução do número de fogueiras de vaidades onde é imolado o dinheiro dos contribuintes, antes se perpetue a obsessão com os parcos vencimentos dos funcionários públicos. O povo costuma dizer que cada maluco tem a sua mania, mas as taras obsessivo-compulsivas e persecutórias de actuais e ex-governantes vem adquirindo contornos que cada vez se tornam menos suportáveis.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Do Exame Nacional de FQ A – 1ª Fase (2010)…

Realizou-se no passado dia 22 de Junho, a 1.ª fase do Exame Nacional do Ensino Secundário, de Física e Química A, sobre o qual a Sociedade Portuguesa de Química se pronunciou declarando que no seu entender, “a parte referente à Química (…) não apresenta erros científicos.” Será caso para perguntar: o que entendem por “erros científicos”? E já agora, tal declaração restringe-se ao enunciado ou é extensível aos critérios específicos de classificação, onde se encontram pérolas como esta: “Os CFC são compostos quimicamente estáveis na troposfera” [parte da resposta sugerida, à questão 5.5], ou esta: “O azul de bromotimol e a fenolftaleína são adequados à detecção do ponto de equivalência, uma vez que as zonas de viragem destes indicadores estão contidas no intervalo de valores de pH que corresponde àquela variação” [parte da resposta sugerida, à questão 6.2.2]. Entretanto, na passada sexta-feira, ficámos a conhecer os resultados, constatando-se a inexistência de novidades. A disciplina mantém-se como aquela que apresenta a média nacional mais baixa (tal como vem acontecendo desde que foram abolidos os Exames Nacionais de Física e de Química no 12.º ano), caindo este ano para os 8,1 valores (8,5 para alunos internos, por comparação com os 13 valores da média das classificações de frequência) e o maior índice de reprovações, que este ano foi de 25%. Neste aspecto, enquanto os conhecimentos e as competências dos alunos, a Português e a Matemática, forem tão reduzidos, não há facilitismo que o salve a Física e Química A.
Apache, Julho de 2010

sábado, 3 de julho de 2010

A democracia que (não) temos

“O Expresso contou a história. Um tal Pedro Bento, 34 anos, foi nomeado em 2008 assessor do secretário de Estado das Obras Públicas e das Comunicações Paulo Campos, firme propagandista dos chips nas matrículas. Em 2009, o sr. Bento saltou para o cargo de administrador executivo da então recém-criada SIEV - Sistema de Identificação Electrónica de Veículos S.A., a entidade criada pelo Governo para gerir e, digamos, fiscalizar o processo de implantação de chips nas matrículas. Em 2010, o sr. Bento é o responsável em Portugal pela Q-Free ASA, a empresa norueguesa escolhida pelo Governo para vender por cá os chips das matrículas. Não sei onde o fulgurante sr. Bento estará em 2011. Sei que não estará na cadeia, dado que as consequências da revelação do seu percurso profissional foram zero. Antigamente, leia-se há seis meses, este tipo de notícias ainda produzia duas ou três semanas de indignação popular, o simulacro de um inquérito parlamentar ou a intenção de um processo judicial e, por fim, o esquecimento. Agora passa-se directamente para o esquecimento: a notícia aparece e, vinte minutos depois, já se viu jogada no arquivo morto da memória colectiva, nos dias que correm bastante mais atafulhado que o dos tribunais. O facto é que o povo desistiu de se maçar com as trapalhadas que envolvem, ou aparentam envolver, o eng. Sócrates e os vultos que o rodeiam. E faz bem. Na justiça, que o senhor procurador-geral considera das melhores da Europa, as trapalhadas invariavelmente dão em nada. Na política, invariavelmente dão em coisa nenhuma. A fase da indignação cria expectativas inúteis e constitui, em última instância, uma perda de tempo. A portentosa indiferença em curso é um sinal de maturidade democrática, naturalmente adaptada à democracia que temos.”
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias” do passado domingo (27 de Junho)

segunda-feira, 28 de junho de 2010

“Aqueles que por obras valorosas se vão da lei da morte libertando”

