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sexta-feira, 7 de setembro de 2012

“Um curso com saída”

“Em vez de frequentar licenciaturas inúteis ou de fingir que frequentam licenciaturas inúteis, os jovens pragmáticos vão directamente ao assunto e inscrevem-se na Universidade de Verão do PSD. À superfície, a brincadeira não diverge muito dos acampamentos do Bloco de Esquerda, tirando as tendas, a iconografia "revolucionária", o haxixe consumido pelos participantes e o estado geral de alucinação da maioria dos oradores. No fundo, porém, ambas as iniciativas visam o mesmo: produzir políticos de carreira. É verdade que o grau de implantação do PSD e a rotatividade das respectivas direcções auguram uma carreira mais promissora do que a rígida pequenez do Bloco, mas o ponto não é esse.
O ponto é a existência de centenas (ou milhares?) de meninos e de meninas capazes de trocar os prazeres da idade e da estação por uma semana de clausura, a ouvir oradores de gabarito diverso, a estabelecer os contactos "certos" e, sobretudo, a preparar o seu futuro. Não importa muito se o fazem por fanatismo ideológico ou cinismo: o facto é que o fazem, e isso só nos deve angustiar.
Não sou de mitificar as lideranças políticas já reformadas, que à distância parecem sempre melhores do que na realidade foram. Em contrapartida, não me custa nada lamentar a monumental pelintrice das lideranças actualmente em funções. Mal por mal, antigamente ainda passava pelas cúpulas partidárias o ocasional portador de um percurso profissional realmente exterior aos partidos e à influência dos partidos. Hoje, não. Se retirarmos a política aos políticos de agora, ficamos com uma multidão de rematadas e disciplinadas nulidades sem serventia no mundo real excepto, talvez, no sector da arrumação de automóveis.
Dizer que o problema do país são os maus políticos é tão redundante quanto sugerir que Haydn tinha jeito para a música: os políticos são maus porque nunca souberam ser outra coisa, sobretudo uma coisa sujeita a responsabilidades e que tomasse decisões sem envolver o dinheiro alheio. É por isso que, na sua franqueza, as universidades (e os acampamentos) de Verão chocam um bocadinho, embora um bocadinho menos do que a disseminada ilusão de que compete a essa gente aperfeiçoar as nossas vidas. Contas feitas, a única aptidão de tais espécimes é a criação de emprego: o deles.”
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias”

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Frase do dia

"O parlamento português converteu-se no maior antro de tráfico de influências do país. São muitos os deputados que utilizam o cargo público para fins privados, ao serviço das empresas com que colaboram."
Paulo Morais, no Correio da Manhã de ontem

sexta-feira, 18 de maio de 2012

O preço da fraude

O Ministro da Educação e Ciência, Nuno Crato, anunciou hoje que o programa Novas Oportunidades custou cerca de mil e oitocentos milhões de euros.
O facto admite dois comentários antagónicos:
Dado o elevado número de adultos que aderiram à iniciativa, se se optasse pela qualificação dos mesmos, melhorando e acrescentando conhecimentos, provavelmente, ter-se-ia gasto mais dinheiro;
Constatando-se que a iniciativa (além da propaganda política que lhe está associada) mais não pretendia que a mera distribuição de certificados a eito, era perfeitamente possível, com apenas três ou quatro centenas de milhar de euros imprimir e distribuir os certificados, inclusive em papel de melhor qualidade. Mas até pelo papel e aspecto gráfico do certificado se percebeu que a iniciativa interditara palavra qualidade.
Um estudo estatístico sobre o impacto da iniciativa [fundamentalmente sobre o processo de RVCC (Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências)] encomendado ao Instituto Superior Técnico, que incide nas dimensões: empregabilidade; probabilidade de encontrar um emprego; e remunerações foi (também) hoje tornado público e está disponível aqui.
O estudo, que compara dois grupos de adultos, um de participantes em processo de RVCC e outro, de controlo, constituído por não participantes conclui que:
“Os participantes em processos RVCC são, em média, mais novos e entraram mais cedo no mercado de trabalho, quando comparados com os não participantes. Têm também uma maior probabilidade de estar desempregados e de experimentarem durações de desemprego mais longas (…)”;
“Os participantes recebem, em média, remunerações inferiores às que auferem os não participantes. A evolução das remunerações ao longo dos anos mostra que o grupo de participantes detém características que levaram à perda de rendimento real (…)”;
“(…) os processos RVCC Profissionais melhoram a empregabilidade, em particular para os homens. Os RVCC Escolares têm algum impacto positivo na probabilidade de encontrar um emprego, apenas no caso de participantes que frequentaram, em complemento, Formações Modulares Certificadas (…)”;
“A generalidade dos resultados obtidos indica que os RVCC não têm impacto na evolução das remunerações do trabalho.”
Apache, Maio de 2012

domingo, 6 de maio de 2012

Esbulho à portuguesa

“Primeiro, Vítor Gaspar tirou dinheiro aos trabalhadores. Depois, tirou aos reformados. A seguir, tirou aos consumidores em geral. Agora, tirou ao ministro da Economia. Ora até que enfim, uma medida justa. Creio que o Ministro das Finanças encontrou finalmente um rumo: confiscar verbas aos colegas de Governo. Se Vítor Gaspar também tivesse tomado conta do orçamento de Miguel Relvas, talvez tivéssemos poupado aqueles 12 mil euros que o ministro-adjunto gastou a imprimir 100 exemplares do programa do Governo.
O modo como Gaspar se apoderou dos dinheiros do QREN, que eram até aí responsabilidade do Álvaro, envergonha o povo português. Todos nos lembramos do escabeche que os trabalhadores fizeram por terem ficado sem os subsídios de férias e de Natal, no valor de meia dúzia de tostões. Já o Álvaro fica sem 2,5 mil milhões de euros e limita-se a amuar um bocadinho. Não organizou manifestações, não pintou cartazes, não gritou palavras de ordem. Por razões patrióticas, não se permitiu mais do que um ligeiro melindre. É verdade que o Álvaro tem algum traquejo nisto de ser espoliado, uma vez que Paulo Portas já lhe tinha tirado a diplomacia económica, Miguel Relvas tinha-lhe ficado com o emprego jovem e António Borges tinha-lhe abarbatado as privatizações e as PPP. Mas, ainda assim, continua a ser notável a dignidade com que ele se deixa esbulhar. Sobretudo porque se percebe muito bem o destino que aguarda o Álvaro: os outros ministros têm um orçamento, o da Economia terá uma mesada. Todos os meses, Vítor Gaspar entregará ao Álvaro uma pequena soma, com a indicação de não gastar tudo em guloseimas. É mais uma medida de contenção de despesas e racionalização de custos: não tendo Portugal uma economia, acaba por não se justificar que tenha um Ministério da Economia. É interessante constatar que a única economia que funciona bem em Portugal é a economia paralela - curiosamente, aquela que os economistas não definem nem programam. (…)”
Ricardo Araújo Pereira, na “Visão” de 15 de Março de 2012

sexta-feira, 30 de março de 2012

O problema do país não é ter um Sócrates é ter uma matilha deles

Sobre o ex-Primeiro Ministro, José Sócrates, questiona-se, no jornal Público, edição de hoje, Vasco Pulido Valente:
"A questão é a de explicar como ele conseguiu submeter à sua vontade um PS aprovador e dócil e, quase sem protesto, levar atrás de si (ou persuadir ao silêncio) uma considerável quantidade de pessoas com idade para ter juízo."
A resposta parece óbvia, a política serve, dizem os teóricos da Ciência Política, para servir a causa pública (é o princípio da prevalência do interesse de todos sobre os interesses de alguns) mas Sócrates inverteu a lógica, a política serviu-lhe para encher os bolsos (ou onde acham que arranjou dinheiro para viver em Paris “de papo para o ar”) e os dos amigos e camaradas de partido. O silêncio compra-se facilmente, assim haja dinheiro. E o estado caótico das contas públicas demonstra bem que houve dinheiro, muito dinheiro.
A má notícia (lamento, estão longe do fim) é que continua a haver muito dinheiro, que muitos farejam à distância, como Sérgio Monteiro, actual Secretário de Estado dos Transportes, o lobo que agora se vestiu de cordeiro na recente entrevista ao inconveniente (quando dá jeito) José Gomes Ferreira.
Apache, Março de 2012

quinta-feira, 29 de março de 2012

"A Calúnia"

[Clique para ampliar]
Henrique Monteiro, no blogue HenriCartoon

quarta-feira, 21 de março de 2012

Não vejo o porquê das dificuldades de entendimento

Ouvido pelo jornal Público, Carlos Barbosa, presidente do Automóvel Clube de Portugal diz que nem ele “nem nenhum português entende como é que o barril de Brent está a 124,98” [dólares], quando em 2008 “estava a 160 dólares e nós tínhamos combustível mais barato”.
Eu acho que, contrariamente ao que diz, Carlos Barbosa, tal qual a generalidade dos portugueses, entende, chama-se roubo e resulta de quatro factores: descaramento e monopólio, por parte do prospector/refinador; congelamento (talvez devido ao inabitual frio registado no mês passado, de acordo com o Instituto de Meteorologia, o segundo Fevereiro mais frio da história da meteorologia portuguesa) dos testículos do Ministro da Economia (como o demostra a reacção ao esvaziamento de poderes a que foi submetido ultimamente) e apetência acentuada pelo saque por parte do Ministro das Finanças (como o comprovam os roubos de subsídios de férias e de Natal aos funcionários públicos) a quem interessam as receitas percentuais do IVA.
Apache, Março de 2012