Faleceu um dos mais conhecidos denunciantes portugueses da farsa científica conhecida por “aquecimento global antropogénico.” Engenheiro Electrotécnico, doutorado em meteorologia, ex-professor do Instituto Superior Técnico, autor do blogue “Mitos Climáticos” e co-tradutor para o português, do livro “A ficção científica de Al Gore” de Marlo Lewis Jr, Rui Gonçalo Moura, de 80 anos de idade, deixou ontem de estar entre nós. Foi através do seu blogue que tomei, há uns anos, conhecimento da real dimensão da propaganda em volta do mito mais difundido dos últimos tempos. Não conhecia pessoalmente o Eng. Rui Moura mas troquei com ele várias mensagens de correio electrónico, em alguns casos discordando dele [ele estava convencido que o dióxido de carbono é uma substância com um efeito de estufa relevante], e destaco a sua disponibilidade para o debate, apesar de o blogue não dispor de caixa de comentários, e a extrema correcção com que sempre se me dirigiu. Pelo contributo que deu à desmontagem do mito, pela lição de coragem e frontalidade, obrigado!
Apache, Junho de 2010

domingo, 27 de junho de 2010

Mais do mesmo (2)

“Os apoiantes de Pedro Passos Coelho sempre juraram que o homem representava uma nova forma de fazer política. Não duvido. O dr. Passos Coelho é o primeiro líder da oposição que, em última instância, não se opõe a coisa nenhuma. Cada medida absurda do Governo é recebida pelo actual PSD a cinco tempos: 1) Recusa (o PSD acha a medida inadmissível); 2) Negociação (o PSD pretende obrigar o Governo a discutir a medida e forçá-lo a revê-la de acordo com as suas exigências); 3) Confusão (o PSD lança para a imprensa um nevoeiro informativo acerca das suas pretensões e do desenvolvimento da discussão que mantém com o Governo); 4) Aceitação (o PSD proclama que o interesse nacional o levou a concordar com a medida inadmissível do Governo); 5) Vergonha (o PSD pede desculpa ao País). Numa democracia menos exótica, esta adaptação condensada dos 12 passos dos Alcoólicos Anónimos seria despachada logo que possível. Em Portugal, é um êxito. A julgar pelas sucessivas sondagens, as intenções de voto no PSD crescem em progressão geométrica. Enquanto isso, os socialistas, autores das exactas políticas que o PSD subscreve, estão em queda livre. Imagino que, para a semana, o eleitorado continuará a punir o PS por causa das Scut e dos chips nas matrículas e a premiar o PSD que, depois das típicas cambalhotas, acabará em sintonia com o Governo na questão (ou questões) das Scut e dos chips nas matrículas. Após cinco anos em sentido inverso, o povo decidiu que o eng. Sócrates é o responsável por todas as calamidades que se abatem sobre a nação. O dr. Passos Coelho, que há meses vem legitimando as calamidades, é um herói popular. Explicações? Não mas peçam. Talvez as desculpas do dr. Passos Coelho tenham tocado o coração das massas oprimidas. Talvez as massas andem tão cansadas do eng. Sócrates que o trocariam pelo Pato Donald ou por uma torradeira eléctrica. Talvez as massas sejam definitivamente malucas. Certo é que as massas querem o dr. Passos Coelho a primeiro-ministro, e só não vêem o desejo cumprido porque, pelos vistos, a nova forma de fazer política também implica evitar o poder a qualquer custo. A nova forma de fazer política ainda será política ou já entra na pura fraude?”
Alberto Gonçalves, no "Diário de Notícias", de hoje

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Tantas vuvuzelas para tão pouco futebol