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

A confissão

«Passos Coelho perguntou, com legitimidade, referindo-se a José Sócrates: “Como é possível manter um Governo em que o primeiro-ministro mente?” Teimo na redundância de retomar factos sobejamente conhecidos, que justificam devolver a pergunta a quem a formulou e é, agora, primeiro-ministro. Porque a memória dos homens é curta e a síntese é necessária para compreender o que virá depois.
Passos Coelho enganou os portugueses quando disse que não subiria os impostos, que não reduziria as deduções fiscais em sede de IRS, que achava criminosa a política de privatizações só para arranjar dinheiro, que não contariam com ele para atacar a classe média em nome de problemas externos, que era uma “grande lata”, por parte do PS, acusá-lo de querer liberalizar os despedimentos, que não reduziria a comparticipação do Estado nos medicamentos, que não subiria o IVA e que falar de cortar o subsídio de Natal era um disparate. Passos Coelho enganou os portugueses quando, imagine-se, acusou o PS de atacar os alicerces do Estado social, censurou a transferência do fundo de pensões da PT para o Estado, acusou o Governo anterior de iniquidade porque penalizava os funcionários públicos e os tratava “à bruta”, responsabilizou as políticas socialistas pelo aumento do desemprego e das falências, recusou pôr os reformados a pagar o défice público ou garantiu que o país não necessitava de mais austeridade. Tudo retirado de declarações públicas de Passos Coelho, sustentadas documentalmente. Tudo exactamente ao contrário do que executou, logo que conquistou o poder.
Quem defende Passos Coelho argumenta, de modo estafado, que os pressupostos mudaram e que ele foi surpreendido pelo que encontrou quando tomou posse. A justificação é inaceitável. Porque só é sério prometer-se quando se está seguro de poder cumprir e porque existem declarações públicas de Passos Coelho afirmando que conhecia bem a situação do país. Todavia, esta questão foi definitivamente ultrapassada pelos acontecimentos recentes. Com efeito, o percurso começa agora a ser esclarecido. O qualificativo “piegas”, com que Passos Coelho injuriou o povo que lidera, não é fruto de um discurso infeliz. É, antes, uma peça de um puzzle de conduta política, cuja chave está numa frase inteira. Passos Coelho pronunciou-a quando, referindo-se ao programa da troika, afirmou: “… não fazemos a concretização daquele programa obrigados, como quem carrega uma cruz às costas. Nós cumprimos aquele programa porque acreditamos que, no essencial, o que ele prescreve é necessário fazer em Portugal …” Com esta frase, Passos Coelho tornou claro um radicalismo ideológico que amedronta. Com esta frase, Passos Coelho inviabilizou o argumento da mudança de pressupostos e confessou, implicitamente, a sua manha pré-eleitoral. O seu “custe o que custar” é, tão-só, uma variável discursiva da máxima segundo a qual os fins justificam os meios. O fim de Passos, confessado agora, sempre foi o que acha ser “… necessário fazer em Portugal …” Não como inevitabilidade imposta pelos credores, a contragosto de um primeiro-ministro que sofresse com o sofrimento do seu povo. Mas como convicção radical de uma ideologia que, para se impor no seu fim, aceitou o meio de mentir com despudor. Ficámos agora a saber que Passos Coelho mentiu conscientemente. Ele o disse.
O discurso de Odivelas é o melhor paradigma do espírito e da forma deste primeiro-ministro. O espírito fica-se pelos lugares comuns do maniqueísmo da moda: a preguiça de uns, versus o “empreendedorismo” de outros; os “descomplexados” contra os “autocentrados”; as cigarras piegas em oposição às formigas do pastel de nata. A forma alicerça-se numa retórica indigente, de semântica pobre e metáforas que, ao invés de mobilizarem os portugueses, ofendem e geram raiva.
Por fim, que não de menor importância, o discurso foi relevante no que à Educação toca. Passos Coelho foi pesporrente nas alusões ignorantes e atrevidas que fez. Ele olha para o sector como um mestre-escola de régua na mão. E os disparates que proferiu, ajudaram a clarificar por que razão tudo se limita a reduzir despesa e operar pequenos “liftings” às políticas de Sócrates. Afinal, ele tem Crato como Merkel o tem a ele: para capacho. Basta ver algumas das últimas iniciativas, para ficarmos conversados:
1- Para responder às agressões bárbaras de que os professores são vítimas, os seres pensantes do PSD e CDS propuseram conferir autoridade policial aos professores, outorgando-lhes o direito de reter fisicamente os delinquentes. Se soubessem o que é uma escola e tivessem noção da diferença de força física entre as professoras (que constituem a esmagadora maioria do corpo docente) e os alunos, cada vez mais homens feitos (ensino obrigatório prolongado até os 18 anos), estavam calados.
2- Num alarde de estúpida burocracia, o mesmo ministério que apregoa a autonomia das escolas obriga-as a usar, em todas as comunicações, um único tipo de letra: o “Trebuchet MS”, tamanho 10. Venha lá Crato explicar a razão científica.
3- O regime de autonomia e gestão das escolas vai ser revisto. É uma revolução para o sistema. Mantém tudo quanto Maria de Lurdes Rodrigues congeminou e acrescenta-lhe o que faltava para a perfeição: um bombeiro, um canalizador ou um polícia (sem desprimor para com estes profissionais) podem agora avaliar os directores das escolas portuguesas; num invejável avanço democrático, os professores passam a eleger os coordenadores de departamento de entre três colegas escolhidos pelos directores.
Trinquem a língua e aceitem, ou são piegas.»
Santana Castilho, no jornal “Público” da passada quarta-feira

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Guimarães, capital europeia de uma certa cultura

«Descansem os que viam em risco a posição de Portugal na Europa. O risco sumiu, e não foi graças a empréstimos, troikas, austeridade, impostos, rigor ou fenómenos afins: bastou organizar em Guimarães a Capital Europeia da Cultura para que provássemos ser europeus de pleno direito.
Pelo menos é essa a opinião de Jorge Sampaio, ex-presidente da República e actual presidente do Conselho Geral da Fundação Guimarães 2012, funções que lhe garantiam 14 300 euros mensais e que a demagogia da crise terá posteriormente reduzido para uns dez mil, insuficientes para as despesas correntes de um chefe de Estado na reforma, mas suficientes para o dr. Sampaio afirmar que a cultura não é um desperdício: é um investimento. Já João Serra, presidente da Fundação citada, detentor de salário idêntico e por miraculosa coincidência antigo chefe da Casa Civil do dr. Sampaio, vai mais longe e acrescenta que o evento é um "símbolo contra a negação, o cepticismo e a desistência". O dinheiro leva-nos a dizer frases tão ocas quanto extraordinárias.
Fascinante é quando as frases se dizem de borla. Na abertura do evento, Cavaco Silva desejou que Portugal possa projectar-se de novo a partir de Guimarães, como na fundação da nacionalidade. Pedro Passos Coelho declarou que o valor da cultura não deve ser medido pelo Orçamento do Estado. E Durão Barroso explicou que a cultura e actividades associadas criam emprego, o que, a julgar pelos exemplos acima referidos, dificilmente pode ser negado.
A verdade é que, além de fogo-de-artifício e de uns catalães a empurrar um boneco gigante, a inauguração da Guimarães 2012 apresentou dois espectáculos curiosos. O primeiro consistiu no desfile de clichés destinados a justificar, quase desesperadamente, que os gastos na cultura são por definição sábios, e que a pequena fortuna "investida" por um país falido em irrelevâncias a realizar num concelho particularmente pobre não é um absurdo nem um insulto.
O segundo espectáculo consistiu na enésima exibição do conceito de "cultura" entendida na acepção agrícola, enquanto coisa que se "incentiva", "estimula" e "impulsiona". Por pudor, ninguém reparou que na extremidade correcta do incentivo, do estímulo e do impulso está somente um punhado de beneficiários, e que na extremidade errada estão milhões de cidadãos, os quais não puderam dizer nada sobre Guimarães 2012 e ainda por cima a pagaram.»
Alberto Gonçalves, no Diário de Notícias

domingo, 29 de janeiro de 2012

Filhos e enteados (2)

Despacho n.º 1210/2012 – Publicado no Diário da República, 2.ª Série, de 27 de Janeiro
"1 — Nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 262/88, de 23 de Julho, nomeio o licenciado Ricardo José Galo Negrão dos Santos, para realizar estudos, trabalhos e prestar conselho técnico ao meu Gabinete no âmbito da área da informática e das novas tecnologias, pelo período de um ano, renovável automática e tacitamente por iguais períodos, podendo a presente nomeação ser revogada a todo o tempo.
2 — Ao nomeado é atribuída a remuneração mensal correspondente a € 3 892,82, acrescida dos subsídios de férias e de Natal de igual montante, subsídio de refeição, bem como das despesas de representação fixadas para os adjuntos dos gabinetes dos membros do Governo.
O presente despacho produz efeitos a 1 de Janeiro de 2012.
19 de Janeiro de 2012. — A Ministra da Justiça, Paula Maria von Hafe Teixeira da Cruz."
Apache, Janeiro de 2012

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

A JSD e o delírio “eduquês”

Um texto do jornal Público (alegadamente citando a Lusa), do passado Domingo, dá conta da oposição da JSD ao fim da Formação Cívica, proposta por Nuno Crato na reformulação curricular actualmente em discussão pública.
Lê-se no texto que o Governo «pretende terminar com esta disciplina.» Talvez seja uma incorrecção acidental mas chamar disciplina a algo que nos dez anos da sua existência nunca passou (felizmente) de uma Área Curricular Não Disciplinar (ACND) soa a algo idêntico a xingar continuadamente um bêbado na praça pública e, depois de morto, vir aclamar as suas virtudes.
No segundo parágrafo do texto cita-se Duarte Marques (o actual líder da JSD) referindo que «a forma como a formação cívica tem sido ensinada e integrada nos currículos, nos últimos tempos, “é completamente díspar”, existindo casos em que as horas da disciplina “não são usadas para isso”». Pergunto: para isso, o quê? Os professores têm a velha mania de tentar minimizar os estragos causados pelos devaneios didáctico-curriculares do Ministério da Educação e, regra geral, tentando dar alguma utilidade à “coisa” (normalmente atribuída aos Directores de Turma) usam-na para tentar resolver problemas disciplinares e de assiduidade, e incutir nos alunos algumas regras de comportamento, tarefa (da qual alguns pais se demitem) que se tem revelado infrutífera, na maioria dos casos. Não era isto que se pretendia com a Formação Cívica? É verdade que o Ministério nunca soube (ou nunca quis) dizer abertamente o que pretendia com a “invenção” e nalgumas escolas avançou-se para uma tentativa de doutrinação politico-ideológica pouco tolerável em Democracia, mas acredito tratar-se de casos pontuais pouco relevantes no contexto nacional.
Sobre o tema vale a pena ler o professor Ramiro Marques no seu ProfBlog e que transcrevo parcialmente.
«Lembro, no entanto, que a área curricular de Formação Cívica, criada em 2001 pelo Governo de António Guterres (Decreto-Lei 6/2001), era Santos Silva o ministro da educação, existe há uma década no currículo sem que se tenham vislumbrado melhorias no civismo, quer nas escolas quer na sociedade em geral. Ao invés, uma das maiores preocupações dos professores é precisamente a falta de civismo de muitos alunos e até de alguns pais. A realidade deixa cair por terra a tese dos benefícios e utilidade da área de Formação Cívica na promoção do civismo nas escolas.
Não só o civismo, entendido como reconhecimento e prática das virtudes éticas, das relações de cortesia e da boa convivência social, não melhorou como é justo afirmar que o conhecimento dos alunos sobre factos e teorias básicas da ciência política e sobre os autores que criaram os fundamentos da liberdade e da democracia é agora menor do que era antes da introdução da área da Formação Cívica no currículo. Tão pouco existe relação entre a área da Formação Cívica e a qualidade das aprendizagens ou a prevenção do abandono escolar. Um estudo realizado, em 2006, pela Escola Superior de Educação de Setúbal, com o título Qualidade de Ensino e Prevenção do Abandono Escolar: O Papel das ACND, conclui pela não existência de qualquer correlação entre essas variáveis. Um estudo conduzido pelo IESE, também em 2006, com o título Monitorização e Acompanhamento do Currículo Nacional do Ensino Básico para as ACND, chega a resultados semelhantes.
Há uma clara divisão entre a esquerda e a direita acerca do modo como o civismo deve ser promovido nas escolas.
A esquerda faz da Formação Cívica um espaço curricular centrado na participação cívica, no activismo político, no comprometimento com causas sociais e no alargamento dos chamados direitos sociais e culturais. Metodologicamente, a esquerda acentua a preferência pela discussão de dilemas éticos, pela participação colectiva na tomada de decisões e pela democracia participativa em detrimento do estudo e debate dos grandes autores, da história das ideias políticas e dos textos fundadores do pensamento democrático.
A esquerda parte do pressuposto de que é possível ensinar a formação cívica através do envolvimento dos alunos em debates sobre temas fracturantes, regra geral em ruptura com a tradição e os costumes vigentes, e através da tomada colectiva de decisões, dando aos alunos a oportunidade de criarem e aprovarem as regras e as normas através de um processo de transferência do poder e da autoridade dos professores para os alunos. A ênfase é colocada no desenvolvimento do raciocínio sobre questões sociais, éticas e políticas, colocando os alunos na posição de criadores de valores em ruptura com a ordem cultural e cívica estabelecida. O objectivo é criar activistas do social e do político. Todos os temas fracturantes são oportunidades para treinar os alunos no processo de construção do activismo político e cultural, incluindo aqui a dimensão sexual e afectiva da vida. A dimensão dos comportamentos, das acções, é desvalorizada pela esquerda em benefício da construção de uma retórica anti-sistema e anti-tradição.
No meu ponto de vista, uma Formação Cívica deste tipo, que é a que temos tido, não tem bondade nem utilidade nenhuma. Não faz falta ao currículo. É um meio de promoção do ressentimento, da soberba e da arrogância na juventude.
A direita parte do pressuposto de que não é possível ensinar o civismo. Se o civismo não se ensina como é que ele se aprende? Por contágio, por imitação, pela adesão a narrativas e a uma tradição cultural e pela imersão em ambientes onde o civismo se vive e cuida.
Assim sendo, não é útil a existência de um gueto curricular para se ensinar civismo tanto mais que a aprendizagem do civismo se faz por impregnação, contágio e imitação. Ou a escola tem um ambiente onde se vive o civismo ou não tem. Se tem, a aprendizagem do civismo faz-se naturalmente em todas as disciplinas, salas de aula e espaços escolares. Se não tem, é impossível aprender o civismo.»
Apache, Janeiro de 2012