“A característica mais saliente do campeonato mundial de futebol da África do Sul é o facto de todos os jogos decorrerem dentro do reactor de um avião que está no meio de um engarrafamento de camionetas com a panela do escape rota, camionetas essas que levam dois milhões de lenhadores, cada um deles munido de duas motosserras. O espectador que arrisca acompanhar as partidas tem a sensação de estar uma hora e meia com uma varejeira do tamanho de um caniche junto de cada ouvido. Sendo que essas varejeiras também estão munidas de motosserras. Nesse sentido, o Costa do Marfim - Portugal principiou com uma falsidade: ao contrário do que os jogadores portugueses cantaram, não se sentia a voz dos egrégios avós. Em geral, não se sente a voz de ninguém, que as vuvuzelas não deixam. O que se perde em paciência ganha-se em aprumo disciplinar: muito dificilmente um jogador será expulso por palavras, na África do Sul. Os árbitros não ouvem insultos nem que o Placido Domingo lhos grite aos ouvidos. Talvez não seja mau passar a avaliar os países candidatos à organização do torneio, tendo em conta o seu instrumento nacional. Países em que haja apreço musical por tubas, violoncelos e pianos de cauda dão bons anfitriões. Tudo o que não possa ser transportado para a bancada de um estádio deve ser valorizado. Entretanto, apercebo-me de que fiz referência ao Costa do Marfim - Portugal e o leitor, se calhar, nem sabe que houve jogo. É tão raro haver uma notícia, um comentário, uma análise, um especial de quatro horas e meia sobre o Mundial que, quem não estiver com atenção, perde a maior parte das informações. Imagino o leitor a rebolar no chão, convulso de riso, por causa deste belo naco de ironia. Na verdade, é mais fácil uma pessoa esquecer-se de que o Natal calha a 25 de Dezembro do que ignorar que Portugal jogava com a Costa do Marfim no dia 15 de Junho. E a tensão em que esperámos pelo dia da estreia de Portugal no Mundial, a indignação com que vituperámos o ligamento que deixou de aconchegar a clavícula do Nani, a expectativa com que acompanhámos a partida do autocarro da equipa, o interesse com que seguimos a chegada do autocarro da equipa, o orgulho com que assistimos ao estacionamento do autocarro da equipa - tudo valeu a pena. Portugal não perdeu. E reduziu a Costa do Marfim à dimensão de Cabo Verde, que também já tinha humilhado com igual empate a zero bolas. Sobre o jogo propriamente dito, creio que não tenho qualificações para me pronunciar. Infelizmente, sou um rústico incapaz de captar as subtilezas do verdadeiro futebol de qualidade. Só para o leitor ficar com uma ideia de quão primária é a minha perspectiva sobre o jogo, devo dizer-lhe que prefiro aquelas partidas em que os jogadores fazem boas jogadas, no fim das quais enfiam mesmo a bola na baliza dos adversários. Já houve um tempo em que a selecção nacional jogava dessa forma bruta e pouco sofisticada mas, segundo me informam os especialistas, agora é que a equipa de Portugal está a ser treinada como deve ser. Por um professor, e tudo. No entanto, no fim do jogo, e antes de entrar no autocarro (cuja partida voltou a emocionar-nos) Deco criticou o estilo do futebol definido por Carlos Queirós. Nani já tinha deixado críticas implícitas e Ronaldo teve a desfaçatez de recordar Scolari, na última conferência de imprensa. Tudo isto se torna mais grave por ocorrer nas vésperas do nosso encontro com a Coreia do Norte. Será o embate entre a selecção do Querido Líder e uma equipa cujo líder é tão pouco querido. Pode ser perigoso.”
Ricardo Araújo Pereira, na “Visão” de ontem

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Taras e manias (2)

O jornal “i”, na sua edição de ontem, dava conta de uma polémica gerada em torno da aquisição, por parte de algumas escolas, de um “kit” a ser usado nas aulas de Educação Sexual.
“O assunto promete criar polémica, uma vez que o modelo pedagógico e o material educativo é, na maioria das escolas, fornecido pela Associação para o Planeamento da Família (APF). (…) Duarte Vilar, é o primeiro a assumir que o material didáctico da associação tem sido um dos principais recursos das escolas públicas e que, desde Setembro de 2009, foram vendidos mais de 1300 kits” Belo negócio para a APF. Estaremos perante mais uma JP Sá Couto?
“(…) Mais de 70% das escolas públicas já encomendaram ou estão a encomendar os kits de Educação Sexual à APF.” Onde terão arranjado o dinheiro para adquirir este lixo?
“Questões como as da masturbação (…) são respondidas através de exemplos práticos." Exemplos práticos? Com a Bruninha de Mirandela? Rasura-se já o comentário anterior.
“Duarte Villar reconhece que a APF tem sido a principal entidade formadora dos professores, em Portugal.” Cá está, as fotos para a Playboy integravam-se, provavelmente, no plano de formação da APF.
“(…) Mas esclarece que os conteúdos dos materiais didácticos e das acções de formação estão orientados «numa lógica de conhecimento científico e de diversidade moral». Julgamentos de valor não existem, esclarece o responsável; o que existe são valores promovidos na Constituição portuguesa, como a igualdade de direitos de homens e mulheres ou questões «consensuais» na sociedade portuguesa.” Ah… se há consenso e a ciência subscreve, ficamos muito mais descansados, Duarte Gore Villar.
Apache, Junho de 2010