domingo, 22 de janeiro de 2012

Dom Cavacus – O pobre

“O homem que inúmeras vezes apareceu perante os portugueses exigindo que se falasse verdade não falou verdade. O homem que afirmou solenemente que quem o acusava de condutas menos próprias na condução de alguns negócios particulares teria de nascer dez vezes para ser mais sério do que ele não foi sério. Deliberadamente, escondeu uma parte do que ganha. E não foi sério quando disse que não sabia quanto seria o valor total das suas pensões.
O homem frontal, que faz gala de que a sua vida seja um livro aberto, omitiu. Omitiu ou disse uma meia-verdade, que como toda a gente sabe é sempre uma redonda mentira, quando, sem um pingo de vergonha, fingiu ter de livre e espontânea vontade prescindido do seu salário como Presidente da República. Todos nós sabemos que lhe estava vedado por lei acumular as suas pensões com esse salário. Decidiu omitir que a escolha que fez foi entre receber cerca de dez mil euros mensais das reformas ou aproximadamente sete mil de salário.
Mas estou disposto a, pelo menos, negar parte do que acabo de escrever e admitir que, de facto, além de tudo isso, Cavaco Silva não consegue pagar as suas despesas, que dez mil euros não chegam para cobrir os seus gastos. Nesse caso tinha-nos enganado quando nos fez crer que era um homem austero e prudente nos seus investimentos, avesso a gastos desnecessários, que utilizava mantinhas em sua casa para não desperdiçar dinheiro em aquecimento central e que tinha um padrão de vida pautado pela contenção e sobriedade. É que, convenhamos, ganhar os tais dez mil euros somados aos oitocentos da sua mulher (será?), não pagar refeições, gasolina, telefones e demais despesas correntes, como é direito de um presidente da República, e, mesmo assim, não lhe sobrar dinheiro, é próprio de um verdadeiro estroina que anda para aí a deitar dinheiro à rua. Temo pelos seus seiscentos e cinquenta e um mil euros, que até agora poupou e ainda conserva em vários bancos. Bom, não é que já não tivéssemos indícios de alguma negligência na condição das suas finanças. Como todos nos recordamos, Cavaco Silva comprou e vendeu acções da SLN, mas não sabia como o negócio tinha sido feito nem do que teria auferido em mais-valias.
O homem que se reclama do povo, que veio do povo, que sente que o povo está a escutar a sua mensagem, não tem pejo em dizer que só à custa das suas poupanças consegue sobreviver. Pois, não sei a que povo se está a referir. O povo que eu conheço não se indignará com os rendimentos dele, são fruto do seu trabalho e com certeza fez por os merecer. Não gostará é, estou certo, de que brinquem com ele. Não apreciará que um homem rico, e Cavaco Silva pelos padrões portugueses é um homem rico, insinue que está a fazer os mesmos sacrifícios que o povo a que diz pertencer.
É que esse povo é constituído por mais de seiscentos mil desempregados, por um milhão e meio de pessoas que trazem para casa quinhentos euros por mês, por trabalhadores por conta de outrem que ganham em média oitocentos euros mensais. Ninguém pediria ao Presidente da República que vivesse com oitocentos euros. Pedir-se-ia sim que compreendesse os sacrifícios, as terríveis condições de vida, a angústia dos que vivem desesperados por não verem perspectivas para os seus filhos e que se pusesse ao lado deles, que os guiasse para uma vida mais digna. Mas não, Cavaco Silva preferiu muito simplesmente gozar com o seu povo.
Pode ser, no entanto, pior. Às tantas, o político profissional com mais anos de carreira não conhece a real situação dos portugueses. O homem que foi eleito primeiro--ministro três vezes e Presidente da República duas, ignora como os cidadãos vivem. Nesse caso, o problema, infelizmente, não é dele, é nosso, pois temos votado num indivíduo que se está borrifando para nós e para a nossa vida. Anteontem tive vergonha de ter votado algumas vezes neste senhor."
Pedro Marques Lopes, no “Diário De Notícias”
Eu já tinha alertado (aqui) para o elevado preço do Bolo-rei.
Apache, Janeiro de 2012

sábado, 14 de janeiro de 2012

Corta, corta!

É interessante ver alguns contorcionistas invocarem a equidade para pedir ao Banco de Portugal e a outras instituições com autonomia financeira, para cortarem os subsídios de férias e de Natal, mas não se sentirem enojados com a monstruosa falta de equidade quando comparamos os “sacrifícios” pedidos aos funcionários com os do sector privado.
Apache, Janeiro de 2012

sábado, 7 de janeiro de 2012

Outro(?) Janeiro

"Surge Janeiro frio e pardacento,
Descem da serra os lobos ao povoado;
Assentam-se os fantoches em São Bento
E o Decreto da fome é publicado.

Edita-se a novela do Orçamento;
Cresce a miséria ao povo amordaçado;
Mas os biltres do novo parlamento
Usufruem seis contos de ordenado.

E enquanto à fome o povo se estiola,
Certo santo pupilo de Loyola,
Mistura de judeu e de vilão,

Também faz o pequeno “sacrifício”
De trinta contos – só! – por seu ofício
Receber, a bem dele… e da nação."
José Régio, 1969

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

“Era uma vez a confiança”

«A solução para os gravíssimos problemas que nos afectam é um empreendimento colectivo. Mas todos os empreendimentos colectivos falham se a sociedade não sentir confiança. As pessoas aceitam os sacrifícios se as convencerem de que eles resolvem os problemas. Confiança e reciprocidade são palavras-chave. Infelizmente, o Governo ignora-as.
Os portugueses estão mergulhados em sofrimento: famílias envergonhadas, lançadas numa pobreza com que nunca sonharam; velhos sem dinheiro para a farmácia; jovens sem horizontes de futuro; crianças com fome; professores sem escola; desemprego galopante; empresas falidas; assaltos violentos todos os dias. Tudo contemplado por um Governo incontinente nas nomeações políticas, imoral na distribuição de benesses, insensível, perito em abater, incapaz de erigir, que não gera confiança.
As alterações curriculares do sistema de ensino, já aplaudidas por alguns, são uma pantomina. São a evidência da boçalidade técnica dos que as propõem. A discussão pública que se segue já morreu, por uma questão de confiança metodológica. Gente séria e competente aborda o currículo assim: primeiro estabelecem-se as metas, isto é, o ponto de chegada dos alunos a ensinar; depois definem-se os programas que podem cumprir esses objectivos; e só no fim, obviamente, se fixam as cargas horárias adequadas. Mas o ministro começou por fixar já as horas para cada disciplina e a estrutura global. Chamou a isso a primeira etapa. Anunciou que a segunda será a definição das metas. E garantiu que só mais tarde reformulará os programas. Qualquer trapalhão não faria pior. O ministro não fundamentou. Achou! E eu acho que o ministro mentiu quando afirmou que a proposta de revisão curricular não foi feita "a olhar para orçamento". Porque qualquer cidadão minimamente informado sabe que dessa revisão jamais poderia resultar um acréscimo de despesa. Porque o orçamento não era uma variável. Era um determinante. O que vem a seguir é uma farsa. As metas e os conteúdos programáticos dependerão das horas já fixadas, vergando a pedagogia e as ciências à contabilidade, da qual a Educação é, hoje, mero adereço. Crato podia, ao menos, ter sido intelectualmente honesto. Não promovendo a discussão pública de algo cujos fundamentos ainda não foram estabelecidos. Não invocando pressupostos que nunca explicitou. Ele, que sempre falou da necessidade de reduzir a dispersão curricular no ensino básico, aumentou-a no 2º ciclo. Ele, que tinha a obrigação de acomodar a decisão errada de prolongar a escolaridade obrigatória até aos 18 anos com uma reorganização curricular do secundário, particularmente no que a vias técnicas e profissionais respeita, decidiu, apenas, uma mais que questionável quebra da carga horária no 12º ano (sem olhar ao orçamento, disse). Pediu contributos públicos. Aqui tem o meu. É pena que nenhuma televisão o confronte com alguém que lhe dissesse, na cara, o que a verdade reclama.
Tenho à minha frente duas cartas assinadas pela presidente do Conselho Directivo do Instituto da Segurança Social. Numa, a incompetente presidente comunica a um cidadão (a quem os serviços que dirige reconheceram, anteriormente, isenção legal de contribuir para a segurança social) que lhe foi fixada, oficiosamente, a obrigação de pagar, todos os meses, a quantia de 186,13 euros, por ter tido, em 2010, um rendimento de 600 euros. Na outra, da mesma bestial natureza, outro cidadão (com actividade legalmente suspensa e reconhecida como tal pela repartição de finanças da sua residência) é informado que a brincadeira a que a senhora preside lhe fixou uma mensalidade de 124,09 euros, por ter tido, em 2010, um rendimento de 3.975 euros. A primeira vítima pagaria 2 233,56 euros, por ter ganho 600. E a segunda pagaria 1 489,08, isto é, quase metade do que ganhou, o que, apesar de tudo, a torna credora da arbitrária generosidade oficiosa: 600, ganhos, pagam 2 233,56 mas 3 975, ganhos, “só” pagam 1 489,08. É público que foram emitidas milhares de cartas deste teor (outra, denunciada neste jornal, aplicava a mesma chapa de 186,13 euros a um falecido em 1998). Quando a leviandade desta sócia do CDS foi branqueada com uma referência simples “a erro que vai ser corrigido”, foi-se, definitivamente, a confiança no ministro que a tutela, correligionário da mesma agremiação.
O ministro da Defesa foi recentemente à Mauritânia assinar um acordo. Viajou de Falcon. O Falcon avariou. Outro Falcon voou com uma equipa técnica para reparar o primeiro. Quanto custou tudo isto? Para o cidadão que não esqueceu a demagogia da suposta poupança em viagens aéreas, de início de mandato, que acontece à confiança?
Primeiro foi o secretário de Estado da juventude. Agora, foi o próprio primeiro-ministro que instigou milhares de professores a emigrarem. Salazar exportava negros sem qualificação profissional para as minas de ouro da África do Sul. Passos Coelho quer exportar, para qualquer África, jovens qualificados, cuja formação custou milhões. Eis o Estado Novo do século XXI, a passos de coelho. Que vergonha nacional este baixar de braços, esta confissão pública de incapacidade e de desistência, num país fustigado por um saldo populacional em queda alarmante. Não se pode governar promovendo a depressão colectiva e formatando a cabeça dos cidadãos para um futuro de miséria. Tamanha cobardia política arrasta na lama a confiança dos portugueses.
George Orwell disse um dia que “ver o que está à frente do nariz requer uma luta constante”. Tanto maior, digo eu, quanto mais crescem os narizes dos políticos.»
Santana Castilho, no “Público” da passada quarta-feira