segunda-feira, 7 de junho de 2010

“Apagada e vil tristeza”

Nos tempos de Scolari fartava, a conversa mole e saloia do dito cujo, a publicidade enjoativa à Galp, o ‘pseudopatriotismo’ das bandeirinhas que pareciam portuguesas mas eram fabricadas na China com a heráldica trocada, amarrotadas e rotas, a mostrarem o desleixo em que há muito caiu o orgulho nacional. O futebol praticado era fraquinho, mas as arbitragens controladas à distância lá nos iam dando vitórias de Pirro e esperança de, mais cedo ou mais tarde, os nossos jogadores se exibirem de forma a justificarem, vá lá, 20% do que ganham, e nos fazerem esquecer, ainda que momentaneamente, o descalabro moral, educativo e social em que mergulharam o país. Ainda que tarde, chegou a hora do brasileiro ir sambar para outro lado e, aquele senhor que de tão patético até podia ser ministro, que dizem que preside à Federação Portuguesa de Futebol, lá conseguiu enxergar um treinador português para a selecção. Mas… ó musa do etanol que o Gilberto inspiras, como permitiste que ele contratasse o Fernando Nobre dos treinadores de futebol? Isto não é uma selecção, é uma ONG patrocinada pelas baronesas do BES. Temos piqueniques bimbos a encherem o Parque Eduardo VII e a grelha de programação das, ainda mais bimbas, televisões. Temos cornetas (perdão, vuvuzelas) terceiro-mundistas a fazerem um cagaçal descomunal, dando um ar de arruaça a umas centenas de alienados desprovidos de massa encefálica. Mesmo sem o brasileiro aos comandos, temos quase tantos brasileiros na selecção, como a própria selecção do Brasil – infelizmente os gajos escolheram primeiro. Temos jogadores (sem ofensa) com tantas tatuagens como um destruidor de milho transgénico, ou uma qualquer Gaga da música internacional. Por falar em música, temos um hino fantástico para a selecção, desse estilo musical tão português que dá pelo nome de… hip hop, interpretado por uma banda que, não sendo portuguesa porque o destino assim não quis, podia muito bem ter nascido na Porcalhota, que tal não beliscaria a excelência do lixo que produz e que a indústria musical tanto se esforça por premiar. Depois das tormentas por que passámos naquele grupo de apuramento que de tão difícil, sublimou o nosso heroísmo, e dos jogos de preparação onde o espírito de sacrifício e de empenho dos jogadores tanto se tem evidenciado, ansiamos sofregamente pelo inicio do Mundial. Aliás, as pitas do Secundário já nem conseguem estudar para os exames, desesperam por ver as peles de Dragão de Komodo dos nossos jogadores, enquanto os putos encolerizam se não desfrutam dos seus famosos penteados, modelo de bairro-de-lata. Até eu começo a ter dificuldade em repartir o tédio entre os discursos do Carlos Nobre, perdão, do Fernando Queiroz e os da Peixeira de Santos. Venha de lá esse Mundial, e os mergulhinhos abichanados do Ronaldo, que a rapaziada já não consegue aguentar mais, o vómito.
Apache, Junho de 2010

sábado, 5 de junho de 2010

“Hannah Montana: um estudo”