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

A cão danado todos atiram pedras

O ex-Primeiro-Ministro, agora estudante em Paris disse, há dias, que “as dívidas dos Estados são, por definição, eternas”. Não se pagam, “gerem-se". Afirmações destas não deveriam suscitar (significativos) comentários, primeiro porque são inatacáveis do ponto de vista técnico, depois porque são tão básicas que não é preciso ser estudante de economia para chegar a tão trivial conhecimento (qualquer aluno universitário de qualquer curso com uma cadeira de economia o deveria saber). No entanto, pasme-se, quase tudo o que é fazedor de opinião na nossa praça, políticos e ex-políticos incluídos, teceu críticas discordantes. Freitas do Amaral, ex-Ministro de Sócrates, com a capacidade contorcionista que se lhe conhece, veio dizer que se Sócrates acha que as dívidas não são para pagar “está explicado porque ele não se preocupou que Portugal tivesse cada vez mais dívidas". Freitas do Amaral distorce o espírito das afirmações de Sócrates pois quando este afirma que as dívidas se gerem, está implícito que essa gestão implica quer o pagamento dos juros, quer aumentos e diminuições do valor total da dívida, conforme as opções políticas do gestor da dita (o Governo, entenda-se). Pelo que, a interpretação de Freitas do Amaral, em sentido idêntico ao de muitas outras, se não está imbuída de má-fé é, no mínimo, resultante de uma má interpretação das palavras do seu ex-chefe. Valeu-nos ao menos o bom-senso de Passos Coelho, que perguntado à matéria respondeu com um despachado “acho que ninguém pode discordar”.
Note-se que considero Sócrates o pior (o mais impreparado e o mais arrogante) Primeiro-Ministro português, ainda que Passos Coelho me pareça empenhado em lhe arrebatar o título. E é claro que Sócrates agravou significativamente a dívida pública nacional, nos últimos anos da sua governação; aceitou empréstimos a juros pouco razoáveis e acabou nos últimos meses por cair na tentação dos sucessivos PEC, causa primeira da sua “queda”. Não contente com tal, celebrou com a “troika”, com a bênção dos actuais partidos do Governo, um acordo vergonhoso para os interesses económicos do país. No entanto, em minha opinião, o grande problema da gestão económica socrática não está na dimensão da dívida, antes no uso (muito mal) dado ao dinheiro que nos foi emprestado. Foram os estudos para os megalómanos projectos do TGV e do novo aeroporto, foram os (computadores) Magalhães, foram os milhões gastos na iniciativa Novas Oportunidades, foram as obras luxuosas da Parque Escolar, foram os milhões investidos em energias renováveis, foram uma série de (outras) parcerias público-privadas com contratos lesivos do interesse público, etc. Um manancial de esbanjamento em iniciativas que além de economicamente não lucrativas criam poucos (ou nenhuns) postos de trabalho.
O problema económico do país (à data em que o “inginheiro” começou a “disparar” PEC sucessivos) não era a dívida pública, de 169 mil milhões de euros, no final de 2010 [mais de dez vezes inferior à alemã; a nona entre os dezassete países da União Europeia que partilham o euro, quer em valor absoluto quer per capita (a quinta em percentagem do PIB)] que a banca internacional (via “troika”) se prestou “generosamente” a aumentar em suaves prestações (mais 78 mil milhões de empréstimo e mais 34,4 mil milhões de juros do dito) mas a incapacidade da economia gerar riqueza e postos de trabalho. Curiosamente, não contente com o valor da futura dívida e com o estado caótico da economia, o Governo tem optado por agravar ambos: o primeiro, com sucessivas emissões e venda no mercado de títulos de dívida (mais mil e cem milhões na semana passada) o segundo, debilitando ainda mais a economia por via dos cortes salariais e dos agravamentos dos impostos.
Apache, Dezembro de 2011

domingo, 4 de dezembro de 2011

Bunga-bunga

«Vão chegar mais oito mil milhões de euros. Para uns, são fruto do sucesso da execução do acordo com a troika. Para outros são um degrau na escada descendente da fatalidade que nos marca. Olhando para fora e para dentro, entendo melhor os segundos. A austeridade fez implodir num ápice, pela via eleitoral, os governos de três países: Irlanda, Portugal e Espanha. E aliada à necessidade de tranquilizar os mercados, testou, poupando o tempo e a maçada da ida às urnas, sem protestos visíveis e com êxito, o caminho perigoso de substituir sem votos os de outros dois: Grécia e Itália. Papademos, o chefe do executivo grego, veio do Banco Central Europeu e da Comissão Trilateral, de David Rockefeller. Tem por isso a confiança dos mercados. Monti, que chefia o governo italiano, conquistou-a enquanto comissário europeu. Ambos passaram pelo Goldman Sachs, como convém. Passos, obedecendo à troika e bajulando Merkel, esforça-se por merecê-la. Nenhum dos três tem, porém, legitimidade democrática para governar. Os dois primeiros por construção. Passos, por acção. Porque tudo o que prometeu e usou para ser eleito pôs de lado e incumpriu. Porque a política, como forma de melhorar a vida dos cidadãos, não é paradigma que o entusiasme. As desilusões e as evidências têm um efeito acumulativo, que afasta a esperança: vi, vezes suficientes, intervenções presidenciais que preteriram o direito dos cidadãos em benefício do desvario do poder; estou ferrado por sucessivas interpretações de juízes do Tribunal Constitucional, doutos que eles sejam, leigo que eu sou, mais concordantes com os interesses das áreas políticas que os indigitaram que com a Constituição que deviam defender; não confio num Parlamento que à saciedade já provou jogar um jogo e não servir um povo, votando como lhe ordenam. Tudo visto, a Democracia e o Estado de Direito estão em licença sabática. Resta que a quarta República lhe ponha cobro. Porque a mãe de todas as crises é a crise de um regime podre. De um regime de contabilistas, manobrado por maçons, irmãos da “Opus Dei” e jogadores da “opus money”. A fixação na contabilidade única está a gerar uma espécie de “bunga-bunga” governamental. O ministro da economia ainda consulta as resmas de gráficos e tabelas que trouxe do Canadá para decidir se caímos para os serviços, se retornamos às batatas e ao mar, ou se voltamos a esgravatar as entranhas da terra à procura de ferro, ouro, gás e petróleo. Com saudades de Manuel Pinho, vaticinou que “2012 vai certamente marcar o fim da crise”. O ministro das finanças faz com a banca a quadratura do círculo: aceita-lhe o liberalismo quando toca a especular e corre a protegê-la quando o jogo dá para o torto. Mantendo esfíngica serenidade, contenta-se com o anúncio da gestão da emergência: mais impostos, mais desemprego, mais afundamento da economia, mais cortes salariais, mais recuo das funções do Estado. Na educação não superior, um trio de múmias governantes afunda o futuro e soçobra incapaz ao CAPI, à ANC, ao PTE, às TIC, às AEC, ao PIEC, PIEF e PREMAC, aos EFA e aos CNO, siglas que não traduzo a bem da sanidade mental dos leitores, mas que designam parte da teia de esquemas e burocracias que não desenredam e tolhem a gestão das escolas. O ministro da pasta admitiu agora fechar escolas independentemente do número de alunos (até aqui o indicador era menos de 21) e disse estar “ a prever encerrar uma parte substancial das mais de 400 que sobraram” (aquelas cujo fim suspendeu no início do mandato). De resto, o corte na educação é tão colossal que nos devolve, em percentagem do PIB, ao clube dos subdesenvolvidos. Exceptuam-se, por crescerem, as verbas para o ensino privado e para as direcções-regionais de educação, cuja extinção foi anunciada, pasme-se. Face a fortes restrições orçamentais, centenas de alunos de comunidades emigrantes estão sem aulas de Português. O Governo pretende suprimir os cursos ministrados fora dos horários escolares. Se se consumar a iniciativa, porque é esta modalidade a mais frequentada, estaremos perante o quase desaparecimento do ensino da língua materna aos luso-descendentes. Só na Europa, estima-se que já tenham sido afectados metade dos cerca de 50 mil estudantes que existiam há um ano. O secretário de Estado do emprego contou no Parlamento uma anedota que fez rir os mais sorumbáticos: disse que o salário mínimo nacional (485 euros mensais) não é baixo. O secretário de Estado do desporto e da juventude, num assomo de patriotismo, convidou os jovens a zarparem do solo pátrio. O secretário de Estado da administração pública anunciou a intenção de mexer nas tabelas salariais dos funcionários públicos. O ministro Gaspar desmentiu-o e chamou-o de especulador público. Simbólicas e absolutas são, afinal, as palavras mágicas que o governante do discurso a 33 rotações soletrou ao retornado de Vancouver, perguntando-lhe, dizem, qual das três palavras não entendia: “não há dinheiro!” As mesmas que amocharam, conformada, parte da sociedade. Mas que começam a levantar outra parte, que rejeita a suspensão instrumental da Constituição e gritará nas ruas que não aceita o confisco de salários para que o Estado devolva a alguns o que perderam em especulações fracassadas e reponha no balanço da divida o que outros, impunemente, roubaram. Eis o óbvio moral que os ditadores de circunstância fingem não entender, esmagando direitos constitucionais e civilizacionais que tomam por privilégios e ignorando, quando não decretando novos, os verdadeiros privilégios.»
Santana Castilho, no “Público” do passado dia 23 de Novembro

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Filhos e enteados

Os funcionários públicos que aufiram vencimentos ilíquidos acima dos mil (e cem) Euros não vão perder os subsídios de férias e de Natal?
Despacho 15296/2011 – Publicado no DR, 2ª série, de 11 de Novembro
“Nos termos e ao abrigo do artigo 11.º do Decreto -Lei n.º 262/88, de 23 de Julho, nomeio o mestre João Pedro Martins Santos, do Centro de Estudos Fiscais, para exercer funções de assessoria no meu Gabinete, em regime de comissão de serviço, através do acordo de cedência de interesse público, auferindo como remuneração mensal, pelo serviço de origem, a que lhe é devida em razão da categoria que detém, acrescida de dois mil euros por mês, diferença essa a suportar pelo orçamento do meu Gabinete, com direito à percepção dos subsídios de férias e de Natal. O presente despacho produz efeitos a partir de 1 de Setembro de 2011. 9 de Setembro de 2011. — O Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo de Faria Lince Núncio.”
Apache, Novembro de 2011

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Uns têm outros não

No átrio do Tribunal de Aveiro, onde está a ser ouvido no âmbito do processo “Face Oculta”, Armando Vara é “pegado de cara” por um anónimo com a “coragem dos simples”.

Claro que todos preferíamos que cenas destas se não passassem nos átrios dos tribunais lusos, mas para isso era preciso que gentinha como Armando Vara fosse corrida da política. Claro que, juridicamente falando, Armando Vara goza (como qualquer cidadão) da presunção de inocência, neste ou em qualquer outro caso, até transição em julgado de sentença condenatória, mas em termos políticos há muito que Vara se incluiu, voluntariamente, num grupo de largas centenas de políticos que nas últimas décadas substituíram a máxima da causa política de “servir o povo” por “servir-se do povo”, todos eles, cedo ou tarde, serão politicamente sentenciados pela “vox populi”. E enquanto sujeitinhos como Vara fizerem da política a porca que Bordalo Pinheiro imortalizou, cidadãos como o do vídeo são colírio para os olhos do povo.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

A “socratização” do país (2)

«"Há um limite para os sacrifícios que se podem exigir aos portugueses."
Pedro Passos Coelho, 23 de Março de 2011
"E eu vou descobrir qual é."
Pedro Passos Coelho, 17 de Outubro de 2011
Ufa! Que sorte. Portugal livrou-se de um primeiro-ministro que dava o dito por não dito, faltava às promessas e impunha sucessivas medidas de austeridade, cada uma mais dura que a anterior. É bom olhar para trás, recordar esses tempos longínquos e suspirar de alívio. Para o substituir, os portugueses escolheram um primeiro-ministro que dá o dito por não dito, falta às promessas e impõe sucessivas medidas de austeridade, cada uma mais dura que a anterior. Trata-se de um conceito de governação tão diferente que, por vezes, parece que estamos a viver num país novo. Quem vive em democracia tem de estar preparado para estas mudanças radicais. Sócrates usava, normalmente, gravatas de tom azul, enquanto Passos Coelho prefere os verdes e os ocres. No entanto, depois de um período de adaptação, os portugueses habituaram-se rapidamente à principal mudança política das duas legislaturas. Em abono da verdade, deve dizer-se que o povo português, embora seja dado a escolhas muito diferentes, de eleição para eleição, tem uma notável capacidade de se adaptar à nova conjuntura política. Repare-se, a título de exemplo, no que acontece com o estilo de Vítor Gaspar, e no modo como os portugueses o aceitaram sem pestanejar - até porque se torna bem difícil pestanejar quando se ouve o ministro das Finanças. Vítor Gaspar tem, como é óbvio, aptidões em várias áreas do saber, embora nenhuma delas seja, ao que parece, a economia ou as finanças. Trata-se de um homem evidentemente versado em hipnotismo e encantamento de serpentes. Cinco minutos a ouvir Vítor Gaspar e o contribuinte começa a sentir-se com sono, muito sono. É nessa altura que percebe que a carteira começa a sair-lhe do bolso, ao som da voz encantatória do ministro. Seduzida pelo magnetismo animal de Gaspar, a carteira abandona o nosso bolso e dança até ao Ministério das Finanças, onde deposita os subsídios de férias e de Natal. Depois, regressa à nossa algibeira, para reabastecer. Gaspar, o encantador de carteiras, já demonstrou ter capacidade para fazer este truque todos os anos. Mas o povo, sempre pérfido, prepara-lhe uma partida cruel: a tendência maldosa do trabalhador português para o desemprego e o trabalho precário levará a que, em breve, não sobre quase ninguém a beneficiar de 13º mês. Lá terá o governo de nos levar o décimo segundo.»
Ricardo Araújo Pereira, na “Visão” da passada semana