“Esperava-se que a passagem de Miley Cyrus por Portugal estimulasse uma reflexão profunda acerca do fenómeno Hannah Montana. Tal não sucedeu. Não houve um único colunista português que tenha dedicado cinco minutos a pensar na menina de 16 anos que todos os pais de crianças pré-adolescentes desejam que contraia uma amigdalite que a impeça de cantar até 2025. Pois bem, esse silêncio acaba hoje. Hannah Montana é uma série televisiva cuja protagonista leva uma vida normal durante o dia e, à noite, em segredo, veste uma roupa provocante e sai de casa para ir trabalhar. Esqueci-me de dizer que se trata de uma série infantil. E que a protagonista trabalha à noite como cantora. Os leitores que já se tinham precipitado para o canal Disney devem sentir-se fortemente envergonhados e procurar tratamento. A série conta a história de Miley Stewart, uma adolescente normal e pacata frequentadora da escola que tem, no entanto, uma identidade secreta: depois das aulas, beneficiando de um astuto disfarce que consiste numa cabeleira loira, encanta o mundo inteiro como Hannah Montana, uma estrela pop de indumentária galdéria. Ou seja, durante o dia é uma vulgar rapariga, durante a noite é uma rapariga vulgar. Miley Cyrus, a actriz que faz de Miley Stweart e Hannah Montana, acaba de dar, no Rock in Rio, um concerto que, nos primeiros cinco minutos, foi o mais concorrido do festival. O concerto começou às 22h00 e, às 22h05, 70% da plateia já tinha ido para casa fazer ó-ó, pois estava com soninho. Mas Miley bateu, ainda assim, o recorde de assistência, deixando para trás, por exemplo, Elton John. Ambos os artistas vestem lantejoulas, mas o público distingue claramente aquele que prefere. Mas o mais interessante em Hannah Montana talvez seja o modo como a série contribui para um mundo mais moderno e mais tolerante. Hannah Montana é uma referência e uma inspiração para pais travestis de todo o mundo. "Vês, Pedrinho? O papá é como a Hannah Montana: à noite põe uma peruca loira e passa a ser outra pessoa. Não é decadente, é fofinho. Não é estranho, é Disney." Talvez seja este o fascínio de Hannah Montana: uma estrela que sabe encantar as crianças mas também consegue ser entusiasmar o mundo do transformismo. Não há muitos artistas que se possam gabar do mesmo. E, aqui para nós, ainda bem.”
Ricardo Araújo Pereira, na “Visão”, desta semana

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Dom Cavacus…

Susana Salvador, do Diário de Notícias, andou a fazer contas ao custo de algumas chefias de estado e chegou a alguns valores interessantes: a casa real espanhola teve (em 2009) um orçamento anual de 8,9 milhões de euros; a casa real sueca custou (em 2006) 5,13 milhões de euros; a presidência da república portuguesa tem (para 2010) um orçamento de 20,7 milhões de euros. Consta que o Bolo-rei está muito caro, em Belém.
Apache, Junho de 2009

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Mais uma aventura… para a colecção

“No exacto dia em que se anunciaram "cortes" na educação em nome da austeridade e em que uma comissão de inquérito concluiu que as encomendas do Magalhães foram ilegalmente atribuídas à empresa que o embrulha e vende, a Dra. Isabel Alçada tirou as devidas ilações e agiu em conformidade: garantiu a encomenda de mais computadores à JP Sá Couto e prometeu o Magalhães aos alunos dos primeiros anos lectivos em Setembro próximo, no máximo. No dia seguinte, ainda procurei nos jornais um desmentido ou uma errata. Nada. A errata somos nós.”
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias” da passada sexta-feira

domingo, 30 de maio de 2010

O “Socratismo” e o Efeito Borboleta

“Há ainda quem acredite que o socratismo é a consequência aleatória do bater de asas de uma borboleta na China e não o resultado de um planeamento e execução sistemáticos e firmes do exercício cruel do poder...”
António Balbino Caldeira, do blogue “Do Portugal Profundo”

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Desigualdades

“Se um cavalheiro anónimo barricar a entrada de um estabelecimento comercial, é provável que acabe nas páginas dos jornais devotadas ao crime ou aos distúrbios psiquiátricos (secção que os jornais normalmente não têm mas que, nos dias de hoje, deviam ter). Se um bando de cavalheiros da Greenpeace fizer exactamente o mesmo, acaba nas páginas da ecologia.”
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias”, de ontem (25 de Maio)

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Blá, blá, blá… (2)

Diz Mourinho: “Até tenho vergonha de ganhar o que ganho, com esta crise”. Não vejo o que o impede de pegar em 50% do seu ordenado e oferecê-lo a instituições de beneficência, ou melhor ainda, de investir o seu dinheiro na criação de emprego. A menos que Mourinho seja, apenas, mais um demagogo envergonhado.
Apache, Maio de 2010

domingo, 16 de maio de 2010

A responsabilidade dos irresponsáveis

“Hoje, [refere-se ao passado dia 11 de Março] mais uma vez, o ministro Teixeira dos Santos ousou utilizar a palavra "responsabilidade" perante o Parlamento e em referência a um partido da oposição. Sem que ninguém se escandalizasse. Sem que ninguém o chamasse à ordem. Se Teixeira dos Santos falou em nome do Partido Socialista, enganou-se: os partidos da oposição não respondem perante o partido do governo, mas sim perante os eleitores. Como o partido do governo, de resto. Se falou em nome do governo, também se enganou: não é o Parlamento que é responsável perante o governo, mas sim o governo perante o Parlamento. É espantoso que um órgão de soberania declare expressamente, poucos dias depois de tomar posse, que se reserva o direito de violar a seu bel-prazer os termos do mandato que o Soberano lhe conferiu. É espantoso ouvi-lo declarar que não presta contas a quem as deve porque tem que as prestar a quem as não deve: à Comissão Europeia, ao FMI, ao BCE, aos mercados, às agências de notação financeira, ao diabo a quatro. É espantoso que peça responsabilidade à oposição no preciso momento em que ele próprio se declara irresponsável. É espantoso que um governo não entenda que ao descartar a sua responsabilidade perante os eleitores está a abdicar da legitimidade que estes lhe conferiram. É espantoso. É lamentável. É vergonhoso. E é, isto sim, irresponsabilidade a sério.”
José Luís Sarmento, do blogue “As minhas leituras”

sábado, 15 de maio de 2010

A recessão sou eu!

No “Expresso” de hoje lê-se que o “medo da recessão obrigou Sócrates a alterar acordo.” A notícia refere-se ao facto de Sócrates não ter aumentado o IRC às PME´s, pelo menos àquelas cuja facturação não exceda os dois milhões de euros por ano. O título da notícia não deixa, no entanto, de ser manhoso, isto porque dá a ideia de que as medidas agora tomadas pelo Governo, com a bênção do “fraquinho no discernimento” que lidera o PSD são necessárias para impedir a recessão, quando na realidade elas são fundamentais para manter viva a chama da recessão. Julgo que o título mais correcto seria: medo da perda de medo da recessão obrigou Sócrates a tomar medidas que conduzam a essa mesma recessão. Senão vejamos, a recessão caracteriza-se por uma: redução dos salários, redução do consumo, redução da produção, redução do crescimento económico. Ora, no último trimestre, o PIB, segundo números provisórios, divulgados esta semana pelo INE, subiu 1%, significando que a recessão técnica (dois trimestres seguidos de decréscimo do PIB) estava (para já) afastada. Ao aperceber-se disso, o Governo (com a cumplicidade do maior partido da oposição) decide aumentar o imposto sobre o trabalho (IRS) e sobre o consumo (IVA). Com menos dinheiro disponível para comprar e produtos mais caros, o consumo reduz-se e o excedente faz diminuir a produção. Considerando ainda o aumento do IRC, a tendência será a das empresas despedirem mais trabalhadores e o crescimento económico cair a pique. Em termos mitológicos estamos a assistir à criação artificial (por imposição legal) do papão recessão. Em termos práticos, apenas a mais uma tentativa de destruição da já débil economia nacional.
Apache, Maio de 2